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Sociedades de enfermagem em Santa Catarina (1975-2018)

RESUMO

Objetivos:

compreender as articulações das entidades representativas da enfermagem e a influência na profissão.

Métodos:

estudo qualitativo, de abordagem histórico-social, com marco conceitual da enfermeira Denise Elvira Pires de Pires. Com recorte histórico de 1975 a 2018, foram entrevistados cinco ex-presidentes das Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Santa Catarina e do Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina. A metodologia de compreensão dos dados se deu através da análise de conteúdo de Bardin.

Resultados:

a estruturação e atuação do conselho gerou mudanças nas relações entre as duas entidades e debate acerca do papel e poder de representação de cada uma. Verificou-se períodos de aproximação e afastamento, com consequências para efetividade da representação profissional.

Conclusões:

a valorização da enfermagem e seu reconhecimento enquanto profissão na sociedade tem forte influência da atuação das entidades que a representam. A união das mesmas, de forma política ou organizativa, é necessária e urgente.

Descritores:
Enfermagem; História da Enfermagem; Corporações Profissionais; Sociologia; Sociedades de Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to understand nursing representative entities’ articulations and the influence on nursing.

Methods:

a qualitative study of a historical-social approach with a conceptual framework by nurse Denise Elvira Pires de Pires. With a historical profile from 1975 to 2018, five former presidents of Brazilian Nursing Association - Santa Catarina Section and Regional Nursing Board of Santa Catarina were interviewed. The methodology for understanding data was through Bardin’s content analysis.

Results:

the board structuring and performance generated changes in the relations between the two entities and debate about the role and power of representation of each one. There were periods of approach and removal, with consequences for professional representation effectiveness.

Conclusions:

nursing valuation and recognition as a profession in society has a strong influence on entities’ performance that represent it. The union of them, politically or organizationally, is necessary and urgent.

Descriptors:
Nursing; History of Nursing; Professional Corporations; Sociology; Societies, Nursing

RESUMEN

Objetivos:

comprender las articulaciones de las entidades representativas de la enfermería y la influencia en la profesión.

Métodos:

estudio cualitativo, con enfoque histórico-social, con marco conceptual de la enfermera Denise Elvira Pires de Pires. Con un perfil histórico de 1975 a 2018, se entrevistaron a cinco ex presidentes de la Asociación Brasileña de Enfermería - Sección Santa Catarina y del Consejo Regional de Enfermería de Santa Catarina. La metodología para comprender los datos fue a través del análisis de contenido de Bardin.

Resultados:

la estructuración y desempeño del directorio generó cambios en las relaciones entre las dos entidades y debate sobre el rol y poder de representación de cada una. Hubo periodos de cercanía y retraimiento, con consecuencias para la efectividad de la representación profesional.

Conclusiones:

la valorización de la enfermería y su reconocimiento como profesión en la sociedad tiene una fuerte influencia en el desempeño de las entidades que la representan. La unión de ellos, política u organizativa, es necesaria y urgente.

Descriptores:
Enfermería; Historia de la Enfermería; Corporaciones Profesionales; Sociología; Sociedades de Enfermería

INTRODUÇÃO

Para transformação do futuro, é necessário o conhecimento do passado. Ao analisar a história de uma profissão, conhece-se não só a forma como a mesma se moldou através dos tempos, mas também os rumos aos quais se encaminha. Através do estudo histórico, é possível revisitar, reconhecer e valorizar as pessoas e suas ações na luta da conquista de espaço de uma profissão(11 Padilha MI, Bellaguarda MLR, Nelson S, Maia ARC, Costa R. O uso das fontes na condução da pesquisa histórica. Texto Contexto Enferm, 2017;26(4):1-10. doi: 10.1590/0104-07072017002760017
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).

A enfermagem possui história antiga. Porém, a partir de meados do século XIX, com os trabalhos de Florence Nightingale, é possível identificar as bases que estruturam a enfermagem como uma profissão(22 Costa R, Padilha MI, Borenstein MS, Moreira AR. Florence Nightingale (1820-1910): as bases da enfermagem moderna no mundo. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. 2. ed. São Caetano do Sul, São Paulo: Difusão Editora; 2015. P. 183-218.).

Considerando os preceitos da Sociologia das Profissões, e tomando os conceitos formulados por Pires(33 Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enf, 2009;62(5):736-744.), é possível afirmar que a enfermagem vem construindo uma disciplina própria, tendo o cuidado como seu objeto epistemológico. Ao longo da história, vem agregando às relevantes práticas de cuidado a produção de conhecimentos que as fundamentam. As enfermeiras assumiram a responsabilidade de formar novos profissionais e formular e defender os requisitos legais e éticos requeridos para o exercício profissional. Os profissionais de enfermagem desenvolvem um trabalho do campo da saúde, majoritariamente institucionalizado e envolvendo equipes, um trabalho cujo produto final é produzido e consumido em um processo indissociável(33 Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enf, 2009;62(5):736-744.).

