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Coordenadorias regionais das unidades prisionais paulistas na atenção à coinfecção tuberculose e HIV

RESUMO

Objetivos:

analisar a assistência prestada aos indivíduos com coinfecção Tuberculose-HIV em unidades prisionais do estado de São Paulo, segundo Coordenadoria Regional.

Métodos:

estudo transversal realizado entre 2016 e 2018. Aplicou-se um questionário estruturado a 112 diretores ou profissionais de saúde de 168 unidades prisionais. Os dados foram analisados por distribuição de frequência e análise de correspondência múltipla.

Resultados:

92,9% dos participantes referiram busca ativa de sintomáticos respiratórios, 89,3% oferta de tratamento diretamente observado para todos os casos de tuberculose, 95,5% teste anti-HIV para todos os detentos, 92,9% acompanhamento do HIV em serviços especializados e 59,8% antirretrovirais para os casos de coinfecção. Identificou-se associação entre as Coordenadorias Noroeste e Central e deficiência de recursos humanos e baixa realização de ações para o diagnóstico e acompanhamento dos casos.

Conclusões:

Apesar da realização das ações previstas para o cuidado aos coinfectados na maioria das unidades, alguns locais necessitam apoio para garantir o acesso a estas ações.

Descritores:
Assistência à Saúde; Prisões; Coinfecção; Tuberculose; HIV

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the care provided to individuals with Tuberculosis (TB)-HIV coinfection in prison units in the state of São Paulo, according to the regional coordination of prisons.

Methods:

cross-sectional study conducted between 2016 and 2018. A structured questionnaire was applied to 112 directors or health professionals from 168 prison units. Data were analyzed by frequency distribution and multiple correspondence analysis.

Results:

92.9% of participants reported active search for respiratory symptoms, 89.3% offer the directly observed treatment (DOT) for all TB cases, 95.5% anti-HIV testing for all inmates, 92.9% offer HIV follow-up in specialized care services and 59.8% antiretroviral drugs for cases of coinfection. An association was identified between the Northwest and Central regional coordinations and deficient human resources and low performance of actions for the diagnosis and follow-up of cases.

Conclusions:

although most prison units perform planned actions for the care of coinfected persons, some places need support to guarantee access to these actions.

Descriptors:
Delivery of Health Care; Prisons; Coinfection; Tuberculosis; HIV

RESUMEN

Objetivos:

analizar la atención brindada a las personas con coinfección Tuberculosis (TB)-VIH en unidades penitenciarias del estado de São Paulo, según la coordinación regional.

Métodos:

estudio transversal realizado entre 2016 y 2018. Se aplicó un cuestionario estructurado a 112 directores o profesionales de la salud de 168 unidades penitenciarias. Los datos se analizaron mediante distribución de frecuencias y análisis de correspondencia múltiple.

Resultados:

el 92,9% de los participantes refirió búsqueda activa de síntomas respiratorios, el 89,3% ofrece el tratamiento de observación directa (DOT) para todos los casos de TB, el 95,5% prueba anti-VIH para todos los internos, el 92,9% ofrece seguimiento del VIH en servicios de atención especializada y 59,8% de fármacos antirretrovirales para casos de coinfección. Se identificó asociación entre las agencias de coordinación Noroeste y Centro y el deficiente recurso humano y el bajo desempeño de las acciones de diagnóstico y seguimiento de casos.

Conclusiones:

si bien la mayoría de las unidades penitenciarias realizan acciones planificadas para la atención de personas coinfectadas, algunos lugares necesitan apoyo para garantizar el acceso a estas acciones.

Descriptores:
Prestación de Atención de Salud; Prisiones; Coinfección; Tuberculosis; VIH

INTRODUÇÃO

Relatório sobre encarceramento de 2018 revela que mais de 10,7 milhões de pessoas se encontram nesta situação no mundo(11 Walmsley R. World Prison Population List [Internet]. London: Institute for Criminal Policy Research; 2018 [2019 Oct 3]. Available from: https://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/world_prison_population_list_11th_edition_0.pdf
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). Em 2016, o Brasil passou a ocupar a terceira posição no ranking de maior população privada de liberdade (PPL) do mundo, com 726.712 presos distribuídos em aproximadamente 1.400 unidades prisionais (UP), indicando ocupação de 197,4% e déficit de 358.663 vagas(22 Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Levantamento nacional de informações penitenciárias: atualização - junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [2019 Oct 3]. Available from: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/Infopenjun2016.pdf
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).

Em 2016, o estado de São Paulo (ESP) possuía a maior (240.061 detentos – 33,1%) população prisional do país(22 Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Levantamento nacional de informações penitenciárias: atualização - junho de 2016 [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017 [2019 Oct 3]. Available from: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/Infopenjun2016.pdf
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). O sistema prisional é organizado em cinco Coordenadorias Regionais: Central, Oeste, Noroeste, Capital e Litoral, compostas por Centros de Progressão Penitenciária (CPP), Centros de Detenção Provisória (CDP), Centros de Ressocialização (CR), Unidade de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), Penitenciárias e Hospitais de Custódia (HC). Apesar de estarem no mesmo estado, as Coordenadorias apresentam peculiaridades e conformações heterogêneas, principalmente em relação ao número de detentos, estrutura física, formação de equipe profissional e assistência em saúde. Conhecer essas diferenças apoiaria os serviços de saúde na organização de ações para a qualificação do cuidado da PPL.

