Obtenção de tecidos e órgãos: ações potencializadoras do enfermeiro à luz do pensamento ecossistêmico

RESUMO

Objetivos:

analisar, à luz do pensamento ecossistêmico, as ações do enfermeiro que estimulam a potencialidade de aumentar as taxas de doação de órgãos e tecidos.

Métodos:

estudo descritivo, exploratório, de método misto, do tipo incorporado, com realização simultânea e ênfase na abordagem quantitativa, incluindo 125 enfermeiros de Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes da Região Sul do Brasil. Os dados foram coletados por meio de questionário tipo survey on-line. Os dados quantitativos foram analisados utilizando o software Statistical Package for the Social Sciences; e os qualitativos, análise de conteúdo de Bardin.

Resultados:

as ações identificadas referem-se ao acolhimento do familiar, dedicação exclusiva e valorização remunerada dos enfermeiros da comissão, campanhas de mídia e divulgação para a sociedade em geral e ações educativas para capacitação dos profissionais.

Conclusões:

os resultados das ações estimulam a possibilidade de aumentar os índices de doação de órgãos e tecidos para transplante.

Descritores:
Obtenção de Tecidos e Órgãos; Enfermeiras e Enfermeiros; Ecossistema; Trabalho; Papel do Enfermeiro

ABSTRACT

Objectives:

to analyze, in the light of ecosystem thinking, the actions of nurses that stimulate the potential to increase the rates of organ and tissue donation.

Methods:

descriptive, exploratory, mixed method study, of the embedded type, with simultaneous realization and emphasis on the quantitative approach, including 125 nurses from the Intra-hospital Commission for Donation of Organs and Tissues for Transplants in the Southern Region of Brazil. Data were collected using an online survey questionnaire. Quantitative data were analyzed using the Statistical Package for the Social Sciences software; and qualitative, Bardin content analysis.

Results:

the identified actions refer to the reception of the family, exclusive dedication and remunerated valorization of the nurses of the commission, media and dissemination campaigns for society in general and educational actions for the training of professionals.

Conclusions:

the results of the actions encourage the possibility of increasing the rates of organ and tissue donation for transplantation.

Descriptors:
Tissue and Organ Procurement; Nurses; Ecosystem; Work; Nurse’s Role

RESUMEN

Objetivos:

analizar, de acuerdo al pensamiento ecosistémico, las acciones del enfermero que estimulan la potencialidad de aumentar las tasas de donación de órganos y tejidos.

Métodos:

estudio descriptivo, exploratorio, de método misto, del tipo incorporado, con realización simultánea y énfasis en abordaje cuantitativo, incluyendo 125 enfermeros de Comisión Intra-hospitalaria de Donación de Órganos y Tejidos para Trasplantes de la Región Sur de Brasil. Los datos recogidos por medio de cuestionario tipo survey on-line. Datos cuantitativos analizados utilizando el software Statistical Package for the Social Sciences; y los cualitativos, análisis de contenido de Bardin.

Resultados:

acciones identificadas refieren a la recepción del familiar, dedicación exclusiva y valoración remunerada de los enfermeros de la comisión, campañas mediáticas y divulgación para la sociedad en general y acciones educativas para capacitación de los profesionales.

Conclusiones:

resultados de las acciones estimulan la posibilidad de aumentar los índices de donación de órganos y tejidos para trasplante.

Descriptores:
Obtención de Tejidos y Órganos; Enfermeras y Enfermeros; Ecosistema; Trabajo; Papel del Enfermero

INTRODUÇÃO

Etimologicamente, a palavra “ecossistema” é composta pelo prefixo “eco-”, derivado do grego “oîkos”, que significa casa/espaço/ambiente; e “sistema”, palavra originada do latim “sýstēma”, que significa um conjunto de elementos ou organismos interdependentes, de modo a formar uma unidade/totalidade organizada. A compreensão dos sistemas e/ou ecossistemas foi definida na década de 1950, por Ludwig Von Bertalanffy, pautando-se em estudos e ensaios provenientes de concepções teóricas e práticas da noção de sistema, os quais foram compilados e consolidados na chamada Teoria Geral dos Sistemas⁽¹⁾.

O conhecimento que emergiu dessa esfera conceitual conduziu para um novo modo de pensar e agir em relação ao espaço onde se vive. Diante desse conhecimento, se formou um novo paradigma emergente, representado pelo chamado “pensamento sistêmico”, com o qual se deixa de estudar somente o objeto em si e emerge-se a decifrar as relações estabelecida entre todos os componentes que formam uma realidade. Assim, o estudo da realidade com base no pensamento sistêmico envolve os princípios das relações, interações, conexões e interdependência, os quais ocorrem entre tudo e todos os elementos que constituem a realidade⁽²⁾.

