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Educação em enfermagem: desafios e perspectivas em tempos da pandemia COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Discutir sobre os desafios e perspectivas da educação em enfermagem em tempos da pandemia COVID-19.

Métodos:

Estudo reflexivo, com enfoque teórico pautado em publicações nacionais e internacionais, aliado à experiência das pesquisadoras na área de educação em enfermagem.

Resultados:

Identificam-se quatro seções, a saber: Educação em enfermagem: atualidades e perspectivas; Educação e tecnologias em tempo de pandemia: aceleração, alteração e paralisação; Diferença entre ensino remoto emergencial, intencional e ensino a distância; O retorno à “nova normalidade”: novos eixos estruturantes e normativas legais.

Considerações finais:

Concluise que os desafios de longa data ficaram emergentes com a pandemia, e os processos de aceleração, alteração e paralisação marcaram a educação nestes tempos. Outrossim, aspectos de ordem epidemiológica, tecnológica e psicológica devem ser mais valorizados no retorno às atividades.

Descritores:
Enfermagem; Educação em Enfermagem; Tecnologia Educacional; Pandemia; Coronavírus

ABSTRACT

Objective:

To discuss the challenges and perspectives of nursing education in times of the COVID-19 pandemic.

Methods:

Reflection study, with theoretical approach based on national and international publications, allied to the experience of researchers in the area of nursing education.

Results:

Four sections are identified: Nursing education: current affairs and perspectives; Education and technologies in time of pandemic: acceleration, alteration and paralysis; Difference between emergency, intentional and remote teaching; the return to the “new normality”: new structuring axes and legal norms.

Final considerations:

The conclusion is that longstanding challenges have emerged with the pandemic, and the processes of acceleration, change and paralysis have marked education in these times. Moreover, epidemiological, technological and psychological aspects should be more valued in the return to activities.

Descriptors:
Nursing; Education, Nursing; Educational Technology; Pandemics; Coronavirus Infections

RESUMEN

Objetivo:

Discutir sobre los desafíos y perspectivas de la educación en enfermería en tiempos de la pandemia de COVID-19.

Métodos:

Estudio reflexivo, con enfoque teórico pautado en publicaciones nacionales e internacionales, aliado a la experiencia de las investigadoras en el área de educación en enfermería.

Resultados:

Se identifican cuatro secciones, a saber: Educación en enfermería: actualidades y perspectivas; Educación y tecnologías en tiempo de pandemia: aceleración, alteración y paralización; Diferencia entre enseñanza remota de emergencia, intencional y educación a distancia; El retorno a la “nueva normalidad”: nuevos ejes estructurantes y normativas legales.

Consideraciones finales:

Se concluye que los desafíos de larga fecha quedaron emergentes con la pandemia, y los procesos de aceleración, alteración y paralización marcaron la educación en estos tiempos. Además, aspectos de orden epidemiológica, tecnológica y psicológica deben ser más valorizados en el retorno a las actividades.

Descriptores:
Enfermería; Educación en Enfermería; Tecnología Educacional; Pandemia; Coronavirus

INTRODUÇÃO

Sars-CoV-2 é o novo coronavírus identificado como agente etiológico da doença chamada COVID-19, que começou em Wuhan, na China, no final de 2019. A infecção humana pelo novo coronavírus foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em janeiro de 2020, como emergência em saúde pública de importância internacional. Foi caracterizada como pandemia em março do mesmo ano. As principais estratégias estabelecidas pela OMS foram: interromper a transmissão de humano para humano; identificar, isolar e cuidar dos pacientes infectados; acelerar o desenvolvimento de diagnósticos, terapêuticas e vacinas; realizar atividades de conscientização da comunidade; e minimizar os impactos sociais e econômicos(11 World Health Organization. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) - Situation Report 67 [Internet]. Geneve: WHO; 2020 [cited 2020 Mar 27]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200327-sitrep-67-covid-19.pdf?sfvrsn=b65f68eb_4
https://www.who.int/docs/default-source/...
).

Os enfermeiros, com vistas a atender tais estratégias, apesar da falta de itens essenciais como os equipamentos de proteção individual de qualidade, usam seus conhecimentos e habilidades na prestação de cuidados necessários em todas as fases da doença, orientam a população, principalmente as mais vulneráveis, e buscam soluções inovadoras, respeitando a segurança do paciente e da equipe. Assim, enfrentam os desafios para superar a pandemia, bem como saem dela mais fortalecidos(22 Jackson D, Bradbury-Jones C, Baptiste D, Gelling L, Morin K, Neville S, et al. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID-19. J Clin Nurs. 2020; 00:1-3. doi: 10.1111/jocn.15257
https://doi.org/10.1111/jocn.15257...
).

