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Representações sociais de pessoas acima de 50 anos sobre envelhecer com HIV

RESUMO

Objetivo:

Analisar as representações sociais de pessoas acima de 50 anos sobre o envelhecer com vírus da imunodeficiência humana.

Métodos:

Estudo qualitativo, realizado com 13 pessoas vivendo com o vírus, atendidas por um serviço de atenção especializada no tratamento de doenças infectocontagiosas. Os dados foram coletados por entrevistas semiestruturadas e analisados pela hermenêutica dialética, tendo como referencial a Teoria das Representações Sociais.

Resultados:

Mediante a relação expressiva dos relatos, emergiram as seguintes categorias empíricas: O momento do diagnóstico e sentimentos da descoberta; Representações do envelhecer com vírus da imunodeficiência humana; e Ressignificando a vida.

Considerações finais:

O estudo demonstrou que existe discriminação referente à infecção associada ao envelhecer no conjunto das relações sociais, o que requer mudanças nas concepções da sociedade a respeito desse objeto, das próprias pessoas soropositivas e do sistema de saúde na emancipação da pessoa vivendo com a doença, visando o envelhecimento ativo e com qualidade.

Descritores:
Envelhecimento; HIV; Estigma Social; Emoções; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to analyze social representations of individuals over 50 years old living with the Human Immunodeficiency Virus.

Methods:

qualitative study, interviewing 13 individuals living with HIV, attending by a care assistance facility specialized in infectious diseases. Semi-structured interviews were used to collect data, which later were analyzed by dialectical hermeneutics, by applying the Social Representations Theory.

Results:

after significant reports a few empirical categories emerged: the moment when the diagnosis was disclosed and their feelings afterwards, social representation on aging with Human Immunodeficiency Virus and redefining life.

Final considerations:

the study proved the reality of discrimination against aging people infected with HIV in social interactions as a whole, which requires changes in society’s perceptions of this subject, the HIV-positive people themselves and the health system, making possible the emancipation of the individual living with HIV while aging and having quality of life.

Descriptors:
Aging; HIV; Social Stigma; Emotions; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las representaciones sociales de personas arriba de 50 anos sobre el envejecer con virus de la inmunodeficiencia humana.

Métodos:

Estudio cualitativo, realizado con 13 personas viviendo con el virus, atendidas por un servicio de atención especializada en el tratamiento de enfermedades infectocontagiosas. Los datos han sido recogidos por entrevistas semiestructuradas y analizados por la hermenéutica dialéctica, teniendo como referencial la Teoría de las Representaciones Sociales.

Resultados:

Mediante la relación expresiva de los relatos, emergieron las siguientes categorías empíricas: El momento del diagnóstico y sentimientos de la descubierta; Representaciones del envejecer con virus de la inmunodeficiencia humana; y Replanteando la vida.

Consideraciones finales:

El estudio demostró que existe discriminación referente a la infección relacionada al envejecer en el conjunto de las relaciones sociales, lo que requiere cambios en las concepciones de la sociedad sobre eso objeto, de las proprias personas seropositivas y del sistema de salud en la emancipación de la persona viviendo con la enfermedad, visando el envejecimiento activo y con calidad.

Descriptores:
Envejecimiento; VIH; Estigma Social; Emociones; Enfermería

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) passou por mudanças no seu perfil epidemiológico(11 Silva CM, Alves RS, Santos TS, Bragagnollo GR, Tavares CM, Santos AAP. Epidemiological overview of HIV/AIDS in pregnant women from a state of northeastern Brazil. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 1):568-76. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0495
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), sendo os indivíduos com idade superior a 50 anos um dos grupos suscetíveis(22 Dornelas Neto J, Nakamura AS, Cortez LER, Yamaguchi UM. Sexually transmitted diseases among the elderly: a systematic review. Ciênc saúde coletiva. 2015;10(12):3853-64. doi: 10.1590/1413-812320152012.17602014
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). O comportamento sexual nessa faixa etária e a pouca visibilidade do tema nos serviços de saúde revelam a conjuntura das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) nessa população, a qual, embora possa se envolver em comportamentos de risco como sexo desprotegido, ainda assim não se percebe vulnerável a esses agravos(33 Meira LCS; Morais KS; Nogueira JA; Silva AO; Bittencourt KG. Senior knowledge about vulnerabilities to HIV/aids: an integrative review of literature. J Res: Fundam Care. 2015;7:96-104. doi: 10.9789/2175-5361.2015.v7i5.95-104
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-44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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).

