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Do desespero à esperança: enfrentamento de familiares de crianças hospitalizadas diante de notícias difíceis

RESUMO

Objetivo:

compreender as vivências de familiares de crianças gravemente doentes diante da comunicação de notícias difíceis.

Método:

estudo fenomenológico, fundamentado no referencial filosófico de Heidegger. A coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2018 a março de 2019, por meio de entrevistas fenomenológicas com 15 familiares de crianças hospitalizadas em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica.

Resultados:

os familiares, em sua existencialidade, vivenciam a facticidade lançados em situações imprevisíveis, independente de suas escolhas, e se deparam com sentimentos de choque, desespero e medo diante das notícias difíceis. Após o impacto emocional, principalmente quanto à possibilidade de morte, os familiares revelam esperança como mecanismo para o enfrentamento da situação.

Considerações finais:

acredita-se ser imprescindível a solidariedade e a sensibilidade dos profissionais de saúde, em especial de enfermagem, na apreensão da dimensão existencial do familiar que vivencia tal experiência, compreendendo as múltiplas facetas de seu existir, oferecendo-lhes oportunidades para projetar-se.

Descritores:
Comunicação; Esperança de Vida; Familiares; Criança Hospitalizada; Pesquisa Qualitativa

ABSTRACT

Objective:

to understand the experiences of relatives of critically ill children before bad news report.

Method:

a phenomenological study based on Heidegger’s philosophical framework. Data collection was carried out from October 2018 to March 2019, through phenomenological interviews with 15 relatives of children hospitalized in a Pediatric Intensive Care Unit.

Results:

relatives, in their existentiality, experience the facticity thrown into unpredictable situations, regardless of their choices and are faced with feelings of shock, despair and fear before bad news. After emotional impact, especially regarding the possibility of death, relatives reveal hope as a mechanism for coping with the situation.

Final considerations:

solidarity and sensitivity by health professionals, especially nurses, are essential in understanding the existential dimension of relatives who experience such an experience, understanding the several facets of their existence and offering them opportunities to project themselves.

Descriptors:
Communication; Hope; Relatives; Child, Hospitalized; Qualitative Research

RESUMEN

Objetivo:

comprender las vivencias de familiares de niños críticamente enfermos al comunicar noticias difíciles.

Método:

estudio fenomenológico, basado en el marco filosófico de Heidegger. La recolección de datos se realizó desde octubre de 2018 a marzo de 2019, mediante entrevistas fenomenológicas a 15 familiares de niños hospitalizados en una Unidad de Cuidados Intensivos Pediátricos.

Resultados:

los familiares, en su existencialidad, experimentan la facticidad arrojados a situaciones impredecibles, independientemente de sus elecciones, y se enfrentan a sentimientos de conmoción, desesperación y miedo ante una noticia difícil. Tras el impacto emocional, especialmente en cuanto a la posibilidad de muerte, los familiares revelan la esperanza como mecanismo para afrontar la situación.

Consideraciones finales:

se cree que la solidaridad y sensibilidad de los profesionales de la salud, especialmente enfermeras, es fundamental para aprehender la dimensión existencial del familiar que vive tal experiencia, entendiendo las múltiples facetas de su existencia, brindándole oportunidades para proyectarse.

Descriptores:
Comunicación; Esperanza de Vida; Familia; Niño Hospitalizado; Investigación Cualitativa

INTRODUÇÃO

No cenário das Unidades de Terapia Intensiva Pediátricas (UTI pediátricas), é frequente que a família seja abordada pelos profissionais de saúde com informações de notícias difíceis(11 Kumata CS, Borges AA, Dupas G. Comunicação de más notícias à família da criança hospitalizada. Cienc Cuid Saude. 2015;14(4):1411-18. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v14i4.25894
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). Em termos de cuidados de saúde, notícias difíceis são consideradas como “qualquer informação que produza uma alteração nas perspectivas da pessoa sobre o seu presente e futuro”; constantemente, associam-se a situações de perda e/ou a qualquer informação que não seja bem-vinda(22 Luisada V, Fiamenghi-Jr GA, Carvalho SG, Assis-Madeira EA, Blascovi-Assis SM. Experiências de médicos ao comunicarem o diagnóstico da deficiência de bebês aos pais. Ciência&Saúde [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 31];8(3):121-128. Available from: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/about/
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
).

Condições graves de saúde podem causar impacto significativo na família, como, por exemplo, diagnósticos suspeitos, fracasso de terapias curativas, necessidade de procedimentos dolorosos e/ou desconfortáveis, indicação de procedimentos cirúrgicos, hospitalizações prolongadas, prognósticos reservados e/ou questões sobre a indicação de cuidados de fim-de-vida(33 Royal College of Nursing. Breaking bad news: supporting parents when they are told of their child's diagnosis. RCN guidance for nurses, midwives and health visitors. London: RCN; 2015. 22 p.).

Estudos evidenciam que a qualidade de como as más notícias são anunciadas tem um impacto sobre quem recebe, principalmente com repercussão psicossocial(44 Matthews T, Baken D, Ross K, Ogilvie E, Kent L. The experiences of patients and their family members when receiving bad news about cancer: a qualitative meta-synthesis. Psycho-Oncology. 2019;28:2286-2294. doi:10.1002/pon.524
https://doi.org/10.1002/pon.524...
). Cada família tem suas particularidades, traz consigo histórias, hábitos, crenças, experiências, cultura e processo educacional, podendo apresentar interpretações distorcidas e generalizadas daquilo que lhe é transmitido como informação. A capacidade de entendimento imediato de quem as recebe pode encontrar-se limitada, impedindo a compreensão das explicações e orientações transmitidas pelos profissionais(55 Silva RBL. Comunicando notícias difíceis na unidade de terapia intensiva. Arq Catarin Med [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 20];44(1):82-92. Available from: http://www.acm.org.br/acm/seer/index.php/arquivos/article/view/13
http://www.acm.org.br/acm/seer/index.php...

6 Monteiro DT, Quintana AM. A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psic Teor Pesqui. 2016;32(4):1-9. doi:10.1590/0102.3772e324221
https://doi.org/10.1590/0102.3772e324221...
-77 Beverley A. Reflecting on the communication process in health care. Part 1: clinical practice-breaking bad News. British J Nurs. 2019;28(13):858-63. doi: 10.12968/bjon.2019.28.14.927
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).