O ecossistema é, portanto, referenciado como o conjunto de elementos vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) que se relacionam, interagem em um espaço e tempo delimitados⁽²⁾. Participam como elementos ecossistêmicos, no presente trabalho, a instituição hospitalar com sua estrutura física, serviços oferecidos, ações realizadas, profissionais de saúde (entre os quais, enfermeiros e enfermeiras), potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplante e suas famílias, e demais componentes. Vale ressaltar que, muitas vezes, a família desconhece a própria vontade no tocante às intenções em ser ou não doador de órgãos, haja vista essa questão passar despercebida ou inexistir nas conversas entre seus membros^(3-5).

Quando a morte encefálica (ME) acontece, cabe às famílias responderem a uma pergunta extremamente delicada, realizada num momento difícil e doloroso, que é a aceitação ou não da doação de órgãos do seu ente querido. Pondera-se então que, ao se entender o hospital como um ecossistema, existem infinitas relações entre seus elementos componentes, ampliando, assim, a percepção desse “todo” que circunda o processo de doação de órgãos.

Dentre os elementos inseridos no ambiente hospitalar, insere-se a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). Foi criada em razão da necessidade de obtenção de órgãos e tecidos para transplantes que, segundo a Assembleia Mundial da Saúde, é insuficiente para atender à demanda e percebida como uma importante estratégia em diversos países, independentemente dos recursos econômicos, tecnológicos ou farmacológicos⁽⁶⁾. Nesse sentido, a busca por alternativas que visem ao aumento dos números de doações de órgãos tem sido objetivada pelos governos, sociedades e equipes de saúde. Como estratégia, as CIHDOTTs têm a função de auxiliar no processo de doação, fazendo o elo entre os outros componentes do Sistema Nacional de Transplantes com as equipes assistenciais e a família, desde a identificação do possível doador até a entrega do corpo aos familiares⁽⁷⁾.

As CIHDOTTs surgiram no Brasil a partir do ano 2000 e envolvem-se no processo de doação de órgãos, de modo a realizar a busca ativa por possíveis doadores, agendar salas no bloco cirúrgico, preparar e disponibilizar todo o material e equipamentos especializados, além de prover recursos humanos adequados para o ato. Também, faz o elo entre os outros elementos do Sistema Nacional de Transplantes (Organização e Procura de Órgãos [OPOs] e a Central Estadual de Transplantes), bem como a entrevista com os familiares para solicitação da doação⁽⁷⁾.

Dentre os componentes das CIHDOTTs, encontra-se o enfermeiro, referenciado como um elemento partícipe do processo de doação de órgãos e tecidos e evidenciado como um profissional importante para um sistema de doação de órgãos eficiente; e, segundo pesquisas nacionais e internacionais, é aquele apontado como capaz de realizar ações que possibilitam o aumento da doação de órgãos e tecidos nos hospitais onde atua^(8-11).

Na Polônia, verificou-se que a contratação de enfermeiros coordenadores de transplante se mostrou efetiva em 50% dos hospitais⁽⁹⁾. Atitudes positivas relacionadas aos familiares parecem também ter influência no desfecho favorável à doação de órgãos, segundo estudo realizado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) com os profissionais de saúde franceses⁽¹⁰⁾ e estudantes das Ciências da Saúde na Turquia⁽¹¹⁾. Na Holanda, revelou-se que os enfermeiros desempenham ação importante na abordagem familiar, pois são capazes de obter a opinião dos familiares, mesmo antes do pedido médico para doação de órgãos⁽⁸⁾. Ainda, pesquisa feita na Suécia registrou que as atitudes positivas dos enfermeiros no processo de doação envolvem a experiência de vida profissional, participação em conversas com parentes, cuidar de pessoas com ME e experiências pessoais no processo de doação e/ou transplante de órgãos de familiares⁽¹²⁾.

Assim, evidenciar as ações desenvolvidas pelos profissionais enfermeiros das CIHDOTTs pode possibilitar o fomento da doação de órgãos e tecidos para transplantes.

OBJETIVOS

Analisar, à luz do pensamento ecossistêmico, as ações do enfermeiro que estimulam a potencialidade de aumentar as taxas de doação de órgãos e tecidos.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande. Os preceitos éticos da Resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foram seguidos e respeitados durante todo o trâmite da pesquisa.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de estudo transversal, descritivo e exploratório, do tipo incorporado, usando abordagem de métodos mistos, com realização simultânea, ênfase na abordagem quantitativa e norteado pela ferramenta STROBE⁽¹³⁾. A combinação dos dados se deu por incorporação dos dados qualitativos aos quantitativos, à luz do pensamento ecossistêmico. Essa técnica também pode ser descrita como método de Notação dos Métodos Mistos, cuja representação esquemática é concebida como QUAN(qual)⁽¹⁴⁾.

