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Desgaste psíquico dos trabalhadores de enfermagem radiológica em serviços de medicina nuclear

RESUMO

Objetivo:

analisar os desgastes psíquicos vivenciados por trabalhadores de enfermagem em serviços de medicina nuclear.

Método:

estudo qualitativo que utilizou os pressupostos metodológicos da Psicodinâmica do Trabalho. Fizeram parte da pesquisa 12 trabalhadores de enfermagem de dois serviços de medicina nuclear. Para análise e tratamento dos dados, utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo, com auxílio do software QualiQuantSoft®.

Resultados:

os desgastes psíquicos vivenciados por trabalhadores de enfermagem se originam, principalmente, na organização, condições e relações do trabalho, podendo comprometer a qualidade da assistência prestada e a qualidade de vida dos trabalhadores. Os degastes psíquicos são manifestados pelo estresse, cansaço e apatia nas atividades realizadas fora do ambiente de trabalho.

Considerações finais:

o sujeito que trabalha também vive socialmente, portanto, a manutenção da saúde psíquica impactará na atividade laboral. O serviço deve incluir o trabalhador na organização e ofertar espaços de diálogo e suporte coletivo.

Descritores:
Saúde do Trabalhador; Medicina Nuclear; Desgaste Profissional; Enfermagem Radiológica; Trabalhadores

ABSTRACT

Objective:

to analyze the psychic exhaustion experienced by nursing workers in nuclear medicine services.

Method:

a qualitative study that used the methodological assumptions of Psychodynamics of Work. The study was 12 nursing workers from two nuclear medicine services. For data analysis and treatment, Collective Subject Discourse was used with help of the software QualiQuantSoft®.

Results:

the psychic exhaustion experienced by nursing workers originates mainly from work organization, conditions and relationships, and can compromise the quality of care provided and workers’ quality of life. Psychic exhaustion is manifested by stress, tiredness and apathy in activities performed outside the work environment.

Final considerations:

individuals who work also live socially, so psychic health maintenance will impact on work activity. The service should include workers in the organization and offer spaces for dialogue and collective support.

Descriptors:
Occupational Health; Nuclear Medicine; Burnout, Professional; Radiologic and Imaging Nursing; Workers

RESUMEN

Objetivo:

analizar el desgaste psicológico que experimentan los trabajadores de enfermería en los servicios de medicina nuclear.

Método:

estudio cualitativo que utilizó los supuestos metodológicos de la Psicodinámica del Trabajo. El estudio incluyó a 12 trabajadores de enfermería de dos servicios de medicina nuclear. Para el análisis y tratamiento de los datos se utilizó el Discurso Colectivo del Sujeto, con la ayuda del software QualiQuantSoft®.

Resultados:

el desgaste psicológico que experimentan los trabajadores de enfermería se origina principalmente en la organización, condiciones y relaciones de trabajo, que pueden comprometer la calidad de la atención brindada y la calidad de vida de los trabajadores. Las degeneraciones psíquicas se manifiestan por el estrés, el cansancio y la apatía en las actividades realizadas fuera del entorno laboral.

Consideraciones finales:

la persona que trabaja también vive socialmente, por tanto, el mantenimiento de la salud psíquica repercutirá en la actividad laboral. El servicio debe incluir al trabajador en la organización y ofrecer espacios de diálogo y apoyo colectivo.

Descriptores:
Salud Laboral; Medicina Nuclear; Agotamiento Profesional; Enfermería Radiológica y de Imágenes; Trabajadores

INTRODUÇÃO

O trabalho está muito além da execução, cumprimento e repetição de tarefas ou da venda da força de trabalho em troca de remuneração. Para Dejours, é por meio do trabalho que os vínculos sociais do indivíduo são construídos(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.). A pessoa constrói parte da sua identidade, provê o sustento próprio e familiar e concebe quem ela é na sociedade da qual faz parte(22 Felli VA, Baptista CP. O contexto do trabalho de enfermagem e a saúde do trabalhador. In Felli VA, Baptista PCP. Saúde do trabalhador de enfermagem. Barueri: Manole; 2015:1-19.).

O trabalho contemporâneo passa por uma série de mudanças significativas advindas da expansão do capitalismo, principalmente quanto ao modo de produção, advento e incorporação das novas tecnologias que, por consequência, impulsionam mudanças na divisão, organização e gestão do trabalho(33 Sousa J, Santos ACB. A psicodinâmina do trabalho nas fases do capitalismo: análise comparativa do taylorismo-fordismo e do toyotismo no contexto capitalismo burocrático e do capitalismo flexível. Rev Ciên Adm. 2016;23(1):186-216. doi: 10.5020/2318-0722.23.1.186-216
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). Essas mudanças se encontram refletidas nos trabalhadores dos serviços de saúde, pois, por um lado, a incorporação de novas técnicas e tecnologias trouxeram avanços para o setor, por outro, exigem do trabalhador capacitação técnica constante, aumento de responsabilidades com a complexidade das tarefas e intensificação do ritmo de trabalho(22 Felli VA, Baptista CP. O contexto do trabalho de enfermagem e a saúde do trabalhador. In Felli VA, Baptista PCP. Saúde do trabalhador de enfermagem. Barueri: Manole; 2015:1-19.-33 Sousa J, Santos ACB. A psicodinâmina do trabalho nas fases do capitalismo: análise comparativa do taylorismo-fordismo e do toyotismo no contexto capitalismo burocrático e do capitalismo flexível. Rev Ciên Adm. 2016;23(1):186-216. doi: 10.5020/2318-0722.23.1.186-216
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).

Nessa realidade, os trabalhadores de enfermagem estão expostos a diferentes cargas de trabalho, entre elas as cargas físicas, biológicas, químicas, fisiológicas, mecânicas e também as cargas psíquicas(44 Carvalho DP, Rocha LP, Pinho EC, Tomaschewski-Barlem J, Barlem LD, Goular L. Workloads and burnout of nursing workers. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1435-41. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0659
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). Essas cargas de trabalho afetam diretamente as condições laborais, podendo gerar os desgastes físicos e psíquicos, que, muitas vezes, demoram a ser percebidos e assentidos pelo próprio trabalhador(55 Melo JAC, Gelbcke FL, Huhn A. Nursing workloads in nuclear medicine. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1279-88. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1103201719
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). Dentre os variados serviços de saúde, destacam-se os serviços de medicina nuclear (SMN). Para o Ministério da Saúde(66 Ministério da Saúde (BR). O SUS de A a Z: Garantindo a saúde dos municípios[Internet]. 3rd ed. Brasília: Ministerio da Saúde. 2009[cited 2020 Jan 30]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_az_garantindo_saude_municipios_3ed_p1.pdf
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), o SMN possui característica de atendimento de alta complexidade, envolvendo alta tecnologia e alto custo.

