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Violência no trabalho: legislação, políticas públicas e possibilidade de avanços para trabalhadores da saúde

RESUMO

Objetivos:

discutir sobre legislações e políticas públicas específicas para a violência no trabalho em saúde, destacando possibilidades para o enfrentamento coletivo deste fenômeno no Brasil.

Métodos:

trata-se de um estudo reflexivo e argumentativo, que referencia algumas experiências prévias quanto à implementação de aspectos legais para coibir a violência no trabalho dirigida aos profissionais de saúde.

Resultados:

há experiências com relação à existência de legislação ou políticas públicas para conter especificamente a violência no trabalho no setor saúde, mas essas ainda se restringem a alguns locais ou países. A literatura fornece subsídios para o desenvolvimento de estratégias específicas para gerenciamento deste fenômeno, ressaltando os programas de prevenção e condutas para manejo dos casos.

Considerações Finais:

a implementação de aspectos legais ou de políticas públicas em âmbito municipal, regional, estadual e/ou nacional é uma estratégia com potencial para enfrentamento da violência no trabalho em saúde, de maneira coletiva e sustentável.

Descritores:
Violência no Trabalho; Saúde do Trabalhador; Trabalhadores da Saúde; Legislação; Políticas Públicas

ABSTRACT

Objectives:

to discuss specific laws and public policies for workplace violence in the health sector, highlighting possibilities for the collective confrontation of this phenomenon in Brazil.

Methods:

this is a reflective and argumentative study that refers to some previous experiences regarding the implementation of legal aspects to curb workplace violence directed at health professionals.

Results:

there are experiences regarding the existence of legislation or public policies to specifically contain workplace violence in the health sector, but these are still restricted to some places or countries. The literature provides resources for developing specific strategies for managing this phenomenon, highlighting prevention programs and conducts for case management.

Final Considerations:

implementation of legal aspects or public policies at the municipal, regional, state and/or national level is a strategy with potential to confront workplace violence in health services in a collective and sustainable way.

Descriptors:
Workplace Violence; Occupational Health; Health Personnel; Legislation; Public Policy

RESUMEN

Objetivos:

discutir legislación y políticas públicas específicas para la violencia ocupacional en salud, destacando las posibilidades para el enfrentamiento colectivo de este fenómeno en Brasil.

Métodos:

se trata de un estudio reflexivo y argumentativo, que hace referencia a algunas experiencias previas sobre la implementación de aspectos legales para frenar la violencia laboral dirigida a los profesionales de la salud.

Resultados:

existen experiencias sobre la existencia de legislación o políticas públicas para contener específicamente la violencia laboral en el sector salud, pero aún están restringidas a algunas localidades o países. La literatura apoya el desarrollo de estrategias específicas para el manejo de este fenómeno, destacando los programas de prevención y conductas para el manejo de casos.

Consideraciones Finales:

la implementación de aspectos legales o políticas públicas a nivel municipal, regional, estatal y/o nacional es una estrategia con potencial para enfrentar la violencia en el trabajo en salud, de manera colectiva y sustentable.

Descriptores:
Violencia Laboral; Salud Laboral; Personal de Salud; Legislación; Política Pública

INTRODUÇÃO

A violência no trabalho não é um fenômeno social recente, mas, a partir de 1980, assumiu maior visibilidade pública, com notícias que informavam incidentes de homicídio no trabalho em locais não reconhecidos como de alto risco para a violência(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
). Atualmente, sabe-se que, em geral, há risco significativo de ocorrerem eventos de violência no trabalho em estabelecimentos de saúde(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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). Embora conceituar violência no trabalho seja um desafio diante das influências culturais, atitudinais e concepções teóricas sobre o tema, entende-se que tais eventos são incidentes nos quais trabalhadores são alvos de comportamentos ofensivos, agressivos ou ameaçadores sob circunstâncias que mantêm relação com o trabalho desempenhado(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
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). Essa definição contempla as diferentes características dos atos de violência, que são consideradas nas tentativas de propor termos e conceitos para as suas variações(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
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). Há, na literatura, diferentes termos ou construtos que são propostos para especificar os tipos de violência, tais como assédio moral, assédio sexual, assalto, ameaça, entre outros(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
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).