Neste contexto, diante da comunicação destas notícias, os familiares poderão reagir de diversos modos, de diferentes formas e configurações, abarcando uma variedade de situações(88 Franklin JB, Joseph PW, Nicki DV. Delivering bad or life-altering news. Am Fam Physician [Internet]. 2018 [cited 2020 Jan 20];98(2):99-104. Available from: https://www.aafp.org/afp/2018/0715/p99.html
https://www.aafp.org/afp/2018/0715/p99.h...
), sendo mais frequente expressões de choque, temor, desespero, tristeza, isolamento e dor(11 Kumata CS, Borges AA, Dupas G. Comunicação de más notícias à família da criança hospitalizada. Cienc Cuid Saude. 2015;14(4):1411-18. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v14i4.25894
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,99 Silva DB, Hagemann PMS, Pereira C, Neme CMB. Experiências e sentimentos de mães diante da doença de Moyamoya de seus filhos. Estud Psicol. 2017;34(4):523-33. doi: 10.1590/1982-02752017000400008
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10 Paula DPS, Silva GRC, Andrade JMO, Paraiso AF. Câncer infanto juvenil do âmbito familiar: percepções e experiências frente ao diagnóstico. Rev Cuid. 2019;10(1):e570. doi: 10.15649/cuidarte.v10i1.570
https://doi.org/10.15649/cuidarte.v10i1....
-1111 Vale PRFL, Cerqueira S, Hudson P. Santos Junior HPS, Black BP, Carvalho ESS. Bad news: Families' experiences and feelings surrounding the diagnosis of Zika-related microcephaly. Nurs Inquiry. 2019;26(e12274):1-10. doi:10.1111/nin.12274
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). Diante da impossibilidade de alterar a situação, sentem-se insatisfeitos e inconformados, além de apreensivos em relação às perspectivas de futuro(1212 Karkow MC, Girardon-Perlini NMO, Stamm B, Camponogara S, Terra MG, Viero V. Experience of families facing the revelation of the cancer diagnosis in one of its integrants. Rev Min Enferm [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 10];19(3):741-746. Available from: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/1036
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), principalmente quando remete à possibilidade de perda de filhos(1313 Simeone S, Pucciarelli G, Perrone M, Dell Angelo G, Teresa R, Guillari A, et al. The lived experiences of the parentes of children admitted to a paediatric cardiac intensive care unit. Heart Lung. 2018;47:631-637. doi:10.1016/j.hrtlng.2018.08.002
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-1414 Ataide CA, Ricas J. O diagnóstico das crianças com doença falciforme: desafios e perspectivas de enfrentamento. Scientia Plena. 2016;4(2):19-28. doi: 10.14808/sci.plena.2017.059908
https://doi.org/10.14808/sci.plena.2017....
).

Contudo, após o impacto inicial, os familiares buscam compreender os passos necessários para continuar suas trajetórias de modo que, em meio às intempéries, a esperança tem ocupado lugar, proporcionando equilíbrio para o enfrentamento da situação, melhorando o ânimo quando tudo parece angustiante(1515 Davies D, Mack C. When parents say "more" and health care professionals say "enough". Paediatr Child Health. 2015;20(3):135-8. doi: 10.1093/pch/20.3.135
https://doi.org/10.1093/pch/20.3.135...
-1616 Santos F, Guedes AS, Tavares MC, Silva RB, Brandão JM, Santana WB, et al. Vivências de mães com crianças internadas com diagnóstico de câncer. Enferm Actual Costa Rica [Internet]. 2018[cited 2019 Feb 10];34:38-52. Available from: https://www.scielo.sa.cr/pdf/enfermeria/n34/1409-4568-enfermeria-34-38.pdf
https://www.scielo.sa.cr/pdf/enfermeria/...
).

Com base no exposto, questionou-se: quais são as vivências de familiares de crianças hospitalizadas em unidade de cuidado intensivo pediátrico diante da comunicação de notícias difíceis? Portanto, acredita-se que conhecer como ocorre o enfrentamento dos familiares diante das vivências de notícias difíceis poderá contribuir, substancialmente, para individualizar a assistência e aprimorar a comunicação entre a equipe de saúde e a família.

OBJETIVO

Compreender as vivências de familiares de crianças gravemente doentes diante da comunicação de notícias difíceis.

Referencial teórico-filosófico

Como referencial teórico-filosófico, adotaram-se alguns dos conceitos essenciais da obra Ser e Tempo de Martin Heidegger, que considera, em suas análises, o mundo como horizonte histórico de sentidos, de maneira que é o mundo que torna possível que algo se mostre pela experiência fenomenológica(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Heidegger aponta para a compreensão da existência do ser no sentido ontológico, pois se volta para a própria questão do ser do ente, nas diferentes modalidades. Preocupa-se em esclarecer e fundamentar o modo pelo qual é possível perguntar não somente “o que” é o homem enquanto ser vivo, mas, sobretudo, “quem” e “como” ele é, aquilo que determina o ente enquanto ente(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.-1818 Kirchner R. A análise existencial heideggeriana: um modo original de compreender o ser humano. Rev Nufen Phenom Interd [Internet]. 2016 [cited 2018 Jan 15];8(2):112-28. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v8n2/a09.pdf
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).

Para compreender o pensamento de Heidegger, há de se entender o ente e o ser na perspectiva dele. Ente é “tudo aquilo de que discorremos, que visamos, em relação a que nos comportamos desta e daquela maneira; ente é também o que somos e como somos nós mesmos”(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.). Ser não é uma afirmativa categorial, nem ente e nenhum conceito obtido por dedução mas, sim, a presença, o manifesto, o compreendido e o conhecido para o humano. Está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado, no teor, recurso e validade(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Para designar o ente ou a pessoa que possui este ser, Heidegger utiliza a palavra Dasein. O Dasein é o ente que, sendo, revela o ser a partir da sua condição existencial, o ente para qual o ser se mostra, e essa compreensão ocorre em meio aos outros entes com os quais se relaciona. Refere-se ao ente que nós mesmos somos e cujo ser é a cada vez, o único ente a possuir um sentido, capaz de criar, desejar, desconstruir e tudo mais que demonstre sua totalidade na interação com seu próprio existir(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Logo, o Dasein apresenta uma estrutura existencial na qual está inserido no mundo, estabelecido por projetos, localizado no tempo e no espaço, envolvido na relação com os outros e com os objetos, pois Heidegger rejeita o entendimento do ser humano como uma unidade isolada; onde há ser, necessariamente, há ente. Portanto, ser é ser-no-mundo e também ser-no-mundo-com-os-outros(1919 Dettoni LL. Dettoni JL, Dettoni JL. O homem: ser-no-mundo-com-os-outros. Clareira: Rev Filos Reg Amazon [Internet]. 2016[cited 2018 Jan 15];3(2):102-13. Available from: https://www.periodicos.unir.br/index.php/clareira/article/download/3630/2510
https://www.periodicos.unir.br/index.php...
-2020 Braga TBM, Farinha MG. Heidegger: em busca de sentido para a existência humana. Rev Abordagem Gestált [Internet]. 2017 [cited 2019 Fev 5];23(1):65-73. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672017000100008
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).

