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O exercício dos direitos das pessoas em tratamento farmacológico da tuberculose

RESUMO

Objetivos:

conhecer como pessoas em tratamento para tuberculose exercem seus direitos no cotidiano da experiência de adoecimento.

Métodos:

estudo qualitativo, desenvolvido de abril a maio de 2015, com pessoas em tratamento para a tuberculose em ambulatório do Programa Municipal de Controle da Tuberculose do município de Pelotas. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e verificados por análise de conteúdo, modalidade temática.

Resultados:

as pessoas anunciaram aspectos que envolveram os direitos humanos na vertente de suas experiências, tiveram dificuldades para obter direitos à dignidade, à saúde, previdenciários e sociais. Esses não foram garantidos pelo Estado e nem assegurados pela família.

Considerações Finais:

faz-se necessário que profissionais e serviços de saúde informem e instrumentalizem pessoas com tuberculose, direta ou indiretamente, para o exercício pleno de seus direitos.

Descritores:
Direitos do Paciente; Tuberculose; Pessoas; Enfermagem; Tratamento Farmacológico

ABSTRACT

Objectives:

to know how people with tuberculosis undergoing treatment exercise their rights throughout daily life while experiencing illness.

Methods:

this qualitative study was developed from April to May 2015, with people with tuberculosis undergoing treatment in an outpatient clinic of the Municipal Tuberculosis Control Program in the city of Pelotas. Data were collected through semi-structured interviews and verified by content analysis, under the thematic modality.

Results:

people announced aspects that involved human rights pertaining to their experiences, and they had difficulties to achieve full rights to dignity, health, social security, and social services. Such rights were neither guaranteed by the State nor by their families.

Final Considerations:

it is necessary for health professionals and services to inform and equip people with tuberculosis, directly or indirectly, for the full exercise of their rights.

Descriptors:
Patient Rights; Tuberculosis; Nursing; Persons; Drug Therapy

RESUMEN

Objetivos:

saber cómo las personas sometidas a tratamiento para la tuberculosis ejercen sus derechos en la experiencia diaria de la enfermedad.

Métodos:

estudio cualitativo, desarrollado de abril a mayo de 2015, con personas que reciben tratamiento para la tuberculosis en una clínica ambulatoria del Programa Municipal de Control de la Tuberculosis en la cuidad de Pelotas. Los datos se recopilaron mediante entrevistas semiestructuradas y se verificaron mediante análisis de contenido, modalidad temática.

Resultados:

las personas anunciaron aspectos que involucraban los derechos humanos en términos de sus experiencias, tuvieron dificultades para obtener los derechos a la dignidad, la salud, la seguridad social y la seguridad social. Estos no estaban garantizados por el Estado ni por la familia.

Consideraciones finales:

es necesario que los profesionales y servicios de salud informen e instruyan a las personas con tuberculosis, directa o indirectamente, para el pleno ejercicio de sus derechos.

Descriptores:
Derechos del Paciente; Tuberculosis; Personas; Enfermería; Tratamiento Farmacológico

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é uma doença reemergente no contexto mundial de saúde, mesmo que seja evitável e curável, permanece como a infecção de agente único que causa o maior número de mortes em todo o mundo, eliminando mais de 4,4 mil vidas por dia. Diante disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preocupa-se em acabar com a doença considerando-a um problema de saúde pública(11 Nações Unidas Brasil. Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil. Tuberculose provoca uma em cada três mortes relacionadas à AIDS no mundo[Internet]. 2019 & [cited 2019 Jun 17]. Available from: https://nacoesunidas.org/tuberculose-provoca-uma-em-cada-tres-mortes-relacionadas-a-aids-no-mundo/
https://nacoesunidas.org/tuberculose-pro...
).

A crescente epidemia de AIDS, o aumento dos casos de TB resistente aos medicamentos e a concentração dos casos em populações vulneráveis levam à priorização de combater a TB tanto em nível global quanto nacional. Os dados apontam que, em 2017, a estimativa mundial abalizou que 10 milhões de pessoas adoeceram por TB e cerca de 1,6 milhões morreram em decorrência da doença, com destaque para o Brasil, que faz parte dos 30 países com a maior carga desta enfermidade, ocupaando a 19ª posição(11 Nações Unidas Brasil. Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil. Tuberculose provoca uma em cada três mortes relacionadas à AIDS no mundo[Internet]. 2019 & [cited 2019 Jun 17]. Available from: https://nacoesunidas.org/tuberculose-provoca-uma-em-cada-tres-mortes-relacionadas-a-aids-no-mundo/
https://nacoesunidas.org/tuberculose-pro...
-22 Duarte R, Silva DR, Rendon A, Alves TG, Rabahi MF. Eliminating tuberculosis in Latin America: making it the point. J Bras Pneumol [Internet]. 2018 [2019 Jun 16];44(2):73-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v44n2/1806-3756-jbpneu-44-02-00073.pdf
http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v44n2/18...
).