Nas UP, as precárias condições ambientais e de acesso aos serviços de saúde aumentam a exposição à infecção e ao adoecimento por tuberculose (TB)(33 Urrego J, Ko AI, Carbone ASS, Paião DS, Sgarbi RV, Yeckel CW, et al. The impact of ventilation and early diagnosis on tuberculosis transmission in Brazilian prisons. Am J Trop Med Hyg. 2015;93(4):739-46. doi: 10.4269/ajtmh.15-0166
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) e à infeção pelo HIV(44 Getahun H, Gunneberg C, Sculier D, Verster A, Raviglione M. Tuberculosis and HIV in people who inject drugs: evidence for action for tuberculosis, HIV, prison and harm reduction services. Curr Opin HIV AIDS. 2012;7(4):345-53. doi: 10.1097/COH. 0b013e328354bd44
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). Com isso, o risco de adquirir a TB é 28 vezes maior na PPL e nas pessoas que vivem com HIV do que na população geral(55 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [2019 Oct 3]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
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). Entre 2007 e 2013, foram registrados 38.083 casos de TB na PPL no Brasil, com taxa de incidência de 852,8/100.000 habitantes e taxa de mortalidade de 15,5/100.000 habitantes(66 Macedo LR, Maciel ELN, Struchiner CJ. Tuberculosis in the Brazilian imprisoned population, 2007-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):783-94. doi: 10.5123/s1679-49742017000400010
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). Embora a incidência de ambas condições seja alta no sistema prisional, a prevalência de coinfecção no período de 2009 a 2014 na PPL (15,9%) parecia ser menor do que na população brasileira geral (17,4%)(77 Estevan AO, Oliveira SMVL, Croda J. Active and latent tuberculosis in prisoners in the Central-West Region of Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2013;46:515-8. doi: 10.1590/0037-8682-1441-2013
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).

Para enfrentar essa situação, há uma recomendação mundial que prioriza garantir equidade no fornecimento de serviços de saúde para as pessoas que vivem em prisões, e mais especificamente com relação ao HIV, é preconizado ampliar a prevenção, tratamento e serviços de apoio(88 United Nations Office on Drugs on Crime (UNODC). Consulta global do UNODC para prevenção e tratamento para o HIV/Aids, atenção e suporte às pessoas vivendo com HIV/Aids em sistemas prisionais [Internet]. Viena: UNODC; 2014 [2019 Oct 3]. Available from: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_aids/Publicacoes/Consulta_global_do_UNODC_em_Prevencao.pdf
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). No Brasil, as UP devem prestar atendimento aos casos de TB-HIV e outras doenças e agravos em consonância com as diretrizes programáticas do Sistema Único de Saúde, interligando as esferas de saúde, justiça e sociedade civil(99 Carvalho NGO. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional: Uma análise sobre a evolução normativa. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2017;6(4):112-129. doi: 10.17566/ciads.v6i4.434
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).

Em relação à fundamentação e estado da arte acerca da temática investigada, um estudo identificou alguns fatores relacionados às UP que impulsionaram a transmissão do HIV e TB entre os detentos, como financiamento inadequado, superlotação, má ventilação, equipes de saúde incompletas, acesso limitado a intervenções preventivas e cuidados de saúde, detecção tardia dos casos e interrupções do tratamento(1010 Keehn EN, Nevin A. Health, human rights, and the transformation of punishment: South African litigation to address HIV and tuberculosis in prisons. Health Hum Rights [Internet]. 2018 [2019 Oct 3];20(1):213-24. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6039737/pdf/hhr-20-213.pdf
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). Ademais, indivíduos afetados pela TB e HIV na prisão têm menos acesso a testes diagnósticos e medicamentos, o que resulta em insucesso de tratamento(1111 Rich JD, Beckwith CG, Macmadu A, Marshall BDL, Brinkley-Rubinstein L, Amon JJ, et al. Clinical care of incarcerated people with HIV, viral hepatitis, or tuberculosis. Lancet [Internet]. 2016 [2019 Oct 3];388(10049):1103-14. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5504684/pdf/nihms865972.pdf
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).

