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Fatores associados ao estresse ocupacional entre profissionais de enfermagem em serviços de saúde de média complexidade

RESUMO

Objetivo:

Analisar os fatores associados ao estresse ocupacional entre trabalhadores de enfermagem dos serviços de saúde de média complexidade.

Métodos:

Estudo epidemiológico, transversal, exploratório. Investigou-se amostra, aleatoriamente selecionada, de 126 profissionais de enfermagem dos serviços de média complexidade de três municípios na Bahia: Santo Antônio de Jesus, Feira de Santana e Itabuna. Os dados foram coletados nos anos de 2011 e 2012. Para avaliar o estresse ocupacional, utilizou-se o modelo demanda-controle, proposto por Karasek. A análise simultânea dos fatores ocupacionais estressores foi feita com emprego de regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

A prevalência de estresse ocupacional entre profissionais de enfermagem foi de 77%. Estresse ocupacional associou-se à categoria profissional de técnico/a de enfermagem (p=0,01).

Conclusão:

Os dados evidenciam situação preocupante de exposição desse grupo a estressores ocupacionais, sendo necessária a adoção de estratégias de enfrentamento a fim de garantir proteção integral à saúde do/a trabalhador/a.

Descritores:
Saúde Mental; Estresse Ocupacional; Equipe de Enfermagem; Trabalhador da Saúde; Saúde Ocupacional

ABSTRACT

Objective:

To analyze the factors associated with occupational stress among nursing workers in health services of medium complexity.

Methods:

Epidemiological, cross-sectional, exploratory study. A randomly selected sample of 126 nursing professionals from medium complexity services in three cities in the state of Bahia (Santo Antônio de Jesus, Feira de Santana and Itabuna) was investigated. Data were collected in 2011 and 2012. The demand-control model proposed by Karasek was used to assess occupational stress. Simultaneous analysis of occupational stressors was performed using Poisson regression with robust variance.

Results:

The prevalence of occupational stress among nursing professionals was 77%. Occupational stress was associated with the professional category of nursing technician (p=0.01).

Conclusion:

The data indicates a concerning situation of exposure to occupational stressors, which requires coping strategies in order to protect the health of the worker.

Descriptors:
Mental Health; Work-Related Stress; Team Nursing; Health Personnel; Occupational Health

RESUMEN

Objetivo:

analizar los factores asociados al estrés laboral entre trabajadores de enfermería de servicios de salud de mediana complejidad.

Métodos:

estudio epidemiológico, de diseño transversal y exploratorio. Se investigó una muestra de 126 profesionales de enfermería en tres municipios de Bahía. Los datos se recogieron durante los años 2011 y 2012. Para evaluar el estrés laboral, se utilizó el modelo demanda-control propuesto por Karasek. El análisis simultáneo de los factores laborales estresores se llevó a cabo mediante la regresión de Poisson con variancia robusta.

Resultados:

La prevalencia del estrés laboral entre profesionales de enfermería era del 77%. Dicho estrés estaba asociado a la categoría profesional de técnico/a de enfermería (p=0,01).

Conclusión:

Los datos demuestran la existencia de una situación preocupante en ese grupo, con exposición a estresores laborales, haciéndose necesario la adopción de estrategias de enfrentamiento a fin de garantizar una protección integral para la salud de los trabajadores.

Descriptores:
Salud Mental; Estrés Laboral; Grupo de Enfermería; Personal de Salud; Salud Laboral

INTRODUÇÃO

Estresse é o estado gerado pela percepção de estímulos que provocam excitação emocional e, ao perturbarem a homeostasia, disparam um processo de adaptação caracterizado, entre outras alterações, pelo aumento de secreção de adrenalina e cortisol, produzindo diversas manifestações sistêmicas que, se vivenciadas continuamente, podem resultar em distúrbios fisiológicos e psicológicos. O termo estressor, por sua vez, define o evento ou o estímulo que provoca ou conduz ao estresse (11 Hirschle ALT, Gondim SMG, Alberton GD, Ferreira, ASM. Estresse e bem-estar no trabalho: o papel moderador da regulação emocional. Rev Psicol Org Trabalho [Internet]. 2019 [cited 2019 Jun 10];19(1):532-40. Available from: https://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.1.14774
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).

No contexto do trabalho, o estresse decorre de situações em que as demandas excedem a capacidade dos trabalhadores de, adequadamente, respondê-las, ou originam-se quando as condições oferecidas e recursos disponibilizados são insuficientes para o seu atendimento. Assim, quando as demandas ocupacionais ultrapassam a capacidade do trabalhador se adaptar, ocorre então o que se chama de estresse ocupacional (22 Argüeso MS, González MI. Trabajo y sociedad [Internet]. Facultad de Humanidades, Ciencias Sociales y de la Salud, Universidad Nacional de Santiago del Estero; 2015 [cited 2017 Nov 14]. Available from: http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1514-687
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).

O estresse ocupacional, quando cotidianamente vivenciado, pode gerar tensão física ou psicológica que, por sua vez, pode desencadear insatisfação, desinteresse, apatia e irritação. Os impactos decorrentes de vivência de situações estressantes contínuas e prolongadas são amplos e envolvem repercussões pessoais, sociais e econômicas. Do ponto de vista econômico, por exemplo, observa-se diminuição do desempenho laboral, o que implica redução de produtividade e aumento dos custos das empresas, especialmente em decorrência dos problemas de saúde dos trabalhadores, aumento do absenteísmo, do número de acidentes de trabalho e aumento da rotatividade (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
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). Estudos recentes apontam relação consistente entre situações estressoras e diversos efeitos na saúde: doença cardiovascular e hipertensão (campos temáticos de longa tradição de investigação e nos quais há significativa produção de evidências empíricas dessa associação); na saúde mental, especialmente depressão e ansiedade; e sistema imunológico, dentre outros efeitos estudados (44 Araújo TM, Santana AIC, Almeida MMG, Santos KOB. Psychosocial aspects of work and common mental disorders among health workers: contributions of combined models. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 20];19(3):645-57. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201600030014
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-55 Hove H, Wahrendorf M, Siegrist J. Occupational position, work stress and depressive symptoms:a pathway analysis of longitudinal SHARE. J Epidemiol Community Health [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 02];69(5):447-52. Available from: http://dx.doi.org/10.1136/jech-2014-205206
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).