A Estratégia “Stop TB”, proposta pela OMS, propõe eliminar a epidemia até 2035, com ações das Nações Unidas a partir dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que incluem a redução de 90% das mortes pela doença até 2030. A agenda dos ODS promove a eliminação da pobreza, a equidade, a justiça e os direitos humanos para que se proporcionem melhores serviços às populações mais vulneráveis(22 Duarte R, Silva DR, Rendon A, Alves TG, Rabahi MF. Eliminating tuberculosis in Latin America: making it the point. J Bras Pneumol [Internet]. 2018 [2019 Jun 16];44(2):73-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v44n2/1806-3756-jbpneu-44-02-00073.pdf
http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v44n2/18...
).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma que todos os direitos básicos devem ser assegurados pelo Estado. Esses direitos também são garantidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988, que torna a saúde direito de todos e dever do Estado(33 Assembléia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos [Internet]. Universidade de São Paulo. São Paulo (SP). 1948 [2019 Jul 01]. Available from: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html
http://www.direitoshumanos.usp.br/index....
). Neste sentido, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose recorre à legislação nacional para garantir à população o acesso oportuno ao diagnóstico e tratamento, assegurando a proteção aos direitos da pessoa com TB(44 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília (DF): 2019 [2019 Nov 28]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

O caráter social associado à TB sinaliza para uma população marcada por necessidades que vão além do adoecimento propriamente. Envolve as condições de vida, trabalho e moradia. De tal modo, é necessário incentivar estas pessoas para o exercício efetivo do controle social e dos demais direitos de cidadania à participação nas instâncias de decisão das políticas públicas(44 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília (DF): 2019 [2019 Nov 28]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
-55 Barcelos SM, Sousa LGV, Araújo TA. Health in relation to human rights and the Federal Constitution of 1988: the public health system deficiency. Iuris in mente: Rev Direito Fund Pol Públicas [Internet]. 2016 [2019 Nov 28];1(1):19-31. Available from: http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/iuris/article/view/2266/1587
http://www.periodicos.ulbra.br/index.php...
).

Estudo qualitativo realizado no Paquistão, 5º país com a maior concentração da doença no mundo, demonstrou que ainda há deficiência de informação na perspectiva dos direitos e isto pode caracterizar barreiras para o seu efetivo exercício. Além disso, houve dificuldades de garantia do direito ao acesso universal nos serviços de saúde, direito à privacidade, ao tratamento gratuito, ao atendimento humanizado, ao trabalho e à dignidade(66 Atif M, Javaid S, Farooqui M, Sarwar MR. Rights and responsibilities of tuberculosis patients, and the global fund: a qualitative study. PLoS ONE [Internet]. 2016 [2019 Jun 17];11(3):e0151321. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0151321&type=printable
https://journals.plos.org/plosone/articl...
).

Por outro lado, na França, país com baixa carga de TB, destacou-se a articulação de políticas públicas de saúde para identificar precocemente os casos da doença e seus contatos, com a efetivação do direito à saúde. Os centros de controle da TB estão refletindo acerca da preservação dos direitos do paciente, da confidencialidade, da ética e os incentivando no exercício de seus próprios direitos(77 Rivollier É. [Between law and recommendations: what position for the fight against tuberculosis]. Rev Malad Resp [Internet]. 2016 [2019 Jun 20];33(7):639-40. Available from: https://www.em-consulte.com/showarticlefile/1081293/main.pdf. French.
https://www.em-consulte.com/showarticlef...
).

A falta de informação das pessoas com TB em relação aos seus direitos à saúde, sociais, à informação, entre outros, é algo que se reproduz em diferentes cenários. Em 34 Programas Nacionais de Tuberculose avaliados na África, apenas um indicou políticas específicas de controle da TB, o que representou a falta de proteção e garantia dos direitos às pessoas(88 Slagle T, Ben YM, Calonge G, Ben AY. Lessons from Africa: developing a global human rights framework for tuberculosis control and prevention. BMC Int Health Hum Rights [Internet]. 2014 [2019 Jun 18];14(1):34. Available from: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12914-014-0034-7
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
).

Os cuidados de enfermagem favorecem o exercício do direito à saúde das pessoas com TB, visto que o profissional enfermeiro valoriza as dimensões preventivas, educativas, sociais e assistenciais na prestação de cuidados contínuos e diretos. Assim, no cotidiano de assistência, os enfermeiros podem favorecer e demonstrar respeito pelos direitos dos pacientes e advogar por eles(99 Villas-Bôas ME. [The right and duty of secrecy, as a patient protection]. Rev Bioét [Internet]. 2015 [2019 Jun 21];23(3):511-21. Available from: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n3/en_1983-8034-bioet-23-3-0513.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n3/en_...
-1010 Moll MF, Mendes AC, Ventura CAA, Mendes IAC. [Nursing care and the exercise of human rights: An analysis based on the reality of Portugal]. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [2019 Jun 21];20(2):236-42. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n2/en_1414-8145-ean-20-02-0236.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n2/en_14...
).

Estudos apontam a liderança das ações de cuidado pelo enfermeiro, sendo a profissional que mais atua junto à pessoa com TB. Além disso, é um agente de transformação, participativo e decisivo nas ações de cuidado em TB, sobretudo por meio da educação em saúde, com orientações e esclarecimentos acerca da garantia dos direitos(1111 Avila IYC, Escolar JH, Estrada LRA. [Effectiveness of an Educational Program on Childhood Tuberculosis Supported on Information and Communication Technologies Aimed at Community Mothers from Cartagena]. Investig y Educ en Enferm [Internet]. 2016 [2019 Jun 22];34(3):465-73. Available from: http://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/iee/article/view/325700/20783042. Spanish
http://aprendeenlinea.udea.edu.co/revist...

12 Rêgo CCD, Macêdo SM, Andrade CRB, Maia VF, Pinto JTJM, Pinto ESG. [Nurse working process of people with tuberculosis in Primary Health Care]. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2015 [2019 Jun 23];29(3):218-28. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/viewFile/13038/pdf_5 Portuguese.
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...