Como fortalezas, identificou-se a adoção de diretrizes para o diagnóstico da coinfecção TB-HIV no sistema prisional baseada em busca de casos, tratamento e parceria com serviços de saúde(1212 Farhoudi IB, SeyedAlinaghi S, Tabarsi P, Mohraz M, Golrokhy R, Farnia M, et al. Revision and Implementation of “Clinical Guideline for Tuberculosis and HIV in Prisons”. Infect Disord Drug Targets. 2018;18(1)72-80. doi:10.2174/1871526517666170518093529
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); aceitação do teste de HIV nos presídios quando combinado com o teste para TB(1313 Nijhawan AE, Princess AI, Porsa E. Acceptability of HIV testing among jail inmates when combined with a blood test for tuberculosis. J Correct Health Care. 2018;24(2):120-6. doi: 10.1177/1078345818762107.
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); melhora clínica dos casos durante a detenção e livramento por meio de um cuidado contínuo e integrado das ações em TB-HIV(1414 Herce ME, Muyoyeta M, Topp SM, Henostroza G, Reid SE. Coordinating the prevention, treatment, and care continuum for HIV-associated tuberculosis in prisons: a health systems strengthening approach. Curr Opin HIV AIDS. 2018;13(6)492-500. doi: 10.1097/COH. 0000000000000505
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).

Frente ao exposto, esse estudo buscou analisar a atenção prestada às pessoas com coinfecção TB-HIV nas UP do ESP e identificar as Coordenadorias Regionais do estado que necessitem qualificar o manejo dos casos.

OBJETIVOS

Analisar a atenção prestada às pessoas com coinfecção TB-HIV nas UP do ESP e identificar as Coordenadorias Regionais do estado que necessitem qualificar o manejo dos casos.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (protocolo nº CAEE 56065516.0.3001.5563) e da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (protocolo nº CAEE 79872217.7.0000.5393). Foram tomados os devidos cuidados para manter a confidencialidade das informações prestadas e o anonimato dos participantes da pesquisa e das UP.

Desenho, local do estudo e período

Estudo transversal, realizado no período de maio de 2016 a agosto de 2017 por meio de um inquérito norteado pela ferramenta STROBE(1515 Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9. doi: 10.1016/j.jclinepi.2007.11.008
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). Foi realizado no ESP, que tem a maior população carcerária do país e sistema prisional dividido em cinco Coordenadorias e composto, até 2018, por 168 UP, 15 CPP, 43 CDP, 22 CR, uma Unidade de RDD, 84 penitenciárias e três HC.

População e protocolo do estudo

A coleta de dados se deu por um questionário estruturado denominado “Condições ambientais e de acesso aos serviços de saúde no sistema prisional do estado de São Paulo”, elaborado para esta pesquisa e baseado em materiais técnicos e científicos(33 Urrego J, Ko AI, Carbone ASS, Paião DS, Sgarbi RV, Yeckel CW, et al. The impact of ventilation and early diagnosis on tuberculosis transmission in Brazilian prisons. Am J Trop Med Hyg. 2015;93(4):739-46. doi: 10.4269/ajtmh.15-0166
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), abordando questões acerca das condições ambientais, características arquitetônicas e o acesso aos serviços de saúde em UP.

O instrumento foi validado quanto ao conteúdo por especialistas em TB, HIV/aids, Saúde Pública e Assistência à Saúde no Sistema Prisional. A validação semântica foi realizada pela aplicação de uma prova piloto do questionário estruturado em três CDP, duas penitenciárias e um CR. Os respondentes do instrumento foram os coordenadores das UP.

A coleta de dados foi realizada em acordo com a Divisão do Sistema Prisional do ESP e os Coordenadores de Saúde Prisional das cinco Coordenadorias foram convidados a participar da pesquisa como supervisores da coleta de dados. Eles aceitaram supervisionar a coleta de dados, com exceção das Coordenadorias Regionais Noroeste e Oeste, que foram supervisionadas por duas pesquisadoras. As modalidades de RDD e os HC não fizeram parte do estudo pelo número pequeno de unidades e baixo número de casos registrados de coinfecção TB-HIV.

Quanto à coleta de dados, das 164 UP ativas em 2016 e convidadas para participar do estudo, 12 coordenadores de UP recusaram a participação na pesquisa e 40 não responderam o questionário, mesmo após três tentativas de convencimento, totalizando 31,7% de perdas. Dessa forma, os 112 questionários recebidos foram revisados por duas pesquisadoras para identificar as inconsistências e dados em branco e, quando necessário, um novo contato com a UP foi realizado para possíveis correções.

Os questionários foram digitados por duas pesquisadoras de forma independente no software Excel. Os campos discordantes foram identificados por uma revisão de correspondência automática (função PROCV) e corrigidos pela verificação no questionário original.