Apesar da expansão da infecção pelo HIV nesse segmento populacional, ainda é perceptível a forma limitante quando a discussão se volta à dicotomia “envelhecer e HIV”, em razão dos estereótipos enfrentados por essas pessoas, sobretudo no que se refere à negação de sua sexualidade(55 Silva LC, Felício EEAA, Cassétte JB, Morais RA, Prado TS, Guimarães DA. Psychosocial impact of HIV/aids diagnosis on elderly persons receiving care from a public healthcare service. Rev Bras Geriat Geront. 2015;18(4):821-33. doi: 10.1590/1809-9823.2015.14156
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). Na perspectiva social, a possibilidade de indivíduos com idades mais avançadas serem infectados pelo HIV parece ser pouco provável, pois a atividade sexual é vista, equivocadamente, como um privilégio da juventude(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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), inclusive pela literatura que aborda apenas os aspectos relativos ao desempenho ou às disfunções sexuais e suas relações com a qualidade de vida, dando menor ênfase à promoção da saúde sexual e prevenção de IST/HIV/aids(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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,66 Alencar RA, Ciosak SI. AIDS in the elderly: reasons that lead to late diagnosis. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1076-81. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0370
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).

Nesse sentido, os conceitos de estereótipos relacionados às representações sociais desses indivíduos estão amplamente interligados e podem subsidiar ações de discriminação social. As práticas sociais discriminatórias voltadas às pessoas acima de 50 anos vivendo com HIV advêm de efeitos de construções que perduram nas representações sobre o envelhecer e sobre a aids(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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,77 Antunes L, Camargo BV, Bousfield AB. Social representations and stereotypes about aids and people living with HIV/Aids. Psicol. teor. prat. 2014; 16(3):43-57. doi: 10.15348/1980-6906/psicologia.v16n3p43-57
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).

De tal modo, envelhecer com HIV pode causar impactos psicossociais que perpassam pelo medo da morte, de incapacidades e de que o diagnóstico seja revelado para os familiares, amigos e outras pessoas do convívio social, provocando constrangimentos, rejeição, discriminação e afastamento das pessoas(55 Silva LC, Felício EEAA, Cassétte JB, Morais RA, Prado TS, Guimarães DA. Psychosocial impact of HIV/aids diagnosis on elderly persons receiving care from a public healthcare service. Rev Bras Geriat Geront. 2015;18(4):821-33. doi: 10.1590/1809-9823.2015.14156
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), de modo que se configuraria o processo de estigmatização(77 Antunes L, Camargo BV, Bousfield AB. Social representations and stereotypes about aids and people living with HIV/Aids. Psicol. teor. prat. 2014; 16(3):43-57. doi: 10.15348/1980-6906/psicologia.v16n3p43-57
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). Isso porque contraria os estereótipos especificamente vinculados a velhice, o que ocasiona consequências negativas sobre a identidade e experiências dos sujeitos bem como redefine o seu ser e estar no mundo(88 Tavares MCA, Leal MCC, Marques APO, Zimmermann. Social support for the elderly with HIV/Aids: an integrative review. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2019; 22(2):1-10. doi: 10.1590/1981-22562019022.180168
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).

Superar esses estereótipos é fundamental, pois além de gerar menos impactos para vida, pode demonstrar a essas pessoas visões diferentes sobre o envelhecer, com menos conflitos internos e mais possibilidades no que se refere a viver com a infecção(99 Freeman E. Understanding HIV-related stigma in older age in rural Malawi. Social Science and Medicine. 2016; 164:35-43. doi: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.07.006
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). Nesse contexto, o aprofundamento desse tema possibilitará o reconhecimento das particularidades do envelhecer com o HIV, assim como suas representações, repercussões e sentimentos. Com isso, se buscará melhor compreender a vivência da realidade enfrentada pelas pessoas acima de 50 anos, bem como as dificuldades para garantir seu lugar na sociedade e, principalmente, o envelhecimento com qualidade de vida(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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).

Na perspectiva de conhecer a problemática exposta, surgiu a seguinte pergunta norteadora: Quais representações sociais as pessoas acima de 50 anos que vivem com HIV têm sobre o envelhecer?

OBJETIVO

Analisar as representações sociais de pessoas acima de 50 anos sobre o envelhecer com vírus da imunodeficiência humana.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, seguindo os ditames da Resolução nº 466/12, para pesquisas com seres humanos, do Conselho Nacional de Saúde. Os indivíduos foram informados sobre o desenvolvimento da pesquisa, e aqueles que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, sendo uma delas entregue ao entrevistado.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa no qual foi utilizado como referencial teórico a Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici(1010 Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes; 2003. 404 p.).