Desse modo, o monitoramento dos níveis de estressores ocupacionais é relevante para acompanhar a situação de saúde e qualidade de vida dos trabalhadores, bem como para definir ações que possam reduzir ou eliminar tais estressores. Esse acompanhamento pode ser feito com a utilização de ferramentas de mensuração adequadas.

Na literatura, estão disponíveis vários modelos e instrumentos de pesquisa destinados a avaliar estressores ocupacionais. Dentre esses modelos, um dos mais utilizados em todo o mundo é o Modelo Demanda-Controle (MDC), que avalia características psicossociais do trabalho, com destaque para a demanda psicológica envolvida na atividade laboral e o nível de controle do trabalhador sobre o seu trabalho. O Job Content Questionnaire (JCQ) é o instrumento proposto para a mensuração dessas dimensões (66 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm Sci Q [Internet]. 1979 [cited 2017 Nov 30];24(2):285-308. Available from: http://www.jstor.org/stable/2392498?origin=crossref
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). A principal predição desse modelo é que o trabalho realizado sob condições de baixo controle e de alta demanda psicológica (situação denominada como de alta exigência) representa risco à saúde, favorecendo o adoecimento físico e mental dos trabalhadores (66 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm Sci Q [Internet]. 1979 [cited 2017 Nov 30];24(2):285-308. Available from: http://www.jstor.org/stable/2392498?origin=crossref
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).

A avaliação e o acompanhamento de indicadores de exposição a estressores ocupacionais, possibilitados pelo uso de instrumentos como o JCQ, são particularmente importantes em alguns grupos de trabalhadores, como os profissionais de enfermagem, entre os quais, frequentemente, se tem observado elevado nível de estressores no ambiente de trabalho (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
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). Em sua prática diária, prestam assistência direta aos pacientes e estão expostos a vários riscos correlacionados à atividade laboral, que, por consequência, podem vivenciar diversas situações de estresse ocupacional. A convivência constante com processos de trabalho marcados pela dor, sofrimento, desespero, incertezas, e diversos outros sentimentos decorrentes da experiência de uma doença, configura situações que favorecem o estresse (44 Araújo TM, Santana AIC, Almeida MMG, Santos KOB. Psychosocial aspects of work and common mental disorders among health workers: contributions of combined models. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 20];19(3):645-57. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201600030014
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,77 Sousa AFL, Queiroz AAFLN, Oliveira LB, Moura MEB, Batista OMA, Andrade D. Social representations of biosecurity in nursing: occupational health and preventive care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 10];69(5):864-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0114.
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). As condições nas quais se convive com essas situações podem ajudar no seu enfrentamento ou, ao contrário, ampliar seus impactos. Se as condições são precárias, insalubres ou inseguras, a tensão será aumentada, elevando o estresse. Como as condições inadequadas para o exercício profissional de enfermagem são frequentes, segundo o que é consistentemente relatado na literatura, a enfermagem foi classificada pela Health Education Authority como a quarta profissão mais estressante do setor público (88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
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). Enfermeiros e técnicos de enfermagem são consideradas profissões estressantes devido à extensa carga de trabalho, à responsabilidade por diversos setores, ao convívio com o sofrimento e dor dos usuários e seus familiares (99 Araújo TM, Aquino EMG, Santos CO, Aguiar L. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras de enfermagem. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [cited 2017 Dec 11];37(4):424-33. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000400006.
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).

A maior parte dos dados disponíveis na literatura sobre estresse ocupacional em trabalhadores de enfermagem é relativa ao trabalho em contextos hospitalares. Poucos estudos focalizaram o trabalho na atenção básica de saúde ou nos serviços de média complexidade. No Brasil, no Sistema Único de Saúde (SUS), a média complexidade é definida como um conjunto de ações e serviços ambulatoriais e hospitalares que visam atender aos principais problemas de saúde da população, cuja prática clínica demanda a disponibilidade de profissionais especializados e de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico, correspondendo à atenção especializada (66 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm Sci Q [Internet]. 1979 [cited 2017 Nov 30];24(2):285-308. Available from: http://www.jstor.org/stable/2392498?origin=crossref
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). No SUS, com base na ideia de rede de atenção hierarquizada, os serviços da média complexidade foram constituídos para fornecer serviços especializados em sequência às ações desenvolvidas na atenção primária à saúde (unidades básicas de saúde e de saúde da família).

Esse nível de atenção envolve diversos tipos de serviços, como urgência/emergência, atenção específica (voltada para assistência e monitoramento de agravos - ex.: hipertensão arterial, diabete mellitus, câncer, doença falciforme ou de grupos - saúde da mulher, do idoso, do trabalhador), especialidades odontológicas e combate a endemias. Em alguns desses serviços, como aquele realizado nos ambientes de urgência, os trabalhadores convivem com o fato de lidar com o inesperado, o que se constitui fator de risco para o surgimento de estresse ocupacional (77 Sousa AFL, Queiroz AAFLN, Oliveira LB, Moura MEB, Batista OMA, Andrade D. Social representations of biosecurity in nursing: occupational health and preventive care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 10];69(5):864-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0114.
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). Nos demais serviços nesse nível de atenção, os trabalhadores se deparam com situações complexas, que demandam recursos mais complexos, mas que nem sempre estão disponíveis, também produzindo pressão, sofrimento e ansiedade (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
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).