Seguindo a perspectiva teórica adotada, é importante destacar, ainda, o papel da legislação e regulação profissional, assim como a relevância da atuação das entidades organizativas na representação da enfermagem na sociedade. Tais entidades, organizadas separadamente ou em estrutura unificada, representam os interesses da profissão na sociedade, assim como regulam o fazer profissional, desenvolvendo ações para fortalecer o respeito à expertise profissional e aos preceitos éticos, o que contribui para a construção da autonomia(33 Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enf, 2009;62(5):736-744.).

No Brasil, a história das entidades de representação da enfermagem tem forte relação com a estruturação da profissão no país. Ao se formar a primeira turma de enfermeiras, uma das mais antigas escolas de enfermagem brasileira, a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (EE/DNSP), atual Escola de Enfermagem Anna Nery, também nasce a primeira entidade organizativa, que, posteriormente, após variadas transformações de estrutura e nome, estabelece-se como Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), em 1954(44 Santos JFE, Santos RM, Costa LMC, Almeida LMWS, Macêdo AC, Santos TCF. Importância das organizações civis de enfermagem: revisão integrativa da literatura. Rev Bras Enferm, 2016;69(3):610-618. doi: 10.1590/0034-7167.2016690326i
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). A ABEn é organizada em seções estaduais, com vistas a fortalecer a representação e promover maior aproximação com a realidade de cada região do país. Surge, assim, em 1962, a ABEn - Seção Santa Catarina(55 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pires DEP. Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (1975-1986):importância para a profissão. Texto Contexto Enferm, 2015;24(3):654-61. doi: 10.1590/0104-07072015003750013
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).

Após 30 anos de lutas e discussões, a enfermagem conquista a criação de um órgão fiscalizador do exercício profissional. O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nasce, em 1973, com esse papel de fiscalização e tribunal ético. O COFEN cria e regulamenta o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem e atua pela aprovação de uma Lei do Exercício Profissional que atualizasse a Lei nº 2604 de 1955 então vigente(66 Franco Coffre JA. Percepción social de la profesión de enfermería. Enferm Actual Costa Rica. 2020;0(38):272-81. doi: 10.15517/revenf.v0i38.36930
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). Em 1986 foi aprovada a Lei nº 7498, que estabeleceu parâmetros para a fiscalização e autorização para o exercício profissional. Em Santa Catarina, o Conselho Regional de Enfermagem (COREN) foi criado em 1975, tornando, assim, a representação mais complexa. Em tal ponto, papeis históricos da ABEn foram divididos. Porém, o que iniciou com uma conquista logo teve reflexos para a organização da enfermagem brasileira.

Com base no exposto, surge o seguinte questionamento, que norteou a pesquisa: como as entidades organizativas influenciaram na profissão da enfermagem?

Entende-se que uma profissão valorizada é forte perante a sociedade. A união da categoria, então, é fator primo para a tomada de ações capazes de garantir o espaço da enfermagem no âmbito da saúde, na defesa do direito das pessoas a cuidados seguros e de qualidade.

OBJETIVOS

Compreender as articulações das entidades representativas da enfermagem e a influência na profissão.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O presente segue os preceitos éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Cessão de Entrevista. Por se tratar de pesquisa histórica, os nomes reais dos entrevistados foram utilizados pois são peças-chave para a interpretação do contexto de suas falas.

Tipo de estudo

Trata-se de estudo qualitativo, de abordagem histórico-social, utilizando o instrumento SRQR para construção desta metodologia. Essa metodologia visa revisitar as questões de fatos passados na perspectiva dos depoentes. Permite analisar o dito e o não dito, além de fazer reflexão crítica das questões vividas em contraparte à realidade atual experienciada(11 Padilha MI, Bellaguarda MLR, Nelson S, Maia ARC, Costa R. O uso das fontes na condução da pesquisa histórica. Texto Contexto Enferm, 2017;26(4):1-10. doi: 10.1590/0104-07072017002760017
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,77 Chizzoti A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2018.).

Procedimentos metodológicos

O desenvolvimento do estudo se deu interno às entidades representativas da enfermagem, sendo entrevistados 5 enfermeiros ex-presidentes da ABEn-SC e do COREN - SC no recorte histórico dos anos de 1975 a 2018, abordando o processo de criação do COREN - SC e o ano atual do início da pesquisa. Para sistematizar a coleta de dados, foram incluídos os marcos temporais dos anos 1975, criação do COREN em Santa Catarina; 1980, surgimento do Movimento Participação em Santa Catarina; 2008, ano em que o Movimento Participação assume a gestão do COREN - SC.