Neste sentido, identifica-se, nos estudos, que a violência no trabalho tem acontecido de forma variada em diferentes estratos profissionais e ambientes de trabalho na saúde, incluindo serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), unidades hospitalares, serviços de urgência e emergência e de saúde mental e radiologia(44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
https://doi.org/10.4067/s0034-9887201800...
-55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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). Pesquisa menciona que as dimensões organizacionais dos serviços de saúde e a natureza do trabalho, que inclui local de trabalho e profissão exercida, são fatores associados à ocorrência de violência laboral(44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
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). O fato de os profissionais de saúde estarem expostos a várias situações que estão entre os fatores de risco para a violência no trabalho, a exemplo do relacionamento direto com pessoas angustiadas e frustradas, altos níveis de estresse e a prestação de assistência, muitas vezes, em territórios que mantêm áreas de conflito ou tráfico de drogas evidencia a importância do tema para esta categoria(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
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,66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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).

Evidências indicam que os profissionais de saúde sofrem violência, geralmente perpetrada por pacientes, sob a forma de ameaças, agressões verbais e em menor frequência violência física(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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-66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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). Investigação com profissionais de saúde que atuavam na APS no Brasil evidenciou que 69,8% sofreram violência no trabalho no ano anterior(66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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). Nesta pesquisa, 71,6% dos eventos de violência no último ano tiveram os usuários como agressores, 6,4% foram praticados por familiares/acompanhantes, 11% por colegas de trabalho e 9,2% pelas chefias(66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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). Cabe destacar que, nos estudos, foram descritos atos de violência praticados por colegas de trabalho ou chefias, que se caracterizaram como assédio moral, abuso verbal ou ameaça, assim como refletiram dificuldades nos relacionamentos interprofissionais(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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-66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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).

Há registros de casos de violência em diferentes países do mundo(44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
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5 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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6 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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-77 Liu J, Gan Y, Jiang H, Li L, Dwyer R, Lu K, et al. Prevalence of workplace violence against healthcare workers: a systematic review and meta-analysis. Occup Environ Med. 2019;76(12):927-37. doi: 10.1136/oemed-2019-105849
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). Revisão sistemática da literatura sintetizou evidências quanto à prevalência de violência no trabalho em saúde praticada por pacientes ou visitantes(77 Liu J, Gan Y, Jiang H, Li L, Dwyer R, Lu K, et al. Prevalence of workplace violence against healthcare workers: a systematic review and meta-analysis. Occup Environ Med. 2019;76(12):927-37. doi: 10.1136/oemed-2019-105849
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). Este estudo destacou que, de 331.544 participantes, 61,9% reportaram exposição à violência laboral(77 Liu J, Gan Y, Jiang H, Li L, Dwyer R, Lu K, et al. Prevalence of workplace violence against healthcare workers: a systematic review and meta-analysis. Occup Environ Med. 2019;76(12):927-37. doi: 10.1136/oemed-2019-105849
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). Os pesquisadores mencionaram, ainda, a alta prevalência de violência no trabalho, com destaque para países da Ásia e América do Norte, setores de emergência e psiquiatria, e, enquanto categorias profissionais, enfermeiros e médicos(77 Liu J, Gan Y, Jiang H, Li L, Dwyer R, Lu K, et al. Prevalence of workplace violence against healthcare workers: a systematic review and meta-analysis. Occup Environ Med. 2019;76(12):927-37. doi: 10.1136/oemed-2019-105849
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).

Pesquisas apontam que os profissionais de enfermagem – que compõem a linha de frente na prestação de cuidados – são, muitas vezes, as vítimas mais frequentes de violência no trabalho(44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
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,66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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-77 Liu J, Gan Y, Jiang H, Li L, Dwyer R, Lu K, et al. Prevalence of workplace violence against healthcare workers: a systematic review and meta-analysis. Occup Environ Med. 2019;76(12):927-37. doi: 10.1136/oemed-2019-105849
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). Dados de um estudo com enfermeiros de Nova Jersey (Estados Unidos da América - EUA) demonstraram que 57,8% dos participantes haviam sofrido abuso verbal do paciente ou de familiar nos últimos 12 meses, 52,3% ameaças e 38,3% agressão física(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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). Nesta mesma pesquisa 30,1% dos enfermeiros reportaram ter sofrido bullying por um colega de trabalho ou chefia, 25,7% sofreram abuso verbal e 19,8% ameaças(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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).