Além das cargas de trabalho inerentes à atividade da enfermagem no SMN, esses profissionais estão expostos à carga física da exposição constante à radiação ionizante, uma vez que o usuário, que é o objeto de trabalho da enfermagem, torna-se o emissor de radiação ionizante quando recebe a administração dos radiofármacos - substância radioativa agregada a um fármaco para uso em terapia ou diagnóstico médico(77 Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (BR). Glossário de Termos Usados em Energia Nuclear [Internet]. 2020[cited 2020 Feb 06]. Available from: http://www.cnen.gov.br/noticias/documentos/glossario_tecnico.pdf
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). Assim sendo, os trabalhadores que prestam os cuidados de enfermagem ao usuário durante todo o tempo de permanência no serviço(55 Melo JAC, Gelbcke FL, Huhn A. Nursing workloads in nuclear medicine. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1279-88. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1103201719
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) ficam expostos à radiação ionizante. Para a realização desse trabalho, o profissional precisa estar capacitado e respeitar as normas de proteção radiológica regulamentadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear na Norma Nuclear nº 3.05(88 Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (BR). Comissão Nacional de Energia Nuclear. CNEN NN 3.05 - Requisitos de radioproteção e segurança para serviços de medicina nuclear. [Internet]. 2013[cited 2020 Jan 30]. Available from: http://appasp.cnen.gov.br/seguranca/normas/pdf/Nrm305.pdf
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), a qual garante a segurança da prática tanto para o profissional quanto para o usuário.

Dessa forma, o trabalhador de enfermagem em medicina nuclear (MN) possui reduzida liberdade na organização do trabalho perante o excesso de normas rígidas que permeiam o trabalho com radiação ionizante, fato que pode potencializar as cargas psíquicas. A importância de analisarmos os desgastes psíquicos vivenciados pelos profissionais de enfermagem em MN está no fato de a carga psíquica ser resultante da dissensão entre o trabalho prescrito – aquele ordenado pela organização do trabalho, que utiliza os parâmetros legais e formais do trabalho em MN, e o real, que se refere à pessoa, sua subjetividade, desejos e diferentes formas de saber fazer(33 Sousa J, Santos ACB. A psicodinâmina do trabalho nas fases do capitalismo: análise comparativa do taylorismo-fordismo e do toyotismo no contexto capitalismo burocrático e do capitalismo flexível. Rev Ciên Adm. 2016;23(1):186-216. doi: 10.5020/2318-0722.23.1.186-216
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,99 Lavnchica GRFS. A clínica psicodinâmica do trabalho: teoria e método. Khóra Rev Transdiscip [Internet]. 2015[cited 2020 Jan 30];2(2):1-17. Available from: http://site.feuc.br/khora/index.php/vol/article/view/45
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-1010 Abdoucheli E, Dejours C, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: análise da relação prazer, sofrimento e trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 1994.).

Dejours(1111 Dejours C, Barros JO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde. Rev Ter Ocup USP. 2016;27(2):228-35. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v27i2p228-235
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), desde os seus estudos iniciais, aponta a relação de conexão entre o corpo e o sistema psíquico do trabalhador. Nessa perspectiva, a Psicodinâmica do Trabalho (PDT) busca compreender as relações subjetivas entre o homem e o trabalho, tendo na organização e nas condições do trabalho um dos seus principais enfoques. Esses elementos, segundo Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.), podem ser responsáveis por distúrbios e desgastes mentais quando a relação com o trabalhador se encontra em desequilíbrio, ou seja, quando o trabalhador vivencia situações de estresse, atividades repetitivas e/ou mecanizadas, alta demanda de trabalho, condições inadequadas de trabalho, entre outras, o que pode favorecer o adoecimento mental desse indivíduo(33 Sousa J, Santos ACB. A psicodinâmina do trabalho nas fases do capitalismo: análise comparativa do taylorismo-fordismo e do toyotismo no contexto capitalismo burocrático e do capitalismo flexível. Rev Ciên Adm. 2016;23(1):186-216. doi: 10.5020/2318-0722.23.1.186-216
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,1010 Abdoucheli E, Dejours C, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: análise da relação prazer, sofrimento e trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 1994.

11 Dejours C, Barros JO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde. Rev Ter Ocup USP. 2016;27(2):228-35. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v27i2p228-235
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-1212 Lancman S, Sznelwar I. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. 2nd ed. Brasília: Fiocruz; 2008.).

Estudos relacionados aos desgastes vivenciados por trabalhadores da saúde têm aumentado, sobretudo quando se trata de profissionais da enfermagem, devido à exposição constante a cargas de trabalho e também pela natureza do próprio trabalho, quando, muitas vezes, dedica-se a cuidar do outro e esquece-se de cuidar de si(1313 Kolhs M, Olschowsky A, Barreta NL, Schimerfening J, Vargas RP, Busnello G. Nursing in urgency and emergency: between the pleasure and suffering. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(2):422- 31. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v9.5427
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14 Ferreira KS, Medeiros SM, Carvalho IM. Psychical distress in nursing worker: an integrative review. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(1):253-58. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v9.3912
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15 Muñoz AI, Valásquez MS. Síndrome de quemarse por eltrabajo enprofesionales de enfermaría de los servicios de urgencias y de unidad de cuidado intensivo de tres hospitales de Bogotá. Rev Fac Nac Salud Pública. 2016;34(2):202-11. doi: 10.17533/udea.rfnsp.v34n2a09
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-1616 Rosado VM, Russo GHA, Maia EMC. Produzir saúde suscita adoecimento? As contradições do trabalho em hospitais públicos de urgência e emergência. Ciência saúde coletiva. 2015; 20(10): 3021-32. doi: 10.1590/1413-812320152010.13202014
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). Nos SMN, os degastes são inerentes à prática profissional pela exposição ocupacional às radiações ionizantes, o que demanda saberes específicos de proteção radiológica. Nessa perspectiva, apontam-se duas situações geradoras de cargas de trabalho psíquicas: a insegurança quanto à prática profissional e o recorrente enfretamento de situações de dúvida pela falta de capacitação; a fragilidade no conhecimento acerca dos danos relacionados à exposição à radiação ionizante(55 Melo JAC, Gelbcke FL, Huhn A. Nursing workloads in nuclear medicine. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1279-88. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1103201719
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).