Os dados foram coletados no período de junho a agosto de 2019, tendo como local os estados da Região Sul do Brasil, a qual foi escolhida por: possuir 33% de todas as CIHDOTTs do Brasil e estar acima da média de doação de órgãos para transplante, tendo os estados de Santa Catarina e Paraná índices semelhantes aos países com maiores taxas de doação⁽¹⁵⁾.

População, critérios de inclusão e exclusão

A população estipulada foi de 185 enfermeiros membros de CIDOTTs da Região Sul do Brasil, conforme dados institucionais fornecidos por meio do Google Docs. A eles, foi enviado via on-line instrumento estruturado, com 52 questões fechadas do tipo escala Likert de 5 pontos (sempre, frequentemente, às vezes, raramente e nunca) e cinco abertas. Dos convidados, 125 enfermeiros aceitaram participar, retornando o instrumento quantitativo devidamente preenchido. Em relação à parte qualitativa, não obrigatória para a devolução das questões quantitativas, 106 respostas foram obtidas.

Foram considerados critérios de inclusão, na parte quantitativa e qualitativa: ser enfermeiro membro de OPOs e das CIHDOTTs da rede pública ou privada da Região Sul do país, devidamente registrados em conselhos de classe. Na parte quantitativa, foram excluídos os que estavam afastados do exercício profissional na CIHDOTT no momento da coleta de dados, por motivo de férias, tratamento de saúde ou afins; e, na parte qualitativa, as entrevistas não respondidas na íntegra e entrevistas com respostas simples que continham apenas palavras isoladas, como “sim”, “não” e “com certeza”. Foram excluídas 17 entrevistas devido à incompletude e 11 em razão de respostas simples, totalizando para a análise 78.

Optou-se por limitar em 30% o número de participantes em cada cenário estudado, uma vez que os questionários devolvidos não foram em número igual. Assim, foi aplicada a regra de proporção, resultando em 7 participantes do Paraná, 8 de Santa Catarina e 8 do Rio Grande do Sul, totalizando 23 para a análise qualitativa. Para a escolha da inclusão dos participantes, aplicou-se a amostragem probabilística aleatória, respeitando a proporcionalidade e representatividade de cada estado.

Protocolo do estudo

Para conhecer a população desse estudo, estipulada em 185 enfermeiros, realizou-se contato com as Centrais de Transplantes dos Estados e com as OPOs dos estados da Região Sul do Brasil. Um questionário on-line foi gerado no aplicativo do Google Forms, que é gratuito e considerado de fácil manuseio e aplicabilidade, usado na web para coletar informações por meio de formulários. As respostas são enviadas diretamente para uma planilha configurada para facilitar a análise, e automaticamente os dados são salvos e armazenados no Google Drive do usuário⁽¹⁶⁾.

As respostas enviadas pelos participantes foram reunidas automaticamente em uma planilha na nuvem, que pode, portanto, ser visualizada on-line ou exportada para softwares de planilha como Microsoft Excel, possibilitando uma análise de dados mais fácil, ou para um software de análises estatísticas como o SPSS⁽¹⁷⁾. O questionário contemplava questões fechadas quantitativas, com 52 variáveis no total, sendo que, para o recorte deste estudo, foram utilizadas quatro variáveis que buscaram examinar as ações educativas desenvolvidas pelas CIHDOTTs; e dez sobre as ações de cuidado ao possível doador e sua família, reportadas nas Tabelas 1 e 2.

As questões abertas de cunho qualitativo foram compostas por cinco temas abertos, elaboradas a fim de obter dados dos participantes sobre a capacitação prévia dos enfermeiros antes do seu ingresso na CIHDOTT; fatores e barreiras que dificultam a doação de órgãos; fatores facilitadores no processo de doação de órgãos; ações que, nos hospitais, são desenvolvidas e têm potencial de aumentar a doação de órgãos; bem como opinião relacionada à entrevista familiar.

Após a adaptação do instrumento ao Google Forms, foi gerado um link do questionário e enviado via on-line para os possíveis entrevistados por meio das OPOs e Centrais de Transplantes dos estados. O método utilizado permitiu ao entrevistado, ao abrir o link, visualizar uma tela que precede o questionário, informando-o sobre a necessidade de preencher o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, então, possibilitar o prosseguimento do questionário. O enfermeiro, ao aceitar participar da pesquisa, foi convidado a adicionar o seu e-mail, confirmando seu aceite. Com esse procedimento, respeitou-se a confidencialidade e a aceitação voluntária dos participantes.