13 Cavalcante EFO, Silva DMGV. [Nurses’ commitment to the care of tuberculosis patients]. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [2019 Jun 16];25(3):e3930015. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n3/pt_0104-0707-tce-25-03-3930015.pdf. Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/tce/v25n3/pt_01...
-1414 Santos JS, Andrade RD, Pina JC, Veríssimo ML, Chiesa AM, Mello DF. Child care and health rights: perspectives of adolescent mothers. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [2019 Jun 20];49(5):732-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n5/0080-6234-reeusp-49-05-0733.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n5/00...
).

Assim, esta pesquisa pretende apontar a importância do conhecimento das pessoas com TB sobre o exercício pleno dos direitos e sua influência para a adesão ao tratamento e cura. Além disso, faz-se o alerta que os serviços e profissionais de saúde/enfermagem são partícipes deste processo, no qual informar, orientar, esclarecer e empoderar a população é fundamental para transformar a situação da TB e tornar a vida dessas pessoas mais digna.

OBJETIVOS

Conhecer como pessoas em tratamento para TB exercem seus direitos no cotidiano da experiência de adoecimento.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, sob Protocolo 968.466/2015 e CAEE 41851315.4.0000.5317, conforme a Resolução 466/2012. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e tiveram seu anonimato assegurado pela utilização de nomes fictícios.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Este artigo é produto da Dissertação intitulada “Os significados da experiência do adoecimento de pessoas com tuberculose”(1515 Jung BC. Os significados da experiência do adoecimento de pessoas com tuberculose [Dissertação]. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas; 2015.). Estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo, que alicerçou-se na compreensão dos significados dessas experiências. O referencial teórico utilizado no estudo contemplou a perspectiva da antropologia da saúde na busca por compreender os significados da experiência de adoecimento experimentada através do corpo, agente criativo e produtor da experiência. Compreende-se que o estado de adoecimento (em seu processo), experimentado por meio do corpo, não pertence a mundos separados (físico-emocional), pois a doença está presente no mundo vital, entendido como tudo aquilo que envolve a vida das pessoas e é essencial para elas(1616 Good BJ. Medicina, racionalidade y experiência: una perspectiva antropológica. Barcelona: Bellaterra, 2003.).

Tipo de estudo

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, orientado pelos Critérios Consolidados para Relatar Pesquisa Qualitativa (COREQ), instrumento do Equator.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

Elegeu-se o ambulatório do Programa Municipal de Controle da Tuberculose do município de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, por ser referência no atendimento às pessoas com TB para 22 municípios da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde. Pelotas é um dos 20 municípios do estado com o maior número de casos, apresentando 204 casos de TB pulmonar e coeficiente de incidência de 48,2 por 100 mil habitantes(1717 Rio Grande do Sul (RS). Secretaria da Saúde. Plano Estadual de Saúde 2016-2019. Porto Alegre; 2016.).

Neste serviço, a pesquisadora realizou uma vivência para conhecer as pessoas em tratamento, na qual pôde estabelecer um relacionamento com os participantes antes do início do estudo. Destacou seus objetivos pessoais e razões para fazer sua pesquisa de Mestrado, além da importância da contribuição deles para a concretização do estudo.

Fonte de dados

Participaram do estudo dez pessoas em tratamento para TB pulmonar usuárias do ambulatório, eleitas de acordo com os seguintes critérios de inclusão: adultos de ambos os sexos com diagnóstico de TB pulmonar na segunda fase do tratamento, pela compreensão de que a partir do quarto mês de tratamento as pessoas possivelmente já teriam mais informações sobre suas experiências de adoecimento. O ambulatório forneceu uma tabulação de dados na qual continha 23 pessoas em tratamento para a TB. Dessas, cinco fizeram parte do teste piloto, cinco apresentavam a forma extrapulmonar da doença e três se recusaram a participar alegando falta de interesse. Excluíram-se as pessoas com algum tipo de distúrbio da fala que impedisse a comunicação e aquelas institucionalizadas (Instuições de Longa Permanência, presídios e hospitais). Os participantes foram recrutados individualmente por contato telefônico para o convite de participação na pesquisa e agendamento da entrevista, conforme aceitação e disponibilidade deles em relação ao dia, horário e local.

Coleta e organização dos dados

A pesquisadora principal na época, mestranda em ciências, conduziu unicamente as entrevistas, a partir de um roteiro semiestruturado, cujas questões buscaram apreender as experiências de adoecimento: como foi ficar doente de TB? Sobre o atendimento do serviço de saúde, onde o(a) senhor(a) recebeu tratamento? Como foi o seu tratamento para a TB? Como ficou a questão da sua família desde quando você ficou doente? O guia da entrevista foi testado para validação do entendimento das perguntas, com cinco pessoas que não compuseram a amostra final. Antes do início da coleta de dados, a entrevistadora comentou sobre ser enfermeira, a sua instuição federal de ensino e sobre sua orientadora, além de explicar o termo de consentimento, no que diz respeito ao objetivo da pesquisa, procedimentos adotados, que não apresentaria riscos físicos. Porém, ela comunicou que poderia haver desconforto emocional durante as entrevistas e que, portanto, poderiam desistir de participar em qualquer instante, assim como informou sobre benefícios, participação voluntária e confidencialidade.

As entrevistas foram realizadas entre abril e maio de 2015, nos domicílios dos participantes, no qual havia outros familiares em diferentes cômodos da casa, apresentando tempo médio de duração de 40 minutos e gravadas com aparelho de áudio. Uma das entrevistas precisou ser repetida haja vista que o participante começou com tosse intermitente e pediu para adiá-la. Foram feitos relatórios de trabalho de campo durante e após cada entrevista.