Dessa forma, o estudo se justifica pelo papel assumido por profissionais da enfermagem nos SMN e os aspectos psíquicos relacionados à natureza do seu trabalho, que se apresenta em expansão no Brasil. Os resultados desta pesquisa permitirão conhecer o cenário quanto aos desgastes dos trabalhadores de enfermagem atuantes nos SMN, para que seja possível a restruturação da organização e gestão do trabalho, com o intuito de minimizar a exposição a cargas de trabalho. Diante do exposto e considerando a justificativa supracitada, estabeleceu-se a seguinte questão norteadora: qual a percepção dos trabalhadores de enfermagem em SMN quanto aos desgastes oriundos das cargas de trabalho psíquicas?

OBJETIVO

Analisar os desgastes psíquicos vivenciados por trabalhadores de enfermagem em serviços de medicina nuclear.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa seguiu os preceitos éticos da Resolução do Ministério da Saúde n° 466, de 2012. Após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a coleta dos dados foi iniciada. O sigilo e anonimato dos participantes foram garantidos durante todo o estudo, principalmente quanto ao método de análise dos dados, uma vez que o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) representa o discurso do coletivo de trabalhadores e não reflete falas isoladas. Utilizou-se, no final de cada discurso, uma sigla seguida de um número que representam os discursos coletivos organizados na sequência em que aparecem.

Tipo de estudo

A pesquisa seguiu os preceitos do COREQ, uma vez que se trata de um estudo de natureza qualitativa. O desenvolvimento deste foi norteado pelos pressupostos metodológicos da PDT de Dejours.

Desenho metodológico e cenário do estudo

Em sua primeira etapa, a PDT pressupõe que para realizar uma pesquisa é necessário identificar uma demanda que deve partir dos trabalhadores, seja de forma isolada, coletiva ou em grupos(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.). Essa fase é chamada de pré-pesquisa, nesse caso, buscou-se uma aproximação com o objeto de estudo por meio da identificação das cargas de trabalho a que esses profissionais estão expostos durante o trabalho em MN(55 Melo JAC, Gelbcke FL, Huhn A. Nursing workloads in nuclear medicine. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1279-88. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1103201719
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). Tendo em vista a predominância da carga de trabalho psíquica, esta foi escolhida como alicerce desta investigação.

Para escolha dos serviços, adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: proximidade geográfica da pesquisadora e serviços de saúde que ofertam procedimentos semelhantes, resultando em dois serviços localizados na região Sul do país. Ambos os serviços realizam os procedimentos diagnósticos e terapêuticos de MN, a diferença é que o serviço privado oferece o procedimento de Tomografia Computadorizada por Emissão de Pósitron (PET-CT), o que demanda um equipamento específico, de alta tecnologia e de última geração, que ainda não está disponível no serviço público pesquisado. Tanto o serviço privado quanto o serviço público trabalham em dois turnos diurnos, ficando apenas as internações de iodoterapia como serviço de internação 24 horas. Entretanto, os profissionais que atuam na iodoterapia foram excluídos do estudo pelo fato de os serviços possuírem características de organização e funcionamento distintas quanto a essa terapia, o que inviabilizaria o emprego do método. Dessa forma, optou-se por descrever de forma sucinta a existência da internação por iodoterapia, uma vez que ela aparece nos discursos dos participantes, já que a administração das doses é realizada pelo coletivo de trabalhadores pesquisados.

Fonte de dados

Para a escolha dos participantes, utilizou-se o critério de intencionalidade, incluindo todos os profissionais de enfermagem de ambos os serviços pesquisados, totalizando 12 trabalhadores ad hoc. O termo ad hoc se refere ao grupo de profissionais que vivenciam o trabalho. Segundo Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.), essa nomenclatura é empregada quando, no processo de trabalho, o foco não é quem é o porta-voz da situação, mas, sim, a situação relatada. O coletivo foi composto por 4 profissionais de nível superior (enfermeiros) e 8 profissionais de nível médio (técnicos em enfermagem). Destes, 9 são do sexo feminino e 3 são do sexo masculino. A carga horária de cada serviço é bem diferenciada, sendo que no serviço público os profissionais possuem uma carga horária de 24 horas semanais, enquanto que no serviço privado a carga horária é de 36 horas para os profissionais da assistência e de 40 horas para o enfermeiro gestor. Metade desses trabalhadores (6) possui outro vínculo empregatício, o que varia de 30 a 44 horas semanais, sendo a média de 35 horas semanais.

Período, coleta e organização dos dados

A coleta de dados aconteceu no período de julho de 2015 a janeiro de 2016, e seguiu as etapas metodológicas da PDT: observação não participante; entrevistas individuais; entrevistas coletivas com o grupo de trabalhadores ad hoc de cada serviço; entrevista coletiva com o grupo de trabalhadores ad hoc de ambos os serviços pesquisados. Todas as etapas foram conduzidas e desenvolvidas pelo pesquisador principal. A observação aconteceu em dias e turnos variados, com duração de 80 horas, focando em conhecer a organização do trabalho como um todo, observando o que é feito, como é feito e para que é feito. Todas as observações foram registradas em um instrumento próprio denominado diário de observação, que buscou identificar as atividades nos seguintes aspectos do trabalho: ambiente; profissionais; condições e divisão do trabalho; relação interprofissional; procedimentos realizados; horário/jornada/escalas de trabalho; além de verificar a existência de monitoramento individual, uso de equipamentos de proteção individual e avalição de atividades potenciais que contribuam para os desgastes dos trabalhadores.

Na segunda etapa, as entrevistas individuais seguiram um roteiro semiestruturado, desenvolvido a partir dos aspectos identificados no diário de observação. Esse roteiro buscou compreender a dinâmica e a organização do trabalho, bem como permitiu a escuta sobre a percepção do trabalhador a respeito do próprio trabalho, reconhecendo questões relativas ao desgaste e ao comprometimento de sua saúde. O tempo de cada entrevista foi individualizado, tendo em vista as necessidades de cada participante, com duração máxima de uma hora.