Atualmente, sabe-se que a ocorrência de violência no trabalho em setores da saúde torna os profissionais e suas instituições altamente predispostos a sofrerem diversas consequências(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
https://www.who.int/violence_injury_prev...
-44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
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). Evidencia-se, na literatura, que as experiências de violência no trabalho em saúde podem resultar em consequências de cunho psíquico, a exemplo dos sintomas depressivos, ansiedade, transtornos pós-trauma e estresse(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
https://www.who.int/violence_injury_prev...
-44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
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). Em nível organizacional, o impacto da violência também pode ser extenso, pois sua presença é capaz de afetar a motivação e o desempenho da equipe e de diminuir a qualidade da assistência(33 Di Martino V. Workplace violence in the health sector. Relationship between work stress and workplace violence in the health sector [Internet]. Geneva; 2003[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/interpersonal/en/WVstresspaper.pdf
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-44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
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).

Esse panorama demonstra a necessidade de se refletir acerca das estratégias utilizadas para enfrentamento da violência no trabalho no setor da saúde, especialmente sobre as estratégias coletivas. Revisão sistemática da literatura, realizada com o objetivo de descrever relatórios científicos que analisaram a violência no trabalho em saúde, aponta mecanismos individuais e organizacionais para o enfrentamento do fenômeno, mencionando como mecanismos organizacionais o apoio social e as capacitações(44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
https://doi.org/10.4067/s0034-9887201800...
). Entretanto, estudo realizado com profissionais de saúde no Brasil evidenciou que a violência esteve associada com pior avaliação dos relacionamentos entre colegas e chefias, o que pode repercutir na (in)existência de apoio social no trabalho para seu enfrentamento(66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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).

Nesse sentido, pesquisadores também descrevem limitações decorrentes da ausência de fluxos instituídos na rede de atenção à saúde para indicar condutas nos casos de violência no trabalho(66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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). A ausência de orientações e fluxos estruturados e pactuados para atenção à saúde dos trabalhadores vítimas de violência no trabalho, muitas vezes, os direciona a buscarem estratégias individuais com recursos próprios para enfrentá-la(66 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
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).

Os resultados evidenciados nos estudos têm possibilitado que a violência no trabalho seja um fenômeno compreendido e discutido cada vez mais entre equipes de pesquisa, instituições, conselhos profissionais, gestores de políticas e sociedade(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
). Como consequência da melhor compreensão do fenômeno e de sua extensão, identificam-se, ao longo do tempo, diferentes esforços no sentido de agir contra a violência laboral dirigida aos profissionais de saúde, dentre os quais estão os esforços legislativos e regulamentares(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
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).

Estratégias de proteção e promoção à saúde dos trabalhadores têm sido instituídas no Brasil, assim como ações voltadas à conscientização social e minimização da violência no trabalho(88 Pintor EAS, Garbin ADC. Notificações de violência relacionadas ao trabalho e vigilância em saúde do trabalhador: rompendo a invisibilidade. Rev Bras Saúde Ocup. 2019;44:e20. doi: 10.1590/2317-6369000006918
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). Por outro lado, reconhece-se a necessidade de fomentar ações que constituam uma linha de frente potente para coibir a violência no trabalho no setor de saúde, de maneira ampla e sustentável em muitos países, inclusive no contexto brasileiro.

Sendo assim, centra-se na abordagem de aspectos legais e/ou políticas públicas relacionados à violência no trabalho na área da saúde, pois podem representar possíveis estratégias ou meios para enfrentá-la de maneira coletiva que, nessa reflexão, compreende a existência de frentes articuladas envolvendo formuladores de políticas públicas, gestores e setores da sociedade em prol da adoção de medidas para prevenção e gerenciamento da violência no trabalho em setores da saúde.