Ao compreender o significado do Dasein como uma totalidade existencial, deve-se saber que o entendimento que ele possui de si mesmo dependerá da sua existência e da possibilidade de ser ou não si mesmo, o que possibilitará se mostrar em sua autenticidade e/ou inautenticidade. Esses modos-de-ser “fundam-se em que o Dasein é em geral determinado pelo ser-cada-vez-meu”(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

A autenticidade é caracterizada como um modo próprio de ser, de existir às várias possibilidades. A inautenticidade é caracterizada como um modo inautêntico de ser, uma esfera da existência que segue sem direção própria, porém não significa algo menor ou um grau de ser inferior, podendo determinar o Dasein segundo suas realizações em suas ocupações e interesses(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Mas, o que buscamos revelar no Dasein? O que sempre se revela no seu relativo desvelamento é algo dele mesmo; portanto, a verdade é o mundo se desocultando para cada ser. São as facetas desveladas que possibilitam a compreensão singular do fenômeno propiciando novas indagações a respeito dele(2121 Cerbone DR. Fenomenologia. Petrópolis: Vozes; 2014. 292 p.).

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pela Diretoria de Enfermagem do Serviço de Enfermagem Pediátrica do hospital onde o estudo foi realizado e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 2017. A anuência à pesquisa foi expressa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. Para garantir o anonimato, os participantes foram identificados por nomes fictícios.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, foram respeitados os aspectos éticos para pesquisas envolvendo seres humanos recomendados pela Resolução CNS/MS no 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)(2222 Ministério da Saúde (BR). Resolução n. 466/12. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e revoga as Resoluções CNS nos. 196/96, 303/2000 e 404/2008 [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2019 Aug 30]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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).

Tipo de estudo

Trata-se de pesquisa qualitativa, com abordagem fenomenológica. A fenomenologia é vista como um método filosófico do autêntico pensar, capaz de deixar que as coisas se apresentem na sua própria realidade, sem projetar nenhuma categoria interpretativa convencional relacionada a outros fenômenos, buscando estabelecer uma nova perspectiva para ver as coisas tal como se apresentam(2323 Siani SR, Correa DA, Casas ALL. Fenomenologia, métodos fenomenológicos e pesquisa empírica: o instigante universo da construção de conhecimento esquadrinhada na experiência de vida. Revista de Administração da UNIMEP. 2016;14(1):193-9. doi:10.15600/1679-5350/rau.v14n1p193-219
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).

O foco deste estudo são as vivências de familiares de crianças diante da comunicação de notícias difíceis em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Logo, a escolha por essa abordagem se deu pelo fato de a mesma proporcionar o desvelamento dos sentidos vividos, em uma atitude de envolvimento com o mundo da experiência, envolvendo o aparente e o invisível(2121 Cerbone DR. Fenomenologia. Petrópolis: Vozes; 2014. 292 p.).

Nessa perspectiva, os sujeitos da experiência estão lançados no mundo como horizonte histórico de sentidos, de maneira que é o mundo que torna possível que algo se mostre pela experiência fenomenológica. A essência do homem reside na sua existência e somente pela existência do ente é possível se dirigir ao ser para desvelar seus mistérios(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Esta investigação foi conduzida e estruturada com referência nos Critérios de Consolidação para Relatórios de Pesquisa Qualitativa (COREQ)(2424 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
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).

Procedimentos metodológicos

Considerando que a pesquisa envolvendo as experiências vividas de pessoas remete a um meio que permite a narração das mesmas, a entrevista foi o recurso metodológico utilizado para acessar o mundo de familiares de crianças gravemente doentes. A entrevista fenomenológica é a abordagem existencial que busca, sobretudo a fala autêntica do sujeito, aquele silêncio que se rompe e expressa, no relato, algo provavelmente nunca dito nem refletido, que é a vivência de quem o está experimentando e atribuindo significados(2525 Guerrero-Castañeda RF, Menezes TMO, Ojeda-Vargas MG. Características de la entrevista fenomenológica en investigación en enfermeira. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(2):e67458. doi: 10.1590/1983- 1447.2017.02.67458
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).

As entrevistas fenomenológicas foram realizadas pela pesquisadora principal, em local tranquilo, na área externa à UTIP, norteadas pelas seguintes questões: Durante a hospitalização do seu filho(a) na UTI, você já vivenciou uma notícia que considerou difícil? Conte-me o que aconteceu com você/sua família depois dessa notícia?

Cenário do estudo

O estudo foi realizado em um serviço de Enfermagem Pediátrica de um hospital público, de ensino, localizado no interior do estado de São Paulo, que atende crianças com doenças agudas e crônicas, em condições clinicas e/ou cirúrgicas, bem como suas famílias.

Fonte de dados

Foram convidados a participarem da pesquisa 17 familiares, porém dois recusaram por motivos pessoais. Para acessar os participantes, foi utilizada a escolha por conveniência, baseada na busca daqueles que se mostraram mais acessíveis, colaborativos e disponíveis para participar do estudo(2626 Freitag RMK. Amostras sociolinguísticas: probabilísticas ou por conveniência? Rev Estudos Lingua(gem) [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 25];26(2):667-86. Available from: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/article/view/12412
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).

Assim, os participantes foram 15 familiares de crianças hospitalizadas em UTIP; os critérios de inclusão foram: ser familiar, ser acompanhante da criança durante a hospitalização na UTIP, ter vivenciado notícias difíceis segundo a própria perspectiva e maiores de 18 anos.

Adotou-se o conceito de família para o Cuidado Centrado na Família: família é quem os seus membros dizem que são(2727 Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 5ª ed. São Paulo: Roca; 2012. 365 p.), um grupo de indivíduos ligados por fortes vínculos emocionais, durabilidade e inclinação a participar das vidas uns dos outros. No Quadro 1, apresentamos as principais características dos participantes.

