Depressão e pacientes renais crônicos em hemodiálise: fatores associados

RESUMO

Objetivo:

verificar a associação entre variáveis sociodemográficas, clínicas, hábitos de vida e capacidade funcional com indicativos de depressão de pacientes renais crônicos em hemodiálise.

Método:

pesquisa transversal, desenvolvida de fevereiro a outubro de 2017 com 183 pacientes em hemodiálise de duas unidades renais do estado do Rio Grande do Sul. Coleta de dados a partir de questionário sociodemográfico e clínico e Inventário de Depressão de Beck. Análise com estatística descritiva e analítica e uso do teste qui-quadrado.

Resultados:

55,2% dos participantes são idosos, 66,4% homens, 90,7% aposentados, 60,3% apresentaram sintomas depressivos. Houve associação entre indicativos de depressão com sexo feminino, maior número de comorbidades e intercorrências pós-hemodiálise, sintomas físicos, emocionais, inatividade, deixar de realizar atividades habituais e a necessidade de auxílio no dia a dia.

Conclusão:

sintomas de depressão estão associados à sobrecarga das comorbidades, maior número de complicações da doença, intercorrências hemodialíticas e dependência funcional. Exercícios físicos podem ser estratégias efetivas de cuidado.

Descritores:
Depressão; Insuficiência Renal Crônica; Exercício; Atividades Cotidianas; Hemodiálise

ABSTRACT

Objective:

to verify the association of sociodemographic and clinical variables, life habits and functional capacity with symptoms indicative of depression in chronic renal patients on hemodialysis.

Method:

cross-sectional study developed from February to October of 2017 with 183 patients undergoing hemodialysis in two renal units located in the state of Rio Grande do Sul. Data collected with clinic and sociodemographic questionnaire and Beck Depression Inventory. Analysis with descriptive and analytical statistics and the chi-square test.

Results:

55.2% of participants were elderly, 66.4% men, 90.7% retired, and 60.3% presented depressive symptoms. An association was found between symptoms indicative of depression and the female sex, greater number of comorbidities and post-hemodialysis intercurrences, emotional and physical symptoms, inactivity, failing to perform usual activities and the need for assistance in day-to-day.

Conclusion:

depressive symptoms are associated with burden of comorbidities, greater number of disease complications, hemodialytic intercurrences and functional dependence. Physical exercise practice can be an effective care strategy.

Descriptors:
Depression; Chronic Renal Insufficiency; Exercise; Activities of Daily Living; Renal Dialysis

RESUMEN

Objetivo:

averiguar la asociación entre variables sociodemográficas, hábitos de vida y capacidad funcional con indicativos de depresión de pacientes renales crónicos en hemodiálisis.

Método:

investigación transversal desarrollada desde febrero a octubre de 2017, con 183 pacientes en hemodiálisis de dos unidades renales del estado de Rio Grande do Sul. Recolección de datos con cuestionario sociodemográfico y clínico e Inventario de Depresión de Back. Análisis con estadística descriptiva y analítica y teste Chi-cuadrado.

Resultados:

55,2% de los participantes son ancianos, 66,4% hombres, 90,7% jubilados, 60,3% presentaron síntomas depresivos. Hubo asociación entre indicativos de depresión con sexo femenino, mayor número de comorbilidades y de complicaciones post diálisis, síntomas físicos, emocionales, inactividad, dejar de hacer actividades habituales y necesitar de ayuda en el día a día.

Conclusión:

síntomas de depresión se asocian a sobrecarga de las comorbilidades, mayor número de complicaciones de la enfermedad, ocurrencias post diálisis y dependencia funcional. Ejercicios físicos pueden ser estrategias efectivas de cuidado.