As entrevistas coletivas com o grupo de trabalhadores ad hoc de cada serviço aconteceram após interpretação inicial sobre os discursos exteriorizados nas entrevistas individuais, buscando confirmar ou refutar os fatos observados durante o período de observação. Para isso, realizaram-se duas reuniões no formato de roda de conversa, uma em cada serviço pesquisado, com duração aproximada de uma hora e meia, nas quais os temas oriundos das primeiras análises foram apresentados aos trabalhadores que realizaram um debate até chegar a um pensamento que refletisse a realidade do coletivo. Por último, o grupo de trabalhadores ad hoc de ambos os serviços pesquisados se reuniram para validar as análises finais que foram apresentadas pelos pesquisadores. Todas as quatro etapas da pesquisa ocorreram em um período de seis meses. As entrevistas individuais e coletivas aconteceram no próprio serviço, conforme disponibilidade do trabalhador. Os encontros foram gravados por meio de gravador digital, e, em seguida, todas as falas foram transcritas na íntegra.

Análise dos dados

Considerando que a PDT está pautada na compreensão dos comentários verbalizados pelos trabalhadores e a importância está nos temas consensuais do discurso dos trabalhadores, e não em quem proferiu o discurso, adotou-se como método de tratamento e análise dos dados o DSC de Lefevre e Lefevre(1717 Lefevre F, Lefevre AMC. Discourse of the collective subject: social representations and communication interventions. Texto Contexto Enferm. 2014;23(2):502-07. doi: 10.1590/0104-07072014000000014
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). Os DSCs “são opiniões individuais que, ao passarem pelo crivo analítico do pesquisador, [...] resultam em um constructo, um artefato, uma descrição sistemática da realidade e uma reconstrução do pensamento coletivo como produto científico”(1717 Lefevre F, Lefevre AMC. Discourse of the collective subject: social representations and communication interventions. Texto Contexto Enferm. 2014;23(2):502-07. doi: 10.1590/0104-07072014000000014
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). No DSC, com base nos discursos individuais, busca-se reconstruir um único discurso que contemple a representação coletiva sobre determinado fenômeno.

Para auxiliar na organização e análise dos dados, utilizou-se o software QualiQuantSoft®, que organiza as figuras metodológicas formuladas pelos criadores do método: expressões-chave, ideia central, ancoragem (não obrigatória) e o DSC propriamente dito. Com exceção da ancoragem, todas as figuras metodológicas foram cuidadosamente sistematizadas nesta pesquisa, e o sentido dos discursos analisados foi descrito considerando a correlação entre as expressões-chave e ideia central com a observação não participante(1818 Flor RC, Melo JAC, Gelbcke FL, Ramos FRS, Amadigi FR. Investigação da práxis em enfermagem radiológica: aplicação da metodologia da psicodinâmica do trabalho. 2017;26(3):e0930017. doi: 10.1590/0104-07072017000930017
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).

Durante a análise dos dados coletados, observou-se que as cargas psíquicas oriundas do trabalho da enfermagem em SMN são fontes importantes de desgaste psíquico desses trabalhadores. A interação das cargas psíquicas intrínsecas na natureza do trabalho da enfermagem e as consequências dessas cargas no corpo do trabalhador contemplam O cenário da enfermagem em serviços de medicina nuclear e as implicações no desgaste psíquico do trabalhador, primeira categoria apresentada. Além disso, observou-se uma relação direta dos desgastes psíquicos assentidos pelos trabalhadores pesquisados com as Condições de trabalho e as relações entre os usuários do cuidado, que configurou a segunda categoria de análise.

RESULTADOS

O cenário da enfermagem em serviços de medicina nuclear e as implicações no desgaste psíquico do trabalhador

Os procedimentos nos SMN envolvem as etapas: planejamento; orientação e preparo do usuário; injeção do radiofármaco e prestação dos cuidados; monitoramento, orientação e liberação do usuário após o exame. Nos serviços pesquisados, a prestação dos cuidados de enfermagem acontece antes, durante e após cada uma dessas etapas. A dinâmica está relacionada ao cuidado e acolhimento dos usuários e fica a cargo da equipe de enfermagem, somada à rotina em trabalhar com a radiação ionizante, o que requer cuidados constantes, vigilância e prudência para garantir a segurança de si e do usuário. A seguir, encontra-se o DSC sobre a percepção dos desgastes em SMN:

Com a presença da radiação, sempre considero o ambiente de trabalho um estresse, acredito que a escala e a carga horária de trabalho seja um pouco excessiva, trabalhamos muito, não só pelo fato de trabalhar o dia todo, mas em relação à exposição à radiação. O cansaço físico não é tão pesado como o cansaço mental e emocional [...]. O estresse é grande, a enfermagem possui um papel importante na medicina nuclear, toda a equipe pode se atrasar por causa do nosso trabalho. A gente fala com paciente o tempo todo, explica o tempo todo, presta atenção o tempo todo e se exige o tempo todo. Isso gera estresse, cobrança própria e irritabilidade. Nós temos uma importância enorme e a falta de conhecimento em medicina nuclear fragiliza o nosso trabalho, impacta e desgasta a saúde. Todas essas situações juntas geram estresse, e isso interfere na vivência social e familiar, às vezes até do lazer você acaba se privando em função disso... quando se chega em casa, a vontade é de ficar jogado, sem fazer nada, mas não posso porque ainda tenho as atividades da casa para fazer. (DSC ١)

Durante a observação, identificou-se que o profissional de enfermagem realiza inúmeras atividades ao mesmo tempo, sendo solicitado todo o tempo por usuários, acompanhantes ou por outros membros da equipe para a realização de atividades. A agenda pouco flexível pressiona o trabalhador a realizar um trabalho sem erros. Não se pode atrasar a dinâmica do serviço, tampouco desperdiçar material radioativo que possui um tempo de atividade (decaimento) curto, por isso a sinergia entre o preparo, injeção do radiofármaco e realização do exame precisa ser perfeita, ou o radiofármaco não fará o efeito desejado e o procedimento precisará ser desmarcado.

Identifica-se uma dificuldade por parte dos trabalhadores em lançar mão dos mecanismos defensivos, principalmente aqueles relacionados ao tempo fora do trabalho, como visto a seguir:

Trabalhar em dois empregos é muito cansativo, depois de um dia de trabalho me sinto estressado, com dores nas pernas e até sem apetite. Durmo e descanso muito pouco, eu acredito que se eu tivesse apenas um emprego eu não sentiria tudo isso, mas eu não tenho como sustentar a família com um emprego só. Por isso, a valorização deveria ser melhor, pela responsabilidade que a gente tem, pelo trabalho que a gente faz, se o salário fosse melhor eu poderia ter apenas um emprego. (DSC ٢)

O DSC 1 e 2 mostram que existem duas condições no trabalho da enfermagem em MN que merecem atenção. A primeira está relacionada às questões do gênero nas atividades fora do trabalho, já que a maioria dos trabalhadores é do sexo feminino, e a segunda condição se refere ao aumento dos desgastes psíquicos advindos da necessidade de outros vínculos de trabalho.