Este estudo busca investigar estressores ocupacionais em trabalhadores da média complexidade. A sua realização justifica-se pela escassez de estudos que avaliaram serviços de média complexidade no Brasil, especialmente quando se considera o seu conjunto e não apenas aqueles de urgência/emergência. Justifica-se também pela necessidade de dimensionar estressores ocupacionais nesse grupo, a fim de fomentar intervenções para evitar exposição prolongada ou contínua a situações estressoras. Isso se faz necessário visto que problemas de saúde do trabalhador constituem importante questão de saúde pública. Por meio deste estudo, o diagnóstico de uma dada situação de saúde e trabalho será oferecido. Os resultados obtidos, ao orientar ações, podem contribuir para que os profissionais de enfermagem apresentem melhor desempenho profissional e, principalmente, estejam menos expostos a situações de desgaste (77 Sousa AFL, Queiroz AAFLN, Oliveira LB, Moura MEB, Batista OMA, Andrade D. Social representations of biosecurity in nursing: occupational health and preventive care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 10];69(5):864-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0114.
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). Portanto, os resultados de pesquisas nessa perspectiva poderão constituir importante estratégia de promoção à saúde. Adicionalmente, como o estresse ocupacional pode predispor ao surgimento de diversos tipos de problemas corporativos (como aumento do absenteísmo ocupacional, diminuição da produtividade), com impacto na qualidade de vida no trabalho, insatisfação, acidentes de trabalho e até mesmo culminar em abandono da profissão (22 Argüeso MS, González MI. Trabajo y sociedad [Internet]. Facultad de Humanidades, Ciencias Sociales y de la Salud, Universidad Nacional de Santiago del Estero; 2015 [cited 2017 Nov 14]. Available from: http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1514-687
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,88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
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), são necessários investimentos na sua avaliação e em medidas de redução de sua ocorrência.

Assim, este estudo tem como questão de estudo: quais os fatores associados ao estresse ocupacional entre profissionais de enfermagem em serviços de saúde de média complexidade na Bahia?

OBJETIVO

Analisar os fatores associados ao estresse ocupacional entre trabalhadores de enfermagem em serviços de saúde de média complexidade na Bahia.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Os aspectos da Resolução 466/2012 foram seguidos. O Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Feira de Santana avaliou os protocolos de pesquisa, que, por sua vez, foram aprovados. Os profissionais selecionados para o estudo, no momento da coleta de dados, foram informados dos objetivos da pesquisa e, após concordarem em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo epidemiológico de corte transversal, que é um recorte do projeto de pesquisa “Condições de Trabalho, Condições de Emprego e Saúde dos Trabalhadores da Saúde na Bahia”, realizado pelo Núcleo de Epidemiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, juntamente com outras universidades estaduais e federais da Bahia (UESC, UESB, UFRB e UFBA). A coleta de dados ocorreu nos anos de 2011 e 2012. Foram seguidas as diretrizes da Equator, através do instrumento Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

A amostra do estudo foi composta por 126 profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) dos serviços de Média Complexidade dos municípios de Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Itabuna. Esses municípios foram selecionados em decorrência de estarem em diferentes regiões da Bahia e serem importantes representantes regionais. Feira de Santana é a segunda maior cidade da Bahia, com 617.528 mil habitantes, localizada a 108 km de Salvador. Santo Antônio de Jesus é um município localizado a 187 Km de Salvador, sendo considerado a capital do Recôncavo Baiano, com população aproximada de 100.605 mil habitantes. Itabuna é um município da região sul da Bahia que possui uma área total de 432,244 km² e está localizado a 426 km da capital da Bahia, com cerca de 212.740 mil habitantes

Os trabalhadores de todas as unidades que compõem os serviços de média complexidade dos municípios estudados foram considerados elegíveis para o estudo. Estão incluídas as seguintes instituições: Unidades de Pronto Atendimento (UPA); Policlínicas; Centros de Referência (Atenção Psicossocial (CAPS); Especialidades Odontológicas (CEO); Saúde do Trabalhador (CEREST), em DST/HIV/AIDS, Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial, Doenças de Anemia Falciforme, Saúde da Mulher, Saúde do Idoso, Dermatologia Sanitária; Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA); Centro de Combate a Endemias; Centro de Prevenção em Oncologia; e Centro de Reabilitação e Desenvolvimento Humano.

Amostra, critérios de inclusão

A amostra do projeto-mãe foi definida em etapas sucessivas: a) obteve-se a lista nominal de todos os trabalhadores em atividade nos serviços de saúde da atenção básica e de média complexidade nos três municípios; b) estimou-se o tamanho amostral, baseado no total da população e em diferentes desfechos de saúde, optando-se por definir o número de trabalhadores a serem estudados com base no desfecho que indicou o maior tamanho amostral; c) definido o tamanho amostral, estratificou-se a amostra segundo três níveis - por área geográfica, nível de assistência (atenção básica e de média complexidade) e grupo ocupacional (sete grupos ocupacionais foram estabelecidos, sendo um deles composto por trabalhadores/as de enfermagem: enfermeiros/as, auxiliares e técnicos/as de enfermagem) -, sendo, assim, a composição da amostra definida com base na participação percentual de cada grupo por nível de estratificação estabelecida; d) estimado o tamanho amostral em cada estrato, foram sorteados os trabalhadores para a composição da amostra com base em listagem de números aleatórios do EpiInfo 6.04d. Após o sorteio, os trabalhadores foram contatados nos próprios locais de trabalho, sendo realizadas até três visitas para que os profissionais fossem identificados e a entrevista fosse realizada.

Para este estudo, inicialmente filtraram-se os profissionais por nível de atenção, separando 1.348 trabalhadores da média complexidade (824 em Feira de Santana, 306 em Itabuna e 218 em Santo Antônio de Jesus). Em seguida, do conjunto de trabalhadores da média complexidade que havia sido sorteado para inclusão no estudo, realizou-se um novo filtro da amostra, identificando-se apenas os profissionais de enfermagem. Desse modo, neste estudo, foram incluídos apenas trabalhadores de enfermagem da média complexidade. Como já mencionado, o sorteio da amostra foi feito por listagem nominal de todos os trabalhadores em suas respectivas áreas geográficas, nível de complexidade dos serviços prestados e grupo ocupacional.

No estudo, foram entrevistados 126 profissionais (enfermeiros/as, auxiliares e técnicos/as de enfermagem) que compuseram a população desta investigação.

Como critérios de inclusão neste estudo, foram considerados os profissionais de enfermagem que estavam em pleno exercício profissional durante a coleta de dados. Foram excluídos aqueles que estavam de férias, atestado ou licença médica durante o período de trabalho de campo.