Descriptores:
Depresión; Insuficiencia Renal Crónica; Ejercicios; Actividades Cotidianas; Diálisis Renal

INTRODUÇÃO

Estima-se que 322 milhões de pessoas tenham depressão no mundo (27% no Pacífico Ocidental - Índia e China, 21% no Sudeste da Ásia, 16% no Mediterrâneo Oriental e 15% nas Américas) associada a perdas em saúde, incapacidades e suicídio. No Brasil, aproximadamente 5,8% da população possui a doença ⁽¹⁾. Transtornos depressivos compreendem um conjunto de distúrbios caracterizados por humor triste, irritável, aliado a alterações somáticas e cognitivas que afetam o funcionamento individual ⁽²⁾.

Estudos têm mostrado a associação entre depressão e doença renal crônica (DRC) ^(3-5), a qual é caracterizada por perda da função renal e/ou dano renal presente por mais de três meses, com progressivas alterações metabólicas e endócrinas e repercussões sistêmicas ⁽⁶⁾. Entre as terapias renais substitutivas, a hemodiálise é a mais utilizada. No Brasil, em 2016, dos 122.825 pacientes com DRC, 92,1% estavam em tratamento hemodialítico ⁽⁷⁾. A terapia dialítica e a doença renal afetam as condições físicas e psicossociais dos pacientes ⁽⁸⁾, o que predispõe à depressão.

Em pesquisas, têm sido investigadas a presença de depressão em pacientes com doença renal e as intercorrências apresentadas pelos sujeitos submetidos às diferentes modalidades de tratamento dialítico, particularmente a hemodiálise. No entanto, estas têm sido realizadas de forma geral ^(9-10) e não foram encontradas publicações com intuito de verificar associação entre sintomatologia depressiva e intercorrências, especificamente durante ou após a sessão dialítica.

Foram identificadas poucas produções científicas referentes aos sintomas físicos, emocionais e indicativos de depressão, geralmente abordados de forma integrada. A fadiga no doente renal e a relação com depressão tem sido alvo de pesquisa, apesar de ainda pouco abordada ⁽¹¹⁾, assim como irritabilidade ⁽¹²⁾, tristeza ⁽¹³⁾ e pensamento suicida ^(14-15). Ansiedade e depressão são avaliadas conjuntamente nos pacientes com DRC ^(16-17) e raros estudos exploram a relação entre elas ⁽⁵⁾. Sintomas gastrointestinais são frequentemente vinculados à condição urêmica e há uma evidente lacuna na associação com distúrbios psicossomáticos ⁽¹⁸⁾. Por outro lado, a ligação entre desordens do sono e depressão parece estar bem esclarecida ^(19-20).

Vários estudos abordam fatores sociodemográficos e os relacionam com depressão em pacientes sob tratamento dialítico, juntamente com outras condições ^(4,21-22). Da mesma forma, buscam identificar associação com comorbidades ^(16,23), mas poucos consideram o efeito das condições múltiplas. Em relação aos hábitos de vida e distúrbios psicoemocionais, investigações sobre o tema avaliam especialmente o efeito da atividade física ⁽²⁴⁾, mas raras exploram associação com dieta ou ingesta hídrica na DRC ⁽²⁵⁾. Quanto ao estado funcional, estudos têm analisado a relação com depressão e revelam piores desfechos para dependentes funcionais ^(26-27).

Devido à lacuna de conhecimento existente, a avaliação da associação entre sintomas depressivos com intercorrências durante ou após hemodiálise, sintomas físicos (fadiga, sintomas gastrointestinais), emocionais (irritabilidade, tristeza, ansiedade), múltiplas comorbidades, dieta e ingesta hídrica, é alvo desta investigação e evidencia seu caráter inovador.

OBJETIVO

Verificar associação entre variáveis sociodemográficas, clínicas, hábitos de vida e capacidade funcional com indicativos de depressão de pacientes renais crônicos em hemodiálise.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Os dados desse artigo fazem parte de uma dissertação de mestrado, na qual foram respeitados os preceitos éticos de pesquisas com pessoas, conforme Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde ⁽²⁸⁾. Projeto aprovado por Comitê de Ética.

