Estudantes de enfermagem: uso de medicamentos, substâncias psicoativas e condições de saúde

RESUMO

Objetivo:

avaliar o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica e suas associações com o uso de substâncias psicoativas e aspectos de saúde entre estudantes de enfermagem.

Método:

estudo transversal realizado com 182 estudantes em uma escola de enfermagem localizada no Vale do Ribeira, Brasil. As informações sociodemográficas, triagem do uso álcool, tabaco e de outras drogas, informações sobre saúde física, mental e práticas de atividades físicas foram avaliadas.

Resultados:

mais da metade dos estudantes (79,2%) fizeram uso de medicamentos psicoativos sem prescrição, com predomínio do consumo mensal. Constatou-se que o consumo destes medicamentos esteve associado ao uso de álcool, ao binge drinking, ao tabagismo e o consumo de drogas ilícitas.

Conclusão:

esses achados têm implicações para a implementação de estratégias de promoção de saúde junto aos estudantes de enfermagem, tendo em vista mudanças no estilo de vida.

Descritores:
Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Estudantes de Enfermagem; Saúde; Uso de Medicamentos; Exercício

ABSTRACT

Objective:

to assess the use of nonprescription psychoactive medications and their associations with psychoactive substance use and health aspects among nursing students.

Method:

a cross-sectional study conducted with 182 students at a nursing school in the city of Vale do Ribeira, Brazil. Sociodemographic information, screening for alcohol, tobacco and other drug use, information on physical and mental health and physical activity practices were assessed.

Results:

more than half of the students (79.2%) used psychoactive drugs without prescription, with a predominance of monthly consumption. Consumption of these drugs was found to be associated with alcohol use, binge drinking, smoking and illicit drug use.

Conclusion:

the findings have implications for the implementation of health promotion strategies among nursing students, in view of lifestyle changes.

Descriptors:
Substance-Related Disorders; Students, Nursing; Health; Drug Utilization; Exercise

RESUMEN

Objetivo:

evaluar el uso de drogas psicoactivas de venta libre y sus asociaciones con el uso de sustancias psicoactivas y aspectos de salud entre estudiantes de enfermeira.

Método:

estudio transversal realizado con 182 estudiantes en una escuela de enfermería ubicada en Vale do Ribeira, Brasil. Se evaluó información sociodemográfica, detección de consumo de alcohol, tabaco y otras drogas, información sobre salud física y mental y prácticas de actividad física.

Resultados:

más de la mitad de los estudiantes (79,2%) usaban drogas psicoactivas sin receta, con un predominio del consumo mensual. Se descubrió que el consumo de estas drogas estaba asociado con el consumo de alcohol, el consumo excesivo de alcohol, el tabaquismo y el consumo de drogas ilícitas.

Conclusión:

estos hallazgos tienen implicaciones para la implementación de estrategias de promoción de la salud entre los estudiantes de enfermería en vista de los cambios en el estilo de vida.

Descriptores:
Trastornos Relacionados com Sustancias; Estudiantes de Enfermería; Salud; Uso de Medicamentos; Ejercicio

INTRODUÇÃO

O uso indevido de medicamentos psicoativos, como o consumo sem avaliação e indicação médica, tem sido preocupante e crescente nas últimas décadas ^(1-3), particularmente na população de jovens ⁽⁴⁾. O abuso de substâncias com propriedades sedativas, analgésicas, ansiolíticas, anestésicas ou estimulantes foi classificado como um perfil epidêmico em diversos países ^(5-7). No contexto universitário, essas substâncias são utilizadas principalmente para potencializar os efeitos de outras substâncias, proporcionar alterações físicas e mentais e aumentar o período de concentração para atividades intelectuais entre os estudantes, além de serem percebidas como sendo socialmente aceitáveis em comparação com o uso de drogas ilícitas ^(1,5).

O uso não médico de medicamentos psicoativos é definido como o uso sem receita médica, para fins recreativos ou para automedicação, considerando-se ainda a dosagem prescrita ⁽⁸⁾. Observa-se crescente preocupação de profissionais e gestores da área de saúde em relação ao crescimento explosivo desse consumo, uma vez que, em 2010, 2,6 milhões de indivíduos iniciaram o uso de drogas psicotrópicas (tranquilizantes, sedativos e estimulantes) com idade média de 25, 24 e 21 anos, respectivamente ⁽⁹⁾. Essa iniciação tem se dado em idade cada vez mais precoce.