Protocolo do estudo

Utilizou-se, na coleta de dados, um questionário que foi construído de acordo com a revisão de literatura, passando por teste no estudo piloto. Esse questionário continha questões sobre hábitos de vida, atividades domésticas, condições de trabalho e aspectos psicossociais do trabalho, além de características sociodemográficas e do emprego. O questionário foi autoaplicado para os trabalhadores de nível superior. Para os de nível médio, o instrumento foi aplicado por entrevistadores treinados previamente. Esses diferentes procedimentos foram adotados para garantir a operacionalidade do estudo.

A variável desfecho deste estudo foi estresse ocupacional avaliado pelo Modelo Demanda-Controle, proposto por Karasek e utilizado em diversos países (66 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm Sci Q [Internet]. 1979 [cited 2017 Nov 30];24(2):285-308. Available from: http://www.jstor.org/stable/2392498?origin=crossref
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). A escala de demanda psicológica é constituída por cinco itens e de controle sobre o próprio trabalho por nove itens (seis relativos ao uso de habilidade e três sobre autoridade decisória). Esses itens são mensurados em escala tipo likert (1: discordo fortemente, 2: discordo, 3: concordo, 4: concordo fortemente). Para a construção dos escores das escalas, foram seguidas as recomendações do Manual do JCQ Center (www.JCQCenter.org). Os escores foram dicotomizados com base na mediana da distribuição de cada escala. Em seguida, combinaram-se níveis de demanda e de controle, compondo os quatro grupos definidos no modelo (baixa exigência, trabalho ativo e passivo e de alta exigência).

Para fins de análise, considerou-se presença de estresse ocupacional para a situação das pessoas que foram categorizadas nos grupos de “alta exigência” (baixo controle, alta demanda), “trabalho passivo” (baixo controle, baixa demanda) e “trabalho ativo” (alto controle, alta demanda). Ou seja, consideraram-se expostos ao estresse ocupacional aqueles profissionais que vivenciavam situação de exposição a alta demanda e baixo controle, em conjunto (ambos) ou a apenas um desses fatores. Os que foram classificados como de “baixa exigência” (alto controle, baixa demanda) foram considerados com o grupo de referência, ou de ausência de estresse ocupacional.

As variáveis de exposição investigadas foram as seguintes: características sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, cor da pele autorreferida, situação conjugal, ter filhos), características ocupacionais (tempo de trabalho, atividade profissional, vínculo de trabalho, renda mensal em salário mínimo, turno de trabalho, jornada de trabalho semanal, cumprimento dos direitos trabalhistas, possuir outro trabalho, satisfação com o trabalho, violência ocupacional) e hábitos de vida (atividade física, consumo de bebida alcoólica, tabagismo, atividade de lazer).

Análise dos resultados e estatística

Foram realizadas análises univariada, bivariada e multivariada. Na análise univariada, foram estimadas as frequências absolutas e relativas para cada uma das variáveis selecionadas. Na análise bivariada, foram estimadas as razões de prevalência, analisando-se o estresse ocupacional segundo as variáveis de interesse.

As variáveis foram pré-selecionadas para entrarem no modelo multivariado com base no emprego do teste de Qui-Quadrado de Pearson (X²) ou exato de Fisher, considerando-se nível de significância de 25%, ou seja, todas as variáveis que atingiram o valor de p ≤0,25 na etapa de análise bivariada foram selecionadas para entrar no modelo multivariado, de forma individual, independente dos blocos (características sociodemográficas, ocupacionais e hábitos de vida), considerando-se a significância estatística da análise bivariada com o emprego do valor de p. Verificou-se, também, existência de colinearidade entre as variáveis de modo a evitar que duas variáveis medindo aspectos similares fossem incluídas simultaneamente no modelo multivariado. Isso foi feito para evitar o seu superajustamento.

A pré-seleção de variáveis para a testagem de modelos multivariados tem sido defendida como etapa necessária de avaliação em função de possibilitar iniciar a análise com um conjunto amplo de variáveis e permitir a retenção daquelas que, de fato, podem estar relacionadas ao evento sob estudo. Por outro lado, recomenda-se a adoção de critérios estatísticos mais flexíveis nesses processos de pré-seleção (com o uso de valores de p superiores ao tradicional 5% utilizado) (1010 Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. [S.l.]: John Wiley and Sons, 2000.). Assim, neste estudo, partiu-se da exploração de um conjunto amplo de variáveis, adotando-se valor de p≤0,25 na pré-seleção de variáveis. As variáveis selecionadas nessa etapa seguiram para testagem no modelo multivariado.

Para a análise multivariada, foi utilizada a regressão logística não condicional. Permaneceram no modelo final as variáveis cuja associação foi estatisticamente significante ao nível de 5%. As estimativas de prevalência foram feitas empregando-se a Regressão de Poisson com variância robusta. A adequação do modelo final foi avaliada por meio da área sob curva ROC. O software utilizado para as análises de dados foi o “Data Analysis and Statistical Software” (STATA), versão 12.0.

RESULTADOS

Dentre os 126 trabalhadores de enfermagem dos serviços de média complexidade do estudo, no que diz respeito às características sociodemográficas, predominaram as mulheres (92,9%), com idade menor ou igual a 35 anos (51,6%), cor da pele autorreferida preta e parda (81,6%), de escolaridade com nível técnico (43,1%), com companheiro (53,1%) e que tinham filhos (64,3%).

Com relação às características ocupacionais, observou-se que a maioria apresentou atividade profissional como técnico de enfermagem (71,4%), com vínculo de trabalho não efetivo (66,4%), que não tinha seus direitos trabalhistas cumpridos (81,0%), com tempo de trabalho de até 10 anos (65,9%), jornada de trabalho menor ou igual a 40 horas semanais (97,6%), com turno de trabalho diurno mais prevalente (69,1%) e renda de até dois salários mínimos (53,6%). Ter outro trabalho remunerado foi referido por mais da metade dos profissionais (56,0%). Satisfação com o trabalho foi referida por 68,3% e 76,2% já tinham presenciado violência ocupacional no ambiente de trabalho.

