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Assistência multidisciplinar à saúde nos casos de ideação suicida infantojuvenil: limites operacionais e organizacionais

RESUMO

Objetivo:

conhecer o processo da assistência à saúde desempenhada pela equipe multiprofissional nos casos de ideação suicida infantojuvenil na Atenção Primária e Secundária.

Métodos:

estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado com 12 profissionais de ESF, EACS e CAPS II da cidade de Santarém. Foi utilizado o software IRAMUTEQ 0.7 alpha 2 para construção da árvore de similitude e posterior análise de conteúdo dos discursos.

Resultados:

a palavra “não” está presente com destaque nos discursos dos entrevistados sobre experiências e estratégias de enfrentamento do suicídio, revelando uma ausência de preparo individual e de estrutura nos seguimentos da Atenção Primária e Secundária do SUS.

Considerações finais:

a assistência desempenhada pela equipe de saúde encontra limites operacionais e organizacionais durante a implementação de estratégias de intervenção e enfrentamento dos fatores desencadeantes do suicídio infantojuvenil. É importante viabilizar recursos específicos, organizar os protocolos de referência e os programas de apoio aos pacientes e familiares.

Descritores:
Ideação Suicida; Criança; Adolescente; Equipe Multiprofissional; Assistência à Saúde

ABSTRACT

Objective:

to know the health care process performed by the multidisciplinary team in cases of suicidal ideation for children and adolescents in Primary and Secondary Care.

Methods:

a descriptive study with a qualitative approach carried out with 12 professionals from ESFs, EACS and CAPS II in the city of Santarém. The software IRAMUTEQ 0.7 alpha 2 was used to build the similarity tree and analyze speech content.

Results:

the word “no” is present prominently in the interviewees’ speeches about experiences and strategies for coping with suicide, revealing an absence of individual preparation and structure in the segments of SUS Primary and Secondary Care.

Final considerations:

health team assistance finds operational and organizational limits during the implantation of intervention strategies and coping with the factors that trigger child and youth suicide. It is important to make specific resources feasible, to organize reference protocols and support programs for patients and families.

Descriptors:
Suicidal ideation; Child; Adolescent; Patient Care Team; Delivery of Health Care

RESUMEN

Objetivo:

conocer el proceso asistencial realizado por el equipo multiprofesional en casos de ideación suicida en niños y adolescentes en Atención Primaria y Secundaria.

Métodos:

estudio descriptivo con enfoque cualitativo realizado con 12 profesionales de ESF, EACS y CAPS II de la ciudad de Santarém. El software IRAMUTEQ 0.7 alpha 2 se utilizó para construir el árbol de similitud y luego analizar el contenido de los discursos.

Resultados:

la palabra “no” está presente de manera destacada en los discursos de los entrevistados sobre experiencias y estrategias para enfrentar el suicidio, revelando una ausencia de preparación y estructura individual en los segmentos de Atención Primaria y Secundaria del SUS.

Consideraciones finales:

la asistencia brindada por el equipo de salud encuentra límites operativos y organizativos durante la implementación de estrategias de intervención y para hacer frente a los factores que desencadenan el suicidio de niños y jóvenes. Es importante habilitar recursos específicos, organizar protocolos de referencia y programas de apoyo para pacientes y familiares.

Descriptores:
Ideación Suicida; Niño; Adolescente; Grupo de Atención al Paciente; Prestación de Atención de Salud

INTRODUÇÃO

Atualmente, é crescente a preocupação com a temática relativa ao suicídio, justificada pelo aumento do número de casos no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse número é alarmante, chegando a mais de 800 mil por ano, e deve aumentar para 1,6 milhão em 2020. No entanto, esses dados podem estar subestimados e muito maiores do que se imagina, já que muitos casos de suicídio são subnotificados ou com ocorrências não registradas, principalmente em países da África e Oriente Médio. A taxa mundial, segundo o relatório de 2014, é de 11,4 óbitos para cada 100 mil habitantes(11 Ferreira Jr A. The suicidal behavior in Brazil and in the world. Rev Bras Psicol [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 30];02(01):15-28. Available from: https://www.researchgate.net/publication/277130341_O_comportamento_suicida_no_Brasil_e_no_mundo_The_suicidal_behavior_in_Brazil_and_in_the_world
https://www.researchgate.net/publication...
).

No Brasil, a ideação suicida vem ganhando destaque na população infantojuvenil. No período de 2000 a 2008, foram registrados 43 casos de suicídio em crianças menores de 10 anos e cerca de 6 mil adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos(22 Kuczynski E. Suicídio na infância e adolescência. Psicol USP. 2014;25(3). doi: 10.1590/0103-6564D20140005
https://doi.org/10.1590/0103-6564D201400...
). Segundo o Mapa da Violência 2014, o número de suicídios na população jovem (entre 15 e 29 anos) cresceu em uma taxa de 8,9 entre 2002 e 2012(33 Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2014. Os jovens do Brasil[Internet]. Rio de Janeiro: Flacso Brasil. 2014. [cited 2017 Apr 08]. Available from: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf
https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf20...
).