No presente estudo, foram utilizadas as questões das sessões: I - Identificação e IV - Acesso aos serviços de saúde – TB e HIV. Dessa forma, as variáveis utilizadas no estudo foram: população de detentos (masculina e feminina), categoria de UP (penitenciárias, CDP, CR e CPP), regime (fechado, semi aberto, provisório); condenação (condenado, provisório e misto); nível de segurança (alta, média e não se aplica); composição da equipe de saúde (auxiliar de enfermagem, enfermeiro, médico, dentista, técnico de enfermagem, psicólogo, assistente social e técnico de laboratório); disponibilidade de informações sobre casos de TB e HIV na UP (número de casos diagnosticados com TB, HIV e registros de tratamento para HIV); tipo de rastreamento da TB (ativo, passivo, ativo e passivo); quando rastreamento ativo, em que local/ situação é realizado; tipo de busca dos casos (demanda espontânea, campanha, tosse e sintomas de TB, raio-X, pessoas com HIV, contato); testes oferecidos para o diagnóstico da TB (baciloscopia, GeneXpert MTB/RIF, cultura, teste de sensibilidade, raio-X, teste para HIV); realização de Tratamento Diretamente Observado (TDO) (para todos, depende do regime de pena, não realiza, regime aberto); tipo de teste rápido para HIV (teste rápido, sorologia, teste fluido oral, oferecido para todos os casos de TB e campanha dentro da UP); e acompanhamento dos casos (oferta de terapia antirretroviral-TARV, serviço de assistência especializada-SAE, especialista na UP, exame de contatos na cela, isolamento e orientações ao familiares na Unidade Básica de Saúde - UBS).

Análise dos resultados

Inicialmente, as variáveis foram analisadas por meio de distribuição de frequências absoluta e relativa. Para verificar a associação entre as Coordenadorias e as variáveis de assistência prestada às pessoas vivendo com HIV no sistema prisional do ESP, procedeu-se a análise de correspondência múltipla (ACM), considerando a Coordenadoria como variável suplementar e as demais variáveis como variáveis ativas.

Na ACM, o maior percentual de variabilidade do conjunto de dados foi explicado pela combinação de variáveis com maior estabilidade no espaço multidimensional, caracterizado por um espaço fatorial para o conjunto de categorias das variáveis onde é possível interpretar suas dimensões derivadas e suas associações. O padrão de interdependência entre as variáveis foi analisado por meio da análise de resíduos (diferença entre o observado e o esperado) de forma padronizada e ajustada, com a manutenção somente das categorias de respostas das variáveis com resíduos acima de 1,96 no plano fatorial, pois estas indicavam associação estatisticamente significante entre elas.

Dessa forma, permaneceram no plano fatorial as categorias de resposta das variáveis: tipo de UP; condenação; enfermeiro; técnico de enfermagem; auxiliar de enfermagem; indivíduos em tratamento de HIV segundo o número de UP; campanha anual de TB; regime provisório atual; rastreamento de TB programado; GeneXpert MTB/RIF; raio-X; TDO; TARV a indivíduos com coinfecção TB/HIV. O nível de significância estatística adotado para todas as análises realizadas foi de 5%.

RESULTADOS

Do total de 112 UP, a maioria (35 - 31,3%) era da Coordenadoria Central, 102 (91,1%) eram masculinas e 51 (45,5%) eram penitenciárias. Algumas UP tinham mais de um regime de cumprimento de pena e o seu nível de segurança foi classificado majoritariamente como alto (70,5%) (Tabela 1).

Tabela1
Caracterização das unidades prisionais participantes do estudo, segundo as Coordenadorias Regionais do estado de São Paulo, Brasil, 2017

As equipes de saúde das UP (Tabela 2) eram compostas predominantemente por profissionais de enfermagem, com 239 (36,2%) auxiliares de enfermagem e 201 (30,4%) enfermeiros, seguidos por 96 (14,5%) médicos e 62 (9,4%) dentistas.

Tabela 2
Valor médio de profissionais de saúde disponíveis nas unidades prisionais participantes do estudo, conforme Coordenadoria Regional do estado de São Paulo, Brasil, 2017

Em 2016, o maior número de casos de TB foi diagnosticado na região Oeste (31,1%) e o maior número de casos diagnosticados (46,2%) e em tratamento para o HIV (38,6%) na região Central (Tabela 3).

Tabela 3
Número de casos diagnosticados de tuberculose, HIV e em tratamento para HIV, conforme Coordenadoria Regional do estado de São Paulo, Brasil, 2016

Das 112 UP, 92,9% referiram que a detecção dos casos de TB era realizada em campanhas pelo menos duas vezes ao ano em concomitância com 86,6% de detecção por demanda espontânea. Os exames para o diagnóstico da TB são ofertados quando a pessoa apresenta sintomas sugestivos em 98,2% das UP e a baciloscopia de escarro é o exame mais solicitado (97,3%). Quanto ao tratamento, 89,3% referiram oferta de TDO para todos os casos diagnosticados. Em relação ao HIV, as UP referiram oferta de teste para identificar a infecção (95,5%), TARV (59,8%) e acompanhamento no SAE (92,9%) (Tabela 4).