Entretanto, nem sempre os estudantes de Enfermagem e os professores sentem-se preparados para atuarem de forma integral neste cenário de pandemia(33 Associação Brasileira de Enfermagem. Nota da Aben Nacional em relação à ação estratégica “O Brasil conta comigo” [Internet]. Brasília: ABEn; 2020 [cited 2020 Mar 27]. Available from: http://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2020/04/Nota-Aben-educacao2.pdf
http://www.abennacional.org.br/site/wp-c...
). As principais fragilidades relacionadas aos estudantes de Enfermagem são: falta de equipamentos de proteção individual no cenário de prática; o seguro de saúde; a supervisão do preceptor; o desenvolvimento adequado de todas as competências necessárias para a conclusão do curso(33 Associação Brasileira de Enfermagem. Nota da Aben Nacional em relação à ação estratégica “O Brasil conta comigo” [Internet]. Brasília: ABEn; 2020 [cited 2020 Mar 27]. Available from: http://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2020/04/Nota-Aben-educacao2.pdf
http://www.abennacional.org.br/site/wp-c...
). Acrescenta-se também a diferença de acesso às tecnologias de informação e comunicação (TIC), dentre outras(44 Ministério da Educação (BR) . Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior: Cadastro e-MEC [Internet]. 2020[cited 2020 Mar 27]. Available from: http://emec.mec.gov.br
http://emec.mec.gov.br...
). Em relação ao professor, destacase, sobretudo, a questão relacionada ao uso e ao domínio das TICs em um curto espaço de tempo(33 Associação Brasileira de Enfermagem. Nota da Aben Nacional em relação à ação estratégica “O Brasil conta comigo” [Internet]. Brasília: ABEn; 2020 [cited 2020 Mar 27]. Available from: http://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2020/04/Nota-Aben-educacao2.pdf
http://www.abennacional.org.br/site/wp-c...
).

Estudantes e professores, no contexto da pandemia, vivenciam desafios no processo de ensino-aprendizagem, especialmente aqueles relacionados à relevância da presença do estudante no serviço de saúde, ao atendimento das necessidades sociais, com ênfase no SUS, à integralidade do cuidado, à avaliação baseada em conhecimentos, habilidades e atitudes e à gestão da qualidade na atenção à saúde e na segurança do paciente. Cabe a cada Instituição de Ensino Superior (IES) avaliar as suas condições de organização institucional, bem como as condições epidemiológicas a fim de definir os caminhos a serem traçados para os cursos de graduação em Enfermagem.

O presente artigo apresenta as seguintes questões norteadoras: Quais são os desafios e as perspectivas da educação na graduação em Enfermagem em tempos da pandemia COVID-19? Qual a relação da educação na graduação em Enfermagem com a tecnologia neste período de pandemia? O que é ensino remoto emergencial, intencional e ensino a distância? Como será o retorno ao “novo normal”?

OBJETIVO

Discutir sobre os desafios e perspectivas da educação em enfermagem em tempos da pandemia COVID-19.

MÉTODOS

Estudo reflexivo com enfoque teórico, pautado em publicações nacionais e internacionais, aliado à experiência das pesquisadoras na área de educação em Enfermagem. A busca dos estudos foi realizada entre maio e junho de 2020 nas bases de dados Science Direct e Scopus, a partir dos seguintes descritores contemplados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): enfermagem, pandemias, educação. Os descritores foram combinados com uso do operador booleano AND. Os critérios de inclusão foram: ano da publicação (2020); e acesso ao texto completo. Foram identificadas 20 publicações, nacionais e internacionais, sendo que, após leitura e análise, foram selecionadas 9.

EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM: ATUALIDADES E PERSPECTIVAS

A situação de crise no cenário mundial, instaurada pela COVID-19, exigiu das instituições de ensino rápidas modificações na forma de ensinar tanto na graduação quanto na pós-graduação, bem como o cancelamento das aulas em alguns cenários. Os professores e gestores assumiram a tarefa de garantir, além da qualidade na formação, estratégias para que os estudantes atendam aos requisitos desta, reconhecendo a pressão enfrentada pelos serviços de enfermagem na busca por profissionais competentes para assumir os diversos papéis exercidos pelo enfermeiro(22 Jackson D, Bradbury-Jones C, Baptiste D, Gelling L, Morin K, Neville S, et al. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID-19. J Clin Nurs. 2020; 00:1-3. doi: 10.1111/jocn.15257
https://doi.org/10.1111/jocn.15257...
).

O Brasil possui hoje, registrado no sistema eletrônico de acompanhamento dos processos que regulam a educação, sistema e-MEC, cerca de 1.180 IESs que ofertam o curso de graduação em Enfermagem. Destas, 1.172 na modalidade presencial, com 181.994 vagas autorizadas; e 8 na modalidade de Ensino a Distância (EaD), com 82.240 vagas. Das IESs que ofertam o curso na modalidade presencial, 148 são públicas, com 8.500 vagas autorizadas.

Diante desses números e do atual cenário de pandemia do novo coronavírus, emerge a preocupação com o perfil de formação do enfermeiro, com vistas a atender às demandas sociais, superando abordagens tradicionais de ensino, apontando mudanças de paradigmas e rompendo com práticas e crenças que podem dificultar a realização de mudanças.

Esse perfil está descrito na DCN dos cursos de graduação em Enfermagem, que prezam por um processo formativo centrado no cuidado, assegurando aos indivíduos, grupos e comunidade a integralidade por meio de um processo formativo de enfermeiros com autonomia, discernimento e proatividade(55 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 573, de 31 de janeiro de 2018 [Internet]. 2018[cited 2020 Jun 08] Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso573.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

No entanto, as tendências educativas do século XXI estão marcadas pela integração científica e tecnológica, que permitem a gestão acadêmica de todos os atores, assistidos por TICs. Essas estratégias de desenvolvimento e perspectivas acadêmicas são geradas fundamentalmente por plataformas digitais, tecnologias e métodos baseados em um cenário educativo com novas condições para a autoaprendizagem mediadas pelos ambientes virtuais.

Existe a disponibilidade e o potencial inteligente necessário para que os professores de enfermagem se superem cada vez mais e assumam o uso de TIC. Esse fato é visto como desafio aos processos transformadores e necessários para enfrentar e alcançar uma formação de qualidade em tempos de pandemia. No entanto, tornou-se uma oportunidade aos olhos de quem defende o ensino de enfermagem na modalidade EaD.

Os movimentos, organizados ao longo dos últimos anos pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações do Trabalho do Conselho Nacional de Saúde (CIRHRT/CNS), têm se posicionado de forma veementemente contrária a essa modalidade formativa para a área da saúde.

O CNS foi enfático ao publicar a Resolução n. 515, de 07 de outubro de 2016, colocando-se contra a autorização de todo e qualquer curso de graduação da área da saúde ministrado na modalidade EaD. O conselho considera os prejuízos que os cursos nessa modalidade podem oferecer à qualidade da formação dos profissionais da área da saúde, bem como os riscos que esses profissionais possam causar à sociedade. De forma imediata, em médio e longo prazos, essa modalidade de ensino refletirá em uma formação inadequada, principalmente no quesito integração ensino-serviço-comunidade(66 Dewart G, Corcoran L, Thirsk L, Petrovic K. Nursing education in a pandemic: Academic challenges in response to COVID-19. Nurse Educ Today. 2020; 92:104471. doi: 10.1016/j.nepr.2020.102809
https://doi.org/10.1016/j.nepr.2020.1028...
).

A formação para o SUS deve pautar-se nas necessidades de saúde das pessoas e, para tanto, requer uma formação interprofissional, humanista, técnica e de ordem prática presencial, permeada por essa integração ensino-serviço-comunidade, experienciando a diversidade de cenários e espaços de vivências e práticas, que estará impedida e comprometida na modalidade EaD(55 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 573, de 31 de janeiro de 2018 [Internet]. 2018[cited 2020 Jun 08] Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso573.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

Neste momento, considera-se importante analisar com muita cautela a adoção, após a pandemia, dos modelos por ora implementados no processo ensino-aprendizagem assistidos por tecnologias, de forma a não migrar para a modalidade EaD, e sim utilizá-la como complemento no desenvolvimento de competências para a formação acadêmica e sobretudo da educação permanente.