Análise dos resultados e estatística

Para análise dos dados quantitativos, foi utilizado o software SPSS, versão 25. Foram realizados o teste de qui-quadrado, teste ANOVA de uma via e o teste de KolmogorovSmirnov. Estabeleceu-se o nível de significância de 0,05 para todas as análises efetuadas. Definiu-se um nível de confiança de 95% e um erro amostral de 5%, com base na população estimada de 185 enfermeiros, aplicando-se a fórmula para o cálculo amostral⁽¹⁸⁾. Os dados qualitativos foram analisados mediante análise de conteúdo de Bardin⁽¹⁹⁾, que originaram unidades de registros capazes de aprofundar o conhecimento subjetivo dos participantes ao relacioná-los com as categorias quantitativas pré-existentes, resultando em outras cinco categorias.

RESULTADOS

Os dados do presente artigo contemplam a categoria “Ações dos enfermeiros de CIHDOTT que podem potencializar a doação de órgãos e tecidos para transplante”, analisada à luz do pensamento ecossistêmico, buscando entender as múltiplas facetas das ações que os enfermeiros da Região Sul do Brasil consideram importantes para aumentar os índices de doação de órgãos e tecidos. Nesse sentido, as ações relacionadas ao acolhimento familiar foram consideradas como capazes de aumentar as taxas de doação de órgãos (Tabela 1).

Tabela 1
Ações dos enfermeiros de Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes direcionadas ao acolhimento familiar, nos estados da Região Sul do Brasil, (N = 125), Brasil, 2019

Variáveis	Geral		Paraná		Santa Catarina		Ri Grande do Sul		Valor de p
	n	%	n	%	n	%	n	%
1.1 No hospital onde trabalha, há suportes tecnológicos, farmacológicos, espirituais e/ou psicológicos e estruturais (sala para entrevista familiar, por exemplo), necessários para a manutenção do potencial doador e amparo familiar?
Sempre	51	40,8	19	51,4	24	50	8	20	0,006*
Frequentemente	34	27,2	10	27	14	29,2	10	25
Às vezes	27	21,6	3	8,1	7	14,6	17	42,5
Raramente	11	8,8	4	10,8	2	4,2	5	12,5
Nunca	2	1,6	1	2,7	1	2,1	0	0
1.2 Você promove e organiza o acolhimento às famílias doadoras antes, durante e após todo o processo de doação no âmbito da instituição?
Sempre	81	64,8	26	70,3	36	75	19	47,5	0,101
Frequentemente	33	26,4	7	18,9	11	22,9	15	37,5
Às vezes	7	5,6	2	5,4	1	2,1	4	10
Raramente	4	3,2	2	5,4	0	0	2	5
Nunca	0	0	0	0	0	0	0	0
1.3 Você fica em contato telefônico com a família de modo constante para eventuais informações?
Sempre	67	53,6	18	48,6	30	62,5	19	47,5	0,333
Frequentemente	37	29,6	15	40,5	11	22,9	11	27,5
Às vezes	11	8,8	1	2,7	4	8,3	6	15
Raramente	7	5,6	2	5,4	3	6,3	2	5
Nunca	3	2,4	1	2,7	0	0	2	5
1.4 Ao participar do processo de doação, você se faz presente durante todo o tempo do processo?
Sempre	70	56	20	54,1	34	70,8	16	40	0,024*
Frequentemente	39	31,2	13	35,1	11	22,9	15	37,5
Às vezes	13	10,4	2	5,4	3	6,3	8	20
Raramente	2	1,6	2	5,4	0	0	0	0
Nunca	1	0,8	0	0	0	0	1	2,5
1.5 Você, ao realizar a entrevista com os familiares, segue uma metodologia específica e centra-se na possibilidade da aceitação da doação?
Sempre	61	48,8	20	54,1	27	56,3	14	35	0,052
Frequentemente	36	28,8	6	16,2	15	31,3	15	37,5
Às vezes	16	12,8	5	13,5	2	4,2	9	22,5
Raramente	8	6,4	3	8,1	3	6,3	2	5
Nunca	4	3,2	3	8,1	1	2,1	0	0
1.6 Você respeita a vontade do potencial doador e de sua família, mesmo você não compartilhando da sua opinião?
Sempre	77	61,6	28	75,7	33	68,8	16	40	0,023*
Frequentemente	37	29,6	7	18,9	13	27,1	17	42,5
Às vezes	9	7,2	1	2,7	2	4,2	6	15
Raramente	2	1,6	1	2,7	0	0	1	2,5
Nunca	0	0	0	0	0	0	0	0
1.7 Você procura auxiliar os familiares a chegarem a uma decisão em relação à doação de órgãos e a continuarem a viver sem medo ou culpa pela decisão tomada?
Sempre	110	88	32	86,5	42	87,5	36	90	0,175
Frequentemente	11	8,8	4	10,8	6	12,5	1	2,5
Às vezes	2	1,6	0	0	0	0	2	5
Raramente	1	0,8	1	2,7	0	0	0	0
Nunca	1	0,8	0	0	0	0	1	2,5
1.8 Ao entrevistar um familiar para solicitar a doação de órgãos, você acha que pode causar mais dor e sofrimento à família?
Sempre	60	48	21	56,8	26	54,2	13	32,5	0,504
Frequentemente	25	20	6	16,2	8	16,7	11	27,5
Às vezes	22	17,6	6	16,2	6	12,5	10	25
Raramente	12	9,6	3	8,1	5	10,4	4	10
Nunca	6	4,8	1	2,7	3	6,3	2	5
1.9 Há recursos suficientes para a realização da entrevista, como sala reservada, apoio psicológico ou amparo social no seu hospital?
Sempre	52	41,6	19	51,4	22	45,8	11	27,5	0,058
Frequentemente	35	28	10	27	16	33,3	9	22,5
Às vezes	25	20	4	10,8	8	16,7	13	32,5
Raramente	11	8,8	4	10,8	2	4,2	5	12,5
Nunca	2	1,6	0	0	0	0	2	5
1.10 Você se sente preparado para fazer uma abordagem familiar e para responder os questionamentos da família?
Sempre	56	44,8	22	59,5	18	37,5	16	40	0,124
Frequentemente	38	30,4	5	13,5	19	39,6	14	35
Às vezes	24	19,2	7	18,9	9	18,8	8	20
Raramente	5	4	1	2,7	2	4,2	2	5
Nunca	2	1,6	2	5,4	0	0	0	0
TOTAL	125	100	37	100	47	100	40	100