De acordo com o relatório da OMS(44 World Health Organization-WHO. Preventing suicide: a global imperative[Internet] WHO; 2014[cited 2017 Apr 08]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/131056/1/9789241564779
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
), no ano de 2012, a taxa de suicídio no Brasil na faixa etária de 5 a 14 anos foi de 0,40 para cada 100 mil habitantes, e na faixa de 15 a 29 anos, foi de 6,70. O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) registrou nesse mesmo ano 3 casos de suicídio em crianças entre 5 e 9 anos, e 117 casos na faixa etária de 10 a 14 anos. Isso levanta muitas discussões entre especialistas, já que não há um consenso sobre o grau de consciência da irreversibilidade da morte em crianças suicidas abaixo de 12 anos(11 Ferreira Jr A. The suicidal behavior in Brazil and in the world. Rev Bras Psicol [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 30];02(01):15-28. Available from: https://www.researchgate.net/publication/277130341_O_comportamento_suicida_no_Brasil_e_no_mundo_The_suicidal_behavior_in_Brazil_and_in_the_world
https://www.researchgate.net/publication...
).

O comportamento suicida é um fenômeno complexo, em especial o de crianças e adolescentes. Sua manifestação envolve repercussões negativas sociais, familiares e econômicas. Na atualidade, é considerado um grave problema de saúde pública e um desafio para os profissionais que atuam na área. Logo, é necessário pensar estratégias preventivas, informativas e esclarecedoras na tentativa de minimizar a ocorrência deste agravo(55 Rodrigues AA, Kapczinski F, editores. Risco de suicídio. Porto Alegre.: Artmed, 2014, p. 165-174. (Quevedo J, Carvalho AF, organizadores. Emergências psiquiátricas. 3. Ed).-66 Dutra EMS. Depressão e suicídio em crianças e adolescentes. Mudanças [Internet]. 2001[cited 2017 May 09];9(15):27-35. Available from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=ADOLEC&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=340084&indexSearch=ID
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind....
).

Antes de tudo, é necessário que o profissional de saúde tenha a “mente” aberta e sensibilidade quanto ao suicídio fora dos padrões sociais e tabus estabelecidos pela sociedade. A equipe multiprofissional deve estar preparada para entender todos os aspectos que a tentativa e o suicídio consumado infantojuvenil pode causar na família e na sociedade(77 Osafo J, Knizek BL, Akotia CS, Hjelmeland H. Attitudes of psychologists and nurses on suicide and suicide in Ghana: a qualitative study. Int J Nurs Stud. 2012;49(6):691-700. doi: 10.1016/j.ijnurstu.2011.11.010
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).

Além disso, o profissional de saúde desempenha papel fundamental na detecção precoce de fatores de risco para suicídio, prevenindo o comportamento autodestrutivo durante o atendimento. É válido ressaltar que esta assistência não deve se limitar somente às unidades de Atenção Primária, ao meio hospitalar, ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou às secretarias de saúde. Se o profissional consegue identificar fatores de risco para crianças e adolescentes que os transformem em potenciais suicidas, é necessário intervir junto à comunidade em que ela está inserida(88 Ministério da Saúde (BR). Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a profissionais das equipes de Saúde Mental. [Internet]. UNICAMP. Ministério da Saúde - Campinas, 2006[cited 2017 Apr 11]. Available from: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1241.pdf
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/bibl...
).

O planejamento para a prevenção do suicídio deve abranger 4 componentes primordiais: promoção da saúde, prevenção/educação, intervenção e pós-intervenção, efetuados por profissionais da saúde que visam traçar medidas de cuidado e envolver os pacientes, os familiares e a comunidade no processo terapêutico(99 Joshi SV, Hartley SN, Kessler M; Barstead M. School-Based Suicide Prevention: Content, Process, and the Role of Trusted Adults and Peers. Child Adolesc Psychiatr Clin North Am. 2015;24(2):353-70. doi: 10.1016/j.chc.2014.12.003
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).

As medidas preventivas que podem ser utilizadas são: implantação de programas sociais, prevenção de maus-tratos, estratégias de prevenção baseadas em históricos, triagem suicida em escolas e redução do acesso a meios letais(1010 Baux-Cazal L, Gokalsing E, Amadeo S, Messiah A. Prévention des conduites suicidaires de l’enfant de moins de 13 ans : une revue de la littérature. L’Encéphale, In Press, Corrected Proof. 2017;43(3):273-80. doi: 10.1016/j.encep.2016.05.009
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). As situações estressoras, principalmente as relacionadas à família e à escola, devem ser amenizadas com estratégias para diminuição de fatores de risco e aumento de fatores de proteção(1111 Abasse MLF, Oliveira RC, Silva TC, Souza ER. Epidemiological analysis of morbidity and mortality from suicide among adolescents in Minas Gerais, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(2). doi: 10.1590/S1413-81232009000200010
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).

OBJETIVO

Conhecer como é desenvolvida a assistência à saúde, pela equipe multiprofissional, nos casos de ideação suicida infantojuvenil na Atenção Primária e Secundária à Saúde no município de Santarém, PA.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi desenvolvido em consonância com as diretrizes disciplinares do Conselho Nacional de Saúde, após autorização da Secretaria Municipal de Saúde de Santarém (SEMSA) e da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA). Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará Campus XII - Santarém, PA, obedecendo às recomendações da Resolução CNS nº 466/2012(1212 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. 13 dez 2012. [cited 2017 Apr 10]. Available from http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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). Todos os participantes tiveram conhecimento prévio sobre os objetivos da pesquisa e, depois de todos os esclarecimentos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Tipo de estudo

Para responder ao objetivo proposto, foi realizada uma pesquisa qualitativa e descritiva, uma vez que se pretendeu mergulhar no universo vivido dos personagens, com a intenção de descrever estas vivências, analisando dificuldades, perspectivas e a assistência à saúde prestada pela equipe multiprofissional. Foram utilizadas as diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(1313 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups, Int J Quality Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
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), instrumento do Equator, para nortear a metodologia utilizada neste artigo.