Desenho, local de estudo e período

Pesquisa transversal e analítica que teve como diretriz o The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), direcionado a estudos transversais. Este estudo foi desenvolvido de fevereiro a outubro de 2017, nas unidades renais de referência para região Noroeste e Missões, Rio Grande do Sul. A primeira integra uma instituição de assistência à saúde filantrópica e a segunda é uma clínica de administração privada com fins lucrativos, mas tem maior demanda de pacientes do Sistema Único de Saúde.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população de estudo foi de 238 pacientes, mas foram incluídos 183 que preencheram os seguintes critérios de inclusão: maiores de 18 anos e diagnóstico de doença renal crônica. Os critérios de exclusão foram dificuldade em compreender as questões dos instrumentos (observada durante a entrevista) e realizar hemodiálise eventual nas unidades locais de estudo, por estar de passagem na cidade (viagem ou outra necessidade).

Protocolo do estudo

A coleta de dados envolveu entrevista individual durante as sessões de hemodiálise. Foram utilizados um questionário sociodemográfico e clínico e o Inventário de Depressão de Beck (IDB). O questionário incluiu variáveis de identificação - idade, sexo, estado civil, nível educacional e renda; variáveis clínicas - tempo de hemodiálise, comorbidades, complicações da DRC, intercorrências durante e após sessão de diálise, sintomas físicos e emocionais, avaliação nutricional e psicológica; hábitos de vida - lazer, atividade física, ingesta hídrica e consumo de sal; e dados de capacidade funcional - deixar de realizar atividades habituais e necessidade de auxílio no dia a dia.

As comorbidades foram: Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM), insuficiência cardíaca, pericardite, osteopatia, infarto agudo do miocárdio, doenças cerebrovasculares e hepatopatias. As complicações da DRC compreenderam: cãibras, cefalalgia, prurido, perda ou ganho de peso, infertilidade, hipotensão, HAS, fraqueza, dor, arritmia, infecções de repetição, anemia, constipação e edema. As intercorrências durante a hemodiálise abrangeram: cãibras, hipotensão, frio, dor, sangramento, dispneia, HAS, hipoglicemia e gastralgia. Após sessão, incluíram: hipotensão, fraqueza, náuseas, tontura, dor na fístula ou ausência de sintomas.

O Inventário de Depressão de Beck (IDB) foi utilizado para avaliar os sinais indicativos de depressão. Contempla 21 itens sobre tristeza, pessimismo, fracasso, culpa, punição, falta de satisfação, autodepreciação, autoacusação, ideias suicidas, vontade de chorar, irritabilidade, isolamento social, indecisão, distorção da imagem corporal, dificuldade em trabalhar, distúrbio do sono, fadiga, inapetência, perda de peso, preocupação somática e diminuição da libido. Cada item é pontuado de 0 a 3, e a soma total menor que 10 indica ausência de sintomas depressivos, 10 a 18, indica depressão leve, 19 a 29 indica depressão moderada, e de 30 a 63, depressão grave ⁽²⁹⁾.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram inseridos no Excel, realizadas análise estatística descritiva e analítica com o software SPSS versão 21.0. Foram realizadas distribuições conjuntas de frequência e duas variáveis do estudo (representação das variáveis em tabelas cruzadas) foram observadas simultaneamente a fim de identificar relação. Adoção de medidas descritivas de média e desvio padrão e realização do teste de Qui-quadrado com nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Dos 183 participantes da pesquisa, 55,2% (101) eram idosos, o sexo masculino predominou, com 66,4% (116) e aposentados com 90,7% (166), como mostra a Tabela 1.