Análise dos dados

Os dados do estudo foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo temática, compreendendo a fase de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados(1818 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo (SP): Edições 70; 2011.). Na primeira fase, realizou-se uma leitura geral de todas as entrevistas, a transcrição dos dados, que não foi devolvida aos participantes para comentários ou correções, sistematizando-se as ideias a partir das informações coletadas para constituir o corpus de análise, que foram as dez entrevistas analisadas.

Na fase de exploração do material, construíram-se as operações de codificação, considerando-se os recortes dos textos das entrevistas nas seguintes unidades de registros: adoecimento, TB, percepção, saúde, direitos ao diagnóstico e tratamento. A partir dessas unidades identificadas, originous-se a categoria (A experiência da pessoa com a TB no exercício dos seus direitos) e as subcagtegorias de análise (Direitos humanos; Direito à dignidade, à liberdade, à honra e ao respeito; Direitos econômicos e sociais; Direito ao afastamento do trabalho; Direito à Previdência Social; Direito no sistema prisional; Direito à saúde). Na terceira fase, captaram-se os conteúdos manifestos e latentes contidos em todas as entrevistas, sendo que os participantes não forneceram feedback sobre os resultados.

RESULTADOS

Quanto aos dados sociodemográficos dos dez participantes, seis eram homens e quatro mulheres, que apresentaram idades entre 25 e 52 anos. Predominou o nível de escolaridade baixo; sete apresentaram ensino fundamental incompleto e três ensino médio incompleto; oito tiveram renda mensal de um salário mínimo, dois com mais de um salário, prevalecendo como tipo de trabalho os serviços gerais em seis participantes; quatro eram do lar.

Direitos humanos

As pessoas em suas experiêncis de viver com a TB anunciaram que os direitos humanos não foram garantidos integralmente na condição da dignidade e no valor do ser humano. Tais direitos não foram assegurados ou apresentaram fragilidades quanto à proteção da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões, sentida por transformações físicas e emocionais.

A maioria das pessoas que me trataram não sabem nada de tuberculose. Principalmente do hospital [Unidade de Hemodiálise], pelo desrespeito. Quando descobriram que eu tinha tuberculose, nem chegavam para falar. Eles são mal informados sobre o que é tuberculose. Me senti muito prejudicado. Dentro do hospital eles ainda tratam como bicho de sete cabeças. (Laureano)

É uma doença que é brabo e que eu não gosto de estar falando para os outros, porque pensam que até no conversar contigo vão pegar. Eu mesmo não chegava perto da minha filha, eu tenho medo. (Mauro)

Eu fiquei meio perturbado com aquela doença que eu não esperava. Fiquei aborrecido e surpreso. A pessoa se sente assim, sei lá, parece que fica isolada. Será que vou me recuperar ou não? (Maiara)

Direito à dignidade, à liberdade, à honra e ao respeito

O fato de adoecer por uma enfermidade impregnada de mistificações históricas e culturais causa à pessoa com TB o afastamento do convívio familiar, ela sofre rejeição e há o medo do contágio. Diante dessa discriminação social, vinculada aos próprios familiares, o direito delas em viver com dignidade, liberdade, honra e respeito na sua condição humana e social não foi garantido até mesmo pela família, que deveria ser fonte de apoio e proteção:

Eu não sabia que era tão ruim, porque eu não me adaptei nem com os remédios e nem com nada. E depois sofrer até preconceito da própria família. Para mim, foi bem difícil descobrir a tuberculose. (Juliana)

Tem um tio meu que se afastou porque eu peguei a tuberculose, ele vinha seguido ver a minha avó e depois não veio mais. (Mateus)

Eu fiquei deprimida pela rejeição das pessoas, magoa, cheguei a chorar no início. Eu sofri esse preconceito, foi do tio do meu esposo que, quando, antes de saber que era tuberculose, essa pessoa me apoiando, vou rezar para ti e vou fazer promessa, e quando descobriu que era tuberculose, virou as costas, sumiu assim. (Juliana)

A minha família ficou apavorada que eu peguei essa doença e separaram os talheres e essas coisas para não se contagiar. (Jeremias)

De vez em quando, eu ficava chateada porque eu gosto de criança e minha irmã mandava as crianças irem para outra peça lá em casa. No início, eu ficava chateada porque todo mundo não chegava perto de mim porque eu estava doente. (Maiara)

Direitos econômicos e sociais

Luis Ricardo sentiu que o adoecimento pela TB agravou ainda mais sua dificuldade financeira, por já se encontrar em uma situação de vulnerabilidade e risco social. Deste modo, os direitos econômicos e sociais, relacionadaos à sua condição de vida menos favorecida, não foram efetivados pelo Estado, sendo atingidos marcadamente antes e depois de viver com a enfermidade.

A gente tem dificuldades no lado financeiro e já passava algumas dificuldades. Minha família tem dificuldade na área financeira porque eu não estou trabalhando. Não tenho ânimo, aquela disposição para trabalhar e a minha esposa também não tem serviço fixo, é uma pessoa que estudou muito pouco também. (Luis Ricardo)

Direito ao afastamento do trabalho

A experiência de adoecimento para Maiara e Cleusa revelou o exercício dos direitos ao afastamento do trabalho em razão de estarem adoecidas por uma doença que fragilizou a condição física e emocional, podendo resultar em danos temporários e até mesmo permanentes. No ambiente de trabalho, Maiara é percebida com sinais da TB, orientada a se afastar do serviço e a buscar atendimento, já Cleusa reconhece e exerce o direito de afastamento do trabalho pelo quadro de saúde debilitado.