Tabela 4
Ações ofertadas na atenção prestada às pessoas com coinfecção tuberculose-HIV, segundo as Coordenadorias Regionais do sistema prisional do estado de São Paulo, Brasil, 2017

A ACM privilegiou as dimensões 1 e 2 com valores próprios de 0,29278 e 0,23137. A dimensão 1 explica 11,2% da variabilidade dos dados, enquanto a dimensão 2 explica 8,8%. Nos quadrantes II e III do plano fatorial (Figura 1), foram identificadas condições insatisfatórias das regionais Noroeste e Central em relação à assistência prestada aos indivíduos com coinfecção TB-HIV nas UP, que permearam a deficiência de recursos humanos (enfermeiros) e baixa realização de ações para o diagnóstico e acompanhamento dos casos (rastreamento de TB programado, TARV a indivíduos com coinfecção, GeneXpert MTB/RIF, raio-X, TDO). No quadrante I (Figura 1), a regional Oeste foi associada com maior número (4) de auxiliares de enfermagem por unidade de saúde e com ausência de informação em relação às campanhas anuais de busca ativa de TB. No quadrante IV, estão as Coordenadorias da Capital e do Litoral, associadas a um menor número de unidades com pessoas em tratamento para o HIV (11 a 20), maior quantidade de enfermeiros (4 a 5) e menor quantidade de técnico de enfermagem (1). As Coordenadorias da Capital, Litoral e Oeste estão ao lado oposto dos quadrantes I e II (piores avaliações) e por isso, seus desempenhos foram os mais satisfatórios.

Figura 1
Plano fatorial de análise das Coordenadorias Regionais de saúde do sistema prisional quanto às ações ofertadas na atenção prestada às pessoas com coinfecção TB-HIV, São Paulo, Brasil, 2017

Nota: tipo_up - tipo de unidade prisional: CDP - Centro de Detenção Provisória, cond - condenação: PROV – provisória; enf - enfermeiro: 0; 4 a 5; tec_enf - técnico de enfermagem: 1; aux_enf - auxiliar de enfermagem: 4; hiv_tt - tratamento de HIV:11 a 20 unidades prisionais; campanha_ano - campanha anual de TB: s/inf - sem informação; reg_prov_atual - regime provisório atual: N – não; tp_rastre_d - rastreamento de TB programado: N – não; exame_b - GeneXpert MTB/RIF: N – não; exame_e - raio-X: N – não; TDO - Tratamento Diretamente Observado: outro; tarv_tb - Terapia Antirretroviral a indivíduos com TB que apresentaram resultado positivo para HIV: N - não.


DISCUSSÃO

Nesse estudo, foi identificado que a prestação de ações de saúde sobre TB e o HIV à PPL ocorre de forma heterogênea entre as coordenadorias de saúde prisional do ESP. Apesar de todas possuírem equipes com maior número de auxiliares de enfermagem, seguidas de enfermeiros, médicos e dentistas e ainda apresentarem equipes multiprofissionais para o atendimento à saúde, algumas UP não tinham médicos, e outras tinham quantitativo de equipe de enfermagem maior que o esperado. Adicionalmente, a maioria das UP do ESP oferta os serviços de saúde preconizados em relação à assistência prestada às pessoas com coinfecção TB-HIV, com destaque para o rastreamento ativo da TB, testagem para o HIV e acompanhamento do HIV nos SAE. No entanto, há diferenças sobre as ações de saúde entre as Coordenadorias.

A estrutura e a organização das UP podem comprometer o acesso às ações de saúde(99 Carvalho NGO. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional: Uma análise sobre a evolução normativa. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2017;6(4):112-129. doi: 10.17566/ciads.v6i4.434
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), visto que as equipes de saúde prisionais são definidas pelo tipo e regime de cumprimento de pena da UP, desconsiderando a taxa de ocupação das UP, que operam acima de sua capacidade estrutural. Nesse caso, o dimensionamento de recursos humanos é baixo, o que sobrecarrega as equipes de saúde responsáveis pelo cuidado de uma população com necessidades e carga de doenças altas e complexas(1616 Oliveira LGD, Natal S, Camacho LAB. Analysis of the implementation of the Tuberculosis Control Program in Brazilian prisons. Cad Saude Publica. 2015;31(3):543-54. doi: 10.1590/0102-311x00042914
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-1717 Larouzé B, Ventura M, Sánchez AR, Diuana V. Tuberculosis in Brazilian prisons: responsibility of the State and double punishment for the inmates. Cad Saude Publica. 2015;31(6):1127-30. doi: 10.1590/0102-311XPE010615
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).

No estudo, apesar da existência de equipes multiprofissionais para o atendimento à saúde, são necessários investimentos para qualificar a equipe no que tange a assistência às pessoas que vivem com TB-HIV no sistema prisional, principalmente quanto às ações de controle de ambas infecções(99 Carvalho NGO. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional: Uma análise sobre a evolução normativa. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2017;6(4):112-129. doi: 10.17566/ciads.v6i4.434
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). A revisão da literatura apontou que barreiras estruturais e recursos insuficientes impedem a prestação de cuidados clínicos ideais do HIV e da TB no contexto prisional. São necessárias reformas da justiça penal e parcerias entre os presídios e os serviços de saúde públicos de forma a contribuir para um declínio geral na transmissão da TB e do HIV entre os detentos e a comunidade(1111 Rich JD, Beckwith CG, Macmadu A, Marshall BDL, Brinkley-Rubinstein L, Amon JJ, et al. Clinical care of incarcerated people with HIV, viral hepatitis, or tuberculosis. Lancet [Internet]. 2016 [2019 Oct 3];388(10049):1103-14. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5504684/pdf/nihms865972.pdf
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).