Tabela 1
Dados sociodemográficos dos pacientes renais crônicos em hemodiálise (N=183), Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil, 2017

Dados sociodemográficos	Número de pacientes (%)
Idade
≥ 60anos	101 (55,2)
Sexo
Masculino	116 (66,4)
Renda
Aposentadoria	166 (90,7)
Estado Civil
Com companheiro	119 (65,0)
Escolaridade
Baixa*	147 (80,3)

• Nota:
• ^*
  não alfabetizado ou ensino fundamental

Quanto aos aspectos clínicos, o tempo médio de hemodiálise dos participantes foi de 3,05 anos (+2,81), a média de comorbidades foi de 1,66 (+1,01), de complicações relacionadas à DRC foi 4,79 (+2,23), intercorrências durante a hemodiálise foi 1,51 (+0,98) e após sessão foi 1,04 (+0,85). Houve prevalência de sintomas indicativos de depressão em 60,3% (111) dos pacientes, 36,4% (67) em grau leve, 22,3% (41) moderado e 1,6% (3) severo.

Na Tabela 2, é demonstrada a associação entre sintomas depressivos e sexo feminino, maior número de comorbidades, mais de uma intercorrência e sintomas após hemodiálise (p<0,05).

Tabela 2
Associação entre indicativos de depressão e variáveis sociodemográficas, comorbidades, complicações e intercorrências hemodialíticas, Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil, 2017

Variáveis	Sem indicativos de depressão n (%)	Com indicativos de depressão n (%)	Valor de p
Idade
< 60 anos	32 (44,4)	49 (44,5)	0,722
≥ 60 anos	40 (55,5)	61 (55,4)
Sexo
Masculino	53 (73,6)	63 (56,8)	0,021
Feminino	19 (26,4)	48 (43,2)
Renda
Aposentadoria	63 (87,5)	103 (92,8)	0,228
Outras	9 (12,5)	8 (7,2)
Estado civil
Com companheiro	46 (63,9)	73 (65,8)	0,795
Sem companheiro	26 (36,1)	38 (34,2)
Escolaridade
Analfabetos	7 (9,7)	9 (8,1)	0,706
Alfabetizados	65 (90,3)	102 (91,9)
Tempo em HD
≤ que a médiaa	48 (67,6)	73 (67,0)	0,930
> que a média	23 (32,4)	36 (33,0)
Comorbidades
≤ que a médiab	39 (54,2)	43 (38,7)	0,040
> que a média	33 (45,8)	68 (61,3)
Complicações
≤ que a médiac	23 (65,7)	21 (48,8)	0,135
> que a média	12 (34,3)	22 (51,2)
Intercorrências durante HD
≤ que a médiad	37 (51,4)	56 (50,5)	0,901
> que a média	35 (48,6)	55 (49,5)
Intercorrências após HD
≤ que a médiae	57 (79,2)	70 (63,1)	0,021
> que a média	15 (20,8)	41 (36,9)
Ausência de sintomas	28 (39,4)	24 (21,6)	0,009
Presença de sintomas	43 (60,6)	87 (78,4)

• Nota:
• ^a
  ≤ 3,05 anos;
• ^b
  ≤ 1,66 comorbidades;
• ^c
  ≤ 4,79 complicações relacionadas a doença renal crônica;
• ^d
  ≤ 1,51 intercorrências durante a hemodiálise,
• ^e
  ≤ 1,04 intercorrências após sessão; HD: hemodiálise

Na Tabela 3, são explicitados os sintomas físicos e emocionais dos pacientes e a relação com indicativos de depressão. A forte associação entre estes (p<0,05) é evidente, particularmente dos sintomas depressivos com ansiedade, distúrbios do sono, gastralgia e tristeza (p<0,001).

Tabela 3
Sintomas físicos e emocionais apresentados pelos pacientes e relação com indicativos de depressão, Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil, 2017

Sintomas	Sem indicativos de depressão n (%)	Com indicativos de depressão n (%)	Valor de p
Ansiedade
Sim	34 (47,9)	85 (76,6)	<0,001
Não	37 (52,1)	26 (23,4)
Fadiga
Sim	31 (43,7)	74 (66,7)	0,004
Não	40 (56,3)	37 (33,3)
Distúrbios do sono
Sim	34 (47,9)	85 (76,6)	<0,001
Não	37 (52,1)	26 (23,4)
Gastralgia
Sim	16 (22,5)	55 (50)	<0,001
Não	55 (77,5)	55 (50)
Irritabilidade
Sim	21 (29,6)	52 (46,8)	0,020
Não	50 (70,4)	59 (53,2)
Tristeza
Sim	21 (29,6)	68 (61,3)	<0,001
Não	50 (70,4)	43 (38,7)
Pensamento suicida
Sim	2 (2,8)	16 (14,4)	0,018
Não	69 (97,2)	95 (85,6)