Desgaste psíquico do trabalhador advindo das condições de trabalho e das relações com os usuários do cuidado

No coletivo de trabalhadores pesquisados, percebeu-se o sofrimento diante de um trabalho que necessita ser realizado, porém não é feito da maneira que o profissional idealiza e julga ser o que o usuário merece, dado que as condições de trabalho são desfavoráveis.

Se você não tem o equipamento ideal, não tem espaço para colocar o paciente, não tem espaço para uma maca porque o lugar é pequeno, isso tudo estressa. [...] é muito ruim prestar uma orientação ao paciente e o outro paciente do lado também escutar e interpretar diferente ou ficar com medo do exame. Se tiver uma intercorrência fica difícil atender e essa situação gera insegurança para o trabalhador. Além disso, o espaço físico é muito restrito. Às vezes, fica tudo muito aglomerado e acontecem acidentes. Outro dia, uma integrante da equipe esbarrou em outro colega e todo material radioativo caiu no chão e no avental dela. Isso é muito ruim e todas essas situações me deixam estressado. (DSC ٣)

Nota-se, no DSC 3, insegurança e ansiedade perante as situações que enfrentam, já que a assistência ao usuário e o próprio trabalho ficam comprometidos pelas condições de trabalho, o que faz com que as atividades laborais sejam exercidas de forma que não atendam aos propósitos e princípios sociais e profissionais dos trabalhadores, gerando estresse e até mesmo sofrimento ético. Dados oriundos da observação evidenciaram que ambos os serviços possuem um ritmo de trabalho acelerado, com uma equipe enxuta e uma demanda grande de procedimentos. Isso pode provocar aumento nos episódios de acidentes de trabalho, como relatado no DSC 3 e presenciado pela pesquisadora, seja pelo não uso dos equipamentos de proteção individual, pelo trabalhador focar em várias atividades ao mesmo tempo ou pela necessidade de realizar a tarefa em curto intervalo de tempo, comprometendo, assim, o desempenho correto e seguro das tarefas.

Constatou-se que os desgastes psíquicos dos trabalhadores possuem origem pela atuação de diferentes cargas de trabalho no corpo do trabalhador. Uma dessas cargas é a física, exposição à radiação ionizante. A utilização dessa ferramenta de trabalho acaba assombrando o psique desse profissional, principalmente quando as condições de trabalho dificultam a prevenção de acidentes. O trabalhador reconhece que a atividade laboral que desempenha possui riscos, admitindo a possibilidade de alguma desordem física no futuro:

Em função da radiação, eu acredito que sofrerei alguma coisa mais tarde, a gente sabe que o risco de câncer é maior para quem se expõe à radiação. [...] quanto à medicina nuclear me sinto inseguro, se estou fazendo alguma coisa de errado e principalmente quanto à radiação, eu não sei até que ponto isso me prejudica ou não, a longo prazo ou curto prazo, se eu me contaminei... esses dias me contaminei e fiquei com medo de dar banho na minha filha [...] todo o lugar que circulamos durante o trabalho possui exposição à radiação. Apesar de tudo isso, eu gosto do que faço. (DSC ٤)

A partir dos resultados, percebeu-se que o coletivo de trabalhadores possui medo e incerteza perante o trabalho com radiação ionizante e seus impactos na saúde. Mesmo que todo coletivo tenha passado por algum treinamento, é inerente do exercício da profissão a exposição à radiação ionizante. A carga física da radiação ionizante possui grande influência na produção de outras cargas de trabalho. Destacam-se as cargas psíquicas relacionadas ao medo, visto que os efeitos da radiação ionizante em SMN, em sua maioria, são estocásticos.

Verificou-se que as relações sociais de trabalho podem ocasionar perigo ao equilíbrio mental dos trabalhadores. Esse fato se materializa nos discursos dos trabalhadores transcritos abaixo, quando relatam a dificuldade em prestar cuidados aos usuários com diagnóstico de câncer ou mesmo usuários pediátricos. É preciso registrar que essas dificuldades não foram expressas somente verbalmente, mas também em momentos de longo silêncio entre as falas, durante pausas para respirar fundo e reestabelecer o controle sobre as emoções e até mesmo a expressão do sofrimento por meio do choro:

Às vezes, o desgaste é grande, tem dias que sinto cansaço e tristeza porque a gente se coloca no lugar da pessoa que está sendo atendida. Trabalhamos com pacientes portadores de câncer, são crianças e adultos com diagnóstico de tumor e isso abala emocionalmente. Os pacientes com histórico de câncer geralmente possuem um acesso venoso difícil, muitas vezes demora para conseguir fazer a punção, atrasa toda a agenda, isso gera muito estresse porque preciso ofertar conforto para esse paciente e ao mesmo tempo toda a continuidade do procedimento depende de mim, o desgaste psicológico é grande. Querendo ou não você acaba se deprimindo porque isso afeta muito o lado emocional. Apesar disso, têm dias que eu me sinto feliz. (DSC ٥)

A dualidade entre sofrimento e prazer fica evidente no trabalho da enfermagem em SMN, ao mesmo tempo em que se faz necessária a mobilização de saberes técnicos; o profissional também precisa fazer uso da empatia e da afetividade mútua. Fazer uso dessas ferramentas subjetivas desgastam o trabalhador, uma vez que ele é um ser social que também possui família, amigos, problemas e está suscetível a desenvolver as doenças que são tratadas no seu trabalho. Fundamentado nos DSC supracitados, o estudo ratifica a influência da organização do trabalho como elemento potencializador ou facilitador de desgastes no trabalhador, já que a exposição a cargas e, consequentemente, os desgastes dependem diretamente do conteúdo da tarefa, das cargas de trabalho, bem como do ritmo, condições e jornada de trabalho.

Cabe salientar que, dentre os serviços pesquisados, apenas o serviço público possuía o setor de saúde do trabalhador e o setor de proteção radiológica. A presença desses serviços focados para o trabalhador contribui para que se sintam mais seguros para desenvolverem suas atividades, além de fomentar e fiscalizar o uso dos mecanismos de proteção radiológica. Evidencia-se a importância de uma rede de apoio, formalmente estruturada pela instituição de saúde para monitoramento e assistência à saúde do trabalhador.