No que tange aos hábitos de vida, evidenciou-se que a maioria não praticava atividade física (74,0%), mas mantinha prática de atividades de lazer (88,1%), não era tabagista (96,0%) e não consumia bebida alcoólica (64,0%).

A prevalência global de Estresse Ocupacional (Tabela 1) entre trabalhadores de enfermagem nos serviços de média complexidade da Bahia, avaliada pelo Modelo Demanda-Controle, foi de 77,0%. Ou seja, 77% dos profissionais vivenciavam alguma situação estressante (de baixo controle ou de alta demanda psicológica), seja de modo simultâneo (ambas ao mesmo tempo) ou separadamente (uma ou outra dessa situação). Na situação de alta exigência, quando ambas as situações desfavoráveis (baixo controle e alta demanda psicológica) estavam presentes, registraram-se 26,2% dos profissionais.

Tabela 1
Prevalência de Estresse Ocupacional entre trabalhadores de enfermagem da Média Complexidade (N=126), Brasil, Bahia, 2012

Na análise bivariada de associação entre características sociodemográficas e Estresse Ocupacional (Tabela 02), foram pré-selecionadas, segundo os critérios estabelecidos (p<0.25), as variáveis sexo feminino (p=0,113), escolaridade com nível técnico (p=0,037) e nível superior (p=0,013), ter companheiro (p=0,010) e ter filhos (0,244).

Tabela 2
Frequência de Estresse Ocupacional entre trabalhadores de enfermagem segundo características sociodemográficas, Bahia, Brasil, 2012

Na análise bivariada de associação entre características ocupacionais e Estresse Ocupacional (Tabela 03), as variáveis pré-selecionadas foram atividade profissional como técnico de enfermagem (p=0,002), vínculo de trabalho não efetivo (p=0,103), ausência do cumprimento dos direitos trabalhistas (p=0,182) e renda de até dois salários mínimos (p=0,196).

Tabela 3
Frequência de Estresse Ocupacional entre trabalhadores de enfermagem segundo características ocupacionais, Bahia, Brasil, 2012

Na análise de associação entre hábitos de vida e Estresse Ocupacional (Tabela 04), observou-se associação positiva, estatisticamente significante, apenas com ausência da prática de atividade física (p=0,157).

Tabela 4
Frequência de Estresse Ocupacional entre os trabalhadores de enfermagem segundo hábitos de vida, Bahia, Brasil, 2012

Após análise multivariada (Tabela 05), permaneceu associada ao Estresse Ocupacional a atividade profissional exercida como técnico/a de enfermagem (RP=1,43; IC=1,067-1,914; p=0,017). A análise diagnóstica do modelo final foi realizada estimando-se a área abaixo da curva ROC, que evidenciou valor igual a 0,72, conferindo boa discriminação dos achados.

Tabela 5
Análise Multivariada do tipo regressão logística não condicional para Estresse Ocupacional entre trabalhadores de enfermagem da Média Complexidade, Bahia, Brasil, 2012

DISCUSSÃO

Os resultados permitiram identificar características gerais dos trabalhadores da média complexidade nos municípios estudados. Conforme observado no presente estudo, profissionais de enfermagem constituem uma categoria essencialmente feminina, como comprovam outras pesquisas realizadas no Brasil (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
,88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-010...
-99 Araújo TM, Aquino EMG, Santos CO, Aguiar L. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras de enfermagem. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [cited 2017 Dec 11];37(4):424-33. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000400006.
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). No grupo estudado, a predominância de mulheres, com idade jovem, afrodescendente, técnicas de enfermagem e com vínculo de trabalho não efetivo coincide com resultados de pesquisa realizada com trabalhadores da saúde de um hospital universitário, demonstrando características sociodemográficas semelhantes às encontradas neste estudo (88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-010...
). Maior participação das mulheres no trabalho do setor da saúde tem sido descrita, em especial na enfermagem (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
-44 Araújo TM, Santana AIC, Almeida MMG, Santos KOB. Psychosocial aspects of work and common mental disorders among health workers: contributions of combined models. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 20];19(3):645-57. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201600030014
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).

Com relação ao desfecho avaliado, mensurado pelo modelo demanda-controle, os resultados mostraram frequência muito elevada de estresse ocupacional na população estudada. Mais de ¾ do grupo estudado estava exposto a situação de alta demanda psicológica ou baixo nível de controle sobre o próprio trabalho, de modo simultâneo ou isolado. Estudo realizado com profissionais de enfermagem de unidades de emergência, no Mato Grosso do Sul, mostrou prevalências de estresse ocupacional de 70%, portanto, similar ao encontrado neste estudo, evidenciando a gravidade do desfecho entre esses profissionais (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
). Ressalta-se que, no estudo citado (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
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), 32,1% foram classificados na situação de trabalho em alta exigência e 38,1% em trabalho passivo.

Como já descrito, o estresse no ambiente de trabalho decorre dos aspectos da organização, administração e sistema de trabalho e da qualidade das relações humanas (44 Araújo TM, Santana AIC, Almeida MMG, Santos KOB. Psychosocial aspects of work and common mental disorders among health workers: contributions of combined models. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 20];19(3):645-57. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201600030014
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). O trabalho de enfermagem é complexo e envolve grande tensão emocional, desgaste físico e psíquico, o que contribui para desencadear estresse. Se as condições do ambiente de trabalho forem desfavoráveis, essas características inerentes ao trabalho serão ainda mais desgastantes.

Uma revisão de literatura sobre os fatores estressores relacionados ao ambiente de trabalho entre profissionais de enfermagem demonstrou que estrutura física inadequada, excesso de ruídos do ambiente e dos aparelhos, subdimensionamento de profissionais e falta de recursos foram considerados fatores produtores de estresse. Além disso, os sentimentos vivenciados por profissionais de enfermagem relacionados à desvalorização profissional, à insatisfação com o trabalho e às relações interpessoais ruins tornam ainda mais estressante o trabalho. Todos esses sentimentos podem desencadear sintomas de irritabilidade, fadiga, tristeza, sonolência e isolamento social, resultando num quadro de estresse ocupacional (1111 Moraes-Filho IM, Almeida RJ. Estresse ocupacional no trabalho em enfermagem no Brasil: uma revisão integrativa. Rev Bras Promoc Saúde [Internet]. 2016[cited 2018 Feb 15];29(3):447-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/4645
https://periodicos.unifor.br/RBPS/articl...
).

