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Pesquisa convergente assistencial e sua qualificação como investigação científica

RESUMO

Objetivos:

destacar os principais atributos da Pesquisa Convergente Assistencial que a ratificam como um método de pesquisa científica. Métodos: estudo teórico-reflexivo sobre pressupostos teórico-metodológicos da Pesquisa Convergente Assistencial. Desenvolvimento: a Pesquisa Convergente Assistencial se compatibiliza com o paradigma do Construcionismo Social. Projetos de Pesquisa Convergente Assistencial supõem dois enfoques: prático e conceptual. O corpus do processo em Pesquisa Convergente Assistencial contém cinco fases: concepção, instrumentação, perscrutação, análise e teorização. Considerações Finais: o rigor em Pesquisa Convergente Assistencial compreende as relações entre pesquisa e prática assistencial, e isso corresponde à convergência dessas duas dimensões. Por sua fundamentação teórica e critérios de rigor metodológico que comporta, a Pesquisa Convergente Assistencial se coloca em alinhamento com métodos de pesquisa científica.

Descritores:
Pesquisa; Métodos; Pesquisa de Serviços de Saúde; Prática Profissional; Pesquisa em Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to highlight the main attributes of Convergent Care Research that ratify it as a method of scientific research. Methods: it is a theoretical-reflective study on Convergent Care Research's theoretical-methodological assumptions. Development: Convergent Care Research is compatible with the Social Constructionism paradigm. Convergent Care Research projects have two approaches: practical and conceptual. The Convergent Care Research process corpus contains five phases: conception; instrumentation; scrutiny; analysis and theorizing. Final Considerations: Convergent Care Research rigor encompasses the relationship between research and care practice, and this corresponds to the convergence of these two dimensions. Due to its theoretical foundation and criteria of methodological rigor, Convergent Care Research is aligned with scientific research methods.

Descriptors:
Research; Methods; Health Services Research; Professional Practice; Nursing Research

RESUMEN

Objetivos:

destacar los principales atributos de la Investigación Convergente Asistencial que la ratifican como método de investigación científica. Métodos: estudio teórico-reflexivo sobre supuestos teórico-metodológicos del Investigación Convergente Asistencial Desarrollo: el Investigación Convergente Asistencial es compatible con el paradigma del Construccionismo Social. Los proyectos de Investigación Convergente Asistencial asumen dos enfoques: práctico y conceptual. El corpus del proceso Investigación Convergente Asistencial consta de cinco fases: concepción, instrumentación, investigación, análisis y teorización. Consideraciones Finales: el rigor de la Investigación Convergente Asistencial comprende la relación entre la investigación y la práctica asistencial, y esto corresponde a la convergencia de estas dos dimensiones. Por su fundamento teórico y criterios de rigor metodológico, el Investigación Convergente Asistencial se alinea con los métodos de investigación científica.

Descriptores:
Investigación; Métodos; Investigación en Servicios de Salud; Practica Profesional; Investigación en Enfermería

INTRODUÇÃO

A enfermagem, ao longo de, aproximadamente, dois séculos, vem intensificando diligências nas dimensões físicas, intelectuais, morais e políticas, no sentido de acompanhar a evolução técnico-científica de modo geral e, principalmente, no âmbito da saúde humana. Entre essas diligências, destaca-se a educação na área de enfermagem, que tem se deslocado desde o cumprimento de atividades técnicas rotineiras até o desenvolvimento da pesquisa científica, cujos resultados despertaram novos incentivos para pensar em explicitar bases epistêmicas da sua prática assistencial.

A educação em nível de pós-graduação stricto sensu na enfermagem desencadeou um evolutivo movimento na enfermagem brasileira, que teve grande impacto na produção de estudos teóricos e de pesquisa. Atualmente, embora a enfermagem tenha alcançado um considerável status, quando comparada com as demais profissões da saúde, a literatura ainda mostra incessante preocupação dos profissionais de enfermagem em relação à qualidade da sua prática assistencial, principalmente no que se refere ao distanciamento dessa prática das conceituações criadas na academia(11 Reenhalgh T, Papoutsi C. Studying complexity in health services research: desperately seeking an overdue paradigm shift. BMC Medicine. 2018;16(95):1. doi: 10.1186/s12916-018-1089-4
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). Tal distanciamento é visto como um grande "terreno baldio" na enfermagem(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.-33 Scochi CGS, Gelbcke FL, Ferreira MA, Lima MADS, Padilha KG, Padovani NA, et al. Nursing Doctorates in Brazil: research formation and theses production. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(3):387-94. doi: 10.1590/0104-1169.0590.2564
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).

