A abordagem das questões ambientais na pósgraduação em enfermagem no Brasil

RESUMO

Objetivos:

analisar a inserção da temática ambiental na pós-graduação stricto sensu em enfermagem no Brasil.

Métodos:

pesquisa qualiquantitativa, de abordagem exploratória, com pesquisa documental na Plataforma Sucupira e em sites dos 112 cursos stricto sensu em Enfermagem no Brasil, em 2018. Foram analisadas as matrizes curriculares; ementas dos cursos; perfil docente; dissertações e teses (2004-2016); e produções bibliográficas da avaliação quadrienal 2013-2016. A análise dos dados quantitativos foi realizada por métodos estatísticos; e os dados qualitativos, pela Técnica de Análise de Conteúdo, delineada por Bardin.

Resultados:

os resultados demonstram a incipiência no tratamento das questões ambientais. Acerca da temática, destacam-se as que se referem aos aspectos sócio-histórico-culturais em relação às temáticas de abordagem ambiental mais direta e facilitadora da conservação ambiental e consequente promoção da saúde.

Considerações Finais:

a análise permite identificar a fragilidade da abordagem ambiental nos programas analisados, sendo necessário aprimorar a transversalidade das questões ambientais.

Descritores:
Educação Superior; Educação em Enfermagem; Currículo; Educação em Saúde Ambiental; Brasil

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the insertion of environmental issues in the postgraduate stricto sensu in nursing in Brazil.

Methods:

quali-quantitative research, of exploratory approach, with documental research in the Sucupira Platform and in sites of the 112 courses stricto sensu in Nursing in Brazil, in 2018. We analyzed the curricular matrixes; course menus; teaching profile; dissertations and thesis (2004-2016); and bibliographic productions of the four-year evaluation 2013-2016. The analysis of quantitative data was performed by statistical methods; and qualitative data, by the Content Analysis Technique, outlined by Bardin.

Results:

the results demonstrate incipiency in the treatment of environmental issues. Regarding the theme, we highlight those that refer to socio-historical-cultural aspects in relation to the more direct environmental approach and facilitator of environmental conservation and consequent promotion of health.

Final Considerations:

The analysis allows identifying the fragility of the environmental approach in the analyzed programs, being necessary to improve the cross-sectionality of environmental issues.

Descriptors:
Education, Nursing, Graduate; Education, Nursing; Curriculum; Environmental Health; Brazil

RESUMEN

Objetivos:

analizar inserción de temática ambiental en posgrado stricto sensu en enfermería en Brasil.

Métodos:

investigación cuali-cuantitativa, abordaje exploratorio, investigación documental en Plataforma Sucupira y en sitios de 112 cursos stricto sensu en Enfermería en Brasil, en 2018. Analizadas matrices curriculares; sumarios de los cursos; perfil docente; tesis (2004-2016); y producciones bibliográficas de la evaluación cuatrienal 2013-2016. El análisis de los datos cuantitativos realizados por métodos estadísticos; y los datos cualitativos, por Técnica de Análisis de Contenido, delineada por Bardin.

Resultados:

resultados muestran el inicio del tratamiento de cuestiones ambientales. Acerca de la temática, se destacan las que se refieren a los aspectos socio-histórico-culturales en relación a las temáticas de abordaje ambiental más directa y facilitadora de la conservación ambiental y consecuente promoción a la salud.

Consideraciones Finales:

el análisis permite identificar la fragilidad del abordaje ambiental en los programas analizados, siendo necesario perfeccionar la transversalidad de cuestiones ambientales.

Descriptores:
Educación Superior; Educación en Enfermería; Currículo; Educación en Salud Ambiental; Brasil

INTRODUÇÃO

Na área da saúde, no Brasil, atuam 3,5 milhões de trabalhadores, dos quais cerca de 50% desempenham suas funções na enfermagem. Essa área está presente em todos os municípios, fortemente inserida no Sistema Único de Saúde, atuando nos setores público, privado, filantrópico e de ensino. Do total de 1,8 milhão de profissionais que faz parte da equipe de enfermagem, 414 mil são enfermeiros⁽¹⁾.