Este estudo focalizou as características que podem conformar as situações estressantes preconizadas pelo modelo demanda-controle. Esse foco decorre da preocupação de que a exposição contínua ao estresse, como já mencionada, tem impactos significativos no estado físico e mental do trabalhador da área da enfermagem, podendo elevar as dificuldades no exercício adequado da profissão e nas atividades relacionadas ao cotidiano da vida. Os impactos na saúde são relevantes e consistentes na literatura (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
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,88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
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-99 Araújo TM, Aquino EMG, Santos CO, Aguiar L. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras de enfermagem. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [cited 2017 Dec 11];37(4):424-33. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000400006.
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). Resultados de estudo com profissionais de enfermagem de nove serviços de emergência (N=134), em estudo de associação entre estressores ocupacionais e estado de saúde autorrelatado, atestam o efeito deletério dos estressores: testando modelos ajustados por diferentes variáveis de confundimento, observou-se que os trabalhadores submetidos a todos os tipos de estresse no trabalho (alta exigência, trabalho passivo e ativo), quando comparados com aqueles em baixa exigência, apresentaram maiores frequências de autoavaliação de saúde ruim; na situação de alta exigência, as associações foram muito robustas (OR=4,3 a OR=7,8). Ainda que neste estudo não tenha sido abordada associação dos fatores estressores com a saúde, esses resultados, oriundos de população similar à estudada aqui, fortalecem a relevância de monitoramento das fontes estressoras no ambiente de trabalho, com especial atenção ao que pode gerar tais situações.

A análise bivariada evidenciou relação de estressores ocupacionais com características sociodemográficas (sexo feminino, escolaridade de nível técnico ou superior - comparado com formação de mestrado, ter companheiros e filhos e receber menos de dois salários mensais), características ocupacionais (ser técnico/a de enfermagem, não ter trabalho efetivo e nem direitos trabalhistas - férias, folgas) e hábitos de vida (não praticar atividade física).

Aspectos relativos aos papéis e responsabilidades atribuídas às mulheres e aos homens nas sociedades estruturam diferentes tipos de vivências sociais (seja no trabalho remunerado, seja no trabalho doméstico e familiar) e, consequentemente, estabelecem níveis de exposição e riscos à saúde diferenciados. A inserção da mulher no mercado de trabalho não a desvinculou de suas obrigações domésticas. Assim, o excesso de trabalho decorrente de cargas duplas, às vezes triplas, de trabalho pode levar ao estresse ocupacional (88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
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-99 Araújo TM, Aquino EMG, Santos CO, Aguiar L. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras de enfermagem. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [cited 2017 Dec 11];37(4):424-33. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000400006.
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,1212 Sousa LP; Guedes DR. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados [Internet]. 2016 [cited 2018 Feb 15];30(87):123-140. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142016.30870008
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). Estudo sobre o estresse no trabalho em enfermagem aponta que o acúmulo de múltiplas tarefas exercidas pelas mulheres, que, além da sobrecarga de trabalho, inclui afazeres domésticos e cuidados com os filhos, acaba por produzir sentimentos de impotência e e frustração, uma vez que não se consegue dar conta de todo o trabalho para o qual são demandadas (88 Lua ID, Araújo TM, Santos KOB, Almeida MMG. Factors associated with common mental disorders among female nursing professionals in primary health care. Psicol Reflex Crit [Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 15];31:1-14. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s41155-018-0101-4
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,1212 Sousa LP; Guedes DR. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados [Internet]. 2016 [cited 2018 Feb 15];30(87):123-140. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142016.30870008
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). Estudo sobre as questões de gênero, as características psicossociais do trabalho e o estado de saúde mostrou que as mulheres apresentaram características mais negativas do que os homens, em especial, a falta de oportunidade de crescimento no ambiente de trabalho, informação relevante para a enfermagem, uma vez que a profissão é predominantemente constituída por profissionais do sexo feminino (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
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).

A análise em conjunto das características sociodemográficas associadas aos estressores ocupacionais permite indicar que a carga de trabalho profissional se soma à carga de trabalho doméstico, elevando, por um lado, o desgaste físico e mental das mulheres, bem como, por outro, reduzindo as formas de recomposição (horas de sono, atividades de lazer e repouso). A exigência de atendimento às demandas de um companheiro e dos filhos eleva o tempo total de atividade laboral (fora de casa e em casa) e, em geral, consiste de uma “imensa massa de trabalho invisível” que é assumida pelas mulheres (1212 Sousa LP; Guedes DR. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados [Internet]. 2016 [cited 2018 Feb 15];30(87):123-140. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142016.30870008
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). Esses achados, apesar de serem de uma etapa de análise preliminar neste estudo, nos alertam sobre a necessidade de dar visibilidade ao trabalho doméstico ao se analisar ocupações majoritariamente realizadas pelas mulheres. Deve-se, assim, considerar a carga total de trabalho (profissional e doméstico), uma vez que nessas duas esferas podem estar fatores que elevam a produção de estresse (99 Araújo TM, Aquino EMG, Santos CO, Aguiar L. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras de enfermagem. Rev Saúde Pública [Internet]. 2003 [cited 2017 Dec 11];37(4):424-33. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000400006.
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,1212 Sousa LP; Guedes DR. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados [Internet]. 2016 [cited 2018 Feb 15];30(87):123-140. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142016.30870008
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).

A frequência de estressores ocupacionais foi mais elevada entre os mais jovens. Há maiores índices negativos relacionados ao esgotamento emocional nesses profissionais, os quais apontam uma ligação de idade e experiência, sugerindo que os mais jovens apresentam maior nível de sobrecarga (33 Theme-Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2013 [cited 2017 Oct 20];21(2):475-83. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200002.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
,1313 Rocha SV, Barbosa AR, Araujo TM. Leisure-time physical inactivity among healthcare workers. Int J Occup Med Environ Health [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 20];31(3):251-60. Available from: http://dx.doi.org/10.13075/ijomeh.1896.01107
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).