Embora tenha sido desenvolvida grande quantidade de pesquisas na enfermagem, a prática assistencial ainda não tem conseguido avançar de modo a aplicar nessas práticas, o mesmo ritmo crescente dos estudos conceituais, tais como têm sido indicados pela ciência. Além disso, os pesquisadores de enfermagem vêm utilizando diversificadas abordagens metodológicas de pesquisa e também construindo novas abordagens que atendam às especificidades da investigação na área.

Entre os inovadores caminhos de construção teórica no Brasil, a Pesquisa Cuidado, o Método Criativo Sensível e a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA) se destacam. A criação de novos métodos precisa ter como justificativa a necessidade de estabelecer novos caminhos de apropriação do objeto de estudo, não atendido por outros métodos existentes. É, nessa perspectiva, que o método da PCA foi desenvolvido e vem avançando em termos de sua aplicação, arcabouço teórico e consistência como método(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.,44 Cortes LF, Padoin SMM, Berbel NAN. Problematization Methodology and Convergent Healthcare Research: praxis proposal in research. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):440-5. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0362
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).

OBJETIVOS

Destacar os principais atributos da Pesquisa Convergente Assistencial que a ratificam como um método de pesquisa científica.

DESENVOLVIMENTO

A PCA foi criada para contribuir no processo de aproximação entre concepções teóricas e prática assistencial, visando ser instrumento de referência em pesquisa para realização de inovações na prática assistencial cotidiana de enfermagem. Sustenta os seguintes valores: ser humano; saúde; investigação científica; trabalho; educação; responsabilidade; veracidade; confiabilidade; assistência de enfermagem, no sentido de assistir as pessoas em suas necessidades de saúde e de promover a convergência da teoria e da prática de enfermagem.

A PCA é um tipo de pesquisa com ancoragem epistemológica eclética, o que se justifica, necessariamente, pelo seu desenho entrelaçado à prática assistencial. Está compatibilizada ao paradigma do Construcionismo Social, justamente por tal paradigma se projetar- a ir além do modelo biológico, ao se originar de uma teoria sociológica e o seu conhecimento se propor a reconstruir e entender a realidade a partir de ações compartilhadas e coletivas.

Entende-se que a PCA pressupõe a existência de realidades múltiplas e dinâmicas, adversas às leis imutáveis. Também, neste aspecto, o Construcionismo Social está em defesa de uma epistemologia subjetiva, ou seja, o conhecimento é uma construção social, tal como é reconhecida a construção do conhecimento em PCA. Assim sendo, o pesquisador e os outros partícipes envolvidos com a PCA constroem conhecimento a partir de sua interação social(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.).

Deste modo, o pilar ontológico do Construcionismo Social sustenta o enfoque prático da PCA, o qual propõe mudanças e/ou inovações em um determinado contexto de prática assistencial. Essa ação necessita de um amplo interrelacionamento democrático entre os pesquisadores e os integrantes do contexto a ser investigado e modificado.

Todo projeto de PCA supõe dois tipos de focagem: enfoque prático e enfoque conceptual. O enfoque prático está consubstanciado no atributo da imersão do pesquisador em prática assistencial, a fim de manter, durante todo o processo de pesquisa, uma estreita relação com essa prática, produzindo dados de pesquisa que sustentem as mudanças pretendidas. Nesse processo, poderá solucionar ou minimizar os problemas, beneficiando a realização de mudanças e/ou introdução de inovações no contexto da prática em que ocorre a investigação. Nessa investida, o pesquisador conduz ações de prática assistencial e ações de pesquisa dentro de um processo dialógico social na produção de mudanças que tenham sido expressas, como necessárias, pelo pesquisador e pela equipe de trabalho assistencial ou, ainda, pelos usuários do serviço de saúde. Portanto, um projeto que não se propõe a remover obstáculos para beneficiar a assistência ou introduzir inovações no contexto da prática em investigação não poderá ser classificado como PCA, pois esse enfoque prático é parte dos pilares de sustentação da PCA.