Na Tabela 4, é apresentada a relação entre sintomas depressivos, capacidade funcional e estilo de vida, como lazer, atividade física, ingesta hídrica, consumo de sal e outros.

Na tabela, é observada a forte associação entre falta de atividade física e a necessidade de auxílio no dia a dia e os sintomas indicativos de depressão (p<0,001), assim como deixar de realizar atividades habituais também tem relação com os sintomas depressivos (p<0,05).

Tabela 4
Relação entre atividade física, lazer, atividades diárias, avaliação nutricional, psicológica, ingesta hídrica, de sal e sintomas de depressão, Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil, 2017

Variáveis	Sem indicativos de depressão n (%)	Com indicativos de depressão n (%)	Valor de p
Lazer
Sim	54 (75,0)	74 (67,9)	0,305
Não	18 (25.0)	35 (32,1)
Atividade física
Sim	47 (65,3)	36 (32,4)	<0,001
Não	25 (34,7)	75 (67,6)
Deixar de realizar atividades habituais
Sim	49 (68,1)	90 (81,1)	0,044
Não	23 (31,9)	21 (18,9)
Auxílio no dia a dia
Sim	15 (20,8)	62 (56,4)	<0,001
Não	57 (79,2)	48 (43,6)
Avaliação nutricional
Sim	47 (65,3)	57 (52,3)	0,116
Não	25 (34,7)	52 (47,7)
Avaliação psicológica
Sim	30 (41,7)	38 (34,5)	0,450
Não	42 (58,3)	72 (65,5)
Ingesta hídrica
Moderada	31 (43,1)	56 (50,5)	0,707
Normal	18 (25,0)	24 (21,6)
Exagerada	7 (9,7)	7 (6,3)
Pouca	16 (22,2)	24 (21,6)
Consumo de sal
Moderado	41 (66,9)	65 (58,6)	0,817
Normal	9 (12,5)	11 (9.9)
Exagerado	0 (0,0)	1 (0,9)
Pouco	22 (30,6)	34 (30,6)

DISCUSSÃO

Os resultados evidenciam percentual elevado de indicativos de depressão, acima de 60%, o que está em linha com a literatura e funciona como subsídio para ações das equipes de unidades renais no sentido de reduzir os danos à saúde desses indivíduos. Estudo com pacientes em hemodiálise mostrou que 71,1% apresentavam sintomas depressivos, a maioria leve ⁽²⁹⁾. Os escores de depressão são três a quatro vezes maiores nos pacientes com DRC em comparação com a população em geral e duas a três vezes mais elevados em comparação com indivíduos com outras doenças crônicas ⁽³⁰⁾. Isto possivelmente é resultado da sobrecarga da doença e limitações impostas, que incluem trabalho, capacidade funcional e estado emocional.

A análise das características sociodemográficas dos pacientes demonstra que elas são similares aos dados de uma pesquisa holandesa com pacientes em estágios 2-5, na qual 57% eram homens, idade média 67,9 anos, 58% eram casados e 84% desempregados ⁽³¹⁾. Na presente pesquisa, a grande maioria está aposentada e pouco mais da metade é idosa, o que evidencia a repercussão da doença/tratamento na situação de trabalho. Ao observar a associação entre sintomas depressivos e características sociodemográficas, aparece a relação com sexo feminino, como descrito na literatura ⁽²²⁾. Tal fato pode ocorrer devido aos aspectos biológicos, emocionais, modos de enfrentamento, papel social e questões culturais relativas ao gênero.