O critério de inclusão foi ter sido presidente e/ou membro das diretorias das entidades representativas dentro do recorte histórico definido. O critério de exclusão ficou definido como pessoas impossibilitadas de se comunicar e de se expressar, por problemas de saúde, e falecimento.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu através da história oral dos participantes do estudo, sendo entrevistados 5 ex-presidentes por roteiro semiestruturado e gravado digitalmente. Foras respeitadas a disponibilidade de horário e o local escolhidos pelos depoentes, e a coleta de dados se iniciou após a aprovação da realização da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa. O tempo de entrevistas teve uma média de 45 minutos. A gravação dos depoentes foi transcrita e, posteriormente, transcriada.

Análise dos dados

Iniciou-se a avaliação através da análise de conteúdo de Bardin(88 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2016.). Seguiram-se, rigidamente, as três fases preconizadas, a saber: pré-análise, consiste na organização e leitura exaustiva dos dados; exploração, segue com a identificação dos códigos; e o tratamento dos resultados, no qual os códigos foram organizados em grelha de análise, de forma a compor as categorias analíticas da pesquisa.

Para nortear a interpretação dos resultados, utilizou-se como marco conceitual as formulações de Pires(33 Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enf, 2009;62(5):736-744.), seguindo os conceitos de enfermagem como profissão, disciplina e trabalho.

RESULTADOS

Nesta etapa da pesquisa, identificou-se quatro categorias que, por se tratar de uma pesquisa histórica, são análogas a períodos distintos de desenvolvimento das entidades representativas da profissão: Período pré-criação do conselho; Período de nascimento, compartilhamento e estruturação; Período de maturação representativa; Período atual: representação hoje e amanhã.

Período pré-criação do conselho

A organização profissional da enfermagem brasileira tem seu primeiro marco a partir da primeira turma de enfermeiras formadas no Brasil, com a criação da Associação Nacional das Enfermeiras Diplomadas (ANED).

A necessidade de criação de uma associação era prioridade naquela época. Isso se deve, principalmente, à Missão Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem. Também conhecida como Missão Parsons, tinha como objetivo a implementação da enfermagem moderna no Brasil sob a chefia de Mrs. Ethel Parsons. Para tal, verificava-se necessário a criação de uma escola de enfermagem, para ser consolidada enquanto profissão. Também era necessário a criação de uma entidade representativa e uma revista. Em outros termos, consistia em gerar espaço para a manutenção da autonomia profissional e a difusão do conhecimento científico da enfermagem(99 Dias MO, Souza NVD, Penna LHG, Gallasch CH. Percepção das lideranças de enfermagem sobre a luta contra a precarização das condições de trabalho. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:1-8. doi: 10.1590/s1980-220x2018025503492
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).

Ao longo do desenvolvimento da profissão, a ANED, que é renomeada para ABEn no ano de 1954, manteve-se, ao longo do período, como única entidade brasileira com poder representativo para a enfermagem. Para aproximar-se do corpo o qual representa, capilarizou-se através de seções nos mais diversos estados, sendo a Seção Santa Catarina criada no ano de 1962 sob a presidência de Irmã Cacilda (Enf.ª Ottillie Hammes).

Mas a gente não tinha um órgão que cuidasse da nossa categoria, apesar de que a ABEn fazia isso aí. A ABEn fazia e muito bem. (Rosita Sauppe)

A gente não tinha uma presença do COREN, então, aqui, em Santa Catarina, quem dominava o ambiente e a representação da enfermagem nesse período foi marcadamente a ABEn. A ABEn tinha um reconhecimento social também. (Jorge Lorenzetti)

A Associação Brasileira de Enfermagem era a entidade mais importante, mais representativa da profissão, ela já fazia esse papel de entidade unitária, apesar de ter entidades sindicais, mas não tinha sindicato dos enfermeiros e não tinha Conselho Federal nem Conselho Regional de Enfermagem. (Denise Elvira Pires de Pires)

Enfrentava-se, porém, um dilema para amplo desenvolvimento da enfermagem. Enquanto a ABEn matinha o seu papel representativo, não era atribuído a ela o direito legal para realizar o registro dos profissionais, ou seja, o credencialismo. Garantir que a profissão fosse exercida somente por aqueles que os pares consideravam aptos era um enorme desafio(1010 Lage CEB, Alves MS. (Des)valorização da Enfermagem: implicações no cotidiano do Enfermeiro. Enferm Foco, 2016;7(3):12-16. doi: 10.21675/2357-707X.2016.v7.n3/4.908
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) reconhecido pela ABEn.