OBJETIVOS

Discutir sobre legislações e políticas públicas específicas para a violência no trabalho em saúde, destacando possibilidades para o enfrentamento coletivo deste fenômeno no Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo reflexivo e argumentativo, que, ao referenciar experiências de alguns locais e organizações quanto à elaboração e implementação de aspectos legais ou políticas para coibir a violência no trabalho em saúde, busca promover reflexões que culminem ou apoiem propostas desta natureza, em especial no Brasil, para que integrem e intensifiquem as medidas de prevenção e manejo dos casos de violência praticados contra trabalhadores da saúde. Este estudo apresenta argumentos atuais que colocam em destaque possibilidades para enfrentar coletivamente a violência que acomete profissionais de saúde no desempenho do seu trabalho.

Aspectos legais e políticas contra a violência no trabalho em saúde: possibilidades para avançar

Vários casos de violência no trabalho contra profissionais da saúde são registrados na América Latina e no mundo(44 Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Workplace violence among health care workers. Rev Méd Chile. 2018;146(2):213-22. doi: 10.4067/s0034-98872018000200213
https://doi.org/10.4067/s0034-9887201800...

5 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...

6 Sturbelle ICS, Pai DD, Tavares JP, Trindade LL, Riquinho DL, Ampos LF. Workplace violence in Family Health Units: a study of mixed methods. Acta Paul Enferm. 2019;32(6):632-41. doi: 10.1590/1982-0194201900088
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...
-77 Liu J, Gan Y, Jiang H, Li L, Dwyer R, Lu K, et al. Prevalence of workplace violence against healthcare workers: a systematic review and meta-analysis. Occup Environ Med. 2019;76(12):927-37. doi: 10.1136/oemed-2019-105849
https://doi.org/10.1136/oemed-2019-10584...
). A existência expressiva de violência no ambiente de trabalho em saúde pede medidas efetivas e sustentáveis para evitar o seguimento deste problema; sobretudo medidas que favorecem o enfrentamento coletivo.

Nesse sentido, abordam-se algumas experiências com relação à existência de aspectos legais ou políticos para evitar e coibir a violência contra profissionais de saúde. Alguns estados e organizações compartilham estratégias que podem embasar a construção de novas propostas em locais nos quais ainda não há legislação, regulamentos ou políticas específicas para prevenir a violência no trabalho em saúde(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
). Compreende-se que a violência no trabalho é um problema evidenciado mundialmente e que pode ser combatido por meio de esforços coletivos(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
).

A partir da década de 1990, ocorreram os primeiros esforços para criar e promulgar aspectos legais ou regulamentos administrativos no sentido de prevenir ou reduzir especificamente a incidência de violência no trabalho em setores da saúde, por meio da imposição de exigências às organizações empregadoras(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
). Estes instrumentos legais abordaram a violência laboral sob uma perspectiva abrangente ou se direcionaram para locais de trabalho ou profissões específicas, incluindo a imposição de requisitos aos empregadores para o enfrentamento da violência no contexto da saúde(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
).

O Estado da Califórnia (EUA) foi pioneiro ao exigir dos serviços de saúde, em 1993, o desenvolvimento e manutenção de programa destinado a prevenção da violência(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
). Outros estados americanos, tais como Washington, Nova York, Nova Jersey e Connecticut também estabeleceram requisitos às unidades de saúde, requerendo a existência de programas voltados à prevenção da violência no trabalho(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
-22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
). Neste sentido, destaca-se que os requisitos podem diferir entre as leis estaduais, de acordo com o propósito e abrangência almejada pelo estado, do ponto de vista dos setores e ambientes de trabalho(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
).

Em 2011, no Estado de Nova Jersey (EUA), promulgou-se a Lei de Prevenção da Violência em Instituições de Saúde, que passou a exigir dos serviços de cuidados intensivos, de saúde mental e de idosos o desenvolvimento de programas que incluíssem como componentes os comitês, políticas e planos escritos de prevenção da violência no trabalho, a avaliação de riscos e capacitações no tema, além de sistemas de denúncia dos eventos e resposta pós-incidentes(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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). Estabeleceu-se, também, um período para que as instituições abrangidas pudessem cumprir plenamente todos os componentes exigidos de acordo com o regulamento(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
).