Quadro 1
Características dos participantes, Campinas, São Paulo, Brasil, 2018-2019

Coleta e organização dos dados

As entrevistas foram realizadas no período de outubro de 2018 a março de 2019. Durante o período da realização do estudo, foi estabelecido um planejamento para estar na UTIP duas vezes por semana e em turnos diferentes, com o objetivo de familiarizar-me com a rotina do serviço, ser reconhecida pelos profissionais de saúde como pesquisadora e se aproximar dos familiares das crianças hospitalizadas.

Nessa perspectiva, ao se aproximar-me dos familiares apresentava-me como enfermeira pesquisadora, iniciando o diálogo; em outro momento, falava sobre a temática do estudo explicando brevemente o objetivo da pesquisa.

As entrevistas tiveram duração média de 17 minutos e foram gravadas, com consentimento dos participantes, em gravador digital; posteriormente, foram transcritas na íntegra, sendo encerradas quando os discursos obtidos atingiram a saturação teórica, isto é, quando as entrevistas mostraram consistência a partir de um processo contínuo de análise dos discursos, na perspectiva do pesquisador(2828 Van Rijnsoever FJ. I can't get no saturation: a simulation and guidelines for sample sizes in qualitative research. Plos One. 2017;12(7):e0181689. doi: 10.1371/journal.pone.0181689
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).

Vale ressaltar que a pesquisadora principal se apropriou da postura fenomenológica que inclui a entrevista durante disciplina específica para essa finalidade.

Referencial metodológico e análise dos discursos

Em busca de apreender a essência do fenômeno, por meio dos discursos dos familiares, optou-se pela análise da estrutura do fenômeno situado, que segue os seguintes passos(2929 Martins J, Bicudo MAV. Pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Centauro; 2005. 110 p.): leitura global do conteúdo total do discurso, de forma a apreender sua configuração global; releitura atentiva, de modo a identificar as afirmações significativas (unidades de significados); busca de convergências (elementos que sejam comuns a vários discursos) e divergências (elementos que são peculiares a apenas um discurso ou a poucos); a partir das convergências/divergências, elaboração de categorias ontológicas; e, finalmente, a compreensão fenomenológica embasada nas concepções heideggerianas, por meio da obra máxima, Ser e Tempo(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

RESULTADOS

A partir da escuta atentiva dos discursos dos familiares de crianças gravemente doentes, diante da comunicação de notícias difíceis no contexto de UTIP, partindo das experiências que os envolvem, foi possível apreender algumas facetas relacionadas ao recebimento de notícias difíceis.

Com base nas unidades de significados advindas dos discursos, os resultados foram organizados em categorias ontológicas, as quais serão apresentadas e discutidas a seguir, à luz de alguns conceitos heideggerianos, bem como autores que abordam a temática.

Enfrentamento de familiares diante de notícias difíceis: do desespero ao medo da possibilidade de morte

O ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP, em sua existência, vivencia a facticidade de estar lançado em situações imprevisíveis. Independente de suas escolhas, as notícias difíceis os surpreendem causando sentimentos como choque, desespero e medo.

O impacto inicial foi associado ao ambiente hostil, ainda que o mesmo tenha sido considerado sagrado, por lidar com situações de vida e de morte, não só com a sua própria experiência, mas, também, com a vivência do sofrimento de outras crianças/familiares que se encontram hospitalizadas na UTIP.

Ah, difícil, difícil foi saber que ela estava na UTI, porque na UTI é sempre os mais graves. [...] e ela estava intubada, ela é prematurinha e não aguenta. Já é a 4ª cirurgia que a minha menina passa, e, toda vez, UTI. (Dora)

UTI é um lugar muito sagrado, um lugar que lida com a vida e com a morte. Mas, vivenciar as duas coisas, aqui dentro, é muito duro, é muito duro. Cada família, cada pessoinha que está ali dentro [...]. (Bianca)

Os sentimentos de choque são relacionados à tecnologia desconhecida, à contínua realização de procedimentos terapêuticos e ao fluxo dos profissionais de saúde na manipulação da criança, causando desconforto e dor ao falar sobre esta vivência.

Então, as notícias difíceis de UTI, é difícil até de falar, porque são uma pior que a outra, porque a gente aprende a lidar, aprende até a conhecer as máquinas, sem nunca ter estudado. Que até um apito da máquina deixa a gente fora do ar. Então, é uma situação que eu não gosto de falar, eu não gostaria de ficar falando não, porque é muito difícil de vivenciar. Eu só espero não ter que passar mais. Cada entrada do médico, cada entrada de uma enfermeira, cada medicação em cima de um paciente, não só o meu, mas qualquer criança aí, que está passando, dói na alma, dói o coração. (Bianca)

[...] todo dia é... são exames novos, são tudo assim... todo dia uma novidade, então a gente tenta... tenta se acalmar o máximo que pode e tenta compreender, mas é difícil, a gente não tem muito o que dizer, tem dia que a gente chora, tem dia que a gente fica mais chateado, tem dia que está melhor, mas, é isso assim, desde a internação dela tem sido assim. Tem dias que a gente está melhor, tem dia que está pior, vêm vindo as notícias, mas não tem assim muito o que dizer. É mesmo um momento complicado, difícil, porque aí a gente vai se ajeitando no dia a dia. (Ivina)

Diante da condição de gravidade, ao perceber a demora no restabelecimento da saúde da criança, o familiar expõe-se cada vez mais ao sofrimento, surpreendendo-se com as notícias sobre a instabilidade clínica.

E aí vem vindo o processo, de... de ele está bem, tem dia que não está. Ah, e cada dia assim, eu acho que a gente leva uma surpresa. Ele está aí, já se faz dois meses, nesses dois meses ele já teve, como eu já te falei, ele teve uma, completou quatro paradas, que ele teve. Então é assim, a gente chega aqui desanimado, tem hora, porque você está ali dobrando o joelho, falando com Deus e aí tem dias que você vem para cá e vai embora arrasada. [emociona-se] é difícil! (Amanda)

E teve um dia que eu cheguei aqui e estava mais... aí o doutor explicou porque ela apresentou uma dificuldade de respiração, aí teve que aumentar a máquina. Aí eu fui falando: ai meu Deus, em vez de assim, essa máquina diminuir, ela está aumentando? Que a médica falou pra mim que ela, ela... estava parando de respirar, o que estava respirando era a máquina, que ela, que o cérebro fazia essa pausa. E isso, foi assim, tudo muito doido, sabe? [...] então, foi assim, é... não é fácil, todo dia você tem que... esperar uma notícia boa, uma ruim... é isso. (Alba)

[...] e eu estou, nós estamos tentando aqui, e o meu neto continua na UTI. Ainda não tem previsão de quando ele vai sair. [pausa] porque eu... ontem mesmo a médica falou para gente que o quadro dele ainda é muito preocupante [olhos cheios de lágrimas e apertando muito as mãos]. (Roberta)

Ao longo da hospitalização, os sentimentos dos familiares se intensificam diante da impotência frente à situação de gravidade da criança, que não se restabelece como esperado.