Foi se agravando mais e eu fui ficando doente, correndo atrás de serviço também doente. Trabalhei duas vezes doente e fui aguentando tudo o que eu pude. Eu ia esperar até fevereiro para poder bater um raio-x, mas como o encarregado percebeu que eu estava ruim mesmo, tinha uma tosse seca, doía a boca do estômago, parecia que ia trancar o ar, ele mandou eu me afastar da firma e ir consultar. Fui consultar e foi constatado que eu estava com a tuberculose. (Maiara)

Imediatamente eu parei de trabalhar e já não suportava mais. Em seguida, comecei o tratamento e fiquei afastada do serviço porque é um direito da gente. (Cleusa)

Direito à Previdência Social

Especificamente para pessoas com TB ativa, como Luis Ricardo, destacam-se os seguintes benefícios previdenciários: auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Em razão do seu adoecimento e incapacidade para o trabalho, o participante exerceu o seu direito ao auxílio-doença, porém este benefício não foi concedido pela Previdência Social.

E, eu fui no Instituto Nacional do Seguro Social [INSS] e foi negada a minha perícia. Tentei conseguir o auxílio-doença, a doutora lá da perícia negou, não me deu. Disse que eu não precisava de auxílio. Ficou pior a situação financeira e a gente vai levando como pode. (Luis Ricardo)

Direito no sistema prisional

Para Marcelo, a experiência de adoecimento envolveu estar privado de liberdade e não ter assegurado pelo Estado o direito fundamental à saúde no tocante ao diagnóstico e tratamento precoces. Marcelo fazia parte de uma das populações consideradas mais vulneráveis e que apresentaram maior probabilidade de ter TB, portanto, passível de ser investigada periodicamente para a identificação precoce da doença e início do tratamento imediato.

Porque eu não descobri a tuberculose na rua, no momento eu me encontrava preso, mas o atendimento lá demorou bastante. Levou 15 dias para eles poderem me dar a certeza, para até então eu começar a tomar o medicamento. Eles não me deram medicamento de saída, foi bem demorado. (Marcelo)

Direito à saúde

A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Contudo, as experiências de adoecimento de Maiara, Juliana e Julia anunciaram a falta de efetivação deste direito, sobretudo com dificuldades no acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a realização do diagnóstico precoce.

E, dentro de três semanas, eu fui ao posto. Na terceira vez, a doutora se apavorou dos meus pulmões, disse que parecia um balão murcho, que estava com bastante catarro. Não desejo isso para ninguém, porque é horrível, tu não conseguir dormir de noite e muitas vezes achar que não vai acordar, mas é horrível. (Maiara)

Em outubro, me deu uma gripe e eu fui na médica no posto pertinho, e a médica não te examina, não te escuta e não faz nada, parece que a médica tem um nojo de tocar na gente. Eu falei para ela e ela disse que eu tinha uma mudança de tempo, me deu xarope, eu tomei o xarope e eu vi que não fez muito efeito. A própria médica disse que não era nada, era mudança de tempo. Em outubro, ela veio com tudo, para saber o que era mesmo, eu levei quase um mês. (Juliana)

Estavam me tratando como se fosse uma infecção, uma infecção que surgiu no pulmão e que nada fosse tuberculose. (Julia)

O direitos anunciados por meio das experiência de adoecimento garantiriam às pessoas uma vida digna, no entanto desvelou-se a não materialidade destes direitos. Os direitos humanos, sociais, econômicos, à saúde, à Previdência Social, citados nesta pesquisa, contribuiriam para melhoria das condições de vida especialmente dos menos favorecidos, de maneira que se pudesse concretizar a cidadania, dignidade e igualdade social, fundamentos do Estado Democrático Brasileiro.

DISCUSSÃO

Há a urgência de se garantir os direitos às pessoas com TB que se constituem como pilar fundamental e inalienável da resposta do setor saúde no enfrentamento deste agravo. A TB atinge grupos populacionais vulneráveis, e os princípios dos direitos humanos são base para consagrar a dignidade humana, começando pelo direito à vida, passando pelos direitos à liberdade, à igualdade, saúde, educação, bem-estar, trabalho, assim como ao pleno desenvolvimento da personalidade(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/han...
-2020 Dallari SG, Maggio MP. [The legal-political realization of the right to health in the Brazilian Supreme Court: the paradigmatic reference of SL 47-AgR/PE]. Rev Direito Sanitário[Internet]. 2017 [2019 Jun 22];17(3):58-76. Available from: https://www.researchgate.net/publication/314658328_A_efetivacao_juridico-politica_do_direito_a_saude_no_Supremo_Tribunal_Federal_a_referencia_paradigmatica_da_SL_47-AGRPE/fulltext/58c41cf6a6fdcce648e4e61f/A-efetivacao-juridico-politica-do-direito-a-saude-no-Supremo-Tribunal-Federal-a-referencia-paradigmatica-da-SL-47-AGR-PE.pdf Portuguese.
https://www.researchgate.net/publication...
).