O enfermeiro, como profissional integrante da equipe de saúde, precisa ter acesso a uma formação que contemple as questões ambientais no desenvolvimento de ações de proteção do meio ambiente, de forma a melhorar a qualidade de vida da população e diminuir a incidência de doenças oriundas de desordens ambientais.

A preocupação com as questões ambientais não é algo emergente na profissão, tendo sua origem datada na própria gênese da enfermagem. Florence Nightingale, precursora da enfermagem, em seu livro “Notes on Nursing”, apresenta diversas observações acerca da adequação do ambiente na prevenção e tratamento de enfermidades, o que ficou conhecido como a “teoria ambientalista de Florence”. Essa teoria possui conceitos que servem de parâmetro na atualidade, sendo a sua relevância considerada um marco na história da enfermagem⁽²⁾.

O Código Internacional de Enfermagem define que o enfermeiro deve ser responsável pela preservação do meio ambiente, protegendo-o contra o empobrecimento, degradação e destruição⁽³⁾. Isso porque ele é considerado um dos principais determinantes de saúde, e a manutenção de seu equilíbrio aumenta não apenas a expectativa, mas também a qualidade de vida. Dessa forma, os enfermeiros devem estar cientes dos problemas ambientais, a fim de abordar essa temática com os indivíduos e comunidades⁽⁴⁾.

Nesse sentido, é urgente a necessidade de implantação ou revisão desse tipo de discussão na formação em enfermagem, para que uma melhor abordagem ambiental seja alcançada. Parte-se da importância da resolução e prevenção das doenças causadas pelos riscos ambientais a que a população está exposta; e, principalmente, busca-se a produção de um ambiente mais saudável, que propicie melhores condições de vida e em que haja participação de esforços para a preservação da saúde planetária.

De modo geral, o Brasil dispõe de um vasto arcabouço legal no que se refere às recomendações da inserção transversal das questões ambientais no âmbito do ensino formal no nível superior^(5-7). Embora teoricamente embasadas, as recomendações necessitam de estudos e análises a fim de se ampliar o debate acerca de suas efetivações ou dificuldades na implantação.

A pós-graduação vem contribuindo significativamente para a ambientalização acadêmica no Brasil, seja pela atuação na formação técnica dos profissionais, capazes de contribuir para o desenvolvimento sustentável, seja pela sua função social na organização da sociedade⁽⁸⁾.

Alguns estudos analisaram a inserção das questões ambientais em programas de pósgraduação no Brasil em diferentes áreas: Química⁽⁹⁾; Turismo⁽¹⁰⁾; e Administração^(11-12). Até o momento, não se realizou tal análise no âmbito da Enfermagem ou de qualquer profissão de saúde.

Ao ser consultada a literatura sobre a formação em Enfermagem e a articulação ambiental, observou-se o quantitativo ainda inexpressivo de publicações, tendo em vista o alto número de profissionais na área e a importância da temática para fins da promoção de saúde. Até o momento, observa-se que alguns estudos discutem, mesmo discretamente, a necessidade de que a temática seja inserida na formação do enfermeiro⁽¹³⁾ e de que os docentes desenvolvam uma percepção ambiental^(14-15), no entanto existe uma lacuna no âmbito da discussão sobre a abordagem ambiental na pós-graduação em Enfermagem. Nesse contexto, a relevância deste estudo se baseia no ineditismo de sua análise.

OBJETIVOS

Analisar a inserção da temática ambiental na pós-graduação stricto sensu em Enfermagem no Brasil.

MÉTODOS

Tipo de estudo

O presente estudo possui abordagem quali–quantitativa, descritiva e exploratória e se caracteriza como uma pesquisa de abrangência nacional.