30 anos a enfermagem levou para conseguir ter o seu conselho. Até aí, a ABEn sempre capitaneou todos os avanços da enfermagem. (Rosita Saupe)

O conselho nasceu por causa do trabalho da ABEn. (Ingrid Elsen)

O COFEN nasce como fruto da ampla discussão e debate da categoria. A necessidade de um órgão de fiscalização da profissão é solvida em 1973, com a criação da entidade.

Período de nascimento, compartilhamento e estruturação

Com a aprovação da Lei nº 5.905/73, é criado o sistema COFEN-COREN, colocando em pauta a necessidade de operacionalizar o que viria a ser a futura entidade. O papel de construção foi, então, absorvido pela ABEn, sendo cada seção estadual responsável pelo cumprimento dos requisitos para a instalação do conselho em sua região(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

A primeira problemática encontrada era a dicotomia relacionada à sua criação. Apesar da discussão anteriormente já realizada interna à associação, ainda havia questionamentos em relação a quais seriam os verdadeiros papéis da nova entidade no que dizia respeito à representação e sua relação com a ABEn(55 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pires DEP. Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (1975-1986):importância para a profissão. Texto Contexto Enferm, 2015;24(3):654-61. doi: 10.1590/0104-07072015003750013
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). Tal questão estava mediada por limites legais e pela premência temporal.

Eu acho que nós tínhamos que proteger a nossa classe, fazer com que a enfermagem fosse exercida por pessoas qualificadas. Que tinham aquela formação, que tinham aquela autorização. (Rosita Saupe)

A ABEn era para fazer reuniões, fazer festas, congressos. Assim, era mais livre. Podia se unir com auxiliares, se unir. A ABEn era bem mais livre. O conselho, não, o conselho veio com muitas coisas rígidas. O conselho vem com muitas coisas acima da enfermagem, isso é coisas exigidas por lei. (Ingrid Elsen)

Essa era uma estrutura que não era criada necessariamente pela profissão. No âmbito da sociedade, estava se colocando essa questão do papel dos conselhos. (Denise Elvira Pires de Pires)

A definição dos papéis fez com que fosse necessário um período inicial de estabelecimento dos objetivos da entidade, sua diretoria e estrutura geral. Com isso, inicialmente, os trabalhos da associação e do conselho ocorrem de forma análoga, havendo uma relação de apoio mútuo entre as entidades.

Claro, cada um tem a sua função, mas a função maior é praticamente a mesma, nós queremos o bem dos enfermeiros para o bem das ações de enfermagem, o cuidado de enfermagem. (Ingrid Elsen)

Era um tempo de “lua de mel”. Haviam hospitais, haviam as irmãs nos hospitais. Todo mundo queria a mesma coisa. (Rosita Saupe)

Não tinha nenhum tipo de conflito entre o COREN e ABEn. Não tinha esse conflito que depois veio. (Jorge Lorenzetti)

Neste primeiro período pós-criação da entidade, o conselho passa a desempenhar o seu papel fiscalizador. Denotam-se como marcos o registro dos profissionais, a realização do censo da categoria e o reconhecimento da necessidade de profissionalização dos atendentes de enfermagem, o que se tornou mais efetivo após a aprovação da Lei nº 7498/1986.

Acho que registrou todo mundo, então nós tínhamos já um censo, né? Foi o grande censo de enfermagem. Qualificou com esses anos, e manteve uma integração, uma relação bem próxima com todas as pessoas que haviam algum interesse com a universidade, com outros conselhos, com o COFEN, com outros conselhos regionais. (Rosita Saupe)

Período de maturação representativa

Os anos conseguintes à criação do conselho trouxeram profundas mudanças nas relações entre as entidades representativas. Alterações tais que marcaram a diferença de atuação das mesmas e os caminhos que cada uma seguiria.

Enquanto a gente trabalhou para criar o conselho, a gente estava muito unido. Depois que ele foi criado, no começo, aquilo sempre funcionou [...] com muito boa comunicação. Tem muitos candidatos, daí fica tudo muito complexo, né? Tu te dá com alguns. Alguns gostam de ti, aí tem outros que não gostam de ti, aí as coisas ficaram muito rígidas. (Ingrid Elsen)

O primeiro ponto-chave foi o fortalecimento do poder econômico do conselho. Apesar de iniciar de forma gradual, a inscrição dos profissionais de enfermagem, para exercer a sua função, é feita de forma compulsória. O resultado da expansão na formação de novos profissionais e da forma de registro dos mesmos trouxe um crescimento econômico exponencial para o COFEN(55 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pires DEP. Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (1975-1986):importância para a profissão. Texto Contexto Enferm, 2015;24(3):654-61. doi: 10.1590/0104-07072015003750013
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).