• Note:
• ^*
  p estatisticamente significante: p ≤ 0,05.

As ações relacionadas ao acolhimento familiar foram corroboradas pelos enfermeiros participantes do estudo como algo que precisa ser construído e que possibilita aumentar as taxas de doação de órgãos:

O acolhimento familiar humanizado e precoce. (P2 - Santa Catarina)

Melhorar as condições de acolhimento aos familiares. (P4 - Rio Grande do Sul)

Modelo de Acolhimento. (P5 - Santa Catarina)

A ineficácia ou a não realização adequada do acolhimento pode impactar de modo negativo o processo de doação, implicando dificuldades. Dados da Tabela 1 evidenciam que, em comparação aos outros estados investigados, o Rio Grande do Sul ainda carece de uma estrutura física para acolher melhor os familiares dos potenciais doadores de órgãos.

[...] pensando em acolhimento na captação de córneas, de órgãos, um pouco mais difícil, por conta do perfil. (P7 - Santa Catarina)

Somente a abordagem familiar é feita. (P8 - Rio Grande do Sul)

Melhorar as condições de acolhimento dos familiares. (P4 - Rio Grande do Sul)

As campanhas de divulgação e mídia também foram apontadas como ações que podem potencializar as taxas de obtenção de órgãos e tecidos para fins de transplantes, conforme evidenciado na Tabela 2.

Tabela 2
Ações educativas realizadas pelos enfermeiros de Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes da Região Sul do Brasil, Brasil, 2019