Outro ponto observado no estudo foi que em 2016, o número de casos diagnosticados de TB superou o diagnóstico de HIV nas UP do ESP. Tal situação pode ser reflexo das condições das celas de convívio, com superlotação, má ventilação e pouca iluminação(33 Urrego J, Ko AI, Carbone ASS, Paião DS, Sgarbi RV, Yeckel CW, et al. The impact of ventilation and early diagnosis on tuberculosis transmission in Brazilian prisons. Am J Trop Med Hyg. 2015;93(4):739-46. doi: 10.4269/ajtmh.15-0166
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,1010 Keehn EN, Nevin A. Health, human rights, and the transformation of punishment: South African litigation to address HIV and tuberculosis in prisons. Health Hum Rights [Internet]. 2018 [2019 Oct 3];20(1):213-24. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6039737/pdf/hhr-20-213.pdf
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), que favorecem a transmissão da TB e também pela busca periódica por casos de TB. Além disso, a maioria das UP do estudo atendia ao público masculino, que apresenta maior exposição aos fatores associados a TB, como o uso de álcool e tabaco. O risco de adquirir a infecção pelo HIV também não deve ser negligenciado, dada a prevalência considerável dos casos de HIV e a presença de comportamentos de risco no cotidiano dos presídios, tais como uso de drogas e relações sexuais desprotegidas(44 Getahun H, Gunneberg C, Sculier D, Verster A, Raviglione M. Tuberculosis and HIV in people who inject drugs: evidence for action for tuberculosis, HIV, prison and harm reduction services. Curr Opin HIV AIDS. 2012;7(4):345-53. doi: 10.1097/COH. 0b013e328354bd44
https://doi.org/10.1097/COH. 0b013e32835...
). Dessa forma, a presença da TB e do HIV constitui um desafio para as equipes de saúde prisional, que precisam ofertar ações e serviços de saúde(99 Carvalho NGO. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional: Uma análise sobre a evolução normativa. Cad Ibero Am Direito Sanit. 2017;6(4):112-129. doi: 10.17566/ciads.v6i4.434
https://doi.org/10.17566/ciads.v6i4.434...
) de forma coordenada, contínua e integrada aos serviços de referência da comunidade para prevenir e tratar estas doenças(1414 Herce ME, Muyoyeta M, Topp SM, Henostroza G, Reid SE. Coordinating the prevention, treatment, and care continuum for HIV-associated tuberculosis in prisons: a health systems strengthening approach. Curr Opin HIV AIDS. 2018;13(6)492-500. doi: 10.1097/COH. 0000000000000505
https://doi.org/10.1097/COH. 00000000000...
).

Nas coordenadorias do ESP, as ações para a TB são desenvolvidas por meio de rastreamentos e estratégias de busca ativa, como campanhas programáticas, demanda espontânea ou por exame dos companheiros de cela. Tais atividades, juntamente com o tratamento da TB, são essenciais para romper a cadeia de transmissão da doença e estão alinhadas às recomendações propostas no novo manual de controle da TB(55 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [2019 Oct 3]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Este propõe o rastreamento da TB nesses ambientes independentemente do tempo de tosse, permitindo dimensionar e sensibilizar as autoridades e a comunidade carcerária quanto ao problema. Há um esforço para realizar as ações previstas pelo Ministério da Saúde, e tal atuação muitas vezes não é condizente com a realidade de outros países, como por exemplo, a Etiópia, onde, entre os anos de 2013 e 2014, metade dos casos de TB ficou sem diagnóstico e tratamento nos presídios(1818 Adane K, Mark S, Semaw F, Tsehaye A, Markos A, Geert-Jan D. Half of pulmonary tuberculosis cases were left undiagnosed in prisons of the tigray region of ethiopia: implications for tuberculosis control. PLoS One. 2016;11(2):e0149453. doi: 10.1371/journal.pone.0149453
https://doi.org/10.1371/journal.pone.014...
).

Quando um caso é diagnosticado por TB, a maioria das UP investigadas referiu que há isolamento e investigação de todos os detentos que compartilham a cela, e que a família é orientada a buscar uma UBS. Nesse caso, a atuação das equipes de saúde prisionais é uma medida importante para controlar a doença, inclusive na comunidade, uma vez que a PPL está em contato frequente com familiares e profissionais do sistema prisional.

O exame da baciloscopia ainda é o mais solicitado por todas as UP, mesmo após a introdução do GeneXpert MTB/RIF. A cultura é indicada para o PPL devido aos casos com recidiva e pela resistência medicamentosa(55 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [2019 Oct 3]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Nenhuma UP dispõe de aparelho de raio-X e profissional treinado, daí a necessidade de estabelecer parcerias com outros serviços da rede de atenção à saúde.