DISCUSSÃO

A partir dos resultados obtidos, constata-se que trabalhadores de enfermagem no SMN se encontram expostos a cargas fisiológicas, físicas, químicas, biológicas e mecânicas, assim como profissionais de outros setores dos serviços de saúde(44 Carvalho DP, Rocha LP, Pinho EC, Tomaschewski-Barlem J, Barlem LD, Goular L. Workloads and burnout of nursing workers. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1435-41. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0659
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), que interferem no desgaste psíquico, este fortemente subjetivo. Nessa perspectiva, o cansaço mental, estresse e autocobrança referidos anteriormente no DSC 1 surgem, principalmente, pelas características dos SMN. É importante destacar que as respostas físicas e emocionais apontadas podem ser caraterizadas como estresse ocupacional. Nessa condição, o profissional fica mais propenso a desenvolver diversos agravos à saúde. Consequentemente, há o aumento do índice de absenteísmo nas instituições e de insatisfação profissional(1919 Santana LC, Ferreira LA, Santana PM. Occupational stress in nursing professionals of a university hospital. Rev Bras Enferm. 2020;72(2):e20180997. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0997
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). Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.) é categórico ao afirmar que o sofrimento é resultante da organização do trabalho e que os indivíduos com a mais densa estrutura psicológica podem ser vítimas de desgastes mentais induzidos pela organização do trabalho. Diferentes estudos mostram que, para diminuir os desgastes psíquicos, deve-se evitar o acúmulo demasiado de tarefas, ou seja, evitar ou diminuir a exposição a cargas de trabalho, realizar a prática de atividades físicas e de lazer, além de hábitos saudáveis e convívio familiar e social(1414 Ferreira KS, Medeiros SM, Carvalho IM. Psychical distress in nursing worker: an integrative review. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(1):253-58. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v9.3912
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15 Muñoz AI, Valásquez MS. Síndrome de quemarse por eltrabajo enprofesionales de enfermaría de los servicios de urgencias y de unidad de cuidado intensivo de tres hospitales de Bogotá. Rev Fac Nac Salud Pública. 2016;34(2):202-11. doi: 10.17533/udea.rfnsp.v34n2a09
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-1616 Rosado VM, Russo GHA, Maia EMC. Produzir saúde suscita adoecimento? As contradições do trabalho em hospitais públicos de urgência e emergência. Ciência saúde coletiva. 2015; 20(10): 3021-32. doi: 10.1590/1413-812320152010.13202014
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).

O duplo vínculo, relatado pelo DSC 2, reflete a precarização das condições de trabalho do capitalismo atual, revelando, em geral, a baixa remuneração da categoria(1313 Kolhs M, Olschowsky A, Barreta NL, Schimerfening J, Vargas RP, Busnello G. Nursing in urgency and emergency: between the pleasure and suffering. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(2):422- 31. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v9.5427
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). Pesquisa recente realizada em todo o território nacional(2020 Machado M, Aguiar Filho W, Lacerda WF, Oliveira E, Lemos W, Wermelinger M, et al. Caracteristicas gerais da enfermagem: o perfil sócio demográfico. Enferm Foco. 2016;7(Esp):11-17. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.nESP.686
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) aponta a existência de subsalários para a equipe de enfermagem atuante nos setores públicos, privados e filantrópicos, com uma renda média mensal de até R$ 1.000,00 para 15,8% da força de trabalho e de R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00 para 30% da força de trabalho. A mesma pesquisa revelou que 32,6% da força de trabalho da enfermagem brasileira possui 2 ou 3 vínculos de trabalho. Ainda sobre esse tema, estudo da Organização Pan-Americana de Saúde(2121 Organización Panamericana de la Salud. Estudio comparativo de las condiciones de trabajo y salud de los trabajadores de la salud en DC: OPS. Washington: Organización Panamericana de la Salud e Organización Mundial de la Salud. [Internet]. 2012[cited 2020 Jan 30]. Available from: http://renastonline.ensp.fiocruz.br/recursos/estudio-comparativo-las-condiciones-trabajo-y-salud-los-trabajadores-la-salud-en-argentina
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) evidencia que essa prática atinge a qualidade da assistência.

Como relatado pelo DSC 2, o salário representa uma forma de reconhecimento pelo trabalho desempenhado, podendo apresentar significados negativos. Para Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.), a remuneração financeira do trabalhador possui diferentes significados, concretos e abstratos. Entre as significações concretas está o sustento da família, aquisição de bens materiais, pagamento de dívidas, entre outros, e cita-se que os sonhos, fantasias e projetos de realizações se referem aos significados abstratos da remuneração. Os DSCs evidenciam que a falta de reconhecimento é um fator importante na manifestação dos desgastes psíquicos dos trabalhadores(33 Sousa J, Santos ACB. A psicodinâmina do trabalho nas fases do capitalismo: análise comparativa do taylorismo-fordismo e do toyotismo no contexto capitalismo burocrático e do capitalismo flexível. Rev Ciên Adm. 2016;23(1):186-216. doi: 10.5020/2318-0722.23.1.186-216
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), principalmente quando somados ao alto ritmo de trabalho e à demanda na especialidade de cuidados. Por isso, é necessário que as instituições de saúde utilizem mecanismos que contribuam para que o trabalhador se sinta valorizado e, sobretudo, seja capaz de significar o conteúdo da tarefa que desempenha(1111 Dejours C, Barros JO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde. Rev Ter Ocup USP. 2016;27(2):228-35. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v27i2p228-235
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), visto que o reconhecimento exerce “grande influência na construção da identidade e da saúde mental”, transformando o sofrimento em “prazer relativo ao fortalecimento da identidade”(1111 Dejours C, Barros JO, Lancman S. A centralidade do trabalho para a construção da saúde. Rev Ter Ocup USP. 2016;27(2):228-35. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v27i2p228-235
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).