O primeiro problema que eu comecei a ver foi quando as pessoas tiveram que pagar. Não sabiam, ninguém sabia que tinha que pagar, aí nós tivemos que cobrar as pessoas. (Rosita Saupe)

Em contrapartida, a associação permanece em seu sistema de associação voluntária e passa a diminuir, paulatinamente, os seus recursos financeiros e, consequentemente, o seu poder de representação profissional, antes histórico. Apesar disso, a explicação para a redução do número de associados é mais complexa.

A ABEN era o único órgão que movimentava o Brasil inteiro. Então, eu acho que o conselho deve à ABEN isso, e não deveria esquecer, mas eu acho que o conselho seguiu o seu caminho e a ABEN que ficou um pouco mais enfraquecida. (Ingrid Elsen)

Inicia-se, assim, uma caminhada distinta para as duas entidades. Dá-se início a lutas diferentes do interior da enfermagem, influenciadas pelo cenário político, legal e institucional do país.

Nos anos 1980, com mais de 15 anos de Ditadura Militar, emerge, com mais força, a discussão acerca da redemocratização do país. Nas universidades, escolas e nas entidades representativas de trabalhadores e de diversos da sociedade, verifica-se um efervescente debate acerca do papel das mesmas e, do alinhamento, ou não, que deveriam ter com o governo vigente(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Esse cenário tem influência na enfermagem e propicia o nascimento de um movimento nacional no interior da ABEn, denominado Movimento Participação (MP). O MP foi construído com participação significativa de lideranças da enfermagem catarinense, tendo como bandeiras a defesa da democratização da entidade e da sociedade brasileira, da valorização da profissão e do direito universal à saúde. As pessoas que compunham esse quadro mantinham a crença de que era necessário construir uma ABEn fortalecida e crítica, e não apenas reprodutora das políticas governamentais vigentes(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Em 1980 a chapa Participação é eleita para a direção da ABEn - Santa Catarina, representando uma mudança significativa nos rumos da entidade e nas relações com o governo(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.). O número de associados é ampliado exponencialmente e a participação da categoria no cotidiano da entidade embasa as bandeiras em defesa da valorização da profissão(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Esse debate se amplia nacionalmente, e, no pleito de 1984, o MP organiza chapas em todo o país, concorrendo às eleições para as seções e direção nacional da ABEn. O processo não ocorreu sem traumas, envolvendo anulação da eleição e novo pleito em 1986 com ampla vitória do MP.

Em sentido oposto, o COFEN foi ficando mais burocrático e distanciado da categoria. Os problemas se agravam nos anos 1990 e seguintes, incluindo sérios desvios na condução da entidade, apropriação privada dos recursos da entidade e perseguição aos opositores. De forma demasiadamente rápida, distancia-se das lutas da categoria, abstendo-se em diversos espaços de defesa da profissão e das condições de trabalho(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Esse período dos anos 1990 e primeira década de 2000, apesar de ter um crescimento e em um fortalecimento das ideias democráticas da ABEn, ao mesmo tempo cresceu um movimento altamente conservador dentro do Conselho Federal de Enfermagem e dos Conselhos Regionais. Até chegar um ponto em que essa ideia conservadora e autoritária do Conselho Federal de Enfermagem virou hegemônica no Brasil inteiro. (Denise Elvira Pires de Pires)

A postura rígida da gestão do conselho culminou, em contraparte, com um movimento de oposição também cada vez mais fortalecido e organizado. Com apoio da ABEn, intensificam-se as denúncias contra as irregularidades e política vigente no conselho(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Enquanto há a importância da luta pela reorganização do conselho, há também o agravo do distanciamento das entidades, com consequente diminuição do papel político da enfermagem nas intervenções sociais e descrédito das entidades por parte dos próprios profissionais. Este cenário resultou em enfraquecimento da luta pela valorização profissional(66 Franco Coffre JA. Percepción social de la profesión de enfermería. Enferm Actual Costa Rica. 2020;0(38):272-81. doi: 10.15517/revenf.v0i38.36930
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,1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.-1212 Pires DEP, Lorenzetti J, Albuquerque GL. O "Movimento Participação" na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn):História e desafios na representação profissional. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. 2.ed. São Paulo: Difusão Editora, 2015. P. 459-482.).