As fragilidades que podem afetar a formação em enfermagem dizem respeito principalmente ao âmbito das atividades práticas e estágios. A formação em Enfermagem requer o estabelecimento de vínculos de confiança, permitindo cuidados e orientações em cenários reais de prática. “Na arte e na ciência do cuidado”, a enfermagem combina conhecimentos técnicos e humanísticos necessários à potencialização da sensibilidade para lidar com as fragilidades e necessidades humanas(55 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 573, de 31 de janeiro de 2018 [Internet]. 2018[cited 2020 Jun 08] Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso573.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

As DCNs comuns aos cursos da área da saúde enfatizam a importância da integração ensinoserviço-comunidade, com o propósito de fortalecer as relações da academia com os serviços e a comunidade, articulando a inserção precoce dos estudantes nos cenários reais de prática e dos trabalhadores dos serviços no processo ensino-aprendizagem(55 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 573, de 31 de janeiro de 2018 [Internet]. 2018[cited 2020 Jun 08] Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso573.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
). Outrossim, as DCNs específicas da graduação em Enfermagem reforçam a importância de processos de formação dos profissionais de enfermagem voltados para o cuidar, destacando a necessidade de pedagogias que fortaleçam a autonomia, a participação, o diálogo e o engajamento político, crítico e reflexivo dos futuros enfermeiros.

EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: ACELERAÇÃO, ALTERAÇÃO E PARALISAÇÃO

Numa perspectiva histórica, é possível afirmar que três acontecimentos causam a aceleração de processos: as guerras, as revoluções e as pandemias. É exatamente por essa perspectiva que se salienta o que ocorreu com a educação e tecnologias em tempos de pandemia.

Considerando o tripé ensino-pesquisa-extensão, as autoras, com base na participação em eventos realizados desde o período em que foi deflagrada a interrupção das atividades por conta da pandemia, observaram, na educação superior em especial, dois movimentos. Nas IESs públicas, no âmbito do ensino, deu-se inicialmente uma desaceleração, chegando em alguns casos a ocorrer total paralisação das atividades; na pesquisa, no entanto, verificou-se uma aceleração, pois o número de projetos de pesquisa aprovados pelo sistema do Conselho de Ética em Pesquisa da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP-CONEP) aumentou significativamente nesse período; na extensão também houve aceleração, e inúmeras ações tanto solidárias quanto de formação continuada foram deflagradas, ofertadas sejam para a comunidade interna das IESs, professores e estudantes, sejam para a população em geral e trabalhadores da saúde. Tais ações também foram divulgadas em diferentes mídias (redes sociais e rede televisiva).

Nas IESs privadas, no âmbito do ensino, não se constatou desaceleração como nas públicas, e sim alteração de modalidade; as atividades migraram do ensino presencial para o ensino remoto emergencial, e assim professores e estudantes continuaram a realizar atividades mediadas por tecnologias de comunicação e informação; no âmbito da pesquisa e extensão, como nas IESs públicas, também se observou uma aceleração.

Internacionalmente, a Universidade Athabasca, no Canadá, também tomou a difícil decisão de remover dos estágios clínicos seus alunos, que continuaram apenas a aprendizagem on-line. As autoras afirmam que, embora essa universidade não experimente os mesmos desafios que outras instituições acadêmicas enfrentaram em relação ao distanciamento para iniciar a aprendizagem em um ambiente digital, a decisão foi difícil pelo fato de, eticamente, ter que considerar o valor da educação contra o risco e esforço do aluno, pessoal e profissionalmente(77 Nietsche EA, Leopardi MT. O saber da enfermagem como tecnologia: a produção de enfermeiros brasileiros. Texto Contexto Enferm. 2000; 9(1):129-52.).

O Ministério da Educação publicou, no DOU de 6 de abril, a Portaria n. 374, de 03 de abril de 2020, que permitiu a antecipação da colação de grau se cumpridos 75% da carga horária da atividade de estágio supervisionado para Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia; e o internato, para a Medicina. A medida foi justificada pelo enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, responsável pelo surto iniciado no ano de 2019. Salienta-se também a Medida Provisória n. 934, de 1º de abril de 2020, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da pandemia COVID-19.