Neste sentido, as experiências de adoecimento da maioria dos participantes estiveram abalizadas por um Estado que não proveu as condições necessárias para assegurar integralmente o direito à saúde visto as dificuldades de acesso ao diagnóstico e tratamento rápidos. Artigo que discute os desafios para eliminar a TB no Brasil aponta a necessidade de abordagens integradas para detectar e tratar a doença ativa e a exigência que os governos assumam a responsabilidade de garantir o acesso universal aos serviços de saúde(2121 Barreira D. The challenges to eliminating tuberculosis in Brazil. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2018 [2020 Mar 27];27(1):e00100009. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ress/v27n1/2237-9622-ress-27-01-e00100009.pdf Portuguese
http://www.scielo.br/pdf/ress/v27n1/2237...
).

O primeiro passo para o controle da TB é a identificação precoce de pessoas com a doença, de forma a garantir o direito ao diagnóstico e tratamento oportunos, o que não foi plenamente assegurado aos participantes deste estudo. Assim, pesquisas envolvendo o tema dos direitos em saúde revelaram a dificuldade de acesso aos serviços, a insatisfação das pessoas em relação à atenção disponibilizada pela equipe, a carência de informações sobre a doença e tratamento e a falta de medicamentos gratuitos(66 Atif M, Javaid S, Farooqui M, Sarwar MR. Rights and responsibilities of tuberculosis patients, and the global fund: a qualitative study. PLoS ONE [Internet]. 2016 [2019 Jun 17];11(3):e0151321. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0151321&type=printable
https://journals.plos.org/plosone/articl...
,2222 Congresso Nacional (BR). Constituição 1988: Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.).

Com as experiências de adoecimento, pôde-se perceber também as dificuldades que as pessoas apresentaram por suas situações de vulnerabilidade, que causam influência no adoecer. De tal modo, estudo peruano sobre populações vulneráveis e o direito à saúde enfatizou a ineficiência do sistema em prestar um atendimento que respeite as várias dimensões do direito à saúde, pois houve atrasos na detecção, diagnóstico e tratamento da TB(2323 Gianella C, Pesantes MA, Ugarte-Gil C, Moore DAJ, Lema C. Vulnerable populations and the right to health: lessons from the Peruvian Amazon around tuberculosis control. Int J Equity Health. 2019;3;18(1):28. doi: 10.1186/s12939-019-0928-z
https://doi.org/10.1186/s12939-019-0928-...
).

A Constituição Brasileira, em seu Art. 6º, enfatiza sobre “A saúde como direito de todos e dever do Estado”, com a “garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde”(2121 Barreira D. The challenges to eliminating tuberculosis in Brazil. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2018 [2020 Mar 27];27(1):e00100009. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ress/v27n1/2237-9622-ress-27-01-e00100009.pdf Portuguese
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-2222 Congresso Nacional (BR). Constituição 1988: Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.). Entretanto, os achados deste estudo demonstraram a inconsistência das metas globais de controle da TB e da legislação brasileira no que diz respeito à garantia destes direitos citados, pois os cuidados integrais, a proteção social e o redução do risco de adoecer não foram avalizados.

Estudo desenvolvido no Irã com o objetivo de compreender a experiência das pessoas com TB abordou a importância de se proteger o direito à privacidade, confidencialidade e sigilo profissional, visto que isto gerou preocupação nas pessoas(2424 Behzadifar M, Mirzaei M, Behzadifar M, Keshavarzi A, Behzadifar M, Saran M. Patients’ experience of tuberculosis treatment using Directly Observed Treatment, Short-Course (DOTS): a qualitative study. Iran Red Crescent Med J [Internet]. 2015 [2019 Jul 2];17(4):e20277. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4443395/pdf/ircmj-17-04-20277.pdf
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). Em contraste, nesta pesquisa, mencionu-se a falta de garantia do direito à proteção, dignidade e respeito por parte dos profissionais de saúde que não cumpriram o dever do exercício profissional baseado no respeito e advocacia pelos direitos das pessoas com TB.

Ainda, os dados apontam que estes profissionais desconhecem o que é TB e tratam as pessoas com preconceito e desrespeito. Por outro lado, estudos na temática da advocacia em enfermagem destacam a defesa dos direitos à saúde como uma estratégia para reduzir as desigualdades, buscando o alcance pleno do direito de todos a uma vida saudável(2525 Araújo JL, Freitas RJM, Guedes MVC, Freitas MC, Monteiro ARM, Silva LMS. Brazilian Unified Health System and democracy: nursing in the context of crisis. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [2019 Jul 1];71(4):2066-71. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71n4/0034-7167-reben-71-04-2066.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v71n4/003...
-2626 Oliveira MAC, Silva TMR. Health advocacy in nursing: contribution to the reorientation of the Brazilian healthcare model. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [2019 Jul 2];71(Suppl 1):700-3. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71s1/0034-7167-reben-71-s1-0700.pdf
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).

O direito à dignidade, ao respeito e à livre convivência em condições de igualdade no meio familiar não foi assegurado na esfera individual dos participantes pelas próprias famílias. A partir disso, estudo aponta dados semelhantes sobre a visão cultural da sociedade em relação à TB, demonstrando atitudes de estigmatização, preconceito, falta de informações sobre a doença, medo e isolamento para com estas pessoas(2727 Beser A, Bahar Z, Haney MO, Aydogdu NG, Gurkan KP, Arkan G, Cengiz B. Cultural attitudes of society towards tuberculosis patients: a qualitative study. J Pakistan Med Assoc. [Internet]. 2018 [2020 Mar 27];68(7):1060-1064. Avaialable from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30317302/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30317302...
).