O enfoque conceptual está direcionado a produzir conhecimento pela abstração de achados obtidos durante o processo de busca de mudanças na prática assistencial para: a) dar sustentabilidade à mudança e, ou mesmo, à introdução de inovações na prática assistencial; b) dispor da construção de modelos teóricos e/ou instrumentos inéditos, análogos à prática assistencial ou de pesquisa. O enfoque conceptual da PCA possibilita a expansão do que foi previamente proposto para a transformação da prática e/ou de produção de inovações. As reflexões efetuadas no processo de desenvolvimento da PCA possibilitam que concepções iniciais se expandam para novas construções, com novos temas que emergirem no processo de promover inovações.

A interação desses dois enfoques - prático e conceptual - indica a principal diferença entre o método da PCA e outros tantos métodos de pesquisa. Em PCA, os resultados da investigação deverão apresentar a mudança e/ou inovação ocorrida, ou mesmo, já estar em processo de aplicação na prática assistencial em que se desenvolveu a PCA. O processo de pesquisa em PCA inclui, necessariamente, ações de prática assistencial, ações de prática de pesquisa e construções teóricas, levadas a efeito em simultaneidade.

Embora esses dois tipos diferentes de atividades (pesquisa e assistência) ocorram ao mesmo tempo, cada uma delas requer que sejam mantidas suas identidades próprias. "Talvez este seja o maior desafio a ser enfrentado na PCA, uma vez que, é incomum e complexifica o processo, na junção do investigar enquanto se pratica assistência e, mais detidamente, a de praticar a assistência, enquanto se desenvolve a investigação. (...) Nesse aspecto, a PCA também se aproxima do paradigma da complexidade, que concebe a articulação, a identidade e a diferença de todos os aspectos dos fenômenos. Assim sendo, a complexidade trata das 'articulações despedaçadas pelos cortes entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento"(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.). A conjunção desses quatro atributos, diálogo, imersão, simultaneidade e expansibilidade, constitui o marco que estabelece a fronteira tipificada entre o método da PCA e demais métodos de pesquisa.

Neste sentido, esses atributos da PCA incidem na prática assistencial, e, nesse momento de conjunção, se inscreve o cerne do processo em seu mais refinado plano de construção cognitiva. Nessa conjunção, a leitura das relações entre a prática mesma e sua adesão (ou não) aos investimentos teórico-conceituais vai exigir um esforço intelectivo intenso de análise do pesquisador, em busca de discernir os novos conceitos que emergem nos entrecruzamentos do ritmo, ora contraditório, ora sinérgico, que residem na pujança da tensão do encontro das forças teórico-práticas.

Seguindo neste encadeamento de ideias, a PCA se configura como uma abordagem cujo ápice está em consolidação nos atos de convergência das ações de prática assistencial e de pesquisa no contínuo de seu andamento. Assim sendo, ela se diferencia, quando comparada com a maioria dos métodos de pesquisa. Essa especificidade da PCA não traduz fragilidades, ao contrário, mostra forças que respaldam a canalização dos resultados da pesquisa na prática e que, durante o processo da PCA, oportunizam a constatação de construções conceituais inovadoras. A PCA tem a força de transformar a prática de acordo com as concepções teóricas correspondentes e, se necessário, redefinir as próprias concepções teóricas. A PCA tem a potencialidade de produzir conhecimento, absorvê-lo e incorporá-lo em um determinado espaço assistencial. Assim, a PCA constitui a conexão entre o conhecimento por ela produzido e o contexto da prática assistencial investigada(55 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. The convergent care research method and its application in nursing practice. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1450017. doi: 10.1590/0104-07072017001450017
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).