Cenário do estudo

O cenário do estudo foi o Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS II) e as Estratégias Saúde da Família (ESF) dos bairros de Fátima e Santo André e Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) do Laguinho, localizados na cidade de Santarém, Pará, Brasil. Estes locais desenvolvem atividades diárias e cuidados direcionados a pacientes adultos, jovens e crianças atendidos pelos serviços de saúde mental.

Fonte de dados

A amostragem teórica da pesquisa foi composta por 12 profissionais da saúde, entre eles, 08 enfermeiras, 02 médicas, 01 psicólogo e 01 assistente social, distribuídos entre as equipes da Atenção Primária à Saúde e da Atenção Especializada do CAPS II. O número de participantes foi definido com base no critério de saturação teórica dos dados, ou seja, pela evidência da repetição de informações trazidas pelos entrevistados sobre o fenômeno estudado e ausência de novos elementos relevantes para análise dos dados. Adotaram-se como critérios de inclusão desenvolver suas atividades profissionais no serviço de saúde há no mínimo 01 ano e ter a vivência no atendimento de crianças e adolescentes.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados foi realizada no período de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018. O instrumento que orientou a coleta de dados foi um roteiro de entrevista semiestruturada, com perguntas abertas para facilitar a liberdade de expressão e a exposição de pontos de vista dos participantes. De um modo geral, as perguntas focavam nas experiências de cada um em relação à ideação suicida infantojuvenil, na organização do serviço para enfrentamento dessa problemática, nos principais sinais preditivos e as estratégias para prevenção do suicídio que utilizavam no cotidiano de seu trabalho. As entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho dos respectivos entrevistados, cada um em ambiente reservado, conforme disponibilidade e mediante agendamento de horário. Utilizou-se um aparelho de telefone celular para gravação de áudio das entrevistas, que tiveram, em média, a duração de 30 minutos. Após a escuta e transcrição literal dos dizeres, foi preparado o corpus textual para procedimento de tratamento dos dados e posterior análise.

Análise dos dados

Os dados das entrevistas após sua transcrição foram codificados e constituíram o corpus de análise. Para o processo de organização e categorização dos dados, buscou-se suporte no software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ) versao 0.7 alpha 2 - um software gratuito e de fonte aberta que realiza análises lexicais de dados textuais(1414 Justo AM, Camargo BV. Estudos qualitativos e o uso de softwares para análises lexicais. In: Novikoff C, Santos SEM, Mithidieri OB. (Orgs.) Caderno de artigos: X SIAT & II Serpro (Duque de Caxias, RJ). 2014. p. 37-54.). Esse tipo de análise propõe que seja empregado o uso de métodos estatísticos aos textos obtidos a partir das falas dos participantes e, diferentemente da análise de conteúdo, revoluciona a forma de análise de textos ao proporcionar a sistematização a partir da identificação, organização e quantificação dos dados textuais obtidas. Dessa forma, é possível viabilizar a interpretação do texto ao pesquisador e tem a vantagem de diminuir o subjetivismo e a arbitrariedade ao codificar os textos.

Nesta pesquisa, foi escolhida a Análise de Similitude, que se baseia na teoria dos grafos. Esta possibilita fazer a identificação de coocorrências e conexão entre as palavras do corpus textual (1515 Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: a free software for analysis of textual data. Temas Psicol [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 12];21(2):513-18. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v21n2/v21n2a16.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v21n2/v...
). A orientação metodológica utilizada para sustentar o estudo foi a análise de conteúdo(1616 Bardin L. L’Analyse de contenu. São Paulo: Edições 70, 2011.-1717 Silva, AH; Fossá, MIT. Análise de Conteúdo: exemplo de Aplicação da Técnica para Análise de Dados Qualitativos. Qualitas Rev Eletrôn. 2015;16(1):1677-4280. doi: 10.18391/qualitas.v16i1.2113
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). As anotações de campo foram feitas após as entrevistas para auxiliar na construção da análise e não interromper o fluxo de dados durante a conversa entre pesquisador-participante. As falas dos participantes foram identificadas com a inicial “Enf” para Enfermeiro, “Med” para Médico, “Psi” para Psicólogo e “Aso” para Assistente Social, seguido do número correspondente à respectiva entrevista.

RESULTADOS

Os textos das respostas dos participantes foram divididos em duas partes, levando em conta as semelhanças entre os seus conteúdos para facilitar o processo de análise realizada pelo IRAMUTEQ. O primeiro corpus é constituído por 2 Unidades de Contexto Iniciais (UCI), dividido em 79 seguimentos, e o segundo é composto por 3 UCI e 206 seguimentos. O primeiro corpus abrange as experiências que os participantes possuem em relação à ideação suicida infantojuvenil e algumas situações vivenciadas em sua prática profissional que propiciaram a identificação dos principais sinais preditivos e a sua atuação frente a eles. Já o segundo corpus, é constituído pelas estratégias de intervenção e prevenção utilizadas no cotidiano do trabalho e como é a organização do serviço prestado a essas crianças e adolescentes.

Após a criação dos corpora, foi construída a árvore da Análise de Similitude (ou de semelhanças) no software IRAMUTEQ, a qual permitiu identificar a relação e a conectividade entre as palavras mais utilizadas pelos participantes da pesquisa. A partir desses dois corpora analisados pelo software, emergiu, durante o processo de construção do estudo, a necessidade de dividir o conteúdo em três principais temas, especificados abaixo:

TEMA 1: A experiência e o desafio profissional diante da ideação suicida infantojuvenil

O dendograma de similitude, produzido a partir do primeiro corpus (Figura 1), remete às experiências que os profissionais têm em relação a temática suicídio em crianças e adolescentes.