Na esfera das tecnologias, com destaque para as tecnologias de cuidado, de processos de comunicação, de modos de conduta e educacionais, considerando a classificação das tecnologias específicas de enfermagem(88 Tomasinho P. Ensino Remoto Emergencial: A Oportunidade da Escola Criar, Experimentar, Inovar e se reinventar. Medium [Internet] 2020[cited 2020 Jun 09]. Available from: https://medium.com/@paulotomazinho/ensino-remoto-emergencial-a-oportunidade-da-escola-criar-experimentar-inovar-e-se-reinventar-6667ba55dacc
https://medium.com/@paulotomazinho/ensin...
), constata-se aceleração para responder às necessidades emergentes do quadro pandêmico.

No que diz respeito aos componentes instrumentais-materiais (tecnologias duras), os equipamentos de proteção individual se sobressaíram, e a produção-utilização de diferentes formatos ocorreu praticamente em todo o território nacional. Quanto aos componentes relacionaisinformacionais (tecnologias leve-duras e leves), percebe-se uma intensa produção/distribuição de livros, manuais e cartilhas, bem como a divulgação/realização das “LIVES”. Acerca das tecnologias, ressalta-se que, até meados do mês de abril, a ênfase recaiu sobre os aspectos epidemiológicos; desde então, passou-se a dar destaque aos aspectos psicológicos para o enfrentamento da pandemia.

Ficou evidente que “não parou”, apenas foi alterada a velocidade dos processos; nesse período, foram produzidos conhecimentos e tecnologias; nesses meses de pandemia, novas modalidades de relacionamento foram aprendidas; e já é vislumbrado o próximo período, de póspandemia, para o qual já está sendo planejado o retorno ao que se passou a denominar “nova normalidade”. Tais reflexões apontam que os desafios de longa data ficaram emergentes com a pandemia, e os processos de aceleração, alteração e paralisação marcaram a educação nestes tempos.

DIFERENÇAS ENTRE ENSINO REMOTO EMERGENCIAL, INTENCIONAL E ENSINO A DISTÂNCIA

Esse momento atual de pandemia, como já foi destacado, acelerou a adoção das tecnologias no ensino superior, sendo importante destacar dois elementos neste cenário: o desenvolvimento dos espaços de aprendizagem no curto espaço de tempo; e os designs combinados de aprendizagem (métodos mistos, semipresenciais, híbridos), que têm sido discutidos e, no caso dos cursos de graduação em Enfermagem, causam certa preocupação.

Essa tendência do uso de tecnologias educacionais, motivada por uma expressiva incorporação da cultura de inovação, não pode ser confundida pela onipresença da aprendizagem na qual o discente aprende a qualquer momento, em qualquer lugar e com qualquer dispositivo tecnológico. Vislumbram-se as tecnologias como ambientes ou meios adequados para a aprendizagem aberta, colaborativa, flexível e contextualizada, que permita a construção social do conhecimento, formal, informal ou não formal, respeitando a concepção pedagógica e didática a ser implementada(99 Holges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educ Rev[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 09]. Available from: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning#fn1
https://er.educause.edu/articles/2020/3/...
).

O ensino remoto adotado em tempos de pandemia pode ser configurado em dois estilos: o emergencial e o intencional. O termo Ensino Remoto Emergencial vem sendo utilizado há muito tempo nas situações de crise, de catástrofes e configura-se como uma mudança temporária. Tudo volta ao normal no momento em que a crise tiver passado ou diminuído. É remota porque os estudantes e professores não podem ir para a sala de aula e emergencial já que não houve tempo de planejamento; ninguém estava preparado para essa modalidade de ensino. É importante destacar que, no ensino remoto emergencial, continuam os mesmos professores, os mesmos estudantes e o mesmo número de estudantes, e o professor é quem cria e organiza suas aulas, faz a intermediação via tecnologia com os estudantes(99 Holges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educ Rev[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 09]. Available from: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning#fn1
https://er.educause.edu/articles/2020/3/...
-1010 Savitsky B, Findling Y, Ereli A, Hendel T. Anxiety and coping strategies among nursing students during the covid-19 pandemic. Nurse Educ Today. 2020; 46:102809. doi: 10.1016/j.nepr.2020.102809
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).