Cenário de estudo

O estudo foi realizado em um serviço público de atenção especializada a paciente com IST/HIV/aids no município de Maceió. Fundada em 1998, a unidade tem como finalidade prestar cuidados aos pacientes portadores de doenças infecciosas do estado de Alagoas, sendo referência para HIV/aids, hepatites virais, tuberculose, vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV), doença de Chagas e hepatopatias, atendendo em média cerca de 800 pacientes por mês, dentre as especialidades de infectologia, hepatologia, enfermagem, serviço social, psicologia e odontologia.

Fonte de dados

No período de coleta de dados, foram abordados 288 indivíduos com HIV/aids, dos quais 49 eram elegíveis e 239 foram excluídos de acordo com os critérios de seleção, a saber, os indivíduos que não contemplavam o perfil do objeto da pesquisa e aqueles que apresentavam algum comprometimento cognitivo comprovado pela aplicação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), com nota de corte variando entre 17 e 24, conforme nível educacional. Dessa forma, dos indivíduos elegíveis, foram selecionados 13 indivíduos acima de 50 anos soropositivos para o HIV, seguindo uma ordem aleatória e por conveniências.

Coleta dos dados

Os dados foram coletados utilizando a técnica apropriada para estudos qualitativos de modo que fossem cobertos todos os itens constantes do formulário que ajudassem os pesquisadores a relatarem aspectos importantes da pesquisa. A entrevista foi realizada pelos pesquisadores, os quais possuem experiência com a técnica de entrevista. Ocorreu de forma individualizada, em sala privativa, com duração de aproximadamente 30 minutos e utilização de entrevista semiestruturada. Foram usadas questões predefinidas, adaptáveis conforme o rumo do diálogo, sendo respeitado o tempo do entrevistado. O período de coleta foi de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, seguindo três etapas: 1) avaliação do estado cognitivo dos participantes, com a aplicação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM); 2) coleta de informações sobre as características sociais e de saúde, contendo as seguintes variáveis: idade, sexo, residência, estado civil, escolaridade, ocupação, tempo de infecção e de acompanhamento pelo HIV, uso de terapia antirretroviral, comorbidades e hospitalizações; 3) entrevista estruturada de acordo com o objeto do estudo “o envelhecer com HIV dentro de seus contextos sociais e de vida”.

Análise dos dados

O estudo seguiu o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). As informações coletadas foram analisadas mediante hermenêutica dialética, que consiste em um método capaz de dar conta de uma interpretação aproximada da realidade e colocar a fala em seu contexto para entendê-la a partir do seu interior e no campo da especificidade histórica e totalizante em que é produzida(1111 Minayo MCS. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento social. In: Minayo MCS, Deslandes SF (Orgs.). Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 83-107.).

Para a operacionalização do método “hermenêutica dialética”, foram utilizadas as etapas de ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final. Na ordenação dos dados, foi feito o mapeamento de todos os dados obtidos no trabalho, por meio da transcrição das gravações, releitura do material e organização dos relatos. Na fase de classificação dos dados, foi realizada leitura transversal do corpus de comunicação, estabelecendo-se as informações relevantes para construção das categorias(1111 Minayo MCS. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento social. In: Minayo MCS, Deslandes SF (Orgs.). Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 83-107.). Por último, na análise final, foram realizadas articulações entre os dados categorizados e o referencial teórico, o que possibilitou o confronto de ideias entre as representações das pessoas e buscou responder, assim, ao objetivo proposto.

A fim de preservar a identidade dos participantes, optou-se por identificá-los com a letra “R”, oriunda da palavra Representação, junto com número sequencial da entrevista (R1, R2, R3...).

RESULTADOS

Caracterização dos participantes da pesquisa

Participaram da pesquisa cinco mulheres e oito homens, com idades entre 50 e 77 anos; dentre eles, oito referiram até sete anos de escolaridade, enquanto dois nunca estudaram e três chegaram até dez anos ou mais de estudos. O grupo de entrevistados foi formado por solteiros, casados, divorciados e viúvos. A maioria vive em zona urbana, procedentes da capital (Maceió) e de outras cidades interioranas (de pequeno porte); enquanto dois, em zona rural.

O tempo de conhecimento do diagnóstico variou entre 2 meses e 17 anos. A maioria estava em tratamento com antirretroviral, com exceção de um dos entrevistados que relatou conhecimento recente sobre a infecção, portanto não havia iniciado ainda o tratamento. Dentre as comorbidades, as mais referidas foram gastrite, hipertensão arterial, diabetes mellitus e osteoporose. Após o diagnóstico, apenas um participante informou hospitalização em decorrência de um acidente vascular cerebral.