Variáveis	Geral		Paraná		Santa Catarina		Ri Grande do Sul		Valor de p
	n	%	n	%	n	%	n	%
2.1 A CIHDOTT do seu hospital realiza palestras sobre doação de órgãos e transplantes aos profissionais das unidades hospitalares que atendem usuários neurocríticos?
Sempre	19	15,2	9	24,3	5	10,4	5	12,5	0,655
Frequentemente	44	35,2	13	35,1	16	33,3	15	37,5
Às vezes	44	35,2	10	27	21	43,8	13	32,5
Raramente	14	11,2	4	10,8	4	8,3	6	15
Nunca	4	3,2	1	2,7	2	4,2	1	2,5
2.2 A CIHDOTT realiza palestras em escolas ou universidades?
Sempre	20	16	6	16,2	7	14,6	7	17,5	0,694
Frequentemente	18	14,4	3	8,1	7	14,6	8	20
Às vezes	32	25,6	8	21,6	13	27,1	11	27,5
Raramente	32	25,6	13	35,1	13	27,1	6	15
Nunca	23	18,4	7	18,9	8	16,7	8	20
2.3 Você incentiva os profissionais das unidades do hospital (UTI, Bloco, Emergência ou outros) a participarem de eventos, congressos, palestras que tratam sobre orientações e educação para a doação de órgãos?
Sempre	49	39,2	14	37,8	24	50	11	27,5	0,561
Frequentemente	42	33,6	12	32,4	14	29,2	16	40
Às vezes	23	18,4	8	21,6	7	14,6	8	20
Raramente	10	8	3	8,1	3	6,3	4	10
Nunca	1	0,8	0	0	0	0	1	2,5
2.4 Você utiliza o conhecimento científico para assegurar-se de que o trabalho com a doação de órgãos é baseado em evidências?
Sempre	81	64,8	25	67,6	31	64,6	25	62,5	0,759
Frequentemente	31	24,8	8	21,6	12	25	11	27,5
Às vezes	9	7,2	2	5,4	3	6,3	4	10
Raramente	3	2,4	2	5,4	1	2,1	0	0
Nunca	1	0,8	0	0	1	2,1	0	0
TOTAL	125	100	37	100	47	100	40	100

• Nota: CIHDOTT - Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes.

A educação por meio de campanhas, mídias e divulgação sobre a doação de órgãos pode sensibilizar a sociedade e as famílias a conversarem mais sobre esse assunto e a conhecerem-no melhor, como pode ser constatado nos relatos dos participantes:

Sim, principalmente se sair do âmbito hospitalar e ter mais divulgação para população. (P2 - Rio Grande do Sul)

A campanha que fizemos em alguns meses do ano, abordando colaboradores, pacientes e familiares. (P3 - Rio Grande do Sul)

Mostrar que não acontece tráfico de órgãos, preferências por quem tem uma condição financeira melhor. Divulgar que é uma fila única. (P3 - Paraná)

Sensibilização de todos os colaboradores do hospital. (P4 - Santa Catarina)

Acredito que nosso trabalho nas escolas e universidades, disponibilizando conhecimento e sensibilizando as pessoas pela causa. (P5 - Rio Grande do Sul)

Realizar campanhas nas escolas e empresas para clarificar todas as dúvidas presentes no ato de doar. (P6 - Paraná)

Informação dos profissionais da Saúde e comunidade. (P6 - Santa Catarina)

Do mesmo modo, os enfermeiros acreditam que ações educativas voltadas para capacitação dos profissionais também sejam uma alternativa viável para incrementar as taxas de doação de órgãos e tecidos, conforme seus discursos.

Além de treinamentos semestrais in loco sobre os formulários e a entrevista. (P1 - Rio Grande do Sul)

Treinamentos, palestras de conscientização, feedback de resultados e objetivos. (P1 Paraná)

Processos bem estruturados e equipe capacitada. (P2- Paraná)

Divulgação e melhor esclarecimento dos profissionais que trabalham nas áreas críticas. (P3 - Santa Catarina)

Sim, o Estado do Paraná tem apoio logístico excelente, investe em educação e densidade tecnológica. (P4 - Paraná)

Condução da entrevista. (P6 - Rio Grande do Sul)

A importância da capacitação da equipe a fim de utilizar a mesma linguagem. (P8 Santa Catarina)

Acho que falta mais engajamento dos membros da equipe do hospital [...] mais capacitação. (P7 - Paraná)

DISCUSSÃO

Um dos desafios enfrentados pelos enfermeiros de CIHDOTT é transpor a visão reducionista deste paciente declarado como morto e reconhecê-lo como um ser humano que merece respeito e reverência em ser potencial para salvar outras vidas. A complexidade do cuidado ao paciente em ME está em conscientizar-se de que ele não é um ser dicotômico, ou seja, ou morto ou vivo, mas incorpora em si a vida e a morte simultaneamente⁽²⁰⁾.

Além disso, também é preciso vislumbrar o ambiente hospitalar como um todo: o enfermeiro de CIHDOTT, o potencial doador de órgãos, a família e todos os elementos que constituem esse espaço ecossistêmico. Todo esse conjunto encontra-se inter-relacionado, e seus componentes se influenciam e possibilitam reações positivas e/ou negativas. Desse modo, podem possibilitar influências negativas sobre o amparo e o cuidado prestado ao possível doador e sua família.