Além do uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica ⁽⁵⁾, o consumo de tabaco ⁽¹⁰⁾, drogas ilícitas ⁽¹¹⁾ e álcool ⁽¹²⁾, principalmente no padrão binge drinking (BD) ⁽¹³⁾ entre estudantes universitários é relatado de forma recorrente na literatura. De acordo com dados do I Levantamento Nacional sobre Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, mais de 18.000 universitários fizeram uso dessas substâncias em algum momento de suas vidas ⁽¹⁴⁾. Além disso, um em cada três estudantes universitários já consumiram álcool no padrão binge nos últimos 12 meses e diversas são as consequências negativas desse abuso para a saúde dos jovens, considerando a vulnerabilidade a que estão expostos, uma vez que ainda se encontram em etapa de crescimento físico e amadurecimento emocional ⁽¹⁴⁾.

Esse quadro epidemiológico tem motivado educadores e profissionais da saúde a buscarem estratégias que minimizem os agravos à saúde e fortaleçam a adoção de um estilo de vida saudável ^(15-17). Dentro da população jovem os estudantes de enfermagem constituem um público-alvo que tem sido pouco estudado em relação ao uso abusivo de bebidas alcoólicas e de outras substâncias psicoativas, bem como uso de medicamentos sem prescrição médica. Por ser um segmento social exposto a diversas influências e com uma rotina exaustiva no processo de formação, é considerado de alta vulnerabilidade ao estresse. Esse quadro é agravado pela precariedade dos modos de enfrentamento adotados diante dos eventos estressores vivenciados no cotidiano da vida acadêmica, como as elevadas cargas horárias dedicadas aos estudos e trabalho ⁽¹⁾, as particularidades das experiências de socialização e relacionamentos experimentados junto aos pares no meio universitário ⁽³⁾, a busca pela melhoria do padrão de desempenho intelectual e acadêmico exigido pelo preparo para a vida profissional ⁽¹⁾ e a inexistência e/ou insuficiência no envolvimento em atividades e comportamentos saudáveis, tais como exercício físico regular e alimentação equilibrada ⁽¹⁸⁾.

A prevalência do uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica parece estar aumentando entre os jovens universitários e são crescentes as evidências sobre as consequências negativas associadas a esse consumo, o que permite caracterizá-lo como um problema de saúde pública ⁽³⁾. Estudantes que utilizam medicamentos psicoativos sem prescrição médica, que muitas vezes são comprados ou compartilhados clandestinamente pela rede de colegas e amigos, em sua maioria também desenvolvem problemas devido ao uso de outras substâncias, assim como o consumo de álcool e outros medicamentos ⁽¹⁹⁾, envolvimento em comportamentos sexuais de risco, ideação suicida ⁽²⁰⁾, diminuição da qualidade do sono ⁽²¹⁾, além das inúmeras repercussões negativas vivenciadas em todas as esferas da vida.

Considerando as facilidades de acesso às substâncias psicoativas entre universitários, a prevalência do abuso e os riscos potenciais à saúde torna-se iminente a necessidade de investigar essas variáveis em diferentes populações e regiões. A prevalência do uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica em universitários tem sido avaliada de modo recorrente no contexto científico ^(3,22-23), no entanto poucos estudos abordam o problema em estudantes de enfermagem, avaliando a relação com comportamentos de saúde e uso de substâncias psicoativas.

OBJETIVO

Avaliar o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica, suas associações com o uso de substâncias psicoativas e aspectos de saúde entre estudantes de enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da União das Instituições de Ensino e Pesquisa (UNISEPE). Todas as etapas do estudo foram realizadas em conformidade com as normas e princípios que norteiam a pesquisa com seres humanos estabelecidos pela Resolução CNS n° 466, de 12 de dezembro de 2012.

Desenho, período e local do estudo

Estudo de levantamento (survey), descritivo, de abordagem quantitativa, desenvolvido entre agosto a novembro do ano de 2016, em uma Instituição de Ensino Superior privada, localizada no Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil.

População, amostra, critérios de inclusão e exclusão

Considerando um total de 261 (100%) estudantes de enfermagem matriculados no curso noturno em 2016, por meio de cálculo amostral (95% de confiabilidade e 2% de precisão), a amostra mínima necessária foi estimada em 156 estudantes. Os estudantes foram selecionados de acordo com os critérios de elegibilidade: estar matriculado regularmente, ter idade igual ou superior a 18 anos e estar presente em sala de aula no momento da coleta de dados. Foram excluídos do estudo os estudantes afastados por qualquer motivo e os ausentes em sala de aula, após duas tentativas de coleta de dados, em dias diferentes. Assim, o índice de respondentes foi de 69,7% (n=182) estudantes.