E ver um filho na cama não é fácil. A gente se sente uma pessoa inútil, porque você não pode fazer nada. Você está vendo ali e você não pode fazer... não pode ter nenhuma reação por ele. Tem que sentar e assistir, só. Ah, é difícil. (Amanda)

Mas é bem isso, é um desespero muito grande, porque você não sabe socorrer, nem pra onde, para saber se o que está sendo feito está certo. (Aline)

Dentre esses sentimentos, o medo da possibilidade de morte emerge como sendo aspecto comum para todos os familiares. Desse modo, a questão da morte é tida como temorosa, principalmente quando a equipe médica expõe a realidade sobre o prognóstico clínico da criança e esclarece sobre o risco de morte.

Ontem, eu entrei em desespero! Porque as meninas começaram a dar banho nele, daí eu mesmo que sugeri sentar ele na bacia, para ver se ele começava a mexer o corpo, porque ele estava muito duro! A gente pegava nele, na hora que pegava no bracinho dele, já começava a chorar. [pausa] daí eu peguei e pedi para ela: “vamos sentar ele na bacia, para gente começar a dar banho nele, porque, é... como ele tomava banho antes”. Antes de ontem foi muito bem, só que ontem, caiu toda a saturação, batimento cardíaco, a pressão dele, aí ele deu um... um... tipo... a médica falou para mim que foi, é... aumento de pressão no coração, isso que ele teve. Quase para, foi em 40. Aí eu entrei em desespero, de novo! De novo! Comecei a chorar, chorei muito aqui fora [...], chorando, porque eu estava com medo de perder ele. [...] é o meu medo de perder o meu neto, está acima de mim [pausa chorando]. (Roberta)

Foi uma palavra muito difícil, saber que a gente poderia perder ele a qualquer momento. (Keila)

Olha, uma notícia, uma notícia dessa não é fácil para os familiares, principalmente para os pais. Porque, na hora que o médico chegou e falou que.... tudo que tinha de ser feito da parte da equipe médica, já tinha sido feito, só dependia da reação dela. É um momento de desespero, acho que qualquer pai fica em desespero [...]. (Álvaro)

[...] bem na hora que ela estava colocando o acesso, a pressão dele caiu e ele teve essa parada. Nossa! Aquilo pra mim foi... foi, tipo assim, nossa, ele iria morrer. (Sandra)

Contudo, mesmo diante do desespero vivenciado nestas situações estressoras, principalmente as que demarcam a possibilidade de morte, o familiar busca explicações para compreender a situação da criança.

Enfrentamento de familiares diante de notícias difíceis: do impacto inicial à esperança

O ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP considera a esperança como sentimento que auxilia a família a lutar, a cada dia, frente às situações turbulentas, almejando a vitória.

[...] crescer mais uma chance de esperança, uma esperança, é uma chance de... de vitória. [pausa emocionado] e é isso que eu, com a minha esposa, estamos fazendo, estamos nos unindo cada vez mais, para estar na luta, na batalha. [...] não é fácil, não está sendo fácil, mas nós vamos superar todos os obstáculos. (Álvaro)

[...] mas do caso envolvendo a... mais uma vez a minha filha, ela acende mais uma expectativa pra gente. (George)

[...] mas a esperança continua, as orações e tudo. Deus também é muito importante e tem nos dado muito força, acreditar e tudo, é o que tem nos ajudado, nos dado força para tudo isso. (Ivina)

Neste contexto, o familiar, ainda que compreenda o risco de morte anunciado pela equipe médica, não aceita essa facticidade, revelando que a esperança se mantém. Assim, projeta-se no seu existir e refere que há uma energia interna capaz de confortá-lo.

Então, assim, muita gente, até da própria medicina, não estava acreditando tanto. Então, o pessoal sempre estava falando assim “ah, mas você sabe que os médicos sempre falam que deu uma melhoradinha, mas tem risco ainda, ela tem risco de morrer, tem disso e aquilo”. Inclusive, até o terceiro dia a gente teve que escutar isso dos médicos. Eles estão errados? Não, eles estão passando a realidade, só que, assim, a gente tinha uma energia tão grande dentro da gente falando que estava tudo bem, que a gente ficou mais tranquilo. (João)

Em meio às circunstâncias, o familiar vislumbra uma força maior, muitas vezes, revelada pela valorização da fé e crença no divino. Diante do Criador, coloca-se na posição de entrega e confiança quanto ao futuro da criança.

E, na esperança de qualquer hora, Deus... [abaixa a cabeça e chora] colocar meu bebê de novo nos meus braços e falar, vai embora, que ele está bem [pausa olhando firme nos meus olhos]. (Roberta)

A gente se apega na gente e na nossa fé. (Aline)

E eu sei que... o Senhor também... está com a gente também nessa batalha. [abaixa a cabeça chorando] [...] E, se Deus quiser, a gente vai conseguir essa vitória. Tenho fé em Deus que a gente vai conseguir. [pausa emocionado]. (Álvaro)

A fé dos outros familiares, que estão distantes da situação, é suporte para os que acompanham a criança durante a hospitalização, auxiliando no enfrentamento das adversidades.

[...] quando eles recebem as notícias eles falam “ah, vai dar certo sim, seja o que Deus quiser, ele vai ficar bem, logo ele vai sair daí”. (Almira)

[...] e a minha mãe, ela só respondeu... a fé, move montanhas. Foi o que ela respondeu e ela é de uma família evangélica, a minha família inteira, minha família é muito evangélica. (Alba)

Além da fé no divino, o familiar deposita esperança nos profissionais de saúde, acreditando nas competências técnicas para auxiliar no restabelecimento da saúde da criança.