Não foi encontrada relação entre sintomas depressivos e idade, escolaridade, renda e estado civil. Entretanto, nas publicações, há divergência entre maior prevalência de depressão em mais jovens ⁽²⁵⁾ ou idosos ⁽⁴⁾. Quanto à escolaridade, igualmente, na literatura não foi demonstrada associação com sintomatologia depressiva ⁽¹⁶⁾. Relativo à renda, investigação revelou que pacientes depressivos possuíam renda mensal mais baixa ⁽³²⁾. No que se refere ao estado civil, estudo com doentes renais mostrou que viver sozinho, ser solteiro ou divorciado são fatores de risco independentes para depressão ⁽³³⁾. Estas evidências levam a inferir que melhor condição financeira repercute em menos preocupações futuras e que ter companheiro pode favorecer o enfrentamento.

Entre os participantes da pesquisa, o tempo médio de hemodiálise foi de 36,6 meses, similar a estudo na Austrália, no qual a média de tempo foi de 40,4 meses ⁽³⁴⁾. Assim como em outras investigações, neste estudo, o tempo de diálise não se associou à depressão ^(3,19). Os pacientes gradativamente desenvolvem estratégias para conviver com a doença e passam a perceber hemodiálise como alternativa de vida, no entanto, a aceitação inicial é difícil.

O percentual elevado de pacientes com mais comorbidades e sinais indicativos de depressão sinaliza o potencial da sobreposição de doenças para problemas emocionais, aliado com a necessidade de ações de prevenção e controle. Nos participantes do estudo, a hipertensão foi a mais frequente, seguida da diabetes e insuficiência cardíaca. Em estudo onde foram avaliadas combinações de doenças crônicas em idosos e a relação com depressão, foi encontrada uma comorbidade em 32,2% deles, duas em 22,4%, três em 12,4%, quatro em 4,3% e cinco em 1,0%, além de elevada prevalência de hipertensão e artrite. A cada condição crônica associada, maior foi o nível de sintomas depressivos ⁽³⁵⁾. As comorbidades intensificam demandas de tratamento e cuidados, com repercussão emocional, sintomas físicos e limitações, o que predispõe à depressão.

Nesta pesquisa, não foi constatada associação entre indicativos de depressão e complicações da DRC ou intercorrências durante a sessão de hemodiálise, mas houve relação com intercorrências e sintomas após a diálise. Nesse sentido, uma investigação com pacientes renais crônicos em estágio terminal e tratamento dialítico e conservador, evidenciou média de cinco ou mais sintomas por paciente em decorrência da doença e tratamento, e maior número e severidade naqueles com distúrbios emocionais ⁽⁹⁾. Os sintomas após sessão hemodialítica e, mais especificamente, a sobreposição de sintomas, repercute em intensificação da carga psicoemocional, que pode extrapolar as estratégias de enfrentamento individual.

Sintomas físicos e emocionais também se associaram aos sintomas depressivos. A ansiedade muitas vezes se manifesta como queixas somáticas conjuntamente àquelas relacionadas com a clínica do paciente. Sujeitos com transtornos de ansiedade apresentam doença mais grave, comprometimento psicossocial e pior qualidade de vida ⁽³⁶⁾. Estudo com pacientes em hemodiálise mostrou forte correlação entre ansiedade e depressão ⁽⁵⁾. O diagnóstico e tratamento da ansiedade pode diminuir a progressão para depressão e favorece a percepção das demais necessidades.

Os dados apresentados apontaram que mais da metade dos pacientes com sinais de depressão relataram fadiga. Em uma investigação, este sintoma esteve presente em 43% dos participantes, associado à depressão e níveis séricos de interleucina-6 ⁽¹¹⁾. É fundamental identificar os pacientes fatigados e implementar ações para o autocuidado, mudanças no estilo de vida e adaptação para promover vitalidade.