Cenário de estudo

O cenário deste estudo compreende 112 cursos de pós-graduação stricto sensu em Enfermagem cadastrados na Plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no ano de 2018.

Procedimentos metodológicos

Este trabalho analisa a totalidade dos cursos stricto sensu em Enfermagem no ano de 2018. A realização da análise ocorre apoiando-se em dados secundários disponíveis na Plataforma Sucupira da CAPES e dos sites dos programas de mestrado e doutorado pesquisados no Brasil. Foi utilizado o instrumento SRQR do Equator para a pesquisa qualitativa.

Fonte e organização de dados

A coleta dos dados ocorreu no período de janeiro a julho de 2018. Os dados empíricos foram coletados no site da CAPES, nos seguintes documentos: Caderno de indicadores de avaliação dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGs), relativos ao ano de 2017; e Fichas de avaliação de área referentes ao último quadriênio (2013-2016).

Na Plataforma Sucupira, ainda foram coletados dados referentes à formação de docentes cadastrados na área, dissertações e teses produzidas no período de 2004 a 2016, bem como produções bibliográficas gerais da última avaliação quadrienal com o tema ambiental.

Do site de cada programa pesquisado, foram extraídas as seguintes informações: nome da instituição de ensino, sigla, estado, ano de início do curso, conceito atribuído pela CAPES, nível, nome do curso, disciplinas e conteúdos específicos sobre as questões ambientais.

Análise dos dados

A abordagem quantitativa compreendeu a estatística descritiva das informações coletadas, bem como a quantificação e tratamento das categorias de análise⁽¹⁶⁾ obtidas com base nas disciplinas e conteúdos. A abordagem qualitativa contemplou a Análise de Conteúdo delineada por Bardin⁽¹⁶⁾, realizada com base nas informações coletadas das ementas dos cursos e documentos da área de Enfermagem da CAPES.

Para realização da Análise de Conteúdo, ficou estabelecido o conceito de meio ambiente adotado em consonância com a Política Nacional de Meio Ambiente, que o define como um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, capaz de permitir, abrigar e reger a vida em todas as suas formas⁽⁵⁾; além do conceito estabelecido pela ISO 14.001/04, a qual o concebe como circunvizinhança em que uma organização opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos naturais, flora, fauna, seres humanos e suas inter-relações⁽¹⁷⁾.

A análise de conteúdo proposta por Bardin divide-se em três fases. A primeira é denominada pré-análise e corresponde à fase de organização do material coletado. Ela subdivide-se nas seguintes etapas:

1. Leitura Flutuante: neste momento, foi realizada a leitura e aprofundamento das informações coletadas das ementas e grades curriculares dos cursos, bem como demais informações importantes obtidas nos sites dos programas.

2. Escolha dos documentos: as ementas das disciplinas foram definidas como objetos de análise principal para formulação das categorias de análise.

3. Formulação de hipóteses e objetivos: aqui ficou estabelecido que seriam coletados dados das disciplinas e conteúdos, sendo os conteúdos de maior relevância para a formulação das categorias de análise. Dessa forma, as disciplinas seriam separadas em blocos temáticos apenas, e os conteúdos avançariam para a próxima etapa dessa análise.

4. Referenciação dos índices e elaboração de indicadores: etapa realizada mediante recorte de textos nos documentos analisados. Nessa etapa, foram separadas as informações relativas aos conteúdos com questões ambientais diretas e os aqueles com questões ambientais indiretas.

A segunda fase consiste na exploração do material, com a definição de categorias e a identificação das unidades de registro. Essa fase é caracterizada como a fase de descrição analítica, correspondente ao corpus submetido ao estudo aprofundado, sendo orientado por hipóteses e referenciais teóricos. Portanto, nessa etapa, se deu a codificação, a classificação e a categorização do corpus da pesquisa; e os conteúdos foram classificados e categorizados quanto à sua abordagem temática.