Com os avanços relacionados à oferta universal de teste e tratamento para o HIV em todo sistema de saúde, inclusive nas unidades prisionais, e a melhoria das ferramentas de rastreamento e diagnóstico molecular para TB, incluindo o GeneXpert MTB/RIF, há uma janela de oportunidade para trazer tais inovações aos ambientes prisionais e reformular a prevenção, o tratamento e o atendimento da TB e do HIV como único, coordenado e contínuo(1414 Herce ME, Muyoyeta M, Topp SM, Henostroza G, Reid SE. Coordinating the prevention, treatment, and care continuum for HIV-associated tuberculosis in prisons: a health systems strengthening approach. Curr Opin HIV AIDS. 2018;13(6)492-500. doi: 10.1097/COH. 0000000000000505
https://doi.org/10.1097/COH. 00000000000...
).

Para os casos confirmados de TB, a testagem para o HIV deve ser oferecida a todos(55 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [2019 Oct 3]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
), seja por meio do teste rápido ou sorologia. Nas UP analisadas, também foi utilizada a estratégia de campanhas de rastreamento esporádicas, permitindo a identificação dos casos de coinfecção nessa população e o início do tratamento. Os métodos únicos de prevenção do HIV, juntamente com o oferecimento de uma modalidade única de teste podem representar baixa adesão dos usuários. Buscar oferecer opções de testagem contribuirá para alcançar o primeiro objetivo da ambiciosa meta 90-90-90(1919 Kelvin EA, Cheruvillil S, Christian S, Mantell JE, Milford C, Rambally-Greener L, et al. Choice in HIV testing: the acceptability and anticipated use of a self-administered at-home oral HIV test among South Africans. Afr J AIDS Res. 2016;15(2):99-108. doi: 10.2989/16085906.2016.1189442
https://doi.org/10.2989/16085906.2016.11...
). A combinação de testes para TB e HIV é uma abordagem de alto valor, centrada no cliente e com impacto significativo na saúde pública(1313 Nijhawan AE, Princess AI, Porsa E. Acceptability of HIV testing among jail inmates when combined with a blood test for tuberculosis. J Correct Health Care. 2018;24(2):120-6. doi: 10.1177/1078345818762107.
https://doi.org/10.1177/1078345818762107...
).

Quanto ao TDO, os entrevistados informaram sua realização para todos os casos diagnosticados por TB. No Brasil, o TDO é realizado exclusivamente por um profissional de saúde, fortalecendo o vínculo e garantindo o acesso ao serviço de saúde(55 Ministério da Saúde (BR). Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [2019 Oct 3]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Estudo no Irã apontou que esse tipo de supervisão era feito por detentos treinados e direcionado para os casos de TB e indivíduos com HIV em TARV, resultando em impacto positivo no controle dessas infecções(1212 Farhoudi IB, SeyedAlinaghi S, Tabarsi P, Mohraz M, Golrokhy R, Farnia M, et al. Revision and Implementation of “Clinical Guideline for Tuberculosis and HIV in Prisons”. Infect Disord Drug Targets. 2018;18(1)72-80. doi:10.2174/1871526517666170518093529
https://doi.org/10.2174/1871526517666170...
).

Para os casos de HIV, é realizada a investigação da infecção latente por TB. Estudo realizado na maior prisão da Malásia mostrou alta prevalência de tuberculose ativa, particularmente em pessoas vivendo com HIV, e que mais de 80% dos prisioneiros e funcionários penitenciários estão infectados pela forma latente(2020 Bick J, Culbert G, Al-Darraji HA, Koh C, Pillai V, Kamarulzaman A, et al. Healthcare resources are inadequate to address the burden of illness among HIV-infected male prisoners in Malaysia. Int J Prison Health. 2016;12(4):253-69. doi: 10.1108/IJPH-06-2016-0017
https://doi.org/10.1108/IJPH-06-2016-001...
).

Para os casos confirmados com coinfecção TB-HIV, cerca de 60% referem o oferecimento da TARV, sendo incipiente no contexto prisional, uma vez que deve ser ofertada a todas as pessoas que vivem com HIV(2121 Ravanholi GM, Catoia EA, Andrade RL, Lopes LM, Brunello ME, Bollela VR. People living with HIV/AIDS in prison: regular use of antiretroviral therapy. Acta Paul Enferm. 2019;32(5):521-9. doi: 10.1590/1982- 0194201900073
https://doi.org/10.1590/1982- 0194201900...
). Na África do Sul, foram recomendadas intervenções de curto prazo envolvendo o treinamento de enfermeiras no diagnóstico e tratamento de TB e aumento do número de instalações com serviços descentralizados de HIV para permitir aos enfermeiros prescrever e dispensar a TARV(1010 Keehn EN, Nevin A. Health, human rights, and the transformation of punishment: South African litigation to address HIV and tuberculosis in prisons. Health Hum Rights [Internet]. 2018 [2019 Oct 3];20(1):213-24. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6039737/pdf/hhr-20-213.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