Quanto aos distúrbios do sono e associação com sintomas depressivos, resultados vêm ao encontro de estudo com pacientes em hemodiálise, no qual aqueles com pior qualidade do sono apresentaram maiores escores indicativos de depressão ⁽¹⁹⁾. Outra pesquisa apontou que indivíduos em diálise possuem menor tempo de sono total e sono REM (Rapid Eye Movement - Rápido Movimento dos Olhos), comparativamente àqueles em tratamento conservador e voluntários. Pacientes com DRC exibiram reduzida eficácia de sono, os distúrbios tiveram relação inversa com a hemoglobina e cleareance de creatinina, e positiva com fosfato ⁽²⁰⁾. Esses dados levam à inferência que a doença e a diálise podem desencadear distúrbios do sono e se associam aos sinais de depressão. O tratamento de disfunções metabólicas pode diminuir a ocorrência dessas desordens.

Na presente pesquisa, a gastralgia se associou aos sintomas de depressão, o que vai ao encontro da literatura, na qual pacientes com distúrbios gastrointestinais, comparativamente aos saudáveis, apresentaram maiores níveis de ansiedade, depressão e exposição prolongada a estressores ⁽³⁷⁾. Investigação com sujeitos com DRC evidenciou maior número de sintomas gastrointestinais naqueles com taxa de filtração glomerular <45mL/min/1,73m², baixa ingestão de proteínas e hipoalbuminemia ⁽³⁸⁾. Daí a conclusão que intervenções capazes de promover adesão à dieta adequada e diminuição de estressores podem reduzir sintomas gastrointestinais.

A irritabilidade caracterizada por humor com tendência à raiva em resposta a insultos mínimos, comportamento grosseiro ou vingativo é sintoma comum, particularmente em indivíduos com Transtorno Bipolar e Depressivo Maior ⁽²⁾. Nesta pesquisa, a irritabilidade foi relatada por 46,8% dos pacientes, o que alerta para gravidade dos indicativos de depressão e outros distúrbios emocionais. Estudo com pacientes com episódios depressivos maiores constatou irritabilidade em 32,3% deles, moderadamente correlacionada com hipomania, ansiedade e reatividade emocional e associada de forma independente com temperamento irritável, estados mistos depressivos e depressão ⁽¹²⁾. Práticas com música instrumental, atividades manuais e exercícios físicos, tanto durante a diálise quanto em casa, podem ser desenvolvidas para amenizar esse sintoma.

Nos participantes com indicativos de depressão, também foi observada a tristeza, similar ao disposto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. A tristeza é percebida como parte da vida, mas se relaciona a transtornos depressivos quando aliada a quatro outros sintomas por mais de duas semanas ⁽²⁾. Estudo com pacientes em hemodiálise e familiares demonstrou que eles relacionam depressão à tristeza, isolamento e pensamentos ruins vinculados à DRC ⁽¹³⁾. As restrições impostas pela doença/tratamento e mudanças na rotina, podem levar à tristeza e evoluir para depressão, o que demonstra a importância de ações para auxiliar na adaptação.

Pensamentos suicidas foram relatados por 14,4% dos pacientes com sintomas depressivos neste estudo, o que requer ações imediatas e acompanhamento da equipe multidisciplinar. Em pesquisa conduzida no Líbano, a ideação suicida foi encontrada em 37% dos pacientes com DRC, 31% de baixo risco e 6% moderado. Autores observaram correlação entre comorbidades com depressão e ideação suicida, com razão de chances de 4,3 e 5,8, respectivamente ⁽¹⁴⁾. Investigação no Brasil com pacientes em hemodiálise e transplantados constatou ideação suicida em 4% dos pacientes em hemodiálise e 6% nos transplantados ⁽¹⁵⁾. Terapias em grupo com abordagem cognitiva e resolução de conflitos podem diminuir sintomas depressivos e pensamentos suicidas, e tratamento farmacológico também pode ser opção.