Citando a Lei de Prevenção da Violência em Instituições de Saúde de Nova Jersey (EUA), autores(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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) mencionam componentes para capacitação, que se relacionam tanto com a prevenção dos eventos violentos no trabalho, quanto com ações diante de uma agressão. Integram este conjunto de componentes a revisão das políticas de segurança com foco na violência laboral, análise de preditores dos casos de agressão, obtenção da história de saúde de um paciente com comportamento violento e métodos para evitar ou conter estes comportamentos, além de autodefesa, localização dos dispositivos de segurança e o modo como operam, procedimentos para relato de eventos e recursos existentes para profissionais que forem vítimas de violência(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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).

Com referência aos regulamentos implementados pela província de Colúmbia Britânica, Canadá, em 1993, o autor menciona elementos que compactuam com os descritos anteriormente, dentre os quais destaca-se a responsabilidade dos empregadores em estabelecer estratégias para eliminar ou diminuir o risco de violência quando ele for identificado, seu dever em reportar incidentes ao Workers’ Compensation Board of British Columbia e a presença de requisito para capacitação dos trabalhadores(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
).

A partir de 2017, um novo regulamento da Administração de Saúde e Segurança Ocupacional da Califórnia (EUA) foi instituído, e os serviços de saúde passaram a considerar suas exigências(99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
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). Neste sentido, a autora(99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
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) destaca que o regulamento incluiu condições para as instituições de saúde com relação à implementação de planos escritos com foco na prevenção da violência, ampliação da notificação dos incidentes e requisitos relacionados à capacitação dos profissionais, respondendo ao número crescente de casos de violência no trabalho em saúde.

Estudiosos no tema destacam a relevância de ações de capacitação alinhadas com a realidade, planejadas e interativas, que aperfeiçoem conhecimentos e habilidades entre os profissionais, para que eventos violentos não ocorram contra si ou contra sua equipe no trabalho, auxiliando-os na prevenção da violência ou na sua neutralização(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
,99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
https://doi.org/10.1177/2165079917731791...
-1010 Wyatt R, Anderson-Drevs K, Van Male LM. Workplace violence in health care: a critical issue with a promising solution. JAMA. 2016;316(10):1037-8. doi: 10.1001/jama.2016.10384
https://doi.org/10.1001/jama.2016.10384...
). Pesquisa com enfermeiros licenciados em Nova Jersey (EUA) demonstrou que aqueles que tiveram acesso à capacitação com, pelo menos 80% dos componentes indicados pela legislação estavam mais propensos ao sentimento de maior segurança no trabalho, sugerindo que a oferta de informações sobre o fenômeno é importante nos programas contra a violência no trabalho em saúde(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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).

Apesar dos esforços em diferentes países ou regiões(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
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-22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
,55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
,99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
https://doi.org/10.1177/2165079917731791...
), muitos locais no mundo não possuem até o momento legislação ou políticas públicas que assegurem estratégias específicas para prevenção da violência contra profissionais de saúde(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
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). Desta maneira, há locais nos quais os mecanismos de proteção à segurança e saúde destes trabalhadores ainda apresentam fragilidades em sua estrutura e ação, inclusive no desenvolvimento de programas para prevenir ou coibir a violência no trabalho.

Nesse sentido, é central identificar os aspectos legais/regulamentos e as políticas específicas como possibilidades que direcionem as instituições para a prevenção da violência no trabalho em saúde, auxiliando-as no processo de integrar ações contra a violência e de proteção dos trabalhadores aos seus projetos institucionais e colaborativos. Os autores enfatizam que os regulamentos são meios de garantir que nas instituições de saúde haja um programa com o objetivo de prevenir a exposição dos profissionais à violência durante o desempenho de seu trabalho(55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
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).