A terceira e última fase se refere ao tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Ocorre, aqui, a condensação e o devido destaque das informações para análise, sendo considerado o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica⁽¹⁶⁾.

Para fins de organização e aprofundamento da discussão, as questões ambientais são tratadas aqui como:

1. Questões ambientais diretas: aquelas relacionadas aos recursos naturais e sua conservação, estratégias de adaptação ou mitigação às desordens ambientais e estratégias de preservação ambiental. Também foram consideradas questões explícitas, as palavras ou expressões com o termo ambient.

2. Questões ambientais indiretas ou com aproximações: aquelas relacionadas às questões sociais, culturais ou educativas, bem como às especificidades regionais.

RESULTADOS

As questões ambientais nos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem no Brasil

Pelo levantamento da formação dos docentes cadastrados nos PPGs da área de Enfermagem, identificaram-se 1.518 docentes cadastrados, sendo que 64,9% com formação na grande área de Enfermagem. No que se refere à formação desses docentes em áreas ambientais, foram identificados apenas dois (0,13%), com doutorado. Esse número é menor do que a quantidade de docentes sem área informada (0,26 %). Mesmo agrupando as áreas de Ciências Biológicas (4,35%), Agrárias (0,79%) e Ambientais (0,13%), o total é de 5,27% dos docentes cadastrados, ou aproximadamente 78 docentes no Brasil, o que demonstra um quantitativo ainda baixo.

Ao se analisar como as disciplinas que abordam a temática ambiental estão dispostas nos cursos de mestrado e doutorado em Enfermagem no Brasil, um baixo quantitativo delas foi encontrado nas matrizes curriculares dos cursos analisados.

Figura 1
Quantitativo de disciplinas com abordagem ambiental nos cursos de mestrado e doutorado em Enfermagem no Brasil por bloco temático

Observa-se que, das 37 disciplinas encontradas, 11 apresentam relação direta com a temática ambiental, e 26 possuem relação indireta. O tema em maior quantidade no total geral envolve os aspectos sociais (Práticas e Determinações Sociais). Ao ser realizada uma análise quantitativa dos cursos que ofertam disciplinas relativas a questões ambientais, os seguintes dados foram encontrados:

Tabela 1
Percentual de cursos de mestrado e doutorado em Enfermagem com disciplinas ambientais por região brasileira no ano de 2018

Região	Nº total de cursos	Cursos com disciplinas ambientais (%)	Relação Direta (%)	Relação Indireta (%)
CO	9	22,2	0,0	22,2
N	2	50,0	0,0	50,0
NE	29	31,0	3,4	27,6
S	24	20,9	16,7	4,2
SE	48	37,5	10,4	27,1
Total geral	112	31,2	8,9	22,3

• Nota: CO - Centro-Oeste; N - Norte; NE - Nordeste; S - Sul; SE - Sudeste.

Pode-se afirmar que, dos 112 cursos analisados, 35 possuem disciplinas específicas sobre a temática ambiental, o que corresponde a 31,2% do total. Destaca-se que, nas Regiões Sudeste e Nordeste, mais de 30% dos cursos possuem disciplinas ambientais; e embora a Região Norte apareça com 50% dos cursos com disciplinas ambientais, esse número não possui relevância se comparado às demais regiões, uma vez que esta possui apenas dois cursos cadastrados.

Em termos de relação mais direta com a temática, a Região Sul se destaca no país, com 16,7% dos cursos trabalhando com a temática por meio de disciplinas. As Regiões Centro-oeste e Norte não apresentam nenhuma disciplina com relação direta em seus 11 cursos. Na Região Nordeste, 3,4% dos cursos possuem disciplinas com questões ambientais de abordagem direta; e na região sudeste, 10,4%.