A partir da análise das informações, elaboraram-se três categorias: “O momento do diagnóstico e sentimentos da descoberta”; “Representações sociais do envelhecer com HIV” e “Ressignificando a vida”.

O momento do diagnóstico e sentimentos da descoberta

Nesta categoria, ao refletirem sobre a condição sorológica, os entrevistados retornaram ao momento em que souberam do diagnóstico, mencionando o impacto vivenciado e a constante associação da infecção à morte.

Logo quando eu soube, me senti nas últimas. A pessoa receber uma notícia dessa, ninguém acha bom. Eu pensei que ia morrer, que não tinha tratamento, que eu não ia poder me cuidar. (R7)

Antes eu pensava que ia morrer. Tive depressão, chorava muito, em todo canto que eu estava, eu chorava. (R12)

Eu não sei há quanto tempo que eu estou com essa doença, não sei se já estou com o tempo contado. O povo diz que é 10 anos não é, para morrer? (R8)

A maioria relacionou a infecção a sentimentos de tristeza, vergonha e descrença.

Me sinto muito pra baixo. Triste. É doloroso só de pensar. (R1)

Eu não acreditava que isso existia, fiquei até em dúvida, sabe. Eu fiquei com vergonha dos meus filhos, porque eu não esperava isso e de repente foi descoberto. (R13)

Como consequência, essa representação restringe ainda mais o indivíduo.

Você fica na mente que não era mais como antes. Agora mudou a sua vida. Você não pode mais curtir, não pode mais tomar uma cerveja, não pode namorar, é tudo proibido. (R2)

Representações sociais do envelhecer com vírus da imunodeficiência humana

Considerando a categoria das representações do envelhecer com HIV, os relatos mostraram similaridades no tocante às limitações que a longevidade ocasiona no imaginário social.

Eu sei que quando a gente chega a certa idade, o organismo não é mais o mesmo. Eu acho que o dia vai chegar. (R6)

Quando eu era novo, eu gostava né. Eu bebia e aproveitava. Mas depois que a pessoa fica velho... O que um velho vai fazer em uma festa? Mas eu tô bem assim, porque só falta 3 anos pra fazer 80, e uma pessoa depois que passa dos 70 anos, é pra contar vantagem, não é? (R13)

Ligado a essa percepção, a infecção pelo HIV compôs um aditivo potencial para se enxergarem mais vulneráveis ao adoecimento.

Só sei que essa doença trouxe muitos problemas na minha vida. A osteoporose que eu tenho, o doutor disse que pode ter sido por causa dessa doença. (R3)

Será que eu vou ficar velho? Será que eu vou ficar debilitado? E esse vírus, como eu faço para arrancá-lo? É assustador. Qualquer coisinha… exemplo de uma tosse, eu fico pensando se eu estou com uma pneumonia. (R5)

Quando questionados acerca da representação social no contexto do envelhecimento com HIV, as falas se complementaram em torno do preconceito, vivenciado ou imaginado.

A questão da sociedade é que o preconceito fala mais alto. A barreira mais forte do paciente que tem o vírus é o preconceito… Já fui alvo [preconceito] e foi horrível! Foi terrível! Foi péssimo! (R4)

Imagina: eu tenho um problema e você fica se afastando de mim. É ruim demais. É uma morte pra pessoa, faz de conta que a pessoa não existe no mundo. É por isso que eu não quero que ninguém saiba. (R8)

Nessa perspectiva, quando as pessoas foram levadas a refletir sobre essa questão, exteriorizaram sentimentos de insatisfação e de medo.

Eu lembro que a minha comadre foi na minha casa e disse pra minha filha separar o meu banheiro, as roupas, tudo… eu fiquei péssima! Chorei demais. E era tuberculose, pra pegar desse jeito? Eu estava de catapora, toda fraca, já morrendo. Naquele dia, pedi a Deus chorando que nada que vem de mim pegasse nos meus filhos nem nas minhas netinhas. (R12)

O medo do preconceito constituiu uma das principais razões para o ocultamento do diagnóstico.

Eu acho que o pessoal fica falando: “Um homem velho, tá bom de ter vergonha”. (R13)

Ao mesmo tempo, o imaginário de tornar-se alvo de ridicularização na sociedade compôs, também, um foco predominante da linguagem.