No Brasil, cabe destaque a existência da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, que prevê o reconhecimento de um conjunto de eventos relacionados ao trabalho, inclusive situações de violência(88 Pintor EAS, Garbin ADC. Notificações de violência relacionadas ao trabalho e vigilância em saúde do trabalhador: rompendo a invisibilidade. Rev Bras Saúde Ocup. 2019;44:e20. doi: 10.1590/2317-6369000006918
https://doi.org/10.1590/2317-63690000069...
). A notificação de casos de violência laboral contribui, atualmente, para dar visibilidade às questões de saúde e segurança dos trabalhadores, assim como subsidia ações relacionadas à prevenção e enfrentamento das violências(88 Pintor EAS, Garbin ADC. Notificações de violência relacionadas ao trabalho e vigilância em saúde do trabalhador: rompendo a invisibilidade. Rev Bras Saúde Ocup. 2019;44:e20. doi: 10.1590/2317-6369000006918
https://doi.org/10.1590/2317-63690000069...
). Por outro lado, apesar dos avanços no número de evidências quanto à violência no trabalho em saúde e na implementação de ações para sua prevenção, novos incidentes de violência contra os profissionais da área se somam no país. Por isso, considera-se necessário fomentar estratégias especializadas aos ambientes de trabalho em saúde que permitam enfrentar o fenômeno coletivamente e de maneira duradoura, rumo à cultura de paz.

Nesta perspectiva, as instituições de saúde possuem atuação fundamental na prevenção da violência no trabalho e apoio aos seus trabalhadores, o que as coloca em posição de destaque nos aspectos legais ou políticos que visam coibir a violência no trabalho em saúde(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
-22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
,55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
,99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
https://doi.org/10.1177/2165079917731791...
). Vários desses aspectos impõem requisitos a serem atendidos pelas instituições de saúde, com vistas a prevenir a violência, e a existência de programas de prevenção está com frequência entre os requisitos(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
-22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
https://www.osha.gov/Publications/OSHA38...
,55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
,99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
https://doi.org/10.1177/2165079917731791...
).

Os programas de prevenção da violência no trabalho podem fazer parte de planos de segurança e saúde mais abrangentes na instituição, compondo um sistema amplo de gerenciamento de riscos à segurança dos profissionais da saúde que inclua estratégias relacionadas à violência no trabalho e outros elementos, tais como manejo de pacientes (aspectos ergonômicos), transmissão de patógenos e os acidentes de trabalho(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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,1010 Wyatt R, Anderson-Drevs K, Van Male LM. Workplace violence in health care: a critical issue with a promising solution. JAMA. 2016;316(10):1037-8. doi: 10.1001/jama.2016.10384
https://doi.org/10.1001/jama.2016.10384...
). Esses programas podem ser baseados em ferramentas como o Plan-Do-Study-Act (PDSA), que permite o monitoramento contínuo do ambiente e de seus possíveis riscos internos e na comunidade circundante, para que se possa definir e implementar mudanças e construir experiências a partir delas(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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,1010 Wyatt R, Anderson-Drevs K, Van Male LM. Workplace violence in health care: a critical issue with a promising solution. JAMA. 2016;316(10):1037-8. doi: 10.1001/jama.2016.10384
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). Além disso, geralmente, os sistemas de gerenciamento bem-sucedidos são constituídos de seis etapas(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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):

  1. compromisso da gestão com a saúde e segurança: neste componente, gestores assumem a saúde e segurança na instituição como prioridade, demonstrando esse compromisso a partir de sua comunicação, com o estabelecimento de metas e oferta de recursos e de apoio, além de elaborarem documentos que apresentem o desempenho na área;

  2. participação dos trabalhadores: os profissionais têm conhecimentos distintos sobre o ambiente de trabalho e é importante envolvê-los em todos os aspectos do programa, incentivando-os a relatar preocupações e a manter comunicação aberta com a administração;

  3. análise do ambiente com identificação dos riscos ou perigos no trabalho: realiza-se avaliação inicial, seguida por reavaliações regulares, para identificar, de maneira contínua, os riscos no trabalho, por meio da existência de processos ou procedimentos estabelecidos;

  4. prevenção e controle desses riscos ou perigos: estratégias são implementadas para eliminar ou diminuir os riscos identificados no trabalho, alcançando as metas estabelecidas; neste contexto, os progressos relacionados à implementação são analisados;

  5. capacitação em saúde e segurança: todos os profissionais são capacitados para reconhecer e controlar os riscos, assim como sobre suas responsabilidades dentro do programa;

  6. avaliação do programa: por meio de processos definidos e dos registros monitora-se a implementação do programa e seu desempenho a fim de identificar pontos frágeis e possibilidades de melhorá-lo; esses fatores culminam na adoção de ações para promover as melhorias necessárias.