No presente estudo, lazer não se associou com indicativos de depressão, ao contrário da inatividade física que se associou fortemente, o que mostra a importância dos exercícios físicos como prevenção. Nesse sentido, estudo com homens em hemodiálise avaliou efeitos de um programa de treinamento de resistência-endurance. Resultados demonstraram melhora da capacidade física, pressão arterial, colesterol de alta e baixa densidade, triglicerídeos, diminuição da ansiedade e depressão ⁽²⁴⁾. Diante dos benefícios da atividade física, a motivação do paciente e a implantação de programas de exercícios devem se tornar realidade nas unidades de diálise.

A capacidade funcional para atividades básicas da vida diária tais como, banhar-se, vestir-se e caminhar, e para tarefas instrumentais, como usar o telefone, limpar a casa e outros, podem ser prejudicadas tanto pela doença, quanto pelo tratamento hemodialítico e depressão. Neste estudo, a maioria dos pacientes deixou de realizar atividades habituais e mais da metade mencionou necessitar de auxílio nas tarefas cotidianas, o que se associou aos sintomas depressivos. Uma investigação coreana com pacientes em terapia renal substitutiva mostrou associação entre função renal e incapacidade ou estado funcional de adultos mais velhos. Resultados apontaram que dificuldades para tarefas básicas da vida diária e atividades instrumentais aumentaram com a diminuição da taxa de filtração glomerular e repercutiram em maior mortalidade ⁽²⁶⁾.

Estudo com pacientes com DRC estágios 3-5 e grupo controle (pacientes com risco cardiovascular semelhante, sem DRC) evidenciou piores escores nos primeiros, relacionados à incapacidade e funcionalidade geral. Resultados apontaram idade, estágio da doença renal, doença cardíaca coronariana e depressão como preditores de incapacidade e do funcionamento geral ⁽²⁷⁾. Esses resultados reforçam a importância do exercício físico para melhorar a capacidade funcional e principalmente prevenir a mortalidade dos pacientes.

Os resultados da presente investigação demonstraram não haver associação entre a avaliação nutricional e psicológica com sintomas depressivos, mas o acompanhamento ao longo do tempo, para além de intervenções pontuais, pode impactar na redução de sintomas de depressão e estado nutricional. A ingestão hídrica e consumo de sal também não se associaram aos indicativos de depressão, porém, pesquisa com pacientes com DRC mostrou menor adesão à dieta recomendada em pacientes deprimidos ⁽²⁵⁾. A atuação multiprofissional em longo prazo, voltada à educação do paciente, com ênfase no manejo de sinais/sintomas e autocuidado pode modificar seu comportamento em relação à doença e tratamento.

Em síntese, como os sintomas depressivos em pacientes com DRC estão associados a inúmeros fatores, o diagnóstico requer habilidades. A implantação de medidas de prevenção e tratamento dos fatores associados compete à equipe de saúde, com particular atuação da enfermagem.

Limitações do estudo

As limitações do estudo foram a não avaliação do impacto direto das variáveis estudadas na mortalidade, particularmente a depressão. Além disso, a análise da associação entre sintomas depressivos e avaliação nutricional e psicológica foi feita de forma pontual.

Contribuição para a área de enfermagem, saúde ou política pública

Esta pesquisa é relevante para a enfermagem e equipe multiprofissional, à medida que seus resultados possam estimular práticas em saúde direcionadas à assistência aos pacientes renais crônicos, no sentido de modificar escores de depressão, promover bem-estar e, por conseguinte, reduzir a morbimortalidade.

CONCLUSÃO

Indicativos de depressão em pacientes com DRC em hemodiálise estão relacionados com a sobrecarga das doenças associadas, sintomas e dependência funcional. A assistência ao paciente requer atuação multiprofissional, com ações de promoção da saúde, prevenção de fatores de risco, tratamento de comorbidades e intercorrências após hemodiálise, com inclusão dos familiares. Exercícios físicos são estratégias efetivas para diminuir sintomas depressivos e promover a qualidade de vida dessa população.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Broca

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  07 Mar 2019
• Aceito
  15 Set 2019