Na avaliação geral, os cursos que trabalham com disciplinas de abordagem indireta aparecem com maior frequência. Todas as regiões, com exceção da Região Sul, apresentam percentuais acima de 20% dos cursos com essas disciplinas. Dessa forma, pode-se afirmar que a abordagem das questões ambientais por meio de disciplinas é ainda discreta e ocorre majoritariamente abordando as questões ambientais indiretas.

A transversalidade das questões ambientais: divergências e convergências

Embasando-se no conceito de transversalidade como forma de integração dos temas às áreas convencionais e questões atuais⁽¹⁸⁾ e pesquisando os conteúdos ambientais trabalhados nos PPGs em Enfermagem, foram identificadas as seguintes categorias de análise:

Figura 2
Quantitativo de conteúdos ambientais por categorias de análise nos cursos de mestrado e doutorado em Enfermagem no Brasil

Foram encontrados 93 conteúdos com a temática; tal número corresponde a uma média de aproximadamente um conteúdo por curso analisado, considerando que, dos 112 cursos analisados, apenas 84 disponibilizam a ementa no site. Ao se realizar a análise das ementas, alguns achados interessantes foram identificados:

1. Em um curso de doutorado na Região Sul do país, foi identificado que uma disciplina discute as questões financeiras relacionadas às novas tecnologias, porém as questões ambientais não são contempladas, pelo menos na ementa;

2. Diversos cursos de mestrado e doutorado que trabalham a gestão em termos gerais ou até mesmo a gestão da qualidade de serviços de saúde não abordam a gestão ambiental nem fazem referências às questões relacionadas ao gerenciamento de resíduos;

3. Em cursos com disciplinas sobre temas atuais ou emergentes da enfermagem, também não são evidenciadas as questões ambientais nem tampouco a sua relação com a profissão;

4. Em um curso de doutorado na Região Sudeste, um fato que chama atenção refere-se à ênfase dada na medicalização no processo saúde-doença em detrimento dos determinantes e condicionantes da saúde.

5. Ainda na Região Sudeste, um curso de mestrado aborda as doenças emergentes e reemergentes sem contemplar as questões ambientais em sua ementa.

Muitas são as lacunas identificadas nas ementas. Diversas disciplinas que poderiam ser altamente ambientalizadas são extremamente fragmentárias e com uma visão arcaica sobre o desenvolvimento global, focalizando apenas os aspectos econômicos e científicos.

Porém, alguns exemplos são positivos no que se refere à inserção da temática ambiental de forma transversal nesse tipo de formação. Podemos citar o fato de um curso de doutorado na Região Sudeste trabalhar com os temas transversais na disciplina “Promoção da Saúde na Atenção Básica”. Outro exemplo inclui um curso de mestrado na Região Sul que trabalha com a “teoria ambiental de Florence Nightingale” em suas disciplinas.

Com relação ao tratamento transversal das questões ambientais, observou-se que 38 cursos (45,2%) abordam a temática dessa maneira, porém discretamente. Em termos gerais, a Região Sudeste apresenta a temática ambiental de forma transversal em pelo menos 50% de seus cursos, tendo em vista que 8 deles não disponibilizam as ementas eletronicamente. Nessa região, os conteúdos de relação direta também aparecem com destaque. No tocante aos conteúdos de relação direta, não houve ocorrência deles nas Regiões Norte e Nordeste.

Dos 84 cursos analisados, 40% apresentam conteúdos de abordagem indireta. Na Região Sudeste, 50% dos cursos abordam a temática; e na Região Norte, a totalidade deles abordam-na. De acordo com o exposto, é possível afirmar que os conteúdos apresentam-se em sua maioria de forma indireta e nas Regiões Nordeste e Sudeste. Esta última, que possui maior número de cursos cadastrados, mostra-se aqui como a maior contribuinte no processo de transversalidade da temática.