No entanto, quando se quer avançar em termos da qualidade da aprendizagem, é importante sair desse ensino remoto emergencial e avançar para um ensino remoto intencional. Neste último, o corpo de professores, a equipe pedagógica e os gestores pensam, elaboram essa modalidade. Tem a intencionalidade de aprendizagem e não simplesmente a entrega de conteúdos ou entrega de aulas para ter a efetividade dessa aprendizagem. Há um processo organizacional desse ensino(99 Holges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educ Rev[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 09]. Available from: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning#fn1
https://er.educause.edu/articles/2020/3/...
-1010 Savitsky B, Findling Y, Ereli A, Hendel T. Anxiety and coping strategies among nursing students during the covid-19 pandemic. Nurse Educ Today. 2020; 46:102809. doi: 10.1016/j.nepr.2020.102809
https://doi.org/10.1016/j.nepr.2020.1028...
). As estratégias são centradas na aprendizagem.

Destaca-se que ensino remoto não é EaD. O ensino a distância tem um método, uma estrutura. O conteúdo, geralmente, é preparado sob encomenda, e o tutor geralmente não é quem preparou esse conteúdo. O ensino EaD não permite uma interação, as aulas são gravadas, o tutor está presente apenas para tirar dúvidas, as atividades e materiais didáticos são padronizados e, como regra, as avaliações e testes são produzidos e corrigidos em escalas(99 Holges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educ Rev[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 09]. Available from: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning#fn1
https://er.educause.edu/articles/2020/3/...
).

Não se pode acelerar a adoção de tecnologias que limitem a mensuração da aprendizagem, muito menos pensar que tais tecnologias possam substituir o cuidado humano. O posicionamento permanece contrário à formação na modalidade EaD para os cursos de graduação em Enfermagem. Acredita-se, para a área de enfermagem, na formação de qualidade, presencial, que proporcione a inserção precoce dos estudantes nos cenários da prática.

A literatura afirma que, em meio à crise causada pela pandemia, tornou-se um desafio continuar planejando diante de um futuro tão incerto. Entretanto, a universidade e os educadores têm obrigações perante a sociedade de pensar em longo prazo sobre questões relacionadas à maneira de se recuperar dessa pandemia, mantendo a qualidade e a prática clínica e segura na formação do estudante. A COVID-19 tem sido uma lição sobre equidade, liderança, justiça social, ética e atendimento ao paciente, mudando, assim, para sempre o panorama educacional em todo o mundo(77 Nietsche EA, Leopardi MT. O saber da enfermagem como tecnologia: a produção de enfermeiros brasileiros. Texto Contexto Enferm. 2000; 9(1):129-52.).

Tem-se muito a debater sobre os desafios da formação em enfermagem em face desta pandemia na busca de estratégias para manter e fortalecer a formação com vistas a qualificar os profissionais que serão colocados no mercado de trabalho. Um dos desafios é o de rever as concepções pedagógicas, bases legais e inovações do ensino em enfermagem.

Destaca-se que, por meio das Portarias n. 343 (17 de março de 2020) e 345 (19 de março de 2020), ocorreu a vedação de substituição de atividades práticas, atividades profissionais, de estágios e laboratórios por aulas que utilizam TIC. Porém, tais dispositivos legais foram revogados e substituídos pela Portaria n. 544, de 16 de junho de 2020. A nova portaria autoriza, em caráter excepcional, a substituição das aulas presenciais por aulas que utilizam TIC até 31 de dezembro de 2020. Além disso, flexibiliza a possibilidade de atividades práticas e estágios não presenciais, desde que obedeçam às Diretrizes Curriculares Nacionais dos respectivos cursos.

Sobre a referida autorização com flexibilização, é importante alertar sobre os danos para a formação em saúde, que ficará nessa perspectiva sem a integração ensino-serviço-gestão-comunidade. Não podemos banalizar a formação em saúde: precisamos assumir nossa responsabilidade social com sua qualidade. Mesmo sabendo que a autorização com flexibilização não é obrigatória, mas opcional, é preocupante imaginá-la sendo praticada em larga escala pelas IESs.

O RETORNO À “NOVA NORMALIDADE”: NOVOS EIXOS ESTRUTURANTES E NORMATIVAS LEGAIS

As possibilidades para o período denominado pós-pandemia são muitas. Nestes tempos, novos formatos e artefatos para o ensino serão aplicados. E assim, acredita-se que para o retorno às atividades será necessário Ressignificar, Remodelar, Reconfigurar os planos de ensino (Os três R).

Um aspecto necessário é a ampliação dos eixos estruturantes para o processo ensinoaprendizagem. Se antes da pandemia predominavam os eixos epistemológicos, pedagógicos e metodológicos, no pós-pandemia ter-se-á que incorporar com mais densidade os eixos epidemiológicos, tecnológicos e psicológicos.