No estudo, foi identificado que o acompanhamento dos casos de HIV é realizado nos SAE, enquanto os casos de TB são acompanhados no sistema prisional em colaboração com o SAE, quando necessário. Os serviços de TB e HIV têm sido historicamente fornecidos por meio de programas verticais, o que pode comprometer o cuidado integral, apesar das evidências demonstrarem resultados superiores da assistência nesses serviços, quando prestada em abordagens contínuas, integradas e abrangentes(2222 Villarinho MV, Padilha MI, Berardinelli LMM, Borenstein MS, Meirelles BHS, Andrade SR. Public health policies facing the epidemic of AIDS and the assistance for people with the disease. Rev Bras Enferm. 2013;66(2):271-7. doi: 10.1590/S0034-71672013000200018
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
). Além do acompanhamento do HIV ser realizado nos SAE, a retirada da TARV também é feita em farmácias externas à UP, o que poderia explicar o baixo oferecimento de TARV no sistema prisional.

As equipes de saúde inseridas no âmbito prisional também enfrentam dificuldades que podem comprometer a integração das ações e serviços de saúde em HIV, dentre as quais a necessidade de escolta da polícia militar em qualquer deslocamentos da PPL para acompanhamento da infecção pelo HIV, com disponibilização do recurso a partir da otimização e seleção de demandas prioritárias(2121 Ravanholi GM, Catoia EA, Andrade RL, Lopes LM, Brunello ME, Bollela VR. People living with HIV/AIDS in prison: regular use of antiretroviral therapy. Acta Paul Enferm. 2019;32(5):521-9. doi: 10.1590/1982- 0194201900073
https://doi.org/10.1590/1982- 0194201900...
) de natureza judicial e de saúde.

Desta forma, é imprescindível fortalecer e integrar a comunicação entre os serviços de saúde prisional com os demais pontos de atenção inseridos na rede para garantir a integralidade do cuidado, monitoramento das condições clínicas e a adesão ao tratamento, que são metas almejadas na cascata do cuidado(2323 Subbaraman R, Nathavitharana RR, Mayer KH, Satyanarayana S, Chadha VK, Arinaminpathy N, et al. Constructing care cascades for active tuberculosis: a strategy for program monitoring and identifying gaps in quality of care. PLoS Med [Internet]. 2019 [2019 Oct 3]; 16(2):e1002754. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6392267/pdf/pmed.1002754.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

No estudo, as Coordenadorias da Capital, Litoral e Oeste apresentaram melhor desempenho que a Noroeste e Central, com baixo número de profissionais de saúde e baixa detecção de casos de TB por unidade, devendo estas avançar na oferta e condução de ações em saúde aos indivíduos com coinfecção TB-HIV. O desempenho das Coordenadorias da Capital e Litoral, com elevada porcentagem de CDP, sugere que a assistência parece estar direcionada ao momento da admissão dos detentos. Cabe destacar a relevância do apoio técnico das equipes e de uma das dimensões da gestão, que diz respeito ao provimento dos recursos e infraestrutura necessária.

Apesar das fragilidades estruturais e organizacionais que desafiam a organização do cuidado em saúde no contexto carcerário, foi possível vislumbrar que as UP constituem importantes pontos de atenção no conjunto da rede de saúde, uma vez que oportunizam o acesso ao diagnóstico da TB e do HIV em considerável parcela de detentos e também se empenham na garantia de continuidade do cuidado ofertado nos SAE.

Limitações do Estudo

Como limitações do estudo, destaca-se um possível viés de informação e seleção, pois os participantes eram em sua maioria diretores de saúde e apenas indivíduos que aceitaram participar do estudo.

Contribuições para a Área

O estudo evidencia potencialidades na atenção a coinfecção TB-HIV nas UP paulistas e possibilita identificar os desafios enfrentados para um efetivo cuidado a essas populações no âmbito prisional.

CONCLUSÕES

A maioria das UP do ESP oferta os serviços de saúde preconizados em relação à assistência prestada às pessoas com coinfecção TB-HIV, com destaque para o rastreamento ativo da TB, testagem para o HIV e acompanhamento do HIV nos SAE. O estudo possibilita uma reflexão sobre a organização heterogênea das UP no ESP, exigindo dos formuladores de políticas públicas e dos gestores de saúde e do sistema prisional, a elaboração e planejamento de estratégias para prevenção e controle da dupla infecção TB e HIV. Também foi identificado que as Coordenadorias Noroeste e Central precisam envidar esforços para a completude de suas equipes de saúde e o diagnóstico e acompanhamento dos casos de coinfecção TB-HIV. Dentre as ações que precisam ser melhoradas, o rastreamento regular da TB merece destaque, bem como a disponibilização da TARV, do GeneXpert MTB/RIF, do raio-X e do TDO.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Bolsa de produtividade em pesquisa – processo 304517/2018-6.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2020
  • Aceito
    18 Jul 2020
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