A reação [das pessoas] é aparentemente normal, mas o preconceito está por trás. Eu percebo pelos olhares, pelas conversas, risadinhas […] (R4)

Eu saio na rua e imagino as pessoas mangando de mim “uma pessoa de idade com essas macacadas”. Tá se servindo de anarquia. (R3)

Por trás dessa percepção, a sexualidade foi apontada como um desvio de normalidade, ocasionando no indivíduo o constrangimento de admitir uma vida sexual ativa.

Lá fora, ninguém enxerga isso normal. (R3)

O fato de os serviços de saúde não perceberem a vulnerabilidade em adquirir o HIV nessa faixa etária também foi pontuada.

Passei por tantos especialistas para descobrir o meu problema, fiz tantos exames, só depois de muito correr, depois de muito tempo é que passaram esse exame e foi quando descobri. Eles nunca imaginaram que eu podia ter essa doença. (R13)

Os entrevistados expressaram a existência de uma zona de simbolização incorporada à condição de ser soropositivo para o HIV/aids, evidenciada por elementos comparativos.

A gente sempre tem aquela faixa, como se fosse um carimbo… Portador de HIV sempre é carimbado com algum tipo de preconceito. (R4)

Observa-se o caráter simbólico das representações dessas pessoas, as quais relataram que se sentiam reduzidas apenas à sua doença.

Sabe aquela história de antigamente de quando se tinha lepra que na rua os outros diziam “leproso, leproso”, que as pessoas tinham que se afastar porque aquilo era contagioso? (R5)

Equiparando-se até mesmo a alguém que comete condutas ilícitas.

É como um ladrão, roubou a sua casa aqui e depois vai roubar ali. (R2)

Dessa forma, as pessoas se enxergaram marcadas por uma doença contagiosa e sentiram que, segundo o imaginário social, deveriam ser mantidas a distância, segregadas das demais.

Essa é uma doença que as pessoas não querem se aproximar da pessoa, porque pensa que só em conversar vai passar para o outro. (R7)

Eu acho que se as pessoas souberem, vão se afastar. Porque pensam que pega assim, na conversa. (R6)

Considerando as dimensões dessas representações, nota-se que os participantes são levados a reproduzirem os mesmos comportamentos perante a doença.

Eu adquiri a porcaria dessa doença, depois de 10 anos sozinha, a pessoa inventa de namorar e acontece isso. (R10)

Eu fui me aproximar dessa pessoa que tinha sem saber, porque se eu soubesse, eu jamais iria querer ficar com ele. (R7)

A pessoa com uma doença dessa, só Jesus na causa. Se a pessoa não tiver fé em Deus, faz besteira. (R1)

Como implicação da infecção pelo HIV e do envelhecimento em processo, a maioria dos entrevistados se isolaram. Os relatos manifestam restrição ao lar e comportamento resignado, sendo isso vislumbrado como algo mais adequado à nova condição imposta.

Antes, eu saía, mas hoje vivo isolado dentro de casa por causa dessa doença. Quando eu me preparo para ir ao médico, eu já fico doente, preocupado, sem conseguir dormir. Hoje, a pior coisa pra mim é ter que sair de casa… eu imagino que eles [sociedade] saibam. (R3)

[…] e você envelhece assim. Torna-se isolado da sociedade. Eu passei quase um ano sem nem falar com a família direito, em um quarto sozinho. Só comia e dormia. Porque eu era um cara sadio e depois apareceu uma doença. (R2)

Ressignificando a vida

Em se tratando da categoria “Ressignificando a vida”, as próximas falas denotam que, apesar do caráter crônico da infecção, o tratamento constituiu uma forma de mantê-la sob controle.

É uma coisa que tem tratamento, se você faz o uso do antirretroviral certinho, a sua carga viral fica indetectável. (R4)

O contato com outras pessoas soropositivas contribuiu para o enfrentamento do diagnóstico.

[…] eu participei de algumas reuniões com pessoas que vivem com HIV, que me ajudou bastante. Eu vi que tinha gente que estava há muito mais tempo que eu e que continuava bem e saudável. (R5)

Em torno das estratégias buscadas para a ressignificação da vida, revela-se o auxílio espiritual que os participantes expuseram como suporte de enfrentamento das representações vivenciadas sobre envelhecer com aids.