Outra evidência de abordagem qualitativa mostra a permanência do estigma associado à TB, envolvendo participantes em Bangladesh, Nepal e Paquistão, como algo que gera impacto negativo nas relações sociais, de gênero e casamento. As mulheres foram as mais atingidas e rejeitadas até mesmo na perspectiva do casamento, onde houve preconceito e afastamento do cônjuge(2828 Hatherall B, Newell JN, Emmel N, Baral SC, Khan MA. ”Who Will Marry a Diseased Girl?”: marriage, gender, and tuberculosis stigma in Asia. Qual Health Res. 2019;29(8):1109-1119. doi: 10.1177/1049732318812427
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).

Diante de casos que expõem a pessoa com TB a situações vexatórias passíveis de causar danos à sua dignidade, é possível a reparação do direito violado, de acordo com o Art. 5º da Constiuição. Ainda, elas não são obrigadas a revelar para terceiros informações de sua doença ou tratamento, visto que são temas privados e íntimos, servindo como um alerta mediante situações de discriminação social para ser reclamada a proteção(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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).

O atraso do diagnóstico e tratamento da TB no sistema prisional fez parte da experiência de adoecimento de Marcelo, que não teve seu direito à saúde completamente assegurado. Os dados de estudos revelam a persistência da doença na população privada de liberdade em decorrência do diagnóstico tardio e do tratamento inadequado, além de ser um reservatório para a TB pela superlotação(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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,2929 Sánchez A, Larouzé B. Tuberculosis control in prisons, from research to action: the Rio de Janeiro, Brazil, experience. Cien Saude Colet [Internet]. 2016 [2019 Jun 16];21(7):2071-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/en_1413-8123-csc-21-07-2071.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/en_14...

30 Winter BCA, Grazinoli GR. [Tuberculosis in prison: a portrait of the maladies of the Brazilian prison system]. Med Leg Costa Rica [Internet]. 2017 [2019 Jul 6];34(2):20-31. Available from: https://www.scielo.sa.cr/pdf/mlcr/v34n2/1409-0015-mlcr-34-02-20.pdf. Portuguese.
https://www.scielo.sa.cr/pdf/mlcr/v34n2/...
-3131 Sacramento DS, Gonçalves MJF. Situation of tuberculosis in people deprived of freedom in the period 2007 to 2012. Rev Enferm UFPE. 2017;11(1):140-51. doi: 10.5205/1981-8963-v11i1a11887p140-151-2017
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i1a...
).

A Lei de Execuções Penais, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estão direcionados para garantir constitucionalmente os direitos aos privados de liberdade, compreendendo o zelo pela saúde e atendimento integral(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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). Neste sentido, esta pesquisa desvela achados justamente na contramão do preconizado, pois houve falta de garantia do direito à saúde de uma população vulnerável que deveria ter o acesso universal garantido ao tratamento da TB.

Luis Ricardo, Cleusa e Maiara anunciaram o exercício do direito trabalhista, que assegura o afastamento por condição de doença, sob o amparo das leis de trabalho, e reconheceram este direito pelo motivo de estarem adoecidos. Estudos demonstraram que o direito à segurança social e à proteção financeira minimiza o sofrimento e estresse das pessoas com TB, gerados em razão do medo de desemprego e demissão do trabalho pela natureza contagiosa da doença(66 Atif M, Javaid S, Farooqui M, Sarwar MR. Rights and responsibilities of tuberculosis patients, and the global fund: a qualitative study. PLoS ONE [Internet]. 2016 [2019 Jun 17];11(3):e0151321. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0151321&type=printable
https://journals.plos.org/plosone/articl...
,88 Slagle T, Ben YM, Calonge G, Ben AY. Lessons from Africa: developing a global human rights framework for tuberculosis control and prevention. BMC Int Health Hum Rights [Internet]. 2014 [2019 Jun 18];14(1):34. Available from: https://bmcinthealthhumrights.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12914-014-0034-7
https://bmcinthealthhumrights.biomedcent...
,2626 Oliveira MAC, Silva TMR. Health advocacy in nursing: contribution to the reorientation of the Brazilian healthcare model. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [2019 Jul 2];71(Suppl 1):700-3. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71s1/0034-7167-reben-71-s1-0700.pdf
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).

Estudo na temática dos direitos das pessoas com TB apontou o ônus econômico da doença na vida cotidiana de quem passa pelo tratamento, assim como a preocupação com o custo do tratamento em realidades onde não é gratuito(2626 Oliveira MAC, Silva TMR. Health advocacy in nursing: contribution to the reorientation of the Brazilian healthcare model. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [2019 Jul 2];71(Suppl 1):700-3. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71s1/0034-7167-reben-71-s1-0700.pdf
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). Igualmente, os dados assemelham-se aos achados deste estudo, onde as pessoas com maior vulnerabilidade social foram as que mais se sentiram apreensíveis pela condição econômica. Por conseguinte, são elas as que apresentam mais necessidade de conhecimento e efetivação sobre seus direitos.

A experiência de Luis Ricardo em relação à garantia dos direitos previdenciários foi permeada pela ausência do auxílio-doença negado na perícia médica do INSS, mesmo diante do diagnóstico de TB e de visível comprometimento do seu estago geral. Vale dizer que este benefício é imprescindível para a garantia de uma vida digna e para o estabelecimento do bem estar social(3232 Vargas AC, Santos ACT, Souza RM, Silveira-Monteiro CA. Users’ perception of a professional rehabilitation service. Rev Bras Saúde Ocup. 2017;42:e11. doi: 10.1590/2317-636900011716
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).