Pelo fato de a PCA se diferenciar da maioria das abordagens de pesquisa e seu ponto alto estar endereçado à prática assistencial, a primeira impressão é que a PCA não se substancia como pesquisa, a considerar os parâmetros das pesquisas convencionais. A isenção ou neutralidade esperada do pesquisador e tradicionalmente aceita, mesmo em pesquisas na área da saúde, se vê contrariada uma vez que a prática assistencial, na PCA, deixa de ser vista apenas como espaço para o desenvolvimento da pesquisa, e é vista também, como espaço de relações pesquisa-prática, muito especialmente quando o pesquisador tem que cumprir, em simultaneidade, seu papel de assistir como profissional da assistência, que é cumprindo no método a fase de imersão na prática assistencial pesquisada.

Por essas especificidades da PCA, têm surgido alguns questionamentos tais como: em que tipos de assistência a PCA pode ser materializada? Com que tipo de participantes? Quais os cenários adequados para uma PCA?

As respostas a algumas dessas questões remetem a perguntas de estudos iniciais relativos à estrutura e funcionamento da PCA, lançada na literatura de saúde/enfermagem, pela primeira vez, em 1999. Desde então, várias outras publicações se sucederam. Um estudo referente às produções levadas a efeito com a abordagem metodológica da PCA mostrou que, de 2000 a 2008, o método da PCA foi utilizado em 119 produções(66 Souza SS, Silva DMGV. A Pesquisa Convergente Assistencial em produções acadêmicas de pós-graduação. In: Trentini M, Paim, L, Silva DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.), mostrando sua aceitação entre os profissionais, predominantemente, os de enfermagem.

Por outro lado, há questionamentos em ambientes não formais em relação à identidade da PCA, especificamente em torno da dúvida quanto à sua configuração como método científico investigativo. A esse questionamento corresponde uma justificativa, como a que se expõe a seguir.

Afinal, o que caracteriza um estudo de pesquisa? Pesquisa científica é um conjunto de atividades sistematizadas que visam à descoberta de novos conhecimentos no domínio científico. A investigação científica consiste em um processo rigoroso de captação de respostas a determinadas questões expostas pelo pesquisador sobre um determinado fenômeno ainda desconhecido. O processo de qualquer pesquisa científica precisa mostrar, em mínimos detalhes, toda a trajetória percorrida desde o início até o fim do estudo, de modo a assegurar a fidedignidade dos resultados(77 Bourguignon JA. O processo da pesquisa e suas implicações teórico-metodológicas e sociais. Emancipação[Internet]. 2006 [cited 2019 Jan 26];1(1):41. Available from: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/71/69
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).

Tal estratégia inclui decisões em relação à: a) formulação de questões, as quais o pesquisador se propõe a responder no final do estudo; b) escolha do contexto e dos participantes da pesquisa; c) definição de técnicas, métodos e instrumentos para captar informações, e para o tratamento dessas informações; c) produção de informações; d) produção de confiabilidade das respostas às questões propostas no início da pesquisa; e) descrição do suporte teórico e metodológico; f) produção de resultados ancorados ao referencial escolhido(77 Bourguignon JA. O processo da pesquisa e suas implicações teórico-metodológicas e sociais. Emancipação[Internet]. 2006 [cited 2019 Jan 26];1(1):41. Available from: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/71/69
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).

A PCA atende a esses preceitos do processo de pesquisa científica, propondo as fases que seguem(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.):

Concepção - em um projeto de PCA, nessa fase se elabora o que, metaforicamente, se traduz como o "cérebro" da pesquisa, de tal maneira que difere dos demais delineamentos de pesquisa. O tema de pesquisa de uma PCA deve emergir da prática profissional cotidiana do pesquisador, e as indagações serão: o que mais incomoda no ambiente da prática assistencial? O que poderia ser modificado para sua melhoria? Quais seriam as inovações necessárias? Que conhecimento será necessário construir durante este processo de modo a alicerçar as mudanças pretendidas nessa prática assistencial?