A igreja me ajuda muito. Às vezes eu fico abatida em casa, aí vou para a igreja e quando volto já estou me sentindo outra, alegre, sorrindo… (R7)

Gosto de ir à missa, a uma romaria. Me apego sempre com Deus. (R13)

DISCUSSÃO

As características dos entrevistados foram similares às de outros estudos com pessoas acima de 50 anos vivendo com HIV/aids, mostrando predominância do sexo masculino, baixa escolaridade, residência em zona urbana e em uso de terapia antirretroviral(1212 Caliari JS, Reinato LAF, Pio DPM, Lopes LP, Reis RK, Gir E. Quality of life of elderly people living with HIV/AIDS in outpatient follow-up. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(Suppl 1):513-22. [Thematic Issue: Contributions and challenges of nursing practices in collective health] doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0127
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...

13 Okuno MFP, Gosuen GC, Campanharo CRV, Fram DS, Batista REA, Belasco AGS. Quality of life, socioeconomic profile, knowledge and attitude toward sexuality from the perspectives of individuals living with Human Immunodeficiency Virus. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(2):192-9. doi: 10.1590/0104-1169.3424.2542
https://doi.org/10.1590/0104-1169.3424.2...
-1414 Nogueira JA, Silva AO, SA LR, Almeira SA, Monroe AA, Villa TCS. Aids in adults 50 years of age and over: characteristics, trends and spatial distribution of the risk. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(3):355-63. doi: 10.1590/0104-1169.3327.2424
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).

Considerando os relatos dos entrevistados acerca do momento do diagnóstico e sentimentos da descoberta, destacam-se atributos relativos a vergonha, tristeza e descrença. Essas representações evidenciam o peso emocional que esse agravo provoca nas pessoas, em que o conceito de vergonha traduz o lado estigmatizante da doença(99 Freeman E. Understanding HIV-related stigma in older age in rural Malawi. Social Science and Medicine. 2016; 164:35-43. doi: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.07.006
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016...
).

Ao se depararem com a condição de soropositividade para o HIV, os participantes viram-se confrontados entre a vida e a morte, relacionando a infecção a uma sentença fatal, o que contrasta com o cenário atual de uma doença crônica controlável no qual o indivíduo tem expectativa de vida semelhante ao da população geral quando estão em adesão ao tratamento(1515 Cassétte JB, Silva CL, Felício EEAA, Soares LA, Morais RA, Prado TS et al. HIV/AIDS among the elderly: stigmas in healthcare work and training. Rev Bras Geriat Geront. 2016;19(5):733-44. doi: 10.1590/1809-98232016019.150123
https://doi.org/10.1590/1809-98232016019...
-1616 Moraes PR, Souza IC, Pinto DAO, Estevam SJ, Munhoz WA. A Teoria das Representações Sociais. Direito Foco[Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 21];17-30. Available from: http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2014/teoria_representacoes.pdf
http://unifia.edu.br/revista_eletronica/...
). As representações desse medo podem ser parcialmente superadas mediante a busca de conhecimentos após a revelação do diagnóstico, seguindo com o desenvolvimento de habilidades de autocuidado(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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).

Nessa perspectiva, a objetivação do processo de envelhecimento associado à infecção foi ancorado por diversos significados, em que a maioria dos entrevistados referiu sentir-se mais vulnerável ao adoecimento. Nesse sentido, a incerteza em relação ao prognóstico e a evolução para aids, bem como o aparecimento de outras comorbidades causadas pela infecção do HIV, gera, comumente, representações de insegurança, sendo mais predominantes em idades mais avançadas(1212 Caliari JS, Reinato LAF, Pio DPM, Lopes LP, Reis RK, Gir E. Quality of life of elderly people living with HIV/AIDS in outpatient follow-up. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(Suppl 1):513-22. [Thematic Issue: Contributions and challenges of nursing practices in collective health] doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0127
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).

Partindo para a categoria das representações do envelhecer com HIV, observam-se alguns pontos constantes e similares nas falas dos entrevistados referentes ao medo ou à própria vivência do preconceito e repercussões biológicas e psicossociais por ele ocasionadas. Como efeito, temor e constrangimento são exteriorizados pelas pessoas ao serem levadas a pensar na condição do processo do envelhecimento com aids diante da sociedade(1616 Moraes PR, Souza IC, Pinto DAO, Estevam SJ, Munhoz WA. A Teoria das Representações Sociais. Direito Foco[Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 21];17-30. Available from: http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2014/teoria_representacoes.pdf
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). Buscando resguardar-se das consequências negativas da vivência desse processo cotidiano, a maioria dos participantes optou pelo ocultamento da infecção, até mesmo dos próprios familiares, o que evidencia a sobrecarga social e moral sobre a pessoa com a infecção, que parece aumentar quando associada ao envelhecimento(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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,1212 Caliari JS, Reinato LAF, Pio DPM, Lopes LP, Reis RK, Gir E. Quality of life of elderly people living with HIV/AIDS in outpatient follow-up. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(Suppl 1):513-22. [Thematic Issue: Contributions and challenges of nursing practices in collective health] doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0127
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).