Ele mencionou sua condição de vulnerabilidade social, de dificuldades financeiras, de não poder trabalhar, além de ser o único provedor da família. Logo, diante deste contexto, é relevante mencionar sobre os incentivos sociais, como cesta básica e subsídios de transporte, que contribuem significamente para a adesão do tratamento, criação de vínculos, e, por vezes, é o único meio de ajuda possível para famílias, como a de Luis Ricardo, que têm condições precárias de vida(3333 Orlandi GM, Pereira ÉG, Biagolini REM, França FOS, Bertolozzi MR. Social incentives for adherence to tuberculosis treatment. Rev Bras Enferm. 2019;16;72(5):1182-8. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0654
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).

O auxílio-doença trata-se de um benefício previdenciário e funciona como um seguro, é um direito do trabalhador, conforme Art. 6º da Lei 605/49. O segurado terá direito de recebê-lo caso fique incapaz para o trabalho por mais de 15 dias consecutivos por motivo de doença. Dessa forma, os 15 primeiros dias são pagos pelo empregador e, a partir desse tempo, a Previdência Social é responsável pelo pagamento(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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).

É importante ressaltar que a TB ativa está listada pela Portaria Interministerial 2.998/2001 como uma doença isenta de carência para ter direito ao benefício. Supondo-se que Luis Ricardo não fosse um trabalhador com carteira assinada, de igual modo ele teria direito ao benefício, mesmo sem contribuir para a Previdência Social, pois pela natureza da doença, isenta-se a carência de 12 meses(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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).

Salienta-se que o auxílio-doença pode ser solicitado no endereço eletrônico da Previdência Social, pelo número de telefone 135 e nas agências. É importante que as pessoas estejam munidas de atestados médicos e exames laboratoriais, documentação exigida, carteria de trabalho, carnê de contribuição ou outro documento para atestar a atividade e tempo de serviço, documento de identidade e Cadastro de Pessoa Física (CPF), registro no Programa de Integração Social (PIS), comprovante de residência e atestado de afastamento do trabalho preenchido pela empresa(1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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).

O anúncio pelos participantes sobre o exercício dos direitos a partir das experiências de viver com a TB sinaliza que os direitos à dignidade, sociais, à saúde e outros necessitam ser fortalecidos e garantidos no âmbito do Estado, família e sociedade. A atuação multessetorial e a abordagem dos direitos humanos na assistência à TB demonstraram aumentar a eficácia e sustentabilidade nas ações de controle da doença(66 Atif M, Javaid S, Farooqui M, Sarwar MR. Rights and responsibilities of tuberculosis patients, and the global fund: a qualitative study. PLoS ONE [Internet]. 2016 [2019 Jun 17];11(3):e0151321. Available from: https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0151321&type=printable
https://journals.plos.org/plosone/articl...
,1919 Organização Pan-Americana da Saúde. Direitos humanos, cidadania e tuberculose na perspectiva da legislação brasileira [Internet]. 2015 [2019 Nov 28]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/7679/9788579670909_por.pdf;jsessionid=A61F20AAA92BCC3C660B2AD1CEB6052E?sequence=1
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).

Limitações do estudo

A pouca produção científica sobre as experiências de adoecimento de pessoas com TB acaba por limitar na análise dos dados a comparação dos resultados e sua significação. Sugere-se a realização de estudos sobre o conhecimento das pessoas com TB em relação às suas responsabilidades de acordo com a Carta ao Paciente.

Contribuições para a área da enfermagem

Os resultados demonstraram a necessidade de os profissionais de enfermagem aprimorarem a prática de cuidado incluindo a instrumentalização sobre o exercício pleno dos direitos de pessoas com TB. A visão de melhorar o processo de cuidado da saúde neste âmbito inclui a informação e empoderamento das pessoas, contribuindo para a melhoria das políticas públicas, ampliando o acesso das populações mais vulneráveis aos serviços de saúde, fortalecendo a luta pela equidade e contra a doença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo apontou como as pessoas em tratamento para TB exercem seus direitos no cotidiano da experiência de adoecimento. Verificou-se que suas experiências de viver com TB foram marcadas pelo preconceito, rejeição, estigma e discriminação por parte da família. Tiveram seus direitos negados devido à demora do diagnóstico e tratamento, assim como pela falta de resolubilidade no atendimento, atraso do diagnóstico no sistema prisional e falta de medicamentos, assistência previdenciária e auxílio-doença. Os mesmos vivenciaram vulnerabilidade social e econômica.

Os direitos anunciados refletem a situação de desenvolvimento social do país, caracterizada por diferentes necessidades, que requerem a ampliação do acesso das populações mais vulneráveis à assistência em saúde. Além disso, profissionais e serviços precisam informar e instrumentalizar os atores sociais direta ou indiretamente atingidos pela TB para o exercício pleno de seus direitos. O Estado, portanto, deve zelar pela saúde, respeitar a Carta Magna, e desenvolver políticas sociais as quais sejam efetivas e que de fato cumpram com eficiência e eficácia suas responsabilidades de defesa da saúde.

A busca pelo exercício dos direitos inerentes à saúde demanda a participação da população. Os profissionais de saúde/enfermeiros que atuam junto a pessoas com TB precisam conhecer seus direitos e orientá-las para que elas se instrumentalizem, a fim de reivindicá-los por meio do exercício efetivo do controle social, exercendo sua cidadania. Que a pessoa seja tratada pela sociedade com dignidade e possa conviver com as demais em condições de igualdade e respeito.

  • FOMENTO
    FAPERGS contribuiu com recursos financeiros para a elaboração da pesquisa.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2019
  • Aceito
    30 Abr 2020
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