Protocolo do estudo

Os dados foram coletados nos 10 semestres letivos do curso de enfermagem no final do período das atividades acadêmicas de rotina da instituição, mediante agendamento prévio e autorização do docente, para que não interferisse nos horários de aula. Para o levantamento dos dados, os instrumentos utilizados foram: (1) Formulário de informações sociodemográficas e clínicas; (2) Uso de álcool no padrão binge ou binge drinking ⁽²⁴⁾; (3) Teste de Dependência da Nicotina de Fagerström (FTND) ⁽²⁵⁾; (4) Patient Health Questionnaire (PHQ2) ⁽²⁶⁾.

(1) Formulário de informações sociodemográficas e clínicas: apresenta itens referentes a sexo, faixa etária, estado civil, ano do curso de graduação, com quem reside, uso experimental de drogas ilícitas, doença crônica, saúde atual, frequência de consulta ao médico, uso e frequência do uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica no último ano (considerada a variável dependente), medidas antropométricas, índice de massa corpórea (IMC) e prática de atividade física. O estado nutricional global foi classificado a partir do IMC, estimado com base nos pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde ⁽²⁷⁾, sendo: baixo peso IMC < 18,5 kg/m², peso normal definido como IMC > 18,5 e menor do que 24,9 kg/m², sobrepeso com IMC de 25 a 29,9 kg/m² e obesidade com IMC ≥ 30 kg/m².

(2) Binge drinking: foi perguntado diretamente sobre o consumo em nível de intoxicação do álcool, com resposta do tipo dicotômica (Sim / Não). De acordo com o National Institute on Alcohol and Alcoholism ⁽²⁸⁾, o binge caracteriza-se pelo consumo de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em ocasião única por homens, ou quatro ou mais doses por mulheres independentemente da frequência de consumo. Um estudo brasileiro de validação mostrou bons níveis de sensibilidade, especificidade e acurácia acima de 0,83 para a avaliação desse item por meio do AUDIT-3 ⁽²⁹⁾.

(3) Teste de Dependência à Nicotina de Fagerström (FTND): instrumento adaptado e validado para a população brasileira, que tem por objetivo identificar níveis de dependência da nicotina ⁽²⁵⁾. Apresenta seis itens referentes aos hábitos e comportamentos relacionados ao uso do cigarro, sendo sua classificação pontuada em cinco níveis: 0-2 - muito baixo, 3-4 - baixo, 5 - médio, 6-7 - elevado, 8-10 - muito elevado.

(4) Patient Health Questionnaire (PHQ2): este instrumento consiste em dois itens que avaliam as frequências de humor deprimido e anedonia (pouco interesse ou prazer em realizar as atividades diárias) nas últimas duas semanas. O PHQ2 é uma ferramenta propícia para o rastreamento dos transtornos depressivos, principalmente nos contextos de saúde ⁽³⁰⁾. O propósito da avaliação não é estabelecer um diagnóstico ou monitorar a gravidade da depressão, mas propor um rastreamento inicial. Estudo de validação no Brasil apresentou bons índices de confiabilidade, com valores de sensibilidade de 0,83 e especificidade de 0,92 ⁽²⁶⁾. Para a leitura dos resultados, somam-se todos os itens de respostas. A pontuação total varia de zero a seis pontos. A classificação final compreende: 0 a 2 pontos sem sintomas sugestivos de depressão e acima de três pontos com sintomas sugestivos de depressão.

Análise dos resultados e estatística

As análises estatísticas foram realizadas por meio do Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 19.0 (Licença nº 10250887). Na análise dos dados, foi empregada estatística descritiva e inferencial. A associação entre uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica e as características sociodemográficas, consumo de álcool, tabaco, substâncias ilícitas e condições de saúde foram estabelecidas por meio do Teste Qui-Quadrado (χ²), com análise de residuais ajustadas para localização dos valores significativos. Em todas as análises estatísticas inferenciais foi considerado como limite de significância o valor de p <0,05.