A representação errônea de que pessoas ao envelhecerem são assexuadas e livres de contaminação pelo HIV e outras ISTs mostrou-se cristalizada no imaginário dos participantes. Além disso, as atitudes de pessoas mais velhas, em relação ao HIV, nem sempre vêm acompanhadas da percepção de que são susceptíveis de se infectarem já que não são vistos como pessoas sexualmente ativas e que podem se relacionar de forma livre, sem que precisem de proteção. Isso, por vezes, as leva também à negligenciarem os modos de prevenção(55 Silva LC, Felício EEAA, Cassétte JB, Morais RA, Prado TS, Guimarães DA. Psychosocial impact of HIV/aids diagnosis on elderly persons receiving care from a public healthcare service. Rev Bras Geriat Geront. 2015;18(4):821-33. doi: 10.1590/1809-9823.2015.14156
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,1212 Caliari JS, Reinato LAF, Pio DPM, Lopes LP, Reis RK, Gir E. Quality of life of elderly people living with HIV/AIDS in outpatient follow-up. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(Suppl 1):513-22. [Thematic Issue: Contributions and challenges of nursing practices in collective health] doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0127
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
).

Em decorrência dessa pouca visibilidade, a temática da sexualidade nesse grupo populacional vem sendo assunto amplamente discutido no meio científico(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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,66 Alencar RA, Ciosak SI. AIDS in the elderly: reasons that lead to late diagnosis. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1076-81. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0370
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
,1717 Souza M, Marcon SS, Bueno SMV, Carreira L, Baldissera VDA. Elderly widows’ experience of sexuality and their perceptions regarding the family’s opinion. Saúde Soc. 2015;24(3):936-44. doi: 10.1590/S0104-12902015132060
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201513...
). Evidências apontam que pessoas em processo de envelhecimento não vivem de forma plena e livre sua sexualidade, pois estão expostas à cultura opressiva da sociedade e da família(1818 Cerqueira MBR, Rodrigues RN. Factors associated with the vulnerability of older people living with HIV/AIDS in Belo Horizonte (MG), Brazil. Ciênc Saúd Colet. 2016;21(11):3331-8. doi: 10.1590/1413-812320152111.14472015
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). Nota-se, assim, a influência do cenário social no que diz respeito aos estereótipos de repressão como sendo resultante de representações de comportamentos de séculos anteriores(1616 Moraes PR, Souza IC, Pinto DAO, Estevam SJ, Munhoz WA. A Teoria das Representações Sociais. Direito Foco[Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 21];17-30. Available from: http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2014/teoria_representacoes.pdf
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).

O receio de tornar-se alvo de ridicularização no meio social constituiu elemento representativo pontuado pelos entrevistados. Dessa forma, ao avaliar as concepções das pessoas que estão envelhecendo a respeito da infecção, o estudo revela que elas manifestam representações de que ter aids nesse momento de vida é vergonhoso e decepcionante, sendo consequência de promiscuidade(44 Bittencourt GKGD, Moreira MASP, Meira LCS, Nobrega MML, Nogueira JA, Silva AO. Beliefs of older adults about their vulnerability to HIV/Aids, for the construction of nursing diagnoses. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):579-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680402i
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).

Ainda nesse sentido, os entrevistados referiram sofrer, seja no presente ou no passado, algum tipo de preconceito após o diagnóstico, por parte de familiares, amigos ou pessoas próximas; até mesmo aqueles que decidiram por ocultar sua condição soropositiva, embora não recebam esse preconceito diretamente, se sentem mal pela maneira como a sociedade enxerga uma pessoa soropositiva. As atitudes de discriminação direcionadas a pessoas no processo de envelhecimento que convivem com o HIV evidenciam representações quanto ao medo do contágio, à imoralidade que se supõe relacionada a essa infecção e à ameaça à vida causada pela síndrome(55 Silva LC, Felício EEAA, Cassétte JB, Morais RA, Prado TS, Guimarães DA. Psychosocial impact of HIV/aids diagnosis on elderly persons receiving care from a public healthcare service. Rev Bras Geriat Geront. 2015;18(4):821-33. doi: 10.1590/1809-9823.2015.14156
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).