Nesta perspectiva, é importante que as instituições promovam, em seu interior, a cultura de prevenção da violência, demonstrando compromisso com a qualidade e existência de um ambiente de trabalho seguro para seus trabalhadores e pacientes, com risco reduzido para danos(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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). Estabelecer um programa com o propósito de prevenir a violência contra os profissionais da instituição é uma maneira de manifestar este compromisso(1010 Wyatt R, Anderson-Drevs K, Van Male LM. Workplace violence in health care: a critical issue with a promising solution. JAMA. 2016;316(10):1037-8. doi: 10.1001/jama.2016.10384
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). Além do mais, investimentos na segurança dos profissionais colaboram com a promoção da segurança do paciente e geralmente resultam em melhorias na prestação de assistência à saúde, que são aspectos relevantes para o reconhecimento da instituição de saúde na atualidade(22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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).

Com base nas experiências prévias referenciadas no presente estudo(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
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-22 Occupational Safety and Health Administration. Workplace violence prevention and related goals: the big picture [Internet]. 2015[cited 2020 Apr 10]. Available from: https://www.osha.gov/Publications/OSHA3828.pdf
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,55 Ridenour ML, Hendricks S, Hartley D, Blando JD. Workplace violence and training required by new legislation among NJ Nurses. J Occup Environ Med. 2017;59(4):e35-e40. doi: 10.1097/JOM.0000000000000973
https://doi.org/10.1097/JOM.000000000000...
,99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
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), entende-se que a organização de aspectos legais e de políticas públicas específicas para a prevenção da violência no trabalho em setores da saúde pode considerar os seguintes elementos, conforme lhes cabe:

  1. apresentação dos conceitos de violência no trabalho adotados para definição dos casos;

  2. descrição do escopo do documento, sua abrangência, objetivos e prazos;

  3. informações para a composição de planos de violência indicando elementos mínimos e fundamentais que deveriam ser incorporados durante sua elaboração e implementação, além de prazos e mecanismos de regulação. Se pertinente, descrição das implicações da não observância aos itens ou não adesão e vice-versa;

  4. incentivo ao desenvolvimento de planos institucionais que incluam a colaboração de outras instituições ou setores da sociedade para construir estratégias conjuntas na promoção da cultura de não-violência;

  5. descrição de medidas específicas para cada tipo de violência no trabalho, considerando o contexto laboral em que ocorre e a proteção gradativa dos trabalhadores da saúde;

  6. fortalecimento do registro e gestão de dados das ocorrências de violência no trabalho enquanto recurso para identificar vítimas, prover apoio e acompanhar o fenômeno nas suas múltiplas facetas ao longo do tempo em relação às estratégias descritas e implementadas.

Neste sentido, a autora(99 Gooch PP. Hospital workplace violence prevention in California: new regulations. Workplace Health Saf. 2018;66(3):115-119. doi: 10.1177/2165079917731791
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) destaca que nenhum incidente deve ser livre de registro, seja ele causado intencionalmente ou relacionado ao quadro de saúde do paciente (por exemplo: violência gerada por pacientes com confusão mental ou delírio). É importante que os líderes institucionais e sindicatos apoiem os sistemas, inclusive com anonimato opcional, para que sejam estruturados de modo a promover a confiança entre os trabalhadores, permitindo relatórios transparentes sobre a violência para análise da equipe ou comissão responsável(1010 Wyatt R, Anderson-Drevs K, Van Male LM. Workplace violence in health care: a critical issue with a promising solution. JAMA. 2016;316(10):1037-8. doi: 10.1001/jama.2016.10384
https://doi.org/10.1001/jama.2016.10384...
).