Figura 1
Dendograma de similitude em relação às experiências que os profissionais têm sobre a temática ideação suicida infantojuvenil

Pode-se perceber que no centro se destaca a palavra “não” fazendo uma conexão forte com a palavra “adolescente”, associado à “ideia”, “suicídio” e “história”. A zona periférica “mãe” relaciona-se às palavras “começar” e “perceber”. “Criança” está relacionado a “ver” e “histórico”. Outras palavras mais periféricas estão associadas às histórias que os profissionais contaram sobre sua experiência de ideação suicida infantojuvenil.

Em relação à experiência dos participantes do estudo, alguns já tiveram contato com a ideação suicida infantojuvenil, recebendo pacientes que demonstraram ter depressão e crises comportamentais autodestrutivas, principalmente por parte de adolescentes. Grande parte dessa experiência foi adquirida no cotidiano do trabalho, nas consultas e no contato com a comunidade. Porém, a maioria dos profissionais de saúde nunca presenciou uma situação suicida, mas conhece tal situação por meio de históricos de pacientes, relatos contados por terceiros, mídia ou experiência através de cursos realizados por iniciativa própria, entre outros.

Criança mesmo, eu nunca atendi. É mais adolescente. E a maioria que eu atendo, eles vêm com essa ideação [...]. (Enf_06)

Eu já ouvi relatos de suicídio com jovens, só que eu não tenho experiência vivenciada, então não posso te falar sobre uma coisa que eu nunca vivenciei. (Enf_11)

Observa-se, através das falas dos entrevistados, que a referência ao suicídio está mais ligada ao jovem/adolescente. Em crianças, o suicídio é mais raro ou mais difícil de ser detectado levando em conta a falta de experiência destes profissionais com esse público.

TEMA 2: Sinais preditivos de ideação suicida e atuação profissional frente a eles

Este segundo tema ainda é referente ao primeiro corpus textual, onde a árvore de similitude está representada pela Figura 1. Os participantes fizeram algumas observações no decorrer da entrevista em relação ao que os jovens relataram durante as consultas, os motivos pelos quais queriam tirar sua própria vida e os principais fatores que desencadearam esse sentimento.

[...] tinha uma menina que tava namorando com um rapazinho, e ele não quis mais namorar com ela. E ela depois tentou se enforcar, sabe, só que não concretizou, aí ela ficou paraplégica. (Psi_03)

Ele achava que a mãe só dava atenção pro casal de irmãos. Isso ficou muito claro. [...] ele sentia que ela não gostava dele, então isso não foi de hoje, pra ele chegar no ponto que ele chegou de querer tirar a vida, isso vem desde o início. [...] ele disse “você vai me dar atenção quando eu me pendurar naquela mangueira”. (Enf_05)

Eu atendi um rapaz com quinze anos que ele tava passando por alguma dificuldade na família, né, principalmente com relação à separação dos pais. [...] então, nesse momento de insegurança, ele pensou em tirar a vida dele. Enquanto ele não conseguia isso, ele se autoflagelava, se cortava. (Enf_06)

Ela disse que não, não era por causa de namorado. Aí ela começou a me contar que ela tentou se matar, por aqueles cortes né. E aí, indagando, indagando, indagando com ela, aí ela me falou que ela gosta de mulher. (Enf_07)

Ela chegou em casa dizendo “olha, mãe, a menina, a vizinha tomou remédio”, “mas porquê?”, “ah, porque ela tirou nota baixa e a mãe dela ia bater nela”. (Enf_08)

Teve aquela história da baleia azul, né, ou então, porque ela tá vendo o vídeo que é legal e aí ela vai querer fazer... agora a moda, não sei se tu já viu, é aquele negócio de fazer tudo o que o tal lá do youtuber tá fazendo, a pessoa que tá gravando o vídeo. “Ah, bora tentar fazer isso”, aí, tipo “vamos colocar uma corda, olha tu faz assim, assim”, dando ideia pro adolescente pra cometer, mas na realidade o adolescente do lado de cá acha que é uma coisa legal, uma brincadeira, mas do lado de lá tem outra ideia, que é a ideia do suicídio. (Enf_08)

Podemos observar que a palavra “não” aparece várias vezes nos textos, mas, dessa vez, como um advérbio de negação relacionado às histórias contadas pelos participantes em suas experiências com crianças/adolescentes que apresentaram ideação suicida. A palavra “mãe” também aparece nessa parte dos relatos com mais frequência do que nos outros temas.

De acordo com o relato dos profissionais das equipes de saúde, a principal atuação durante o atendimento envolve a coleta da história, o encaminhamento da criança/adolescente para o psicólogo conforme necessidade e atendimento multiprofissional seguindo os protocolos do Ministério da Saúde. Outra medida relatada por eles é a realização do diálogo com o paciente e a orientação familiar quanto à patologia, cuidados, vigilância e segurança com esse paciente e os riscos que o permeiam para concretização do ato suicida, bem como a maneira de evitá-los.