Como implicações dessas representações, tem-se o isolamento social observado a partir da adoção de comportamentos resignados, que foi referido pelos participantes como algo esperado e natural em decorrência da infecção e do avançar da idade. Esse isolamento advém do medo de sofrer discriminação e preconceito; como consequência, esses indivíduos optam pelo sigilo sobre a sua condição de saúde(1717 Souza M, Marcon SS, Bueno SMV, Carreira L, Baldissera VDA. Elderly widows’ experience of sexuality and their perceptions regarding the family’s opinion. Saúde Soc. 2015;24(3):936-44. doi: 10.1590/S0104-12902015132060
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).

Ao mesmo tempo, a prática espiritual se mostrou aos entrevistados como uma das principais formas de enfrentamento das dificuldades vivenciadas em torno do diagnóstico da aids. Esse achado confirma outros estudos, os quais indicam ser a espiritualidade um aspecto importante da resiliência de pessoas que estão envelhecendo com aids(1919 Medeiros RCDSC, Medeiros JA, Silva TAL, Andrade RD, Medeiros DC, Araújo JS. Quality of life, socioeconomic and clinical factors, and physical exercise in persons living with HIV/AIDS. Rev Saude Publica. 2017;51:66. doi: 10.1590/S1518-8787.2017051006266
https://doi.org/10.1590/S1518-8787.20170...
).

Nota-se, assim, que ao encarar novas expectativas de vida diante da síndrome, um novo mundo é apresentando a essas pessoas, que buscam compreender melhor sobre a doença, assim como sobre as formas de tratamento, o que contribui no processo de aceitação e superação dos diversos medos vivenciados. Essa compreensão constitui um elemento facilitador no desenvolvimento de habilidades para administrar o autocuidado(2020 Silva AG, Cavalcanti VS, Santos TS, Bragagnollo GR, Santos KS, Santos IMS, et al. Integrative review of literature: nursing care to aged people with HIV. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 2):884-92. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0264
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).

Limitações do estudo

O estudo apresentou algumas limitações referentes à dificuldade de abordagem dos entrevistados, por ser uma temática permeada por preconceito e estigma por parte da sociedade. Entretanto, as pesquisadoras tentaram minimizá-los por meio da escuta efetiva e acolhimento, demonstrando o quanto seus depoimentos poderiam ajudar na construção de uma reflexão e mudança das formas de cuidado sobre o tema. Além disso, o estudo foi restrito a apenas uma unidade de referência, por se tratar daquela que à época da coleta de dados atendeu ao objeto proposto para o estudo.

Contribuições para área da enfermagem

Dada a inserção da enfermagem na dinâmica do cuidado em todos os ciclos da vida, inclusive no envelhecimento, o reconhecimento dessas representações são de suma relevância para a profissão, uma vez que pode oferecer ao enfermeiro subsídios para que repense as suas ações durante o atendimento. Assim, busca-se proporcionar espaços que favoreçam o diálogo e a abordagem de questões relacionadas às múltiplas dimensões que envolvem a pessoa com HIV no processo de envelhecimento em sociedade, tais como a saúde sexual e a sensibilização sobre o HIV/ISTs e formas de prevenção, no intuito de romper estigmas e estereótipos que dificultam a atenção integral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As representações sociais sobre o envelhecimento das pessoas acima de 50 anos com HIV/aids apresentadas nesse estudo revelaram as crenças, as interpretações e a rede de simbolização construídas para explicar o objeto social. Essas representações foram evidenciadas por concepções relacionadas a estigmas, preconceitos, incertezas e segregação. Assim, revela-se, a partir do imaginário dos participantes, que a aids assume dimensões de uma síndrome, sendo representada como um fenômeno social de grandes proporções que, associada ao envelhecimento, ocasiona significativos impactos na vida do indivíduo soropositivo, tanto na sua inserção e integração social quanto nos relacionamentos interpessoais.

À luz do exposto, torna-se primordial a busca por estratégias voltadas a otimizar a relação de pessoas soropositivas no âmbito social, com especial atenção àquelas com idades acima de 50 anos, considerando a dupla discriminação que frequentemente enfrentam no conjunto de relações sociais. Portanto, fazem-se necessárias mudanças nas concepções da sociedade a respeito deste objeto, dos próprios indivíduos soropositivos e do sistema de saúde, cuja responsabilidade é vital na emancipação da pessoa vivendo com HIV/aids, visando o envelhecimento ativo e com qualidade.

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Editado por

EDITOR CHEFE: DULCE BARBOSA
EDITOR ASSOCIADO: HUGO FERNANDES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2019
  • Aceito
    23 Mar 2020
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