Em relação às cargas psíquicas relacionadas ao gênero, é preciso destacar que as mulheres representaram 75% da força de trabalho nos serviços pesquisados, o que corrobora os dados da pesquisa realizada por Machado(2020 Machado M, Aguiar Filho W, Lacerda WF, Oliveira E, Lemos W, Wermelinger M, et al. Caracteristicas gerais da enfermagem: o perfil sócio demográfico. Enferm Foco. 2016;7(Esp):11-17. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.nESP.686
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), que constatou que a força de trabalho da enfermagem brasileira é constituída por 85,1% de profissionais do sexo feminino. Geralmente, as mulheres realizam tarefas repetitivas e cansativas, que podem levar ao adoecimento físico e mental, uma vez que se sentem sobrecarregadas por tarefas que não são fontes de prazer(1414 Ferreira KS, Medeiros SM, Carvalho IM. Psychical distress in nursing worker: an integrative review. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(1):253-58. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v9.3912
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), sobretudo quanto à dupla e, muitas vezes, tripla jornada exercida por essas profissionais no tempo fora da organização do trabalho. Sobre isso, Dejours(2222 Dejours C. Psicodinâmica do trabalho: casos clínicos Porto Alegre: Dublinense; 2017.) afirma que, do ponto de vista psíquico, é impossível separar trabalho e extratrabalho e que, quando a relação com o trabalho não está sadia, surgem desgastes no espaço privado, potencializando os desarranjos físicos e mentais da trabalhadora mulher.

As questões éticas apontadas pelo DSC 3 geram cargas de trabalho psíquicas que refletem em sofrimento para o trabalhador, quando este necessita tomar decisões que desrespeitam o seu senso ético(2323 Dejours C. A banalização da injustiça social. 7th ed. São Paulo: Fundação Carlos Chagas; 2007.). A somatória dos sofrimentos éticos e psíquicos pode representar desgastes, como estresse e desmotivação. A falta de espaço e equipamentos adequados foi um problema relatado em pesquisa realizada em quatro países da América Latina, incluindo o Brasil(2121 Organización Panamericana de la Salud. Estudio comparativo de las condiciones de trabajo y salud de los trabajadores de la salud en DC: OPS. Washington: Organización Panamericana de la Salud e Organización Mundial de la Salud. [Internet]. 2012[cited 2020 Jan 30]. Available from: http://renastonline.ensp.fiocruz.br/recursos/estudio-comparativo-las-condiciones-trabajo-y-salud-los-trabajadores-la-salud-en-argentina
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). Pesquisa nacional destaca que apenas 5,3% dos trabalhadores de enfermagem dos serviços públicos e 14,6% dos trabalhadores dos serviços privados consideram as condições de trabalho excelente(2020 Machado M, Aguiar Filho W, Lacerda WF, Oliveira E, Lemos W, Wermelinger M, et al. Caracteristicas gerais da enfermagem: o perfil sócio demográfico. Enferm Foco. 2016;7(Esp):11-17. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.nESP.686
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).

Outra carga de trabalho apontada pelo DSC 4 são os riscos físicos relacionados à exposição à radiação ionizante. Estudo realizado com trabalhadores de MN em serviços no Kuwait constatou que a equipe de enfermagem possui as maiores taxas de exposição à radiação nas mãos, dedos e corpo inteiro do que o restante da equipe(2424 Alnaaimi M, Alkhorayef M, Omar M, Abughaith N, Aldouij M, Salhudin T, et al. Occupational Radiation Exposure in a Nuclear Medicine Department in Kuwait. Rad Phys Chemistry. 2017;140: 233-6. doi: 10.1016/j.radphyschem.2017.02.048
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). Isso se deve, principalmente, à natureza do trabalho da enfermagem, que realiza suas atividades por longo tempo e muita proximidade com os usuários. No Brasil, estudo(55 Melo JAC, Gelbcke FL, Huhn A. Nursing workloads in nuclear medicine. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1279-88. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1103201719
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) observou que os maiores obstáculos vivenciados pelos profissionais de enfermagem em SMN estão ligados ao entendimento do fenômeno da radiação ionizante e os métodos corretos de proteção.

Em relação ao medo apontado nos discursos Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.), este faz parte da vivência dos trabalhadores pela exposição a cargas de trabalho que representam desgastes físicos ou mesmo psíquicos (integridade física e psíquica). As cargas de trabalho atribuídas a esse medo geralmente são inerentes à natureza do trabalho, frequentemente fazem parte do coletivo do trabalho, contando com uma prevenção incompleta da organização do trabalho em razão de que a totalidade dos desgastes é geralmente mal conhecida. Como exemplo, cita-se a necessidade da implantação da educação permanente, que auxiliaria os trabalhadores a agir com mais consciência e segurança. Acerca do medo e desconhecimento sobre os riscos futuros da exposição à radiação ionizante, autores(55 Melo JAC, Gelbcke FL, Huhn A. Nursing workloads in nuclear medicine. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1279-88. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1103201719
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) observaram que os maiores obstáculos vivenciados pelos profissionais de enfermagem em SMN estão ligados ao entendimento do fenômeno da radiação ionizante e os métodos corretos de proteção. Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.) destaca que os desgastes mentais advindos das cargas de trabalho psíquicas inerentes ao trabalho considerado perigoso ainda são pouco explorados e afirma que esse fato, “além de ser um coeficiente de multiplicação do medo, aumenta também o custo mental ou psíquico do trabalho”(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.).

Contudo, ainda no DSC 4, é possível visualizar a mobilização dos mecanismos de defesa quando relatam “[...] apesar de tudo isso, eu gosto do que faço”. Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.) corrobora afirmando que os medos estão contidos nos mecanismos de defesa e raramente vêm à tona, mas que se não fosse assim, os trabalhadores ficariam impossibilitados de exercer suas tarefas. A consciência a todo momento dos perigos e riscos do trabalho desenvolvido faria com que o indivíduo necessitasse tomar tantas precauções que ele se tornaria improdutivo. Há uma relação de ambiguidade nos mecanismos de defesa, ao mesmo tempo em que protegem o trabalhador contra um desgaste psíquico, impedem a mudança da realidade causadora do desgaste. Fato é que o medo devasta a saúde psíquica dos trabalhadores de forma gradativa e inevitável(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.).

Corroborando o DSC 5, pesquisa(1313 Kolhs M, Olschowsky A, Barreta NL, Schimerfening J, Vargas RP, Busnello G. Nursing in urgency and emergency: between the pleasure and suffering. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(2):422- 31. doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v9.5427
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) realizada em uma unidade de oncologia constatou que os profissionais de enfermagem sofrem de alguma forma com o desgaste emocional, principalmente com sentimentos de tristeza, ansiedade, pena e impotência. Nos SMN, as relações que são estabelecidas no mundo do trabalho podem dificultar o desenvolvimento das tarefas, criando um ambiente onde o sofrimento se torna o produto daquele processo de trabalho(99 Lavnchica GRFS. A clínica psicodinâmica do trabalho: teoria e método. Khóra Rev Transdiscip [Internet]. 2015[cited 2020 Jan 30];2(2):1-17. Available from: http://site.feuc.br/khora/index.php/vol/article/view/45
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).