Tem o Manual do Suicídio do Ministério da Saúde, ele preconiza alguns riscos pra suicídio, e dentro destes riscos, introduz protocolos que devem ser seguidos. Então, a orientação dos responsáveis do risco que tá ocorrendo, então, ensinar ou orientar quais os possíveis riscos em casa que essa criança pode ter. Então, retirar objetos cortantes, corda, rede. Evitar, não deixar realmente, nem a criança nem o adolescente ficar sozinho, em espaços, sozinho. (Enf_01)

Então tento explicar pra ele que aquele estado em que ele está se sentindo, por mais difícil que seja, que naquele momento a pessoa pensa que não vai mudar, que não há saída, que nada pode fazer melhorar, sabe. Mas, eu tento mostrar pra ele que pode sim, que a gente já viu muitas pessoas na mesma situação e, com tratamento, conseguiram melhora, sabe. (Psi_03)

[...] a gente comunica a família, né, e envolve essa família dentro do contexto do acompanhamento social dessa criança, desse adolescente. E a gente busca falar também, né, sobre essa problemática, e também realizar o acompanhamento multiprofissional dessa situação, fazer os encaminhamentos necessários dentro do serviço, as avaliações psicológicas, médica, social, e ir fazer o acompanhamento do caso tentando prevenir os agravos. (Aso_04)

Depois que a gente consegue pelo menos identificar quais são as situações que levaram esse paciente ficar em situação de risco ou a entrar nesta crise com a vontade de tirar sua própria vida, a gente, eu, particularmente, busco logo uma terapêutica multiprofissional. (Enf_05)

Eu trabalho tanto a situação da criança, quanto a situação familiar, porque eu preciso abordar também como é o comportamento da família, quais são os problemas dentro do domicílio, como é que é o comportamento desse paciente lá, na escola. A gente faz toda essa avaliação, pra que a gente trace o plano terapêutico relacionado a essa situação. (Enf_05)

O CAPS II, segundo relato de um dos entrevistados, dispõe de grupos de apoio formados por pacientes e suas famílias, desenvolvidos por enfermeiros e psicólogos que trabalham nesse centro. Isso ajuda muito quem quer compartilhar sua história ou procurar ajuda para superar seus problemas.

TEMA 3: Organização do Serviço de Atenção Primária e Secundária e estratégias para enfrentamento e prevenção do suicídio infantojuvenil

O segundo corpus (Figura 2) constitui as falas dos profissionais sobre estratégias utilizadas no cotidiano de seu trabalho para enfrentamento da problemática, para a prevenção e as ações que poderiam ser utilizadas para diminuir o número de óbitos por suicídio no Brasil.

Figura 2
Dendograma de similitude relacionado às estratégias de enfrentamento e prevenção do suicídio infantojuvenil e organização do serviço de saúde prestado

Os resultados revelaram a palavra central “não”, estabelecendo uma relação forte com a palavra “porque”, que se conecta a uma rede de palavras como: “estratégia”, “abordagem”, “problema”, “suporte”. O outro braço da similitude estabelece a relação com a palavra “criança”, que se relaciona com as palavras: “adolescente”, “familiar”, “suicídio”, “sofrer”, “cometer”, “urgente”, “evitar”. Um outro braço do gráfico também importante tem como destaque a palavra “paciente” que está muito associado à palavra “família”, a qual segue “núcleo”, “responsável”, “orientar”, “abordar, “prevenir”. A palavra “paciente” também se associa à “crise”, “acolhimento” e “acompanhamento”. Na periferia pode-se perceber a palavra “escola”, que segue “educação”, “saúde”, “vínculo”.

Como medida de prevenção do suicídio, os profissionais julgaram a família como uma importante aliada que, somado à educação em saúde nas escolas, nas unidades ou até mesmo na comunidade, constituem uma importante ferramenta na prevenção do suicídio no Brasil.

A gente, quando fala de crianças assim, a gente fala de formação, de identidade, de contexto sobretudo familiar, que é o primeiro núcleo. (Enf_01)

E eu vi nos CRAS principalmente, que é público aberto, comunidade, eles têm um grande medo de conversar sobre suicídio, que parece que quando você vai falar sobre isso, a sensação que eles têm é que vai estimular que ocorra. [...] não é só questão de falar sobre suicídio, é conhecer, é descobrir porque que aquele jovem, aquela criança tá se entristecendo tanto que deixa de ter vontade de viver. (Enf_01)

Ver uma forma de que a população fosse bem esclarecida quanto aos riscos, proporcionar atendimento, que as pessoas tivessem acesso a atendimento necessário, entendeu? (Psi_03)

Eu acho que pra prevenção, a primeira coisa eu acho que é a família né. A família tá sempre atenta, né, a qualquer mudança de comportamento. Pra prevenir, essa família tem que tá muito bem estruturada. Qualquer situação que desestruture essa família pode vir a ocorrer um adoecimento mental da criança ou do adolescente. (Aso_04)

Essa é uma das estratégias que eu acho que é mais importante ao meu ver, né, é o apoio, é o vínculo, é a ajuda entre a escola e a Unidade Básica. (Enf_08)

Acho que ter uma Política voltada pra isso, uma Política que funcionasse de verdade. Porque tem a Política de Saúde Mental, mas na prática, isso não funciona. (Enf_10)

Os entrevistados apontam ainda para a necessidade da criação e execução de políticas públicas viáveis e exequíveis, que melhorem o acesso e o atendimento do usuário no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente aquele que necessita com urgência, como é o caso do paciente em crise. Além disso, outra estratégia citada é a quebra do tabu social estabelecido que pode ser feita ao criar discussões sobre o suicídio, tanto em crianças e adolescentes, como em adultos.

Ainda relacionado aos relatos desse segundo corpus, pode-se perceber muitos problemas quanto a organização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) direcionada ao enfrentamento e prevenção da ideação suicida. Como, por exemplo, a falta de profissionais qualificados, a inexistência de comunicação entre os níveis de atenção à saúde, a falta de estrutura física e apoio institucional que provocam uma descontinuidade no processo de atendimento ao paciente.