A fim de delimitar um problema de pesquisa de uma PCA, deverão ser consultadas outras pessoas envolvidas na prática assistencial, ou mesmo pessoas que recebem assistência, bem como negociar a proposta com os que estarão, de algum modo, envolvidos com a investigação. Toda e qualquer prática assistencial de enfermagem assume uma identidade coletiva; portanto, em PCA, o processo precisa ser desde o início e, ao longo do processo, tratado de modo coletivo.

Instrumentação - essa fase inclui decisões sobre: o espaço físico da pesquisa; as características dos participantes; os instrumentos e técnicas de produção de dados e métodos da convergência das ações de prática assistencial com as ações de pesquisa. A PCA pode ser conduzida em qualquer cenário onde cabe assistência à saúde da população. A inclusão dos participantes depende de cada projeto, mas, geralmente, inclui uma ou mais das seguintes categorias: profissionais da saúde; gestores da saúde; familiares ou acompanhantes de pessoas que recebem ações de saúde. Os instrumentos sugeridos para pesquisa em PCA pertencem a três grupos(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.): "1. Autorrelatos (não estruturados e estruturados); 2. Observação (estruturadas, quase-estruturadas, e não estruturadas); 3. Medidas biofisiológicas". Dentre os autorrelatos, as técnicas de coleta mais apropriadas na PCA são entrevistas (abertas ou mesmo estruturadas), entrevistas conversação e discussões em grupo. A entrevista conversação não se caracteriza como um instrumento pré-elaborado, essa ocorre durante a prática assistencial, de maneira informal, como parte do diálogo que acontece entre os profissionais e as pessoas que estão sob seus cuidados e de acordo com as necessidades do momento. Os dados produzidos nas entrevistas são considerados como parte das informações para a prática assistencial e para a pesquisa, e estão orientadas pelo modelo teórico que orienta o processo da assistência e da pesquisa.

Perscrutação - essa fase ocupa uma posição que exige expertise do pesquisador pelo fato de que está comprometida não só com a descoberta de novos fenômenos, (produção dos dados) mas, sobretudo, porque precisa conduzir, demonstrar e justificar a convergência das ações de pesquisa e ações de assistência na construção das mudanças que se vão efetuando na prática assistencial. Para isso, há que se investigar rigorosamente e usar os sentidos para captar as alterações do fenômeno em observação. Perscrutar, na PCA, significa penetrar no âmago do fenômeno e considerar o contexto a ser transformado. Isso requer a volta do pesquisador a um fenômeno, de forma a revisá-lo no que ainda possa ser revelado sob diversos ângulos. Nessa fase, o pesquisador necessita aplicar habilidades para obter informações com maior profundidade, o que exige persistência e tempo suficiente para adquirir familiaridade com a situação de pesquisa, habilidade de comunicação, no sentido de indagar e perceber informações não só ditas, mas também comunicadas por outros comportamentos, ou, mais ainda, por expressões de sensibilidade emotiva. As atividades de perscrutação são levadas a efeito em simultaneidade com as atividades de prática assistencial do pesquisador, ao visar as mudanças desejadas no contexto da prática.

Análise - essa etapa inclui três subprocessos: apreensão, síntese e teorização. Na PCA, apreensão consiste em obter informações essenciais dos registros resultantes das anotações feitas na fase de perscrutação. Essas informações precisam ser organizadas de modo a permitir uma imersão nas informações, que, muitas vezes, são variadas e extensas, requerendo leitura cuidadosa, a fim de extrair grupos de informações semelhantes que podem resultar em inúmeros grupos, ou categorizações. Esse proceder ao agrupamento das informações tem sequência a partir de uma codificação que consiste em marcar trechos das transcrições com símbolos/ideias de maneira a dar visibilidade aos grupos de informações coesos nas transcrições. Esses grupos coesos, quando são destacados no texto, servem para que o pesquisador possa rastrear frases semelhantes, as quais são reunidas em categorias(77 Bourguignon JA. O processo da pesquisa e suas implicações teórico-metodológicas e sociais. Emancipação[Internet]. 2006 [cited 2019 Jan 26];1(1):41. Available from: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/71/69
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).