Então, o cenário que a gente encontra naquela época era um cenário de grande tensão entre as duas entidades, e a principal tensão não decorria de questões profissionais. Era a questão política da forma que o conselho estava, que os dirigentes do conselho estavam se apropriando da entidade. Estavam não, se apropriaram nacionalmente e aqui no estado se reproduzia isso. (Denise Elvira Pires de Pires)

Um dos graves problemas que a gente tem das dificuldades de desvalorização na enfermagem é a nossa fragmentação de representação. (Jorge Lorenzetti)

O movimento de oposição às práticas e política vigente no sistema COFEN/COREN atinge seu ápice em Santa Catarina por ocasião do pleito de 2008. Neste pleito, em Santa Catarina e em outros estados, mais uma vez, os componentes do MP organizam chapas para concorrer aos CORENs. O processo eleitoral no sistema era regido por legislação nacional rígida e burocrática, tornando a inscrição de novas chapas muito laboriosa e dificultando que opositores participassem do processo. Em Santa Catarina, concorreram três chapas, sendo apenas uma de oposição e identificada com os ideais do MP. Houve várias investidas para tentar barrar a homologação da chapa do MP, contudo munidos de forte assessoria jurídica e de um ideal. A chapa representante do movimento ganha as eleições de 2008, sob a presidência de Denise Elvira Pires de Pires(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Destaca-se, ademais, que a organização da chapa e a vitória do MP foram possíveis por conta do alinhamento com a diretoria da ABEn - SC, da forte mobilização da enfermagem no estado e do debate na sociedade envolvendo instituições como a Assembleia Legislativa, Ministério Público Federal e diversas organizações profissionais e sindicais da área da saúde. Sob a presidência de Helga Regina Bresciani, houve um apoio institucional da ABEn - SC na conquista deste espaço para somar na luta pela valorização da profissão, consistindo em um primeiro movimento de realinhamento político entre as entidades representativas da enfermagem no estado.

Não, a ABEn com o COREN na época, na gestão anterior [a 2008], a gente não concordava, tinha dificuldades de conversar. A gente não fazia as lutas conjuntas. Para isso, a gente lutou para mudar. (Helga Regina Bresciani)

Período atual: representação hoje e amanhã

Os reflexos da eleição do MP para a gestão do COREN - SC logo são observados no âmbito da representação profissional. Inicia-se um processo de abertura e participação política do COREN - SC pelas bandeiras da profissão dentro dos seus limites legais. Tal qual os primeiros anos de surgimento do conselho, as entidades voltam a ter o alinhamento necessário para a articulação de suas lutas(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

Entretanto, no âmbito nacional, ainda há um caminho a ser percorrido na articulação política das duas entidades e no fortalecimento delas. Através das falas dos entrevistados, percebe-se que os resultados da fragmentação da representação nacional, verificada a partir dos anos 1970, ainda perduram atualmente.

E a gente vê que, infelizmente [...] dos anos 1990 para cá, a ABEN perdeu muita representatividade. Quanto a ABEn representa hoje? Quanto são filiados na ABEN? Então é pífio. Chega a ser quase simbólica essa representação. É mais histórica, do passado, do que do presente. (Jorge Lorenzetti)

Eu acho, assim, a ABEn continua na sua luta. A ABEn é fragilizada pelo número de pessoas, na verdade. (Helga Regina Bresciani)

Isso reflete em uma luta antiga do MP, a entidade unitária, como forma de superação da fragmentação experienciada(55 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pires DEP. Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (1975-1986):importância para a profissão. Texto Contexto Enferm, 2015;24(3):654-61. doi: 10.1590/0104-07072015003750013
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).

E uma das questões que a gente achava que fragilizava a profissão e as conquistas em termos de condição de trabalho era a divisão entre as entidades. Transformar cada uma delas numa organização que representava determinados aspectos sem que elas sentassem [para debater]. (Denise Elvira Pires de Pires)

Nós queríamos que tivesse uma entidade unitária para defender os interesses da enfermagem, e a gente vê o quanto isso [não ter acontecido], na minha opinião, foi ruim para a profissão. [...]. Hoje, n ós temos quase 2 milhões de p rofissionais da enfermagem. Se a gente tivesse uma entidade representativa que pudesse juntar os interesses profissionais, mas também os interesses de trabalho, de jornada, de reivindicação de salário, tudo isso, e piso salarial. Tudo isso em uma entidade que tem este peso, que é o maior grupo de profissionais da saúde do Brasil. A força que essa entidade poderia ter, né? (Jorge Lorenzetti)

É importante ressaltar que a entidade unitária não é a única forma superação das diferenças históricas entre as entidades que os respondentes levantaram. Experiências locais e de outros países também são apresentadas.