O nosso maior entrave hoje dentro da Rede de Santarém é a falta de uma rede assistencial fechada pra saúde mental. Eu tiro um paciente, eu faço o atendimento, eu encaminho, ele faz o tratamento via hospitalar, ele volta, e eu não tenho a Estratégia Saúde da Família que me dê o apoio lá. (Enf_05)

O paciente em crise, eu tenho dificuldade pra chamar o SAMU [...] e, às vezes, eu tenho que ligar e forçar. (Enf_05)

A gente precisa, muitas das vezes, conter, ou ter um transporte adequado, porque ele tá em crise, se eu deixar ele no domicílio, ele vai cometer o suicídio. (Enf_05)

A Rede Municipal foi estruturada, foi criado os leitos psiquiátricos, mas só no papel. Na prática, não tem. Nossos pacientes estão ficando misturados com todo mundo lá na emergência. Isso é ruim, porque você não tem um acolhimento, você não tem uma atenção. (Enf_05)

Eu queria fazer uma educação em saúde lá no “xxx”, que é a minha área, né. Aí eu fui pedir apoio da Secretaria, aí eles disseram “Não. Você pode ir, pode fazer, mas infelizmente a gente não pode dar apoio nenhum”, e aí a gente fica com as mãos atadas, porque tu quer fazer um trabalho e tu não tem apoio. (Enf_08)

Nessas falas, a palavra “não” está bastante associada à falta de organização e estrutura do serviço para acolher os pacientes que necessitam de um atendimento resolutivo e de qualidade; e a palavra “paciente” aqui utilizada remete a um público geral, incluindo crianças e adolescentes.

A falta de suporte para atendimento de pacientes em crise gera grandes dificuldades para os profissionais que tentam prestar um atendimento de qualidade. Tirar o paciente daquele estado e fazer o tratamento adequado, tanto no que diz respeito à Atenção Primária quanto à Secundária, configura-se um grande desafio para estes profissionais.

[...] então leva no Pronto Socorro. É a única chance que a gente tem é que ele seja medicado, só que ele vai sair do Pronto Socorro com o medicamento da crise, não vai sair do Pronto Socorro com o tratamento psiquiátrico necessário. E aí ele precisa voltar. Quando ele volta, se eu não tenho a garantia, fazer o quê. Fica difícil. (Enf_05)

[...] eles são referenciados logo lá pro CAPS, e quando tá em crise a gente manda pro hospital. Porque a gente não tem suporte pra atender essas crianças, esses adolescentes aqui. (Med_09)

Aqui a gente não tem estratégia nenhuma, porque a gente não tem suporte para atendimento dessas pessoas. Se o paciente tá em crise, o que a gente faz? Nós chamamos o SAMU pra levar ele pra emergência. (Enf_10)

Foi observada uma disparidade no atendimento ao paciente suicida na Atenção Primária em relação à Atenção Secundária. Na primeira, o paciente não continua a participar dos atendimentos na Unidade de Saúde porque não há estrutura, medicação para tirar da crise ou suporte para atendê-lo ali mesmo. Raramente é feita a identificação de fatores que possam conduzir o adolescente ou a criança ao ato suicida, principalmente por falta de conhecimento e experiência. Na Atenção Secundária, o paciente já foi encaminhado de uma unidade de saúde ou vai à Instituição por livre demanda, já com os sintomas ou com tentativas de suicídio existentes. No entanto, também há falta de recursos para atendimento de pacientes em crise. Nesse caso, eles são mandados diretamente para o Hospital Municipal.

A gente precisa urgente dentro de Santarém ter um CAPSi, que nós não temos. Eu sei que tem projetos que já foram feitos e tudo, mas a gente não tem. [...] nós atendemos crianças, a gente não manda voltar ninguém, mas gente encaminha muitas das vezes pro CRAS pra dar esse apoio, a gente aciona a escola desse paciente, muitas das vezes a professora vem aqui com a gente pedir ajuda, e aí a gente tá trabalhando dessa forma, mas a gente não vai ter um resultado esperado. (Enf_05)

Como foi observado neste discurso, a falta do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) também é um problema evidente. Como não há estruturação para o atendimento de crianças e adolescentes, eles são atendidos no mesmo local que os adultos ou são encaminhados para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) que, segundo relatos, é constituído por profissionais que estão mais próximos da comunidade e podem fazer as interferências necessárias. Esses profissionais lidam diariamente com os problemas relacionados à falta de estrutura na Rede de Saúde, entretanto, eles tentam solucionar de diversas maneiras fazendo parcerias com outros profissionais.

DISCUSSÃO

A RAPS está organizada em vários pontos, desde a Atenção Primária nas unidades de saúde, até a Atenção Psicossocial Estratégica no CAPS e a Atenção de Urgência e Emergência e Hospitalar com leitos de saúde mental. Esses pontos de acesso à saúde mental devem estar organizados, interligados e comunicantes. Além de fazer o atendimento, esses serviços devem também identificar vulnerabilidades e especificidades dos pacientes, como é o caso da ideação suicida infantojuvenil. Dentro das políticas de saúde mental, o profissional não pode trabalhar hoje somente no tratamento da patologia, mas, sim, fazer o acolhimento, escuta, aconselhamento, cuidado, além de possibilitar o acesso à qualidade de vida levando em consideração cada indivíduo e seu caso(1818 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional do Ministério Público. Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. [Internet] Brasília, 2014[cited 2018 Feb 10].60 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf
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).