As proporções de estressores ocupacionais foram similares segundo o nível de escolaridade nos níveis superior e técnico (ambos em patamares bem elevados), enquanto foi menor no nível de formação mais especializada, de mestrado. Esse resultado reforça a hipótese de que níveis de formação maiores podem ajudar no manejo das tensões no trabalho, contribuindo para redução do impacto de fatores estressores (1313 Rocha SV, Barbosa AR, Araujo TM. Leisure-time physical inactivity among healthcare workers. Int J Occup Med Environ Health [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 20];31(3):251-60. Available from: http://dx.doi.org/10.13075/ijomeh.1896.01107
http://dx.doi.org/10.13075/ijomeh.1896.0...
). No caso do trabalho de saúde em níveis especializados, como são os serviços de média complexidade, estar bem qualificado e atualizado para atender às demandas que surgem é fundamental. No seu oposto, estar inseguro, se sentir desatualizado ou insuficientemente preparado para o enfrentamento de situações que envolvem o bem-estar de outra pessoa - nesse caso, que demandam uma intervenção em um problema com algum nível de complexidade - podem produzir desgaste e tensão, configurando-se fatores estressores.

A exposição a situações precárias de trabalho decorrentes, por exemplo, de vínculo empregatício temporário e sem a garantia de direitos trabalhistas tem sido apontada como importante estressor ocupacional e de riscos à saúde (1414 Silva JLL da, Soares R da S, Costa F dos S, Ramos D de S, Lima FB, Teixeira LR. Psychosocial factors and prevalence of burnout syndrome among nursing workers in intensive care units. Rev Bras Ter Intensiva [Internet] 2015 [cited 2017 Nov 13];27(2):125-33. Available from: http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/0103-507X.20150023
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). Nos municípios estudados, na média complexidade, foi predominante o tipo de vínculo temporário, sem estabilidade empregatícia. A ausência de segurança no trabalho, bem como de amparo dos direitos sociais (folgas e férias remuneradas), conecta-se a dois tipos de sentimentos: a preocupação constante com a possibilidade de manter ou não sua inserção no mercado e a continuidade de um ritmo intenso de trabalho, já que períodos de repouso ou de relaxamento não estão garantidos ou preservados, como desejado e necessário. Esses sentimentos podem ser geradores de estressores ocupacionais relevantes.

A literatura aponta que a prática de atividade é fator distensionador. Assim, indivíduos que praticam regularmente atividades físicas têm a possibilidade de usufruir de alternativas para relaxar e vivenciar situações agradáveis, em geral, em ambientes diferentes da casa ou do trabalho. Quando as demandas laborais são intensas, tais como situações que envolvem dor e sofrimento, mais relevantes se tornam as alternativas para o alcance do equilíbrio físico e mental (1313 Rocha SV, Barbosa AR, Araujo TM. Leisure-time physical inactivity among healthcare workers. Int J Occup Med Environ Health [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 20];31(3):251-60. Available from: http://dx.doi.org/10.13075/ijomeh.1896.01107
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,1515 Ribeiro RPE, Marziale MHP, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro PHV. Occupational stress among health workers of a university hospital. Rev Gaúcha Enferm[Internet]. 2018 [cited 2019 Jun 04];39:e65127. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018.65127
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018...
).

Todas as variáveis mencionadas acima estavam relacionadas, segundo os critérios adotados, com a produção de estressores ocupacionais, quando avaliadas isoladamente. Quando se empregou análise multivariada, apenas a variável da ocupação (ser técnico/a de enfermagem) manteve associação estatisticamente significante com estresse ocupacional.

Esse achado de destaque da ocupação (ser profissional auxiliar ou técnico/a de enfermagem) como fator de estresse ocupacional pode ser explicado pela escassez de recursos humanos e de materiais adequados ao tipo de trabalho, comumente encontrada nos serviços de saúde. Tal desequilíbrio entre recursos disponíveis e demandas dos serviços aumenta com o nível de complexidade da atenção envolvida. Serviços especializados, em geral, demandam mais recursos e materiais, além de uma base tecnológica atualizada. Assim, como a demanda por equipamentos e recursos nos serviços de média complexidade é elevada, algumas atividades laborais podem ser mais estressantes do que outras. Quanto mais próximo do cuidado direto ao paciente está o trabalhador, mais a vivência desse descompasso é experimentada, uma vez que parte da responsabilidade pela situação de precariedade pode ser imputada pelo paciente ao profissional, como também o próprio profissional pode ter um julgamento de falha pessoal ao não conseguir fazer o trabalho como deveria ser feito.

Como os cuidados diretos ao paciente são assumidos mais frequentemente pelos técnicos de enfermagem, as vivências de situações estressantes podem ser mais frequentes para esses profissionais, como se observou neste estudo. Outras características, como elevada carga de trabalho, plantões noturnos, relacionamentos interpessoais difíceis e conflitos entre as atividades trabalho-casa, podem se somar a essa tensão, produzindo resultados negativos intensos. Essa última atividade, em especial, deve ser considerada, pois a maioria dos trabalhadores de enfermagem são mulheres, que são majoritariamente responsáveis pelas atividades domésticas, produzindo sobrecarga psicológica e, em consequência, predispondo também ao estresse ocupacional (1616 Scholze AR, Martins JT, Do ML, Cruz Robazzi C, Do M, Fernandez C, et al. Occupational stress and associated factors among nurses at public hospitals. Cogitare Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 28];22(3):e50238. Available from: http://www.saude.ufpr.br/portal/revistacogitare/wp-content/uploads/sites/28/2017/07/50238-212397-1-PB.pdf
http://www.saude.ufpr.br/portal/revistac...
).