Para análise multivariada, foi utilizado o modelo de regressão logística estimado pelo Maximum Likelihood Estimation (MLE) Functions e a significância do parâmetro individual das variáveis exploratórias foi avaliada utilizando o teste de Wald Chi Square, para avaliar o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica, o uso de outras substâncias psicoativas e os comportamentos de saúde. Para o modelo ajustado (ORA), foi considerado a variável dependente (1) uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica (categorizada com resposta dicotômica Sim/Não), que foi testada com as variáveis independentes que apresentaram valores significativos no Teste Qui-Quadrado (p < 0,020), ou seja: (a) Uso de álcool e (b) em padrão binge (AUDIT-C); (c) dependência de nicotina (FTND); (d) uso experimental de drogas ilícitas; (e) IMC; (f) frequência de atividade física; (g) prática de atividade física, (h) faz exercício físico intenso durante pelo menos 20 minutos por dia, duas vezes ou mais por semana; (i) anda a pé ou de bicicleta diariamente. Posteriormente, o modelo de índice de convergência foi utilizado, assim foram obtidos valores de R = 0,0752 e R² = 0,1173. Para o teste global da hipótese de nulidade likelihood ratio χ²(5) = 14.225, p = 0,014 e o teste de Wald (5) = 12,255 e valor de p = 0,031, o cálculo do Odds Ratio Ajustado (ORA ou Exponent (Beta)) e o Intervalo de Confiança (IC) de 95% foram considerados. O desempenho do modelo de ajuste e seu poder preditivo foram calculados por meio da porcentagem do nível de concordância (61,3%) e discordância (24,4%), além dos valores de Somers’ D - 0.368, Gamma = 0.430, Tau-a = 0.122, que explicam adequadamente o modelo utilizado no presente estudo.

RESULTADOS

Em relação às características sociodemográficas, a maioria dos estudantes era do sexo feminino 137 (75,2%), solteiros 111 (60,9%), jovens com média de idade de 26,7±8,0 anos, variando entre 17 a 57 anos e 45 (24,7%) estavam matriculados no quarto ano do curso. O consumo de medicamento psicoativo sem prescrição médica foi referido por 144 (79,2%) dos estudantes. Destes, 38 (29,9%) fizeram o uso no último ano, 68 (47,4%) com frequência mensal, 19 (13,2%) semanal e 14 (9,5%) diário (dados não apresentados em tabela). Em todos os anos cursados, a maioria dos estudantes relatou consumo de medicamento psicoativo sem prescrição, com diferença estatisticamente significante (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos estudantes de enfermagem e relação do uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica, Registro, São Paulo, Brasil, 2016 (n=182)

Variáveis	Uso de medicamentos n (%)
	Sim	Não	χ2
	144 (79,2)	38 (20,8)	Valor de p
Sexo
Feminino	110 (80,3)	27 (19,7)	χ2(1)=0,460 p = 0,498
Masculino	34 (75,6)	11 (24,4)
Faixa etária
17 - 19	26 (78,8)	7 (21,2)	χ2(3)=2,738 p = 0,434
20 - 29	66 (75,9)	21 (24,1)
30 - 39	41 (87,2)	6 (12,8)
> 40 anos	11 (73,3)	4 (26,7)
Estado civil
Sem companheiro	88 (79,3)	23 (20,7)	χ2(1)=0,004 p = 0,948
Com companheiro	56 (78,9)	15 (21,1)
Ano do curso de graduação
Primeiro	32 (86,5)	5 (13,5)	χ2(4)=9,927 p = 0,042*
Segundo	28 (65,1)	15 (34,9)
Terceiro	29 (85,3)	5 (14,7)
Quarto	39 (86,7)	6 (13,3)
Quinto	16 (69,6)	7 (30,4)

• Nota: Teste Qui-Quadrado (χ²)
• ^*
  Valor de p <0.05

Mais da metade dos estudantes fizeram uso de álcool nos últimos 30 dias 103 (56,6%) e 89 (48,9%) consumiram no padrão binge. Apenas 11 (6%) eram fumantes; dentre esses, 6 (54,5%) apresentavam nível médio de dependência de nicotina (FTND) e 19 (10,4%) haviam experimentado algum tipo de droga ilícita (dados não apresentados em tabela). Os estudantes que consumiram álcool nos últimos 30 dias no padrão binge, tabaco, dependência de nicotina em nível baixo e uso de drogas ilícitas foram associados ao uso de medicamentos sem prescrição (Tabela 2).