Com esse olhar crítico e reflexivo, é viável incorporar ações para proporcionar influências com capacidade de aumentar as taxas de doações de órgãos para transplantes. Esse princípio ecossistêmico de unidade/totalidade é necessário, pois permite ver o mundo, o espaço real circundante e onde se está inserido, no qual os elementos componentes se relacionam e interagem entre si, exercendo influências, mudanças e transformações⁽²⁾.

Apoiar os familiares (Tabela 1, variáveis 1.2, 1.3, 1.4) é uma ação que possibilita aumentar as taxas de doação de órgãos, o que também é evidenciado na literatura^(3,20-21), em que os cenários com maior ação voltada ao apoio do familiar têm maiores registros de doação de órgãos. Salientase, desse modo, que o princípio ecossistêmico da interação enfermeiro-família é imprescindível para alcançar o objetivo que é a doação de órgãos, ao ficar em contato telefônico, estar presente durante o andamento do processo de doação.

Os dados encontrados nestes estados demonstram que há diferenças estatísticas no que se refere ao amparo disponibilizado aos familiares (Tabela 1, variáveis 1.4, 1.6), podendo-se inferir que essas ações, aliadas à disponibilidade de recursos físicos (Tabela 1, variáveis 1.1, 1,9), podem determinar o sucesso na obtenção de órgãos no estado do Paraná e Santa Catarina, quando comparados ao Rio Grande do Sul.

Desse modo, o cuidado envolve uma assistência humanizada não só para o paciente, como também para sua família^(4,15). Os cuidados realizados ao paciente em ME e sua família são semelhantes aos realizados a outros pacientes e requerem dos profissionais de saúde (neste caso, o enfermeiro), sensibilidade, envolvimento, empatia, olhar atento, percepção aguçada e conhecimento científico. Essa forma de cuidar pode garantir ao paciente e à família uma assistência efetiva⁽²⁰⁾.

Para tanto, no acolhimento familiar, utiliza-se a comunicação (Tabela 1, variáveis 1.2 e 1.4), que é tida como um ponto fortalecedor diante dos conflitos éticos vivenciados pelos familiares⁽³⁾. Potencializar a comunicação efetiva pode facilitar e mobilizar os elementos envolvidos com as famílias, gerando relações saudáveis no sistema/ambiente em que estão inseridos. Ao considerar a complexidade que permeia todo o processo de doação e transplantes de órgãos, o enfermeiro não só entende, mas se sensibiliza com as pessoas envolvidas⁽²¹⁾.

Tem-se, ainda, que seguir uma metodologia específica para realização de entrevista (Tabela 1, variável 1.5) pode abrir caminhos para os profissionais enfermeiros auxiliarem as famílias a chegarem a uma decisão sobre a doação ou não de órgãos (Tabela 1, variável 1.7). Também, pode ajudar os enfermeiros a evitar seu sofrimento ao realizar um pedido difícil, num momento difícil. (Tabela 1, variáveis 1.7, 1.8, 1.10).

A organização das práticas de cuidado pelo enfermeiro da CIHDOTT constitui-se em identificar as necessidades do potencial doador, implementar, avaliar e acompanhar os resultados dos cuidados. Porém, o diferencial está na rapidez com que o enfermeiro enfrenta o processo de cuidado a esse paciente, pois as alterações fisiopatológicas e hemodinâmicas relacionadas à ME são variáveis e estão diretamente relacionadas com o sucesso do processo de doação de órgãos e transplante⁽²⁰⁾. O ecossistema caracteriza-se pela dinamicidade dos seus organismos — em que o ser humano é um dos integrantes — e por ser uma rede flexível, em constante busca pelo equilíbrio dinâmico⁽²²⁾.

Um estudo brasileiro⁽⁴⁾ mostra que uma das dificuldades está relacionada às equipes assistenciais, entre as quais é comum a ideia de que o processo de doação seja tarefa exclusiva das equipes de CIHDOTTs, quando na verdade é um trabalho desenvolvido em conjunto. Ao se acolherem as famílias, pondera-se que a doação de órgãos perpassa o ambiente hospitalar e, por isso, necessita ser fortalecida mediante o vínculo e a confiança dessas famílias nas equipes que atuam no processo^(3,5). Mesmo a CIHDOTTs tendo atribuições específicas, isso não impede que as outras equipes hospitalares acolham e amparem as famílias num momento extremamente doloroso, pois pensar em ambiente hospitalar é refletir sobre um ecossistema, em que, como tal, tudo está inter-relacionado e se influencia mutuamente.