No aspecto da PDT, considerando as relações de trabalho vivenciadas pelos profissionais de enfermagem nos SMN, principalmente quanto ao aspecto de envolvimento emocional com os usuários, é possível afirmar que não existem meios para separar o sujeito social do sujeito trabalhador, ou seja, o trabalhador é constituído por meio das experiências vivenciadas pelo trabalho(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.,99 Lavnchica GRFS. A clínica psicodinâmica do trabalho: teoria e método. Khóra Rev Transdiscip [Internet]. 2015[cited 2020 Jan 30];2(2):1-17. Available from: http://site.feuc.br/khora/index.php/vol/article/view/45
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). É também por meio do trabalho que o indivíduo consegue transformar o sofrimento em prazer, atribuindo à atividade laboral um novo sentido, como se evidencia no trecho “[...] apesar disso, têm dias que eu me sinto feliz” (DSC 5). A mobilização subjetiva, a ressignificação do trabalho e sua importância social contribuem na superação do sofrimento, dando lugar a um sofrimento criativo.

Nos discursos coletivos, houve a predominância de aspectos relacionados à insegurança quanto à sua prática laboral, seja pelo fragilizado conhecimento acerca das medidas de proteção radiológica ou ainda medo relacionado à exposição à radiação ionizante. Esses desgastes podem ser amenizados, ao adotar práticas de educação permanente. A qualificação/educação continuada deve estar presente nos distintos cenários de saúde, incorporada na atuação dos enfermeiros e dos demais profissionais que fazem parte de uma equipe, com o objetivo de proporcionar mudanças significativas nas práticas dos profissionais(2525 Lavich CRP, Terra MG, Mello AL, Raddatz M, Arnemann CT. Ações de educação permanente dos enfermeiros facilitadores de um núcleo de educação em enfermagem. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):e62261. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.62261
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).

Para Dejours(11 Dejours C. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 6th ed. São Paulo: Cortez; 2015.), trabalhar é viver junto e vai muito além de produzir ou executar as tarefas. Trabalhar, no sentido subjetivo, é uma oportunidade de escuta e desenvolvimento da confiança e das relações afetivas/sociais, além da construção do sentido real que o trabalho transcende o trabalho prescrito e que não se limita às normatizações. As relações afetivas no cuidado em SMN podem influenciar a satisfação, prazer, qualidade de vida e saúde mental do trabalhador, além da qualidade e segurança da assistência prestada, sendo que essas experiências podem favorecer o prazer na práxis da enfermagem. Visando ao bem-estar profissional, faz-se necessário que gestores de saúde desenvolvam ações a fim de promover e proteger a saúde mental desses trabalhadores, mediante políticas que consideram as peculiaridades da atividade laboral(2626 Santos F, Brito FSFM, Pinho L, Cunha F, Rodrigues Neto F, Fonseca DG, et al. Common mental disorders in nursing technicians. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20180513. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0513
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).

Limitações do estudo

A realização do estudo em dois SMN do mesmo município, primeiramente com um número relativamente pequeno de trabalhadores, pode representar uma limitação do estudo, porém não compromete a generalização dos resultados, uma vez que 50% da força de trabalho de enfermagem no SMN do estado esteve representada neste estudo. Além disso, ao contrário do previsto, não se tornou exequível a validação dos dados com o coletivo de trabalhadores de ambas as instituições em um único momento. Por dificuldades de participação dos sujeitos, a validação dos dados precisou ser realizada em cada serviço. Entretanto, embora sejam instituições heterogêneas, com modos diferenciados de organização do trabalho, a natureza do trabalho e a categoria profissional são homogêneas, o que não invalida o estudo, permitindo, inclusive, repensar esses desgastes em outros SMN.

Contribuições para a enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados apresentados em relação aos desgastes psíquicos dos trabalhadores em SMN são relevantes, sobretudo para que essas informações sejam utilizadas para propor ações preventivas e corretivas nos SMN, buscando a promoção e proteção da saúde do trabalhador e de usuários que se submetem a procedimentos em MN. Ademais, a pesquisa evidenciou a necessidade de uma regulação pelos órgãos de classe voltada às atribuições, carga horária de trabalho e dimensionamento de equipe, para que esses profissionais possam atuar de forma segura nas especialidades que utilizam as tecnologias radiológicas. Por meio dessa regulação, acredita-se ser possível melhorar as condições de trabalho, remuneração salarial e diminuir o duplo vínculo, o que impactaria direto em melhorias na saúde do trabalhador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os desgastes psíquicos vivenciados por trabalhadores de enfermagem em SMN se originam, principalmente, nas três dimensões da organização do trabalho: organização propriamente dita, condições e relações do trabalho, podendo comprometer a qualidade da assistência prestada e a qualidade de vida dos trabalhadores. Em todas essas dimensões, observam-se cargas de trabalho que atuam de maneira significativa com o corpo e mente do trabalhador, potencializando os desgastes psíquicos. Por isso, é primordial que os SMN se organizem visando minimizar a exposição a cargas de trabalho, fornecendo melhores condições de trabalho, maior autonomia e protagonismo ao trabalhador, além de ofertar espaços de escuta e suporte ao coletivo de trabalhadores.

Nessa perspectiva, a instituição poderá utilizar ferramentas de gestão que valorizem a subjetividade do trabalho em saúde, já que se trata de um trabalho intimamente dependente do próprio trabalhador, um ser biopsicossocial com seus anseios e limitações que necessitam harmonizar o trabalho técnico com a delicadeza do ato de cuidar. Propor instrumentos de gestão participativos e que compreendam essa dualidade do trabalho da enfermagem em MN é essencial para a construção de um ambiente organizacional criativo, autônomo, flexível e seguro.

O estudo permite compreender que o sujeito que trabalha também vive socialmente. Logo, a manutenção da saúde psíquica do trabalhador é importante, visto que esta irá impactar diretamente na organização, qualidade e produtividade do trabalho. Essa concepção precisa ser priorizada também pelo trabalhador. Além disso, a educação permanente deve ser aplicada, pois auxilia os trabalhadores a reconhecer essas cargas, evitá-las e expor-se a elas de forma consciente, o que possibilita um agir mais seguro, estimulando, especialmente, os trabalhadores a utilizar todos os meios de proteção radiológica.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2020
  • Aceito
    17 Set 2020
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