Tabela 2
Relação do consumo de substâncias psicoativas entre estudantes de enfermagem e o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica, Registro, São Paulo, Brasil, 2016 (n=182)

Variáveis	Uso de medicamentos n (%)
	Sim	Não	χ2
	144 (79,2)	38 (20,8)	Valor de p
Uso de álcool
Não	70 (88,6)	9 (11,4)	χ2(1)=7,605 p = 0,006*
Sim	74 (71,8)	29 (28,2)
Uso de álcool no padrão binge
Não	82 (88,2)	11 (11,8)	χ2(1)=9,431 p = 0,002*
Sim	62 (69,7)	27 (30,3)
Tabagismo
Não	138 (80,7)	33 (19,3)	χ2(1)=4,280 p = 0,039*
Sim	6 (54,5)	5 (45,5)
Dependência de nicotina (FTND)
Abstêmios / muito baixo	139 (80,8)	33 (19,2)	χ2(2)=7,954 p = 0,019*
Baixo	3 (75,0)	1 (25,0)
Médio	2 (33,3)	4 (66,7)
Uso experimental de drogas ilícitas
Não	134 (82,2)	29 (17,8)	χ2(1)=9,011 p = 0,003*
Sim	10 (52,6)	9 (47,4)

• Nota: Teste Qui-Quadrado (χ²)
• ^*
  Valor de p <0.05

Identificaram-se baixos índices de uso de substâncias ilícitas no último ano 19 (10,4%), sendo que a droga mais consumida foi maconha 15 (8,2%), seguida pelos inalantes 1 (1,1%), alucinógenos 1 (1,1%) e ecstasy 1 (1,1%). Quanto ao uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica entre os 38 (20,8%) casos houve predominância do uso de tranquilizantes/sedativos 19 (50%), anfetaminas 8 (21%), anabolizantes 4 (10,5%), anticolinérgicos 5 (13,1%) e opiáceos 2 (5,3%).

Em relação aos problemas de saúde, do total de estudantes 144 (79,2%) relataram que não apresentavam doenças crônicas; metade, 93 (51%), passa por consulta médica apenas quando está doente e 132 (72,5%) não tem dificuldade para dormir. Quanto às percepções sobre a saúde atual, quase a metade dos estudantes, 86 (47,2%), afirmaram ter uma saúde adequada e a outra parte reportou que necessitava de melhoras, sendo eles 82 (45%). Além disso, predominaram os estudantes que apresentaram IMC dentro dos padrões de normalidade, 117 (64,3%), e não foram constatados sintomas sugestivos de depressão (PHQ2), 144 (79,1%). Essas variáveis não diferiram entre o grupo de estudantes com e sem uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica (dados não apresentados em tabela).

A maioria dos estudantes manifestou interesse ou prazer em realizar atividades diárias: 87 (47,8%) (dados não apresentados em tabela). Os estudantes usuários de medicamentos psicoativos sem prescrição médica diferenciaram-se em relação ao IMC. Os que fizeram uso desses medicamentos foram classificados com sobrepeso: 22 (66,7%) e obesidade 10 (58,8%), bem como mostraram ter pouco interesse ou prazer em realizar atividades diárias: 10 (52,6%), com valores estatisticamente significantes. A prática de atividade física ou esportiva de qualquer modalidade, intensidade e frequência se diferenciou entre os estudantes que consumiam medicamentos psicoativos sem prescrição médica (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos estudantes de enfermagem de acordo com o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica, condições e comportamento de saúde (n=182). Registro, São Paulo, Brasil, 2016

Variáveis	Uso de medicamentos n (%)
	Sim	Não	χ2
	144 (79,2)	38 (20,8)	Valor de p
**IMC
< 19,1	11 (100,0)	--	χ2(3)=11,803 p = 0,008*
19,2-27,3	98 (83,8)	19 (16,2)
27,4-32,3	22 (66,7)	11 (33,3)
> 32,4	10 (58,8)	7 (41,2)
Pouco interesse ou prazer em realizar atividades diárias
Nenhuma vez	73 (83,9)	14 (16,1)	χ2(3)=9,576 p = 0,023*
Vários dias	45 (78,9)	12 (21,1)
Metade dos dias	16 (84,2)	3 (15,8)
Quase todos os dias	10 (52,6)	9 (47,4)
Prática de atividade física
Não	78 (71,6)	31 (28,4)	χ2(2)=9,405 p = 0,002*
Sim	66 (90,4)	7 (9,6)
Frequência da prática de atividade física
Não pratica	65 (70,7)	27 (29,3)	χ2(2)=8,823 p = 0,012*
1 - 2 vezes	44 (84,6)	8 (15,4)
≥ 3 vezes	35 (92,1)	3 (7,9)
Faz exercício físico intenso durante pelo menos 20 minutos por dia, duas vezes ou mais por semana
Não	67 (71,3)	27 (28,7)	χ2(1)=7,241 p = 0,007*
Sim	77 (87,5)	11 (12,5)
Anda a pé ou de bicicleta diariamente
Não	30 (65,2)	16 (34,8)	χ2(3)=7,203 p = 0,007*
Sim	114 (83,8)	22 (16,2)