Mas, aí que nem eu falei: não, a gente acredita nos médicos, no que os médicos falam. (Carla)

Aí um dia cheguei e falei assim “olha, doutor, a única coisa que eu não quero é que vocês desistam da minha filha. Faça tudo o que puder! Mesmo sabendo que ela corre risco, faça tudo o que puder”. (Gisele)

Por fim, além do familiar ter a convicção no divino e acreditar que as condutas médicas funcionarão, confia, também, na reação da criança que luta pela vida.

Mas, não foi tão difícil, porque assim, depois da cirurgia, a gente está com uma fé tão grande em Deus que nada para derrubar a gente é difícil agora. A gente só olha para ela, a gente só vê a força dela. Para gente, ela está sendo exemplo, é uma guerreira que a gente está vendo o quê que é realmente lutar pela vida. Então, por isso que não foi tão frustrado assim, não. Eu falo que é a notícia mais difícil. Pela fé que a gente tem em Deus, então a gente não... (João)

Eu não tenho muito o que falar, o que eu tenho que falar é que... a gente tem que se apegar muito com Deus, porque até os médicos já falaram que o que tinha que ser feito eles já fizeram, estão esperando agora a reação dela. Então... ela está fazendo a parte dela, a gente está fazendo a da gente. E eu tenho fé em Deus que Ele, Ele vai nos ajudar. Então, é o que eu tenho pra falar [pausa]. (Álvaro)

DISCUSSÃO

Para compreender as vivências dos familiares diante da comunicação de notícias difíceis em UTIP, é preciso conhecer seus modos de ser-no-mundo. Heidegger define ser-no-mundo como o ser humano, o Dasein que diz respeito ao homem lançado em um mundo que o habita e é capaz, também, de questionar a própria realidade e a si próprio(3030 Cardinalli IE. Heidegger: o estudo dos fenômenos humanos baseados na existência humana como ser-aí (Dasein). Psicol USP [Internet]. 2015 [cited 2019 Jan 10];26(2):249-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v26n2/0103-6564-pusp-26-02-00249.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pusp/v26n2/0103...
).

Sendo-no-mundo, o Dasein é sempre ser-com-o-outro, relacionando-se dentro de um contexto de práticas e entendimentos medianos já pré-estabelecidos(3131 Felix W. A ontologia mortal de Martin Heidegger. Nat Hum [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 10];19(2):95-113. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302017000200006
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). Nesse contexto, o mundo é a UTIP e os familiares de crianças hospitalizadas que, nesse cenário, estão no mundo com os profissionais de saúde e com as demais famílias que vivenciam notícias difíceis.

Os familiares das crianças hospitalizadas em UTIP se revelam conforme seus modos de existir, ou seja, seus modos-de-ser-no-mundo ao vivenciarem situações imprevisíveis, como o tempo de hospitalização prolongado e indeterminado, e são lançados na facticidade na qual não possui controle e que não foi por eles escolhida.

Pais, ao vivenciarem o adoecimento do filho, revelaram a agonia ante a incerteza do porvir, como se uma presença indesejável batesse repentinamente a sua porta(3232 Benedetti GMS, Garanhani ML, Sales CA. The treatment of childhood cancer: unveiling the experience of parents. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(3):425-31. doi:10.1590/0104-1169.3264.2433
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). Além dessa aflição, famílias de crianças em tratamento de câncer referiram a comunicação de notícias difíceis sobre a situação do filho como “o chão se abriu”(3333 Afonso SBC, Minayo CS. Relationships between oncohematopediatrics, mothers and children in communicating bad news. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 115];22(1):53-62. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n1/en_1413-8123-csc-22-01-0053.pdf
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), determinando mudanças no seu cotidiano da noite para o dia. Assim, o ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP, imerso na facticidade de vivenciar o desconhecido, impele o seu agir e refletir diante das notícias difíceis. Frente às incertezas e as aflições, os familiares desvelam singulares modos-de-ser permeados por sentimentos, como choque e desespero.

O Dasein em-um-mundo-na-UTIP se ocupa em uma lida cotidiana, nas relações com os entes intramundanos que vêm ao seu encontro, deparando-se com desconhecidos dispositivos de alta tecnologia, com a contínua realização de procedimentos terapêuticos e com o grande fluxo de profissionais de saúde na manipulação da criança(3434 Dahav P, Sjöström-Strand A. Parents' experiences of their child being admitted to a paediatric intensive care unit: a qualitative study like being in another world. Scand J Caring Sci. 2018;32:363-370. doi:10.1111/scs.12470
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). Desse modo, é no ocupar-se que o Dasein descobre os entes que lhe vêm ao encontro(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Heidegger, ao analisar o ser dos objetos no mundo circundante, ambiente que abarca os entes em sua totalidade, pontua o modo como estes estão dispostos, ou seja, a espacialidade. Esses entes que vêm ao encontro do ser são espaciais; contudo, não ocupam um espaço geométrico em dimensões mas, sim, um espaço qualitativo, expresso pelos significados que representam. São nas ocupações cotidianas que o Dasein se espacializa e os próprios entes têm sua espacialidade(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

Portanto, o familiar lançado no mundo circundante se surpreende e se revela limitado e impotente diante da sua facticidade, por não perceber a melhora da criança, como esperado. Ademais, o medo emerge no cotidiano do ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP com as informações reais descritas pela equipe médica que abarcam a possibilidade de morte.

Como um modo de disposição, o fenômeno do medo/temor é um sentir-se atemorizado, não como sentimento, mas como modo existencial do Dasein, e que é abordado por Heidegger em três pontos de vista(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.): o que se teme, ou seja, a morte; o temer (ter medo), disposição do Dasein; pelo qual se teme, a possibilidade da morte. Assim, quando o médico expõe para o familiar a possibilidade de morte, é tido como um acontecimento temível. Logo, quem define o caráter de ameaçador ao temível é o Dasein que teme. Os discursos revelam susto(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.) com a notícia da possibilidade de morte, pois mesmo que não tenha acontecido, a qualquer instante pode, subitamente, finalizar a existência do ser-no-mundo ocupado.

A questão da finitude se revela, para o familiar, como algo iminente e inverso à ordem cronológica da vida, questão incômoda que desencadeará ruptura do mundo-vida das pessoas envolvidas nesse processo(3535 Carter B, McGoldrick M. As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas; 2005. 512 p.). A possibilidade da morte de um filho é considerada inexplicável e imensurável(3636 Alves KMC, Comassetto I, Almeida TG, Trezza MCSF, Silva JMO, Magalhães APN. The experience of parents of children with cancer in treatment failure conditions. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [cited 2019 Jan 15];25(2):e2120014. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n2/0104-0707-tce-25-02-2120014.pdf
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). Portanto, “a cotidianidade urge na premência da ocupação e no livrar-se das amarras do cansativo e passivo pensar na morte”(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.).