A técnica de categorização de informações permite visualizar o todo em suas similaridades e agrupamentos por coesão, prenunciando visualmente em que área ou áreas há insuficientes informações e/ou maior concentração. Dessa forma, o pesquisador poderá aprofundar a perscrutação e/ou expandir a produção dos dados a partir de novas aproximações com os participantes da pesquisa/prática assistencial para chegar a alguma das saturações (por verticalidade, por horizontalidade, mas sempre por ampliação de dados).

A Síntese consiste em reunir diferentes elementos concretos ou abstratos e fundi-los em um todo coerente. A síntese de informações obtidas em um projeto de pesquisa científica consiste em descrever a essência dessas informações. A síntese de uma pesquisa dá empoderamento ao investigador na negociação dos resultados e/ou agilidade de apresentar coerência de informações obtidas. Na PCA, a síntese servirá como forte argumentação para a continuidade das mudanças iniciadas no contexto da prática.

A Teorização na pesquisa qualitativa se desenvolve a partir da apreensão e da síntese dos dados(88 Baillie L. Promoting and evaluating scientific rigor in qualitative research. Nursing Standard. 2015;29(46):[about 1 p.]. doi: 10.7748/ns.29.46.36.e8830
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). Pesquisa qualitativa avançada requer a saturação dos dados contidos nas categorias. Assim, os pesquisadores em PCA terão condições para avançar além das mudanças na prática assistencial, chegando a oferecer uma estrutura teórica articulada em direção a uma teoria, ou seja, de "descobrir a significância do significante e a significância do insignificante"(99 Demo P. Metodologia do conhecimento científico. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.). Teorizar, portanto, é um processo que envolve construções, desconstruções e reconstruções de formulações teórico-conceituais para construir um esquema que possibilite descrever e explicar fenômenos da vida cotidiana(22 Trentini M, Paim, L, Silva, DMGV. Pesquisa Convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3 ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.).

A fim de reafirmar que a PCA se caracteriza como método de pesquisa, segue uma comparação entre a PCA com a classificação das pesquisas científicas proposta por Demo(77 Bourguignon JA. O processo da pesquisa e suas implicações teórico-metodológicas e sociais. Emancipação[Internet]. 2006 [cited 2019 Jan 26];1(1):41. Available from: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/71/69
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): 1-Teórica: orientada para a (re)construção de teorias, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes; 2- Metodológica: voltada para a re(construção) de instrumentos e paradigmas (modelos) científicos, com papel estratégico que é a autocrítica questionadora; 3- Pesquisa empírica (através de experiências): necessita do manuseio adequado de métodos e técnicas de pesquisa; 4- Pesquisa prática: destinada a intervir diretamente na realidade, a teorizar práticas, a produzir alternativas concretas, a se comprometer com soluções. Está diretamente imersa no real concreto, a face da intervenção.

Os enfoques conceptual e prático da PCA, apresentados anteriormente neste texto, podem incluir os quatro tipos de pesquisa citados por Demo(99 Demo P. Metodologia do conhecimento científico. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.). O enfoque conceptual da PCA corresponde ao primeiro e ao segundo tipos de pesquisa de Demo, a teórica e a metodológica. Esse enfoque conceptual sustenta o atributo de expansividade, que confere poder à PCA de ir além do conhecimento referente à reconstrução de contextos da prática assistencial e avançar para a descoberta de novo conhecimento que conduz à construção de concepções teóricas e de quadros de referências que podem levar à construção de modelos metodológicos.

A classificação de pesquisa empírica e prática(99 Demo P. Metodologia do conhecimento científico. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.) tem correspondência com o enfoque de prática na PCA. Tal enfoque está sustentado em dois de seus importantes atributos, o de imersão, representado pelo envolvimento concreto do pesquisador nas ações de pesquisa, em meio às ações de prática assistencial e no mesmo espaço físico e temporal do contexto do estudo; e o atributo de simultaneidade, o qual implica a intencionalidade de chegar à construção do conhecimento, em reciprocidade, pela convergência das ações da pesquisa e ações da prática assistencial, tipificando, singularmente, o processo da PCA.