• Nota: Teste Qui-Quadrado (χ²)
• ^*
  Valor de p <0.05;
• ^**
  IMC: Índice de Massa Corporal

Na análise multivariada, o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição não se manteve associado à prática de exercícios físicos independentemente do tipo e frequência (p > 0,05). (Tabela 4)

Tabela 4
Análise multivariada da relação entre o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica e o tipo e frequência da prática de atividade física entre estudantes de enfermagem, Registro, São Paulo, Brasil, 2016

Variáveis	Erro Padrão	Valor de p	ORA (95% IC)
Intercept	0.2674	< 0.0001
Prática de atividade física
Sim	0.4318	0.401	2.0 (0.380 - 11.213)
Frequência da prática de atividade física
1 - 2 vezes	0.5777	0.604	1.7 (0.227 - 12.542)
≥ 3 vezes	0.3402	0.824	1.1 (0.338 - 3.971)
Faz exercício físico intenso durante pelo menos 20 minutos por dia, duas vezes ou mais por semana
Sim	0.2651	0.718	1.2 (0.428 - 3.421)
Anda a pé ou de bicicleta diariamente
Sim	0.2060	0.079	2.0 (0.920 - 4.624)

• Nota: ORA - Odds Ratio Ajustado. IC - Intervalo de Confiança. *Valor de p <0.05

DISCUSSÃO

Este é um dos poucos estudos realizados no Brasil com estudantes de enfermagem que avaliou o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica, analisando desfechos como o uso de álcool, tabaco, drogas ilícitas e condições de saúde. Os achados desta investigação sugerem que tal uso foi associado com o consumo de álcool e drogas ilícitas, dentre outros indicadores que agravam as condições de saúde. A variedade dos perfis sociais e comportamentais associados ao uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica entre estudantes de enfermagem reflete-se em possíveis danos para a saúde e potencial interferência no desempenho acadêmico ^(31-32). Por esse motivo, a compreensão dos padrões de comportamentos de saúde pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias interventivas e de promoção a um estilo de vida saudável e podem atenuar a carga global de doenças, sobretudo no ambiente acadêmico ⁽³³⁾.

A investigação sobre os comportamentos e estilos de saúde ^(10-11) entre estudantes de enfermagem tem sido incrementada, porém estudos que avaliam o abuso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica nessa população e os fatores associados ainda são escassos, o que limita o potencial de discussão e o desenvolvimento de estratégias para esses comportamentos. Foi identificado que mais da metade dos estudantes utilizaram medicamentos psicoativos sem prescrição médica no último ano, sendo que esse consumo foi de prevalência mensal. Os motivos apresentados para a prevalência do uso indevido variaram de acordo com a idade, sexo e outros fatores, mas as maiores causas incluem a facilidade de acesso, a desinformação sobre as propriedades e a percepção de que são menos nocivos do que o consumo de drogas ilícitas ⁽³⁴⁾.

Estudos nacionais têm avaliado a automedicação sem receita médica e o consumo não abusivo em estudantes universitários ^(23,35), porém os resultados disponíveis em sua maioria não são específicos para os estudantes de enfermagem. Uma investigação estadunidense indicou que aproximadamente um em cada cinco estudantes universitários relatou o abuso de medicamentos sem prescrição em algum momento de suas vidas ⁽²⁾. Entre os estudantes do presente estudo, as medicações mais utilizadas de forma abusiva foram os tranquilizantes/sedativos e as anfetaminas. O relato do uso de anabolizantes, anticolinérgicos e opiáceos foi observado com menor frequência.

No Brasil, estudo realizado com 229 estudantes de graduação e pós-graduação em enfermagem identificou correlação negativa entre o uso autorreferido de sedativos e o grau de otimismo dos estudantes ⁽³⁶⁾. Além disso, o mesmo estudo apontou que os estudantes relataram ter feito uso de ansiolíticos, estimulantes, alucinógenos e/ou hipnóticos em algum momento na vida, dentre outras substâncias psicoativas como álcool, tabaco e maconha. Apesar de haver poucas evidências específicas para estudantes de enfermagem, o abuso por jovens e, principalmente, por mulheres têm sido uma prática comum ⁽²²⁾. Provavelmente, o abuso dos tranquilizantes/sedativos é motivado pela tentativa de reduzir a ansiedade gerada pelo cotidiano acadêmico e melhorar a qualidade do sono ⁽²²⁾. Porém, essas substâncias têm capacidade de induzir dependência e tornar a pessoa tolerante, de modo que o corpo gradualmente necessita de doses maiores para alcançar os efeitos desejados ⁽³⁴⁾.