A produção científica no contexto da temática ambiental

Na análise das disciplinas e conteúdos dos cursos componentes dos PPGs em Enfermagem no Brasil que se relacionam com as questões ambientais, pode-se identificar a fragilidade da abordagem quer no trabalho por meio de disciplinas, quer no transversal. Embora presentes, tanto os conteúdos quanto as disciplinas aparecem em números relativamente baixos e podem impactar de modo significativo a formação ambiental do enfermeiro no país. A fragilidade no âmbito do ensino suscita a necessidade de uma análise aprofundada dos impactos na pesquisa sobre a temática ambiental nos cursos pesquisados e sobre as consequências na difusão do conhecimento para a sociedade.

No campo científico, ao serem analisadas as dissertações (n = 8.901) e teses (n = 2.544) de 2004 a 2016, e as publicações (n = 65.529) do último quadriênio de avaliação da CAPES (2013-2016), foram identificados os seguintes dados:

Figura 3
Dissertações, teses e publicações com temática ambiental nos cursos de mestrado e doutorado em Enfermagem no Brasil

No âmbito das dissertações, as que possuem o termo ambient em seu título correspondem a 1,1% do total produzido na área. Em relação às teses, 2%; e às produções gerais, 0,72%. Ao analisar o corpus das produções encontradas e classificar as temáticas, o percentual das que se referem às questões ambientais propriamente ditas caem de modo significativo. Essa baixa produção bibliográfica pode sugerir a falta de interesse pela pesquisa sobre a temática como reflexo de um ensino ambiental ainda fragmentário.

Após análise minuciosa das dissertações e teses, foram encontradas 37 dissertações e 18 teses publicadas no período entre 2004-2016 com o termo ambient e em relação direta com as questões ambientais na área de Enfermagem.

Observou-se a ausência de dissertações e teses nos anos de 2006 e 2007 e o baixo número de produções anuais. No ano de 2015, que foi o de maior número de produções, foram produzidos 11 trabalhos em todo o país.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo analisar a abordagem da temática ambiental nos PPGs em Enfermagem no Brasil, além de evidenciar aspectos relacionados à formação e produção científica na área estudada.

O campo de construção das questões ambientais tem se constituído como local de disputa de uma raiz utilitária, que compreende o meio ambiente composto pelos recursos materiais e desconsidera os conteúdos socioculturais específicos; e uma raiz cultural, que abrange um meio ambiente múltiplo em suas qualidades socioculturais entendendo o homem como um ser históricosocial⁽¹⁹⁾. O objetivo deste trabalho não foi o de separar a raiz utilitária da cultural, mas de enriquecer a discussão sobre o assunto, trabalhando com as temáticas aqui consideradas como direta e indireta.

Quanto à formação dos docentes credenciados, esta se concentra majoritariamente na grande área de Enfermagem, sendo a formação nas Ciências Ambientais menor até mesmo que as formações não informadas, o que corresponde a dois docentes cadastrados em todo o país.

A formação docente é um dos fatores que pode favorecer o êxito na abordagem interdisciplinar das questões ambientais. É complicado abordar problemáticas conjuntamente e sob diferentes olhares quando há hegemonia na formação do corpo docente. Torna-se válido considerar que, muito além de uma reforma curricular, é necessária uma reforma do pensamento de todos os atores envolvidos no processo de ensino⁽²⁰⁾. Somente após essa reforma, as questões ambientais poderão permear as práticas educativas.

Constatou-se que, dentre os 112 cursos stricto sensu, 35 cursos possuem disciplinas sobre a temática, sendo 10 cursos com disciplinas ambientais de abordagem direta; e 25 cursos com disciplinas ambientais indiretas. É necessário compreender que, embora a educação disciplinar da contemporaneidade traga muitos conhecimentos, esta é insuficiente para a compreensão de forma multidimensional dos problemas⁽²¹⁾, uma vez que se baseia apenas na especialização do saber naquele domínio disciplinar. Isso poderia ser solucionado com a operacionalização da transversalidade nos currículos⁽²²⁾.