Segundo a Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, para tal demanda, deve ser instituído o CAPSi em cidades com mais de 200 mil habitantes, com intuito de acolher e prestar assistência a crianças e adolescentes comprometidos psiquicamente, tendo estrutura física, recursos humanos adequados e articulação entre os setores da Rede para garantir atenção integral(1919 Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 336, de 19 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre os Centros de Atenção Psicossocial - CAPS. Diário Oficial da União. [Internet] 20 fev 2002 [cited 2018 Fev 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html
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). Como observado neste estudo, na prática, esse serviço está ausente, apesar da população de Santarém, PA ser equivalente a 294.580 pessoas, de acordo com o censo de 2010, e estimada em 302.667 habitantes, em 2018(2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. Censo demográfico: panorama - Santarém/Pará, censo de 2010. [Internet] 2010. [cited 2018 Feb 10]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/santarem/panorama
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).

Como principais condutas dos profissionais que trabalham na Atenção Primária à Saúde, os encaminhamentos para o CAPS e medicalização são os mais importantes(2121 Ortolan ML, Santos HP. Suicídio: Estamos mesmo falando disso? In: Actas do 12º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde; [Internet] 2018 jan 25-27; [cited 2018 Feb 19]. Lisboa: ISPA - Instituto Universitário. Available from: https://www.researchgate.net/profile/Isabel_Leal8/publication/322835678_Atas_do_12_Congresso_Nacional_de_Psicologia_da_Saude/links/5a72237a458515512075dec7/Atas-do-12-Congresso-Nacional-de-Psicologia-da-Saude.pdf
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), além da realização de educação em saúde e estabelecimento de vínculo próximo ao paciente e à família para ações de promoção à saúde(1818 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional do Ministério Público. Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. [Internet] Brasília, 2014[cited 2018 Feb 10].60 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf
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). No entanto, é possível observar que tanto na Atenção Primária quanto na Secundária, a medicação para pacientes em crise nem sempre está disponível, e se torna necessário fazer o encaminhamento para uma unidade hospitalar. A intervenção, que poderia ser imediata, acaba se tornando remota quando há dificuldade em chamar o SAMU 192, ou quando não há leitos específicos para pacientes de saúde mental no hospital. Muitas vezes, não há comunicação entre os níveis de atenção à saúde, e o paciente acaba não recebendo assistência adequada.

Como observado nas falas dos participantes deste estudo, o suicídio em crianças e adolescentes está se tornando cada vez mais crescente e a mídia acaba colaborando de certa forma para isso. Em uma pesquisa que corrobora com este aspecto, se discute o comportamento do chamado Efeito Werther, ou suicídio por contágio, em que um ato suicida se torna gatilho para outros e acaba ocorrendo mortes em massa. Com a eminência do jogo Baleia Azul, houve grande repercussão desse assunto na mídia. Neste, os participantes se envolvem com desafios de alto risco e automutilação, e terminam sempre com suicídio como etapa final. Foi constatado, então, que a internet e a mídia são grandes influenciadoras do suicídio infantojuvenil, no entanto, há também o outro lado da história, em que a elas podem ser utilizadas como meios de prevenção e ajuda(2222 Barbosa JS, Mendes G, Oliveira M, Corrêa M, Shimabukuro M, Amorim C. Séries e internet: Até que ponto elas interferem na ideação suicida? In: Actas do 12º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde; [Internet] 2018 jan 25-27; [cited 2018 Mar 21] Lisboa: ISPA - Instituto Universitário. Available from: https://www.researchgate.net/profile/Isabel_Leal8/publication/322835678_Atas_do_12_Congresso_Nacional_de_Psicologia_da_Saude/links/5a72237a458515512075dec7/Atas-do-12-Congresso-Nacional-de-Psicologia-da-Saude.pdf
https://www.researchgate.net/profile/Isa...
-2323 Werlang BSG, Borges VR, Fensterseifer L. Risk and protection factors in suicide ideation among adolescents. Interam J Psychol [Internet]; 2005 [cited 2017 Apr 07];39(2):259-66. Available from: http://www.redalyc.org/pdf/284/28439210.pdf
http://www.redalyc.org/pdf/284/28439210....
).

Como fator protetivo, a família acaba se tornando a primeira instância a ser levada em conta pelos profissionais. Por ser o principal núcleo de apoio ao enfrentamento da ideação suicida infantojuvenil, os profissionais de saúde investem na atenção e na educação da família em conjunto com o paciente, na ajuda em crises familiares e na diminuição de fatores de risco. Nesse âmbito, é possível observar a importância do assistente social, que forma um vínculo mais próximo à família(2424 Leite DPA, Almeida HN. Social work, family and a mental illness in children and youth in Portugal. Serv. Soc.& Saúde, [Internet] Campinas SP, 2012 jul./ dez. [cited 2017 Apr 19], v. 11, n. 2 (14) p. 287-306. Available from: http://doi.org/10.20396/sss.v11i2.8635286
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-2525 Santos JCP, Erse MPQA, Façanha JDN, Marques LAFA, Simões RMP. +CONTIGO: Mental health promotion and prevention of suicidal behaviours within the educational community. Monographic Series Health Sciences Education and Research n. 9. Health Sciences Research Unit: Nursing - Nursing School of Coimbra. [Internet]. 2014 [cited 2017 Fev 08] 115 p. Available from: https://www.researchgate.net/publication/261064250
https://www.researchgate.net/publication...
). Neste estudo, no entanto, todos os profissionais acabam se envolvendo de certa forma com o paciente e a família, principalmente o enfermeiro.