[Na Holanda] eles tinham uma organização chapéu, que mesmo se mantivesse diferentes estruturas, eles tinham uma que falava pela enfermagem, que falava pela medicina, na hora de definir as políticas públicas. (Denise Elvira Pires de Pires)

Eu penso que há muito tempo a gente fala em uma entidade única, de defesa da enfermagem, mas, quando a gente fala única, não quer dizer um único CNPJ. Única que a gente lute pelas mesmas coisas, associação, conselho e sindicato de enfermagem. (Helga Regina Bresciani)

Na época, a nossa visão era transformar a ABEn em uma entidade unitária. Os médicos têm um conselho. Um conselho de entidade médicas, conselho com regimento e tudo. (Jorge Lorenzetti)

DISCUSSÃO

A ABEn, desde o seu surgimento, desempenhou importante papel na estruturação da enfermagem como profissão da saúde. Durante suas primeiras décadas, cresceu em fortalecimento, assumindo a representação da profissão na sociedade, a definição das normas para conduta ética e para a fiscalização do exercício, além da formulação de regras para a formação profissional(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.). Através da associação, também se fortalece a divulgação dos conhecimentos produzidos pela enfermagem brasileira. Em 1939 são criadas duas comissões de importância ímpar, a Comissão de Educação e de Legislação.

Interna à Comissão de Educação, as enfermeiras que dirigiam a entidade buscaram o aperfeiçoamento dos conhecimentos necessários para se tornar um profissional da enfermagem, iniciando um programa para a expansão das escolas de formação profissional em todo o Brasil. Destaca-se que a amplificação do ensino/escolas apresenta impacto direto sobre a profissão, haja vista que são as escolas que formam os novos profissionais e estimulam a produção de conhecimentos necessários para a construção de uma disciplina do campo da ciência que assume o cuidado como objeto epistemológico. A escola tem papel fundamental na construção, discussão e aprimoramento da disciplina enfermagem(33 Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enf, 2009;62(5):736-744.,1313 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Peres MAA, Paim L. Enfermagem Profissão: seu status, eis a questão. Rev Enferm UERJ, 2016;24(2):1-5. doi: 10.12957/reuerj.2016.8591
https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.859...
).

A Comissão de Legislação tem papel importante no debate e formulação de parâmetros para a definição de leis que respaldem o exercício profissional. Cita-se entre seus feitos mais notáveis os esforços para a conquista da primeira lei do exercício profissional no país, Lei nº 2.604/55, em um processo vitorioso que conseguiu unir enfermeiras e obstetrizes(1313 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Peres MAA, Paim L. Enfermagem Profissão: seu status, eis a questão. Rev Enferm UERJ, 2016;24(2):1-5. doi: 10.12957/reuerj.2016.8591
https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.859...
). No mesmo sentido, desempenhou papel fundamental na formulação do estabelecido na atual lei do exercício profissional da enfermagem, Lei nº 7498/1986. Essas ações se destacam pelo caráter regulatório, fundamental na construção profissional. Entidades formadas por pares têm importante papel no processo de autorregulação(1414 Carvalho AC. Papel da ABEn na formação do enfermeiro. In: Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem 1926-1976. Brasília: ABEn Nacional, 2008. P. 132-7.-1515 Pires DEP. Reestruturação produtiva e trabalho em saúde no Brasil. São Paulo: Annablu-me, 2008.).

Outro feito da ABEn, importante para a profissão, foi a sua contribuição para criação e estruturação dos Conselhos de Enfermagem. O COFEN e os CORENs compõem um sistema cujo objetivo principal é fiscalização do exercício profissional e tribunal ético. Trata-se de uma autarquia que registra os profissionais de enfermagem e confere a eles o aval para atuação(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.).

No entanto, a criação do conselho também propiciou um primeiro período de desarticulação e fragmentação representativa que contribuiu para o enfraquecimento da associação perante a sociedade. O quadro que incluiu redução da representação da associação e conselhos atuando de modo distante dos anseios dos profissionais ocorreu nacionalmente, em Santa Catarina e nos demais estados da federação, refletindo, diretamente, na valorização da profissão perante a sociedade e na confiança dos próprios profissionais em relação aos seus órgãos de representação.

A valorização da enfermagem é a principal temática da atualidade no que tange aos objetivos profissionais. O processo de desvalorização se expressa nos espaços decisórios da sociedade e da saúde, com consequências para a produção do cuidado e para a saúde física e mental dos trabalhadores(1212 Pires DEP, Lorenzetti J, Albuquerque GL. O "Movimento Participação" na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn):História e desafios na representação profissional. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. 2.ed. São Paulo: Difusão Editora, 2015. P. 459-482.). Valorização não se ganha, e só se conquista com união da categoria. União tal que pode partir de diversas vias, porém necessita do alinhamento político das entidades representativas.