O tratamento dado à Educação Ambiental na formação profissional superior ainda é reducionista e apresenta lacunas nas abordagens e fundamentos básicos, apresentando-se de forma muito embrionária em alguns cursos de Enfermagem⁽¹⁴⁾, assim como identificado nos cursos de pósgraduação analisados. É importante a abordagem transversal da temática ambiental de forma a perpassar por diferentes disciplinas, subsidiando uma visão integrada e contextualizada da relação saúde e ambiente⁽²⁰⁾.

Com relação ao tratamento transversal das questões ambientais, observou-se que, dos 84 cursos analisados, 38 abordam a temática transversalmente, porém de forma ainda discreta. Verifica-se que os conteúdos ambientais apareceram 93 vezes nas ementas, o que daria uma média aproximada de um conteúdo por curso analisado.

A transversalidade e a interdisciplinaridade, tão recomendadas nos documentos educacionais oficiais^(5-7), precisam permear todo o ensino ambiental na formação profissional. Dessa forma, as universidades precisam de novos métodos e abordagens para o processo de ensino-aprendizagem e comunicação entre os atores do processo⁽²³⁾.

Para a área da Enfermagem, a interdisciplinaridade é um exercício importante uma vez que, ao se conectar com outras áreas, mediante ações dialógicas e reconstrução de novos conhecimentos, apropria suas práticas e seu conhecimento científico⁽²⁴⁾.

O saber ambiental se distingue na medida em que interage com o objeto e campo temático de cada ciência. Assim, não constitui um novo campo de conhecimento ou uma nova disciplina do ensino superior, mas um saber envolvendo abordagens epistemológicas e metodológicas que permitem abordar suas problemáticas ligadas a diferentes formas de conhecimento⁽²⁵⁾.

As principais categorias de análises que emergiram da Análise de Conteúdo referem-se às representações e práticas sociais. Tais categorias foram evidenciadas nos achados disciplinares e nos conteúdos. Embora de relevante importância, tais temas também aparecem ainda em número reduzido, tendo em vista a totalidade de cursos.

Estudos apontam que a realidade ainda se baseia nas ofertas acadêmicas pautadas na disciplinarização, seja no currículo, seja em pesquisas. Até mesmo a realização de pesquisas interdisciplinares nas universidades é desafiadora, devido ao pensamento enraizado historicamente de áreas do conhecimento⁽²⁶⁾.

Em termos de produção acadêmica, ao serem analisadas as dissertações e teses elaboradas no período de 2004 a 2016, foram encontradas 37 dissertações e 18 teses. A análise temporal delas evidencia a baixíssima produção no período de 2004 a 2016, com média de cinco produções anuais, sendo que, nos anos de 2006 e 2007, não ocorreram produções com a temática pesquisada. Essa baixa produção bibliográfica pode sugerir a falta de interesse pela pesquisa sobre a temática como reflexo de um ensino ambiental ainda fragmentário.

Em geral, o legado deixado por Florence aponta a saúde como resultado direto da interação dos fatores ambientais, e percebe-se que, embora a precursora da enfermagem moderna já tenha concebido essa correlação, tal tema ainda não é plenamente considerado pelos profissionais da enfermagem. Tal fato pode ser explicado pelo modelo biomédico hegemônico que valoriza a doença e a assistência, em detrimento da promoção da saúde.

É desafio da pós-graduação em Enfermagem que docentes, discentes e egressos tenham uma produção acadêmica de qualidade, constituindo fonte de conhecimento entre pesquisadores, ampliando possibilidades de interlocução e fortalecendo a enfermagem enquanto ciência⁽²⁷⁾. Embora o crescimento da pós-graduação em Enfermagem no Brasil tenha se traduzido no aumento da produção científica da área, que alcançou o 7º lugar no ranking internacional no ano de 2016⁽²⁸⁾, é preciso compreender que o desenvolvimento quantitativo não é suficiente para a obtenção da sustentabilidade da produção científica⁽²⁹⁾.