Ambientes de trabalho com característica de alta e média complexidade são considerados estressantes. Nesses espaços, os profissionais sofrem intensas demandas em razão dos atendimentos de alta complexidade, que requerem elevadas cargas de prontidão e de responsabilidade, acarretando desgaste emocional, além dos problemas advindos da prática laboral do cuidar (1717 Martins JT, Bobroff MCC, Andrade AN, Menezes GD. Emergency nursing team: occupational risks and self protection. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014 [cited 2018 Jan 28];22(3):334-40. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n3/v22n3a07.pdf
http://www.facenf.uerj.br/v22n3/v22n3a07...
). A alta responsabilidade (elevada demanda psicológica) e a baixa autonomia, aspectos avaliados neste estudo como estressores ocupacionais, refletem situações com vários pontos de tensão, determinantes do estresse. Os serviços que atendem demandas com características de urgência ou emergência exigem dos profissionais de saúde algumas competências, como agilidade, capacidade de pensar e agir rapidamente, além da capacidade de resolver problemas emergentes (1818 Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso JP. Occupational stress and dissatisfaction with quality of work life in nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 28];2017;26(1):e3940015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
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). Trata-se de um contexto no qual o tempo é limitado e as atividades são intensas, exigindo que o profissional atue de forma rápida, a fim de evitar o risco iminente de morte (1818 Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso JP. Occupational stress and dissatisfaction with quality of work life in nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 28];2017;26(1):e3940015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720170...
). Todas as particularidades do processo de trabalho dessas unidades podem contribuir para o surgimento do estresse ocupacional. Isso pode ser mais intenso de acordo com as características das ocupações envolvidas na oferta desse tipo de serviço, como mencionado acima (1818 Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso JP. Occupational stress and dissatisfaction with quality of work life in nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 28];2017;26(1):e3940015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
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).

Cabe ainda mencionar que os estressores ocupacionais no trabalho de enfermagem podem estar sofrendo impacto de privatizações das unidades hospitalares (feita via repasse da gestão pública de unidades de saúde para o setor privado). Esse processo produz insegurança quanto à estabilidade ou não no emprego, além da diminuição dos salários e ampliação da precariedade das condições de trabalho, realizada, por exemplo, pela redução da mão de obra e diminuição dos insumos para a assistência, pois os empresários interessam-se mais pela maximização dos lucros do que pela saúde do trabalhador ou qualidade da assistência em enfermagem que os profissionais prestam aos seus pacientes (1818 Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso JP. Occupational stress and dissatisfaction with quality of work life in nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 28];2017;26(1):e3940015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
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).

Limitações do estudo

Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo. Um dos problemas mais importantes, decorrente do tipo de desenho epidemiológico realizado (transversal), refere-se à impossibilidade de avaliação da sequência temporal, visto que a resposta a alguns questionamentos pode ser alterada em função da presença do estresse ocupacional. O efeito do trabalhador sadio também pode ter ocorrido, já que somente os trabalhadores mais resistentes e saudáveis permanecem no trabalho. Trabalhadores com elevado nível de estresse podem ter abandonado a profissão ou se afastado. Nesse caso, tal viés pode contribuir para uma subestimação da prevalência do desfecho. O viés de prevaricação pode ter ocorrido, uma vez que o trabalhador pode ter se sentido constrangido em responder alguns itens do questionário ou, com base no julgamento do que era desejável responder, pode ter omitido ou emitido informações não verdadeiras. Embora as perdas de informação por não resposta tenham sido pequenas, também devem ser consideradas na análise dos limites do estudo.

Cabe também considerar com cuidado o resultado obtido, que evidenciou elevadas proporções de estresse ocupacional. Os critérios adotados para identificar situações de estresse foram bem amplos, incluindo a vivência de elevada demanda psicológica e/ou baixo controle, isoladamente ou em conjunto. Portanto, se o trabalhador vivenciava uma dessas duas condições, foi classificado como pertencente ao grupo de exposto. Esse critério foi bem sensível, no entanto, pode ter classificado também indivíduos falsos positivos. Como se trata de uma primeira aproximação ao tema, identificar a experiência de alguma condição estressante foi privilegiado e realmente atestou que o problema existe e merece atenção. Recomenda-se que estudos futuros possam ser mais restritos na classificação de fatores estressantes (mais específicos), de modo a identificar grupos mais vulneráveis que possam vivenciar, por exemplo, exposição simultânea a um conjunto de critérios.

Cabe ainda registrar que é possível que a ausência de associações significantes de variáveis que foram relevantes na análise bivariada, mas não permaneceram no modelo final de análise, pode ter decorrido do pequeno tamanho amostral analisado (N=126). Apesar de, concretamente, ter sido analisada uma amostra representativa dos profissionais de enfermagem dos serviços de média complexidade dos municípios participantes do estudo, é possível que tenha sido insuficiente para apreender associações reais existentes. Portanto, os resultados de ausência de associação neste estudo precisam ser analisados com cautela.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Como contribuição, este estudo permitiu fazer um diagnóstico de estressores ocupacionais com impactos na saúde física e mental dos profissionais de enfermagem de média complexidade da Bahia, diante das particularidades do processo de trabalho desse nível de atenção à saúde. Este é um dos poucos estudos realizados no Brasil com foco específico no conjunto de serviços que configuram a atenção de média complexidade (não se privilegiou um serviço específico, como a urgência e a emergência, por exemplo). Portanto, oferece informações iniciais para explorações futuras mais detalhadas.

CONCLUSÃO

O estresse ocupacional é altamente prevalente entre profissionais de enfermagem que atuavam nos serviços de média complexidade dos municípios estudados na Bahia. Os resultados apontaram a situação de estresse mais relevante para profissionais de enfermagem de nível técnico. Portanto, atenção especial deve ser direcionada a esse grupo. Além disso, o fato deste estudo evidenciar os fatores associados ao estresse ocupacional entre os profissionais de enfermagem fortalece a necessidade de que ações sejam especificamente direcionadas a esse problema, buscando garantir o princípio da integralidade no que tange à saúde do trabalhador.

Estratégias de enfrentamento e medidas para redução das fontes de estresse, com base na reorganização do ambiente de trabalho, são urgentemente necessárias a fim de garantir proteção integral à saúde do trabalhador. As características do trabalho são fatores que podem produzir situações de estresse. Entretanto, também são fatores que podem ser modificados para prevenir tal agravo.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Rafael Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2018
  • Aceito
    27 Ago 2019
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