Outro aspecto a considerar é o Parecer n° 5, de 01 de junho de 2020, do Conselho Nacional de Educação, que se manifestou sobre o calendário escolar, carga horária mínima a ser cumprida, cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia COVID-19. Pela normativa, se flexibilizou excepcionalmente a exigência do cumprimento do calendário escolar ao dispensar os estabelecimentos de ensino da obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo trabalho escolar, cabendo aos sistemas de ensino aprovar dispositivos normativos específicos a respeito. Esse Parecer possibilita a inserção de atividades não presenciais no âmbito das atividades pedagógicas teóricas e práticas em todos os cursos, descaracterizando especificidades de formação das profissões da área da saúde. Atividades relativas ao foco do cuidado devem incluir o acolhimento do paciente, família e comunidade e são impossíveis de realizar de forma não presencial. O uso de tecnologias deve ser incorporado para auxiliar o processo de ensino, e não substituir o ensino presencial, mas fortalecê-lo, bem como consolidar o uso futuro de forma coerente com uma formação de qualidade.

A ansiedade é outro aspecto a ser considerados pelas IESs, pois afirma-se que é prevalente entre estudantes de Enfermagem, mesmo em circunstâncias normais; logo, haja vista a atual conjuntura, há que se ficar atento. Estudo em Israel aponta que os estudantes de Enfermagem passaram a vivenciar uma “realidade de incerteza econômica, medo de infecção, desafios da educação a distância, falta de equipamentos de proteção individual (EPI) no trabalho etc.”(1010 Savitsky B, Findling Y, Ereli A, Hendel T. Anxiety and coping strategies among nursing students during the covid-19 pandemic. Nurse Educ Today. 2020; 46:102809. doi: 10.1016/j.nepr.2020.102809
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). Nessa investigação, chegou-se a uma prevalência de ansiedade moderada e grave de 42,8% e 13,1%, respectivamente. Um dos fatores significativos apontados foi o medo de infecção. O estudo ressalta que os cursos de enfermagem podem agir para evitar a ansiedade do estudante ao oferecer, por exemplo, estratégias de ensino de alta qualidade e incentivar e apoiar os alunos nesse período tão desafiador (1010 Savitsky B, Findling Y, Ereli A, Hendel T. Anxiety and coping strategies among nursing students during the covid-19 pandemic. Nurse Educ Today. 2020; 46:102809. doi: 10.1016/j.nepr.2020.102809
https://doi.org/10.1016/j.nepr.2020.1028...
).

Considera-se ainda de extrema relevância discutir nas IESs algumas questões necessárias para enfrentar o retorno à “nova normalidade”, a saber: Como acolher estudantes, professores e corpo técnico-administrativo? Quais procedimentos devem ser adotados para garantir ambientes saudáveis e seguros nos múltiplos espaços institucionais? Quais instrumentos serão utilizados para mapear as necessidades da comunidade acadêmica no que se refere a, por exemplo, acesso a equipamentos e redes de internet? A comunidade acadêmica tem domínio das TICs? Precisa de formação/atualização?

Em tempos de pós-pandemia, é preciso ficar atento para as linhas de desigualdades, pois, dentre outros acontecimentos de grande impacto nas sociedades, as pandemias podem acelerar também tais linhas. Essas e outras tantas questões já estão a desafiar. O que se vislumbra para a educação em enfermagem é a emergência de tecnologias de interface que articulem o físico com o digital e que ampliem o debate, a troca de experiências, a interação, a reflexão e o pensamento crítico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que os desafios de longa data ficaram emergentes com a pandemia, e os processos de aceleração, alteração e paralisação marcaram a educação nestes tempos. Outrossim, aspectos de ordem epidemiológica, tecnológica e psicológica devem ser mais valorizados no retorno às atividades. Para a educação em enfermagem, há a emergência de tecnologias de interface que articulem o físico com o digital e que ampliem o debate, a troca de experiências, a interação, a reflexão e o pensamento crítico.

O cuidado de enfermagem é presencial e indispensável. Assim, a formação de profissionais para cuidar de vidas humanas requer conhecimentos, habilidades e atitudes na integração ensinoserviço-comunidade e no trabalho interprofissional.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2020
  • Aceito
    29 Ago 2020
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