O ano de 2017 trouxe novidades e conquistas para a pós-graduação stricto sensu da área de Enfermagem no Brasil⁽²⁸⁾. Porém, é preciso repensar a função dessas instituições no que se refere à problemática ambiental e sua atuação na construção e efetivação de políticas educacionais. Estas devem contemplar a temática ambiental de forma transversal nos diferentes processos formativos, a fim de valorizar uma formação que enfatize as questões ambientais e forme profissionais críticos e atuantes.

É notório o fato de que a sociedade se desenvolveu, nas últimas décadas, com vista exclusiva às questões econômicas, e é consenso que a construção de um processo de desenvolvimento mais evoluído exige mudanças de maior tenacidade no ensino e pesquisa.

Pelo exposto, pode-se afirmar que, embora ainda em número reduzido, o enfoque dado às questões socioeconômicas e culturais é de suma importância no avanço e na consolidação da transversalidade das questões ambientais, tendo em vista que estas correspondem à essência humana e de seus grupos sociais. Contudo, as questões ambientais diretas também precisam ser abordadas, sendo essencial a fusão desses conteúdos ambientais na formação do enfermeiro.

Limitações do estudo

A pesquisa apresenta como limitação a escassez de estudos sobre a temática em questão: a abordagem ambiental na pós-graduação stricto sensu em Enfermagem. Tal limitação ocorre não apenas no âmbito da Enfermagem, mas nas diferentes áreas de conhecimento, o que torna difícil a análise e comparação dos dados.

Contribuições para a Área

Considerando as lacunas referentes à abordagem ambiental identificadas na formação do enfermeiro no país, algumas revisões podem ser adotadas no sentido de aprimorar a inserção da temática ambiental na formação em Enfermagem.

Diante do exposto, um maior envolvimento da pós-graduação e de seus órgãos regulamentadores pode favorecer a abordagem ambiental, não apenas neste nível de ensino, mas também na graduação, tendo em vista o “efeito cascata” que isso pode causar no tocante à transmissão de conhecimentos e comportamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O avanço da tecnologia e disseminação de informações aumenta a necessidade de estudos e atualizações periódicas. Não basta apenas a certificação para se alcançar o êxito na profissão, é preciso incorporar novas práticas e informações, dentre elas, a ambiental. Nessa linha, as questões ambientais devem estar presentes na discussão da formação de todos os profissionais, uma vez que o objetivo de um ambiente planetário saudável é comum a toda sociedade.

Como apresentado no decorrer deste estudo, apesar da expansão da pós-graduação em Enfermagem e da valorização científica da área, as temáticas ambientais aparecem ainda discretamente nos currículos dos cursos de mestrado e doutorado no Brasil, sendo essa inserção e consolidação um grande desafio para a promoção da saúde.

É preciso repensar a função dessas instituições no que se refere à problemática ambiental e sua atuação na construção e efetivação de políticas educacionais. Estas devem contemplar a temática ambiental transversalmente nos diferentes processos formativos, para favorecer uma formação que, enfatizando questões ambientais, forme profissionais críticos, atuantes e eficazes agentes promotores da saúde.

Diante dos resultados, é necessário que a pós-graduação em Enfermagem avance na abordagem das questões ambientais diretas, que podem ser facilmente trabalhadas no âmbito da promoção da saúde, tendo em vista que o meio ambiente é considerado um dos fatores determinantes e condicionantes da situação sanitária do indivíduo.

É essencial a abordagem interdisciplinar e transversal das questões ambientais na formação do enfermeiro. Sem essa fluida abordagem, não há como romper com os padrões curativos da saúde, que historicamente permearam a formação desse profissional, e avançar no sentido de uma formação voltada para prevenção e promoção.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Mar 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  21 Jul 2020
• Aceito
  17 Set 2020