O abuso de anfetaminas tem efeitos semelhantes ao uso da cocaína ⁽³⁷⁾, ou seja, essas drogas, quando utilizadas, têm propriedade de causar dependência ⁽³⁴⁾. As anfetaminas no contexto universitário são geralmente utilizadas para aumentar a vigília, motivação e aspectos cognitivos, como aprendizagem e memória ⁽³⁴⁾. Podem também minimizar efeitos depressores induzidos pelo uso de álcool, gerando euforia e diminuição do senso de embriaguez ⁽³⁸⁾ em festas universitárias. Além disso, podem ser utilizadas para redução do apetite no tratamento da obesidade ⁽³⁹⁾.

No presente estudo o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica entre os estudantes se diferenciou em relação ao ano cursado. Estudantes matriculados em todos os anos apresentaram maior prevalência deste uso em relação aos que não consumiram esta substância, com destaque para o primeiro, terceiro e quarto ano. Entende-se que o envolvimento nesse consumo no início da graduação seja estimulado pela curiosidade, melhora no desempenho acadêmico e facilidade de acesso, principalmente por serem da área de saúde; já nos anos finais, pode estar associado ao estresse desencadeado pelo término da graduação, sobrecarga de trabalhos acadêmicos, estágio curricular obrigatório e, consequentemente, o preparo para a inserção no mercado de trabalho.

Por ser uma amostra composta predominantemente por mulheres, eram esperadas diferenças estatisticamente significantes em relação ao sexo, visto que o levantamento brasileiro sobre o uso de drogas psicotrópicas destaca que o uso de ansiolíticos é duas vezes maior em mulheres e de anfetaminas quatro vezes maior em comparação aos homens ⁽⁴⁰⁾. Além disso, o National Institute on Drug Abuse (NIDA) indica que as mulheres consomem medicamentos psicoativos sem receitas em quantidades e frequências superiores aos homens ⁽³⁴⁾, tendência que não se confirmou neste estudo. Outro resultado relevante é que o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica foi prevalente entre estudantes que consumiram bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias, no padrão binge, com nível baixo de dependência de nicotina e, além disso, fizeram uso experimental de drogas ilícitas. Na análise multivariada, não foi confirmado o uso de drogas ilícitas e o binge como associados ao aumento de chances entre usuários de medicamentos de abuso.

A segurança no uso de medicamentos prescritos em combinação com outras substâncias está relacionada e depende de uma série de fatores, incluindo os tipos de medicamentos, dosagens, consumo concomitante com outras substâncias (por exemplo, álcool, tabaco e outras drogas) e fatores individuais de saúde ⁽³⁴⁾. O consumo de álcool e o beber em binge muitas vezes pode influenciar na adoção de comportamentos que frequentemente não são benéficos à saúde, tais como o consumo de nicotina, sedentarismo, sobrepeso e abuso de outras substâncias psicoativas ⁽⁴¹⁾.

A associação entre o BD e o uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica identificada neste estudo pode ser explicada pelo fato de que muitas medicações, quando utilizadas de forma abusiva, interagem com os efeitos do álcool e/ou desencadeiam eventos similares ao uso de outras drogas ⁽⁴⁾. Em relação ao uso de drogas ilícitas e o abuso de medicamentos psicoativos, sugere-se que esse consumo possa estar associado ao fato de que muitas drogas e/ou medicamentos suscitam efeitos similares. Contudo, a aceitação social quanto ao uso abusivo de medicamentos é maior.

O consumo desses medicamentos pode estar vinculado ao fato de que em muitas situações os estudantes e/ou profissionais de saúde são portadores de conhecimento, têm acesso a informações e estabelecem uma relação direta com os medicamentos no cotidiano acadêmico e profissional ⁽⁴²⁾. O uso de tranquilizantes/sedativos foi identificado em metade dos relatos de uso abusivo de medicamentos. Nesse contexto, é necessário refletir e intervir, já que o consumo desses medicamentos de forma abusiva representa um fator potencial que pode ser agravante para a saúde.

Independentemente do tipo de medicação psicoativa consumida (tranquilizantes/sedativos e anfetaminas), essas substâncias causam efeitos adversos por contribuírem para o desenvolvimento de tolerância, dependência e abstinência ⁽⁴³⁾. Tal situação em longo prazo pode culminar em significativos danos à saúde, com impacto na vida profissional, pessoal e social dos estudantes de enfermagem. Os futuros enfermeiros devem ser encorajados a se engajarem em comportamentos saudáveis relacionados ao autocuidado, para que possam incentivar a comunidade na qual estão inseridos.