A construção da entidade unitária se consolida como forma basilar de alinhavar as bandeiras de luta e os posicionamentos políticos da profissão. Reflete também, em maior poder de representatividade nacional e internacionalmente. Ressalta-se que o processo para construção de tal entidade unitária não é uníssono e que muitas variáveis devem ser consideradas. Além do processo legal de mudança da natureza de ambas as entidades, há a preocupação na manutenção dos seus papéis do ponto de vista da Sociologia das Profissões. Faz-se necessário o estímulo à produção e divulgação do conhecimento próprio da enfermagem, por meio das escolas, da pesquisa nos diversos espaços assistenciais e da disponibilidade de revistas, trabalho no qual a ABEn se destaca. Além disso, a manutenção da função de autorregulação do exercício profissional realizada pelos conselhos, necessária para a qualificação e segurança dos cuidados prestados e para a autonomia profissional(44 Santos JFE, Santos RM, Costa LMC, Almeida LMWS, Macêdo AC, Santos TCF. Importância das organizações civis de enfermagem: revisão integrativa da literatura. Rev Bras Enferm, 2016;69(3):610-618. doi: 10.1590/0034-7167.2016690326i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201669...
-55 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pires DEP. Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (1975-1986):importância para a profissão. Texto Contexto Enferm, 2015;24(3):654-61. doi: 10.1590/0104-07072015003750013
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,1515 Pires DEP. Reestruturação produtiva e trabalho em saúde no Brasil. São Paulo: Annablu-me, 2008.).

No Brasil, há exemplos de entidades que se mantêm únicas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que detém o poder de regulação profissional bem com de discussão científica(1111 Mancia JR, Padilha MI, Ramos FRS. A Associação Brasileira de Enfermagem. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Paulo: Difusão Editora; 2011. P. 459-82.), apesar do surgimento mais recente de sindicatos de advogados que tratam de negociação trabalhista.

Outra maneira de organização citada pelos entrevistados seria através da criação de um “conselho” das entidades de enfermagem. Tratar-se-ia, assim, de um espaço de decisão entre os órgãos com poder representativo da profissão. Através desse formato, as entidades se reúnem sem mudanças jurídicas em sua estrutura, porém construindo um regimento, ou estatuto, que regule o seu espaço decisório e formato de representação. Considera-se uma superação político-organizacional de alinhamento de interesses da profissão.

Ressalta-se que tal formato de organização tem como ponto positivo a possibilidade de absorção dos sindicatos que representam a enfermagem, cujo papel não foi objeto deste estudo. Tais sindicatos se apresentam de diversas formas, como os que representam todos os profissionais de saúde até os que tratam apenas dos enfermeiros. Entretanto, o conselho superior abre brecha para sua fissão a depender daqueles que forem eleitos para a direção das entidades em separado.

O formato de conselho das entidades traz exemplos nacionais e internacionais. Cita-se o modelo holandês de conselho entre as entidades de enfermagem e, no Brasil, a criação do Conselho Superior das Entidades Médicas (COSEMESC), órgão que reúne as diversas representações da medicina.

Para além das formas de organização que tangem às mudanças estruturais e burocráticas, há o alinhamento político como fator base para a valorização profissional. A união das lutas e bandeiras traz maior renome à profissão perante a sociedade e credibilidade dos próprios trabalhadores com a entidade o qual são representados. De forma mais laboriosa, o alinhamento político se sujeita, sempre, aos ideais dos representantes políticos que forem eleitos(22 Costa R, Padilha MI, Borenstein MS, Moreira AR. Florence Nightingale (1820-1910): as bases da enfermagem moderna no mundo. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. 2. ed. São Caetano do Sul, São Paulo: Difusão Editora; 2015. P. 183-218.).

Limitações do estudo

A limitação deste estudo se encontra em dois fatores principais: primeiro, analisa períodos históricos específicos e reflete sobre eles para a compreensão do cenário atual, porém não possui abrangência da percepção dos profissionais não ligados às entidades representativas, gerando visão em perspectiva unilateral de análise; o segundo traz uma discussão acerca das possibilidades de união da categoria, entretanto não tem o foco de discussão das potencialidade e fragilidades de cada uma apresentada.

Contribuições para a área da enfermagem

A pesquisa visa contribuir para a reflexão acerca do poder de influência das entidades de enfermagem para a profissão e incitar o debate das melhores estratégias para o fortalecimento delas. Com isso, visa ao empoderamento da profissão perante a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A enfermagem se constitui como profissão legal e autorregulada, assumindo um campo de conhecimento próprio centrado em um objeto epistemológico, e, como trabalho, inserida no campo da saúde, atende a uma necessidade social.

Essas características são indissociáveis, todavia a fragmentação da representação profissional fragiliza a profissão, dificulta a sua valorização e sua expressão na sociedade. Assim, reafirma-se a importância do diálogo e da construção de unidade em defesa da profissão, seja do ponto de vista político ou através da concatenação administrativa.

Neste sentido, é premente estudos com o detalhamento das formas de organização profissional, seus pontos fortes e fragilidades, para, assim, fomentar o debate interno às entidades na decisão para trilhar os melhores caminhos da valorização e reconhecimento profissional.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Antonio José de Almeida Filho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2020
  • Aceito
    11 Set 2020
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