Considera-se que a implementação de aspectos legais e políticas públicas que visam coibir a violência no trabalho em ambientes de saúde pode contribuir para informar trabalhadores, instituições empregadoras e o público em geral sobre este fenômeno e possíveis meios de prevenção na prática profissional(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
). Compreende-se que maior conscientização de todas as partes sobre este problema pode aumentar esforços na tentativa de reduzi-lo(11 Barish RC. Legislation and regulations addressing workplace violence in the United States and British Columbia. Am J Prev Med. 2001;20(2):149-54. doi: 10.1016/s0749-3797(00)00291-9
https://doi.org/10.1016/s0749-3797(00)00...
).

Diante desse contexto, compreende-se que há avanços em relação às estratégias para prevenção da violência no trabalho em saúde ao longo dos anos, de modo mais acentuado em alguns locais ou regiões. Entretanto, além dessas estratégias, novas ações precisam ser adotadas considerando as possibilidades existentes para se avançar no sentido de evitar a incidência de casos de violência e melhor manejá-los. É importante que ações inovadoras para enfrentamento coletivo e permanente deste fenômeno sejam intensificadas, para assegurar a segurança e o amparo aos trabalhadores da área da saúde. Uma possibilidade de intervenção é a implementação de aspectos legais ou políticas públicas específicas que, conforme demonstrado neste estudo, têm sido adotados em algumas localidades para conduzir medidas de prevenção e gerenciamento da violência no trabalho. Reitera-se a necessidade de intensificar o debate quanto à implementação de medidas que promovam o enfrentamento coletivo da violência laboral nos setores de saúde no Brasil, pois, no conjunto de evidências brasileiras acerca deste fenômeno, identifica-se a ocorrência expressiva de casos de violência no trabalho e fragilidades no seu enfrentamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência no trabalho em saúde é um fenômeno identificado globalmente na atualidade. Os casos de violência são frequentemente referenciados por pesquisas, meios de comunicação e pelos próprios trabalhadores, juntamente com suas implicações à saúde dos envolvidos e para os serviços. Por isso, estratégias de prevenção da violência no trabalho em saúde são importantes no Brasil e no mundo. Desse modo, destaca-se a formulação de aspectos legais e políticas públicas específicas de prevenção da violência no trabalho em saúde, que podem ser implementadas em âmbito municipal, regional, estadual e/ou nacional, para agir contra este fenômeno de maneira abrangente e sustentável.

Nesta direção, experiências prévias de algumas localidades e organizações que implementaram legislações, regulamentos ou políticas de prevenção da violência no trabalho na área da saúde foram abordadas nesse estudo. Tais experiências se destacam como estratégias com ênfase no enfrentamento coletivo que, dada suas características, poderia gerenciar de maneira mais apropriada esse problema, que é global. Identifica-se, portanto, os aspectos legais e as políticas públicas como possibilidades a serem intensificadas para enfrentar coletivamente a violência no trabalho em saúde no Brasil.

Reconhece-se como limitação deste estudo a impossibilidade de serem analisadas estratégias in loco sobre os aspectos legais ou políticas de prevenção da violência no trabalho em saúde, por não terem sido identificadas na literatura. Esses dados ou estratégias poderiam também apoiar a reflexão e fornecer caminhos para o enfrentamento deste fenômeno.

Com este texto, espera-se fomentar análises e discussões em relação à adoção de medidas coletivas para prevenção e manejo da violência no trabalho em setores da saúde, e, com isso, incentivar formuladores de políticas públicas a compreenderem, de maneira ampliada, como esse fato se configura em diferentes locais ou países, conforme a singularidade dos contextos e envolvidos nos episódios de violência. Tratando-se do planejamento e implementação de práticas na atenção à saúde, neste caso, particularmente com ênfase na saúde do trabalhador, considera-se fundamental que haja a preocupação com relação ao acesso à literatura nacional e internacional, para identificar as melhores práticas quanto à prevenção e gerenciamento da violência laboral na área da saúde, almejando discuti-las em âmbito locorregional e/ou nacional.

Considera-se que o texto também pode ampliar a reflexão sobre o tema entre outras categorias profissionais que vivenciam, regularmente, eventos de violência no trabalho, tais como os profissionais da educação e da segurança pública.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2020
  • Aceito
    20 Set 2020
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