Outro resultado que chama a atenção é a questão do peso corporal (sobrepeso e obesidade) entre os estudantes que usavam medicamentos sem prescrição médica, uma vez que apresentaram IMC alterado, com peso considerado acima do ideal, além de sedentarismo e sintomas de anedonia. A rotina acadêmica do curso de enfermagem é muitas vezes marcada por uma carga horária exaustiva de aulas teóricas/práticas e de estágios. Cabe destacar que os estudantes investigados provêm de um curso que funciona no período noturno e que mais da metade trabalham durante o dia. Pouco tempo é despendido para o autocuidado, como dedicação a atividades de lazer, esportes e atenção à própria saúde física e mental, essenciais para a busca do bem-estar. Assim, os estudantes geralmente optam por consumir refeições rápidas, à base de alimentos multiprocessados e altamente calóricos, deixam de praticar exercícios físicos ^(43-44) e abusam de medicamentos ⁽²⁾ para otimizarem o desempenho acadêmico.

Conforme observado na análise multivariada, a prática de exercício físico não se relacionou com o aumento das chances de uso de medicamentos sem prescrição médica. Existem outros fatores que devem ser explorados, como os hábitos alimentares, a rotina acadêmica e a prática de atividades de recreação social. O ambiente universitário é um espaço privilegiado para a implantação de programas que favorecem mudança de hábitos e outras alterações significativas na vida dos estudantes ⁽⁴⁵⁾. Desse modo, a adoção de novos hábitos durante o percurso acadêmico pode ter repercussões ao longo da vida, quer sejam hábitos saudáveis ou não ⁽⁴⁴⁾.

Em estudo realizado com universitários da região Nordeste do Brasil foi constatado que uma parcela significativa dos estudantes não adotavam padrões saudáveis de vida relacionados aos hábitos alimentares, prática de exercício físico, tabagismo e consumo de álcool ⁽⁴⁶⁾, que são considerados fatores diretamente associados às doenças crônicas não-transmissíveis. Nesse contexto, é importante destacar que as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Enfermagem determinam que “o enfermeiro deve ser competente no cuidar da própria saúde física e mental e buscar seu bem-estar como cidadão” ⁽⁴⁷⁾. É necessário que as instituições formadoras de recursos humanos ofereçam condições favoráveis à prática de hábitos saudáveis de vida e disponibilizem ferramentas que estimulem a aceitação da autoimagem, o desenvolvimento de habilidades de resolução de problemas e a prática regular de atividade física.

Limitações do estudo

Os resultados do presente estudo devem ser avaliados com cautela, pois envolvem a avaliação de uma amostra peculiar de estudantes de enfermagem proveniente de uma região brasileira, que pode não refletir a realidade dos demais estudantes. Além disso, por serem alunos do curso noturno, constituem um perfil diferenciado da realidade dos estudantes de universidades públicas, já que a maioria é composta de trabalhadores e com idade mais avançada, ao passo que boa parte das pesquisas realizadas com universitários brasileiros provém de alunos que estudam em período integral e/ou são de universidades públicas.

Contribuições para área da enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados trazem algumas implicações para prática clínica no que tange ao papel das instituições de ensino em investigar e intervir precocemente nos indicadores de saúde dos estudantes de enfermagem. A avaliação do contexto de uso, das expectativas para o consumo de medicamentos sem prescrição médica e dos comportamentos de saúde entre estudantes pode ser melhor apreciada com amostras mais robustas e estudos longitudinais. Além disso, é importante um aprofundamento nas questões relacionadas aos sinais e sintomas sugestivos de depressão em estudos futuros, uma vez que nesta investigação a hipótese de associação com o uso abusivo de medicamentos foi confirmada parcialmente.

CONCLUSÃO

O uso abusivo de medicamentos sem prescrição médica esteve associado ao consumo de álcool no padrão binge, assim como ao uso de drogas ilícitas e à dependência de nicotina entre os estudantes de enfermagem. Nesse grupo, também foi observado prejuízo na prática de exercício físico e peso corporal acima do padrão ideal. A fim de reduzir os impactos dos problemas associados ao uso de medicamentos sem prescrição médica entre os estudantes de enfermagem, os resultados deste estudo podem ser utilizados para o planejamento e implantação de ações direcionadas ao estilo de vida saudável e à prevenção de danos nas instituições de ensino superior. Nesse caso, é importante considerar os aspectos econômicos, culturais e sociais que permeiam as diferentes regiões do Brasil.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  11 Abr 2018
• Aceito
  04 Ago 2019