A PCA é um método de pesquisa cuja convergência se faz para a prática assistencial. O pesquisador pratica assistência ao mesmo tempo em que produz dados de pesquisa, de modo a conseguir dados que correspondam à realidade, tornando possível construir inovações nessa prática, de um modo democrático, coletivo e com fidedignidade.

Rigor é um conceito estreitamente associado à produção de conhecimento científico; portanto, integra o processo de qualquer trabalho desta natureza. O rigor de uma investigação se traduz pela fidelidade aos princípios do delineamento da pesquisa em estudo(99 Demo P. Metodologia do conhecimento científico. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.).

Na PCA, esse rigor se torna imprescindivelmente compreendido em suas duas faces, a da pesquisa e a da prática assistencial, ou seja, o pesquisador é também um profissional que está desenvolvendo o cuidado da saúde de outrem. O compromisso é ainda mais complexo, pois há uma sobreposição de atividades, de tempo e espaço, mas há uma separação entre objetos: a pesquisa e a prática.

O rigor na PCA em relação à sua Finalidade tem como referência seus principais elementos de sustentação, envolvendo os conceitos/constructos face à operacionalização do método, se expressando na: indicação precisa do processo de mudanças e ou inovações que se pretende introduzir ou iniciar na prática assistencial durante a PCA; descrição detalhada da experiência do pesquisador quanto a sua prática assistencial; indicação de quais informações obtidas durante a PCA embasaram as mudanças e ou inovações.

O rigor referente aos conceitos de Diálogo, Convergência e Simultaneidade na PCA se mostram na: negociação transparente e democrática do projeto de PCA com os participantes da pesquisa; compartilhamento de informações entre o pesquisador e os participantes e ou gestores de assistência, se for o caso, durante o processo da PCA; confirmação dos participantes das descrições de informações obtidas; respeito à unidualidade pesquisa e assistência, sem descaracterizar a unidade de cada uma; demonstração explicita entre as ações de prática e pesquisa e os pontos de convergência entre as duas instâncias.

O rigor referente ao conceito de Imersibilidade envolve: inserção do pesquisador como atuante na prática assistencial na fase de coleta de informações, a fim de ter embasamento para proceder às mudanças e/ou introduzir inovações com bases sólidas em informações obtidas a partir da experiência na prática assistencial; indicação de quais informações deram origem ao encontro das ações de pesquisa e ações de prática assistencial.

Na Expansividade, o rigor se manifesta na indicação detalhada de temas emergentes não programados no delineamento inicial e ora em desenvolvimento, mas que emergem no processo da PCA e são de interesse para levar a efeito reformulações conceituais.

O rigor, na Operacionalização da PCA, considera cada uma de suas quatro fases: concepção, instrumentação, perscrutação e análise. Assim, sua utilização em pesquisas na área da saúde como método científico é um dos caminhos para aproximar a pesquisa da prática assistencial, favorecendo os profissionais dessa prática a buscar inovações para qualificar o cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões acerca dos principais atributos da PCA a ratificam como um método de pesquisa científica, permitindo afirmar que a PCA, em seu delineamento singular, tem enfoque nas relações da pesquisa com a prática assistencial, o que é correspondente à convergência e intencionalidade de sua construção. A consistência da fundamentação teórica que a PCA vem mostrando e os critérios de rigor metodológico apresentados a tem colocado em alinhamento com os métodos de pesquisa que cumprem a finalidade de garantir a qualidade na construção do conhecimento científico.

A imersão do pesquisador na prática assistencial é, em PCA, um dos fortes pontos de reforço ao caráter de pesquisa prática em seu pilar construcionista, dirigido ao trabalho coletivo. Os cenários de PCA respondem a critérios de construção coletiva desde a negociação do objeto até a confirmação do benefício acrescentado a prática assistencial correspondente. Os pontos de continuidade da PCA emergem do seu processo, revertendo a novos módulos de PCA, coordenados semelhantemente a uma sequência temática de interesse único em determinado cenário de pesquisa.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Dalvani Marques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2019
  • Aceito
    20 Set 2020
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