O familiar, em sua existência, é marcado pelas relações consigo e com o mundo e, consequentemente, as define de acordo com suas próprias possibilidades de ser conforme aquilo que o mundo lhe oferece. O Dasein tem a liberdade de assumir a responsabilidade de ser si mesmo e de decidir ser-no-mundo de modo autêntico ou inautêntico(2020 Braga TBM, Farinha MG. Heidegger: em busca de sentido para a existência humana. Rev Abordagem Gestált [Internet]. 2017 [cited 2019 Fev 5];23(1):65-73. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672017000100008
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).

Neste contexto, o tempo e o espaço em que as relações do Dasein acontecem revelam modos-de-ser-no-mundo sempre em movimento de ocultamento e desvelamento. As possibilidades de ser em um mundo estão ancoradas em sua estrutura ontológica, do abrir do horizonte possível de escolher, projetar e rejeitar(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.). Portanto, o fato do ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP se revelar de modo inautêntico diante das notícias difíceis, quando não aceita a gravidade do quadro clínico da criança e não anula a possibilidade de autenticidade, pois, em algum momento de sua existência, o Dasein já se compreendeu de um modo ou de outro.

Contudo, assumir a realidade não é algo estático, mas dinâmico, e, ao perceber que diante da gravidade a morte é uma possibilidade, o familiar se oculta por detrás das aparências, se disfarça e se recolhe diante da notícia sobre o risco de morte da criança, em uma disposição imprópria de se esquivar do ser-certo, por não assumir esta facticidade em sua vida. Nessa condição, o próprio ser se oculta diante das possibilidades que estão abertas, afastando-o de ser si mesmo e recebendo dos outros e de sua ocupação cotidiana, as determinações que compreende(3131 Felix W. A ontologia mortal de Martin Heidegger. Nat Hum [Internet]. 2017 [cited 2019 Feb 10];19(2):95-113. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302017000200006
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
,3737 Ericksen L. Autenticidade e insolência perante a impessoalidade; um estudo heideggeriano. Aufklärung. 2018;5(1);77-88. doi:10.18012/arf.2016.37207
https://doi.org/10.18012/arf.2016.37207...
).

Portanto, o ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP se encontra na fuga de assumir o seu ser autêntico, buscando conforto na impessoalidade como mecanismo de enfrentamento e se revelando no modo da espera de que o futuro faça algo para reverter a situação do estado de saúde da criança.

Neste sentido, o familiar, diante do anúncio das notícias difíceis, se fecha em um círculo que o atrai, ou seja, sua mobilidade fica como um redemoinho impróprio, sem perceber suas possibilidades mais próprias(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.). Assim, vislumbra a esperança em algo ou alguém como imprescindível para o enfrentamento da situação, ou seja, busca por uma esperança ôntica que possa velar o real. Desse modo, para o familiar, a esperança está ancorada na sobrevivência da criança de qualquer modo, independente daquilo que é dito pelos profissionais de saúde e da realidade vivenciada.

Estudo realizado com avós de crianças hospitalizadas em UTIP também demonstrou, em seus resultados, a esperança como algo que impulsiona a família a vislumbrar dias melhores e “buscar forças para conseguir estabilizar o “barco””(3838 Moraes ES, Mendes-Castillo AMC. The experience of grandparents of children hospitalized in Pediatric Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 22];52:e03395. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v52/en_1980-220X-reeusp-52-e03395.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v52/en_1...
). A esperança, na sua essência ontológica, é um horizonte que se descortina e se refere a uma categoria vinculada à temporalidade, vivida no presente, atrelada ao passado e projetada com apelo para o futuro. Implica o estabelecimento de objetivos significativos, revelando-se como um fenômeno multifacetado, multidimensional(3939 Querido A. A esperança como foco de enfermagem de saúde mental. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 10];6:6-8. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/nspe6/nspe6a01.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/nspe6...
). Esperança funciona como um modo de sentir, um modo de pensar, se comportar e se relacionar consigo mesmo e com o mundo(4040 Walley J. Temple MD, FRCSC, FACS. Inspiring hope: a physician' responsibility, translating the science into clinical practice. J Surg Oncol. 2018;117:545-550. doi: 10.1002/jso.24887
https://doi.org/10.1002/jso.24887...
). Esperança não é esperar, é caminhar, é dar sempre um passo adiante com o qual tudo se recomeça”(4141 Rocha Z. Esperança não é esperar, é caminhar. Reflexões filosóficas sobre a esperança e suas ressonâncias na teoria e clínica psicanalíticas. Rev Latinoam Psicopat Fund. 2007;10(2):255-73. doi: 10.1590/1415-47142007002005
https://doi.org/10.1590/1415-47142007002...
).

No cotidiano, o tempo se estende por meio do presente, uma sucessão de “agoras”(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.). Desse modo, o ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP se projeta para o futuro que pretende vivenciar, principalmente quando, em seu projeto, esconde de si a possibilidade de morte da criança; assim, se apoiam em perspectivas ônticas. Estudos mostram que, diante do sentimento de medo da morte, a fé é um consolo, uma esperança(11 Kumata CS, Borges AA, Dupas G. Comunicação de más notícias à família da criança hospitalizada. Cienc Cuid Saude. 2015;14(4):1411-18. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v14i4.25894
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,44 Matthews T, Baken D, Ross K, Ogilvie E, Kent L. The experiences of patients and their family members when receiving bad news about cancer: a qualitative meta-synthesis. Psycho-Oncology. 2019;28:2286-2294. doi:10.1002/pon.524
https://doi.org/10.1002/pon.524...
,4242 Alves DA, Silva LG, Delmondes GA, Lemos ICS, Kerntopf MR, Albuquerque GA. Cuidador de criança com câncer: religiosidade e espiritualidade como mecanismos de enfrentamento. Rev Cuid. 2016;7(2):1318-24. doi: 10.15649/cuidarte.v7i2.336
https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i2.3...
). Pais de crianças com diagnóstico de câncer revelaram que a esperança é o caminho possível para alcançar as metas(4343 Popp JM, Conway M, Pantaleão A. Parents' Experience With Their Child's Cancer Diagnosis: Do Hopefulness, Family Functioning, and Perceptions of Care Matter? J Pediatric Oncol Nurs. 2015;32(4):253-260. doi: 10.1177/1043454214563404
https://doi.org/10.1177/1043454214563404...
).

O ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP busca se ancorar nas relações e interações com os demais familiares, ampliando a esperança na recuperação da saúde da criança. Onticamente, intensifica-se quando, ao acompanhar a criança, percebe algo de bom dito por familiares que se encontram distantes, fisicamente, motivando-os a continuar lutando pela vida da criança.

O Dasein revela a esperança na providência divina almejando, por meio da fé, a cura da criança. Familiares de crianças com câncer buscaram a espiritualidade, enfatizada na fé e na proximidade de Deus, como apoio para lidar com o medo e a impotência diante da gravidade da doença(4444 Nicholas D, Barrera M, Granek L, D'Agostino NM, Shaheed J, Beaune L, et al. Parental spirituality in life-threatening pediatric cancer. J Psychosoc Oncol. 2017;35:323-34. doi: 10.1080/07347332.2017.1292573
https://doi.org/10.1080/07347332.2017.12...
-4545 Myrna AA, Doumita AC, Saabb R, Majdalanib M. Spirituality among parents of children with cancer in a Middle Eastern Country. European J Oncol Nurs. 2019;39:21-27. doi: 10.1016/j.ejon.2018.12.009
https://doi.org/10.1016/j.ejon.2018.12.0...
).

Assim, os familiares, também, esperam nos profissionais de saúde, acreditando nas competências técnicas para auxiliar no restabelecimento da criança. Ademais, ainda que o familiar seja informado de que todas as condutas já foram realizadas e sobre o risco de morte, mantém a esperança de que a criança reagirá positivamente ao tratamento. Essas são estratégias para enfrentar a situação, ou seja, para se desviar do medo da morte.

Por fim, diante do processo de comunicação de notícias difíceis no contexto de UTIP, abre-se como possibilidade, para o familiar, o rever seu projeto existencial assumindo sua condição humana, adotando um existir autêntico e experimentando um si mesmo(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.). Entretanto, esse movimento inautêntico-autêntico não é tão simples, pois a autenticidade não é dada como algo já pré-estabelecido quando o ser nasce, mas é sempre uma possibilidade de ser e de não-ser a cada relação, a cada momento do familiar com o mundo.

Mas, como esses modos de existência se dão? Heidegger enfatiza que somente acontece quando o Dasein cede aos apelos e às pressões ontológicas constitutivos do modo-de-ser, principalmente, compreendendo-se como ser-para-a-morte(1717 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; 2014. 1199 p.). Diante desses apelos, o Dasein se angustia. A disposição de angústia, em Ser e Tempo, é ser lançado em um mundo não escolhido, tendo que fazer escolhas; é na angústia que o Dasein se liberta da existência impessoal, abre a possibilidade e a responsabilidade de assumir seu poder-ser de modo autêntico(4646 Jesus ACG. Heidegger e o fim da metafísica. Ideação [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 15];38:73-97. Available from: http://periodicos.uefs.br/ojs/index.php/revistaideacao/article/view/4285/3508
http://periodicos.uefs.br/ojs/index.php/...
).

Logo, somente quando o ser-familiar-de-criança-hospitalizada-em-UTIP, diante de um cuidado compartilhado entre equipe de saúde e família, for capaz de fazer constantes confrontos com sua angústia primordial e compreender sua condição de ser-para-a-morte e de exposição às facticidades existenciais, conseguirá enfrentar de modo autêntico a vulnerabilidade que lhe é apresentada.

Limitações do estudo

Para este estudo, devido ao fato da escolha dos participantes ter sido realizada por conveniência(2626 Freitag RMK. Amostras sociolinguísticas: probabilísticas ou por conveniência? Rev Estudos Lingua(gem) [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 25];26(2):667-86. Available from: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/article/view/12412
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/ind...
), os discursos revelam as experiências de familiares de lactentes e toddlers gravemente doentes e que, em sua maioria, relataram sua experiência de hospitalização em UTIP pela primeira vez. Assim, questiona-se que se torna relevante futuros estudos acerca de experiências de familiares de crianças com outras faixas etárias e com história de múltiplas hospitalizações, pois também vivenciam as notícias difíceis, embora já estejam lançados no mundo da doença. Entretanto, essa limitação não compromete o objetivo e o ineditismo do estudo.

Contribuições para a área de enfermagem

Os resultados deste estudo poderão contribuir para reflexões a respeito do anúncio de notícias difíceis e como as equipes de saúde e, em especial, de enfermagem, necessitam extrapolar o já dado, para compreender os familiares a partir das repercussões que tais notícias determinam em seus cotidianos, considerando as particularidades do existir de cada Dasein.

Por último, sugere-se que os profissionais de saúde atuantes na educação permanente dos serviços de saúde priorizem o desenvolvimento de competências que abarquem a dimensão humana, indo além da perspectiva técnico-científica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou compreender algumas facetas das vivências de familiares de crianças gravemente doentes diante da comunicação de notícias difíceis. O ser-familiar-de-crianças-hospitalizadas-em-UTIP se revela na contingência de responder aos apelos, de algum modo, em seu ser-no-mundo. O Dasein, embora não tenha se revelado no modo de ser autêntico diante das notícias difíceis, revela-se de modo singular, no inautêntico da cotidianidade, apoiando-se em expectativas ônticas.

Diante do desvelamento deste fenômeno, acredita-se que, nesse processo, é imprescindível a solidariedade e a sensibilidade dos profissionais de saúde, em especial os de enfermagem, na apreensão da dimensão existencial do familiar que vivencia tal experiência. O enfermeiro precisa compreender que os familiares possuem e se mostram de diferentes maneiras durante seu existir, sendo importante oferecer a esses familiares oportunidades para se projetarem em sua singularidade.

Contudo, essa compreensão acontecerá quando o profissional de saúde confrontar o seu próprio movimento de ser, diante de sua própria existência. Sendo-no-mundo, marcado pela finitude diante de uma existência que também é definida pela temporalidade, entregue a escolha de um agir que ultrapasse o conhecimento técnico e modos de fazer já dados. Além disso, perceber-se ser-no-mundo-com-os-outros como possibilidade de ser que possa refletir o não pensado, condição ontológica fundamental para cuidar do outro.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2020
  • Aceito
    24 Ago 2020
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