A informação acerca do comportamento suicida, dos sinais e fatores de risco pode ajudar a população a identificar, ajudar e educar crianças e adolescentes que tem ideação, como observado neste estudo e em outros(2626 World Health Organization-WHO. Prevenção do suicídio: um recurso para conselheiros. [Internet] Genebra: 2006. [cited 2018 May 02]. Available from: http://www.who.int/mental_health/media/counsellors_portuguese.pdf
http://www.who.int/mental_health/media/c...
). Dessa forma, os profissionais de saúde devem investir em educação em saúde voltado para esse público e para as famílias, além de subsidiar o acesso à assistência em saúde mental, preconizado pelo SUS(1818 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional do Ministério Público. Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. [Internet] Brasília, 2014[cited 2018 Feb 10].60 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf
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).

É importante discutir também sobre a relevância da escola para atuar na promoção de fatores protetivos para a ideação suicida e também na detecção de fatores de risco de adoecimento mental por parte das crianças e jovens, visto que é um local onde eles mais se concentram. Segundo o Ministério da Saúde, não cabe à instituição de ensino identificar e diagnosticar patologias, mas é seu dever construir um ambiente favorável à promoção de saúde(1818 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional do Ministério Público. Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. [Internet] Brasília, 2014[cited 2018 Feb 10].60 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

A política de saúde mental, embora seja bastante criteriosa em suas leis, decretos e portarias, ainda possui lacunas e muitas restrições no que se refere à prática dos profissionais. Não há concretização das diretrizes instituídas pela política. Porém, foi observado que as crianças e adolescentes estão sendo cada vez mais incluídas na assistência à saúde mental, com ampliação do acesso aos serviços disponibilizados antes somente para adultos. Mesmo que não haja serviços de atendimento específico para esse grupo etário, a política prevê que elas devem ser atendidas nos serviços para pessoas adultas, o que abre outras questões sobre a ausência de capacitação dos profissionais e falta de estrutura adequada para receber essa clientela(2727 Santos VC. Utilização de serviços hospitalares e comunitários no atendimento de saúde mental infanto-juvenil no estado de Sergipe - Brasil. [Tese] [Internet] Salvador. Inst de Saúde Colet - UFBA; 2015. [cited 02 May 2018]. Available from: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/18335
http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/...
).

Limitações do estudo

Este estudo tem base teórica profunda, mas há poucos trabalhos desenvolvidos sobre essa temática, o que dificulta a pesquisa de artigos para discussão do tema. Além disso, existe a dificuldade em abordar o público-alvo para a realização da entrevista, visto que é um assunto cercado de muitos estigmas e tabus, principalmente quando se relaciona a crianças e adolescentes. A metodologia aplicada, no entanto, rendeu grandes resultados e favoreceu a construção deste estudo, sem que as limitações o dificultassem.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

As informações colhidas neste estudo são relevantes e visam o aperfeiçoamento de profissionais da área da saúde na identificação de crianças e adolescentes potencialmente suicidas através do conhecimento sobre o tema em questão, além da colaboração efetiva para a formação de estudantes que poderão se deparar na sua vida acadêmica e profissional com o suicídio infantojuvenil.

A coleta de informações acerca do conhecimento dos profissionais de saúde, mediante essa problemática, permite visualizar claramente se estão preparados para identificar e dar o atendimento necessário a essas crianças e jovens potencialmente suicidas e contribuir para a detecção, prevenção e combate a este mal que afeta muitas famílias brasileiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa revelam limites operacionais e organizacionais. Os profissionais de saúde ainda não se sentem aptos para realizar uma assistência de qualidade às crianças e adolescentes que possuem ideação suicida. O dendograma de similitude construído a partir de suas falas sobre as experiências e as estratégias de enfrentamento e prevenção do suicídio revelam que a palavra “não” está presente com maior destaque na árvore de discursos, o que remete a uma ausência de preparo e de estrutura do Sistema Público de Saúde. Além disso, pode ser observado nas falas durante a análise de conteúdo o grande desafio profissional que a equipe de saúde enfrenta no dia a dia para prestar uma assistência de qualidade.

A RAPS ainda possui lacunas que necessitam ser superadas. Os profissionais sentem a necessidade de viabilização de recursos para o desenvolvimento adequado do serviço por parte do Poder Público; de organizar os programas de apoio aos pacientes e às famílias usuárias de saúde mental, com ênfase na comunicação intersetorial entre a Atenção Primária à Saúde e a Atenção Especializada (CAPS); e de abranger protocolos de referência e contrarreferência e de itinerários para identificação, acolhimento e encaminhamento de pacientes com risco suicida.

Mesmo que não exista CAPSi para crianças e adolescentes, os profissionais que atendem adultos sabem que devem estar preparados para receber essa clientela, uma vez que não se pode deixá-los voltar para suas casas sem o acolhimento e intervenção necessários. Portanto, é importante a ampliação dos meios de qualificação fornecida pelo serviço, fortalecimento da Atenção Primária em conjunto com a atenção especializada, estruturação da Rede de Saúde Mental e das políticas públicas em saúde.

Família, escolas e comunidade devem estar informadas quanto aos riscos e orientados sobre o que fazer quando houver crianças e adolescentes com ideação suicida e como intervir junto aos profissionais de saúde para que haja diminuição do número de mortes por essa causa no Brasil.

Ultimamente, a temática suicídio vem sendo abordada mais constantemente na mídia, nas pesquisas e relatórios de instituições mundiais e federais que têm o intuito de revelar o suicídio e a sua tentativa como um grave problema de saúde pública. Nesse sentido, o grande impacto social, econômico, familiar e individual que o comportamento autodestrutivo causa suscita a necessidade de se realizar mais pesquisas que abordem o suicídio sob outras perspectivas envolvendo outros atores sociais, inclusive crianças, adolescentes e familiares, avaliando também os fatores que levam ao comportamento suicida e autoflagelação infantojuvenil.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    07 Set 2019
  • Aceito
    12 Fev 2020
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