Outra ação apontada foram as campanhas de mídia e divulgação, que, no entendimento dos enfermeiros, podem ser um estimulador do aumento nas taxas de obtenção de órgãos e tecidos para fins de transplantes (Tabela 2, variáveis 2.1 e 2.2 e 2.4), o que confirmado pelas falas dos participantes deste estudo nos resultados da pesquisa qualitativa. A educação é fator determinante para o sucesso ou insucesso do processo de doação e transplante: cursos, palestras e capacitações voltadas à sociedade, família e profissionais são estratégias para melhorar os índices de doação de órgãos⁽²⁰⁾.

É consenso na literatura^(3-5,23) que a falta de conhecimento por parte dos familiares também é um grande dificultador do trabalho do enfermeiro da CIHDOOT, principalmente quando esse familiar é abordado de forma inadequada. Isso porque, na maioria das vezes, ocorre a não aceitação da ME, cabendo ao enfermeiro responsável uma abordagem humanizada e esclarecedora, o que nem sempre é fácil se esse profissional não estiver adequadamente preparado. Nesse sentido, um estudo realizado no Brasil⁽²³⁾ apontou que o motivo da recusa mais frequente foi o desconhecimento do familiar responsável acerca da opinião do doador.

Os enfermeiros acreditam que ações educativas voltadas para capacitação dos profissionais sejam uma alternativa viável para incrementar as taxas de doação de órgãos e tecidos. A capacitação dos profissionais da UTI e de outros setores bem como o aprendizado e o aperfeiçoamento na prática são facilitadores para alcançar melhores índices de doação⁽²⁰⁾. Mesmo assim, os resultados mostram que apenas 15,2% (Tabela 2, variável 2.1) sempre realizam atividades direcionadas à capacitação dos profissionais.

É possível perceber que as ações de educação voltadas ao ambiente intra-hospitalar são mais frequentemente mencionadas (Tabela 2, variáveis 2.1, 2.3) do que as ações educativas direcionadas aos ambientes extra-hospitalares (Tabela 2, variável 2.2), em que 55% dos entrevistados raramente ou nunca realizam tais ações em escolas ou universidades. Na verdade, a divulgação massiva para a sociedade em prol da doação de órgãos é realizada pelos governos. Apesar disso, a aplicabilidade de uma campanha de marketing social evidenciou que uma das possíveis explicações para a baixa efetividade da doação de órgãos pode estar relacionada à incredulidade das pessoas no emissor da mensagem, ou seja, os órgãos governamentais⁽²⁴⁾. Outro estudo brasileiro⁽²⁵⁾ concluiu que as campanhas em favor da doação de órgãos são pontuais, não sendo identificadas ações continuadas, vindo a corroborar os achados das pesquisas.

O processo de doação de órgãos é uma das circunstâncias mais complexas que ocorrem nos setores de atenção nas UTIs, urgências e emergências em saúde, sendo a manutenção do potencial doador uma situação que exige conhecimento e preparo da equipe. Confirmando esse fato, uma das dificuldades enfrentadas pela equipe CIHDOTT relaciona-se à falta de habilidade e capacitação dos enfermeiros⁽⁴⁾.

A falta de conhecimento e habilidade do profissional enfermeiro reflete claramente no desenvolvimento do seu trabalho, repercutindo negativamente no processo de doação ao se apresentar inseguro e/ou pouco efetivo dentro da UTI. Contudo, as dificuldades podem ser minimizadas por meio da educação continuada⁽⁴⁾, o que reduziria os erros, facilitaria o aprendizado prático e, consequentemente, favoreceria a possibilidade de aumentar os índices de doação de órgãos e tecidos.

Limitações do estudo

Levando em consideração a extensão continental do Brasil, este estudo teve como principal limitação a abrangência dos dados exclusiva à Região Sul, com os estados apresentando características semelhantes entre si, por isso são necessários outros estudos nos demais espaços do país.

Contribuições para a enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados desta investigação contribuem para o fortalecimento do conhecimento na área da enfermagem, ao mesmo tempo que apontam ações viáveis de serem desenvolvidas para um programa bem-sucedido de doação de órgãos e tecidos para transplante.

CONCLUSÕES

As ações identificadas pelos participantes da pesquisa referem-se ao acolhimento do familiar, campanhas de mídia e divulgação para a sociedade, que, em geral, são articuladas com a capacitação dos profissionais e têm a possibilidade de transformarem-se em fatores que estimulem a doação de órgãos e tecidos. Evidenciou-se, também, que o amparo recebido pelo familiar, por meio das ações dos enfermeiros das CIHDOTTs, como a comunicação e o acompanhamento durante todo o processo, estabelece relações capazes de gerar sentimentos de confiança e representa importante influência na decisão quanto à doação.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Maio 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  25 Set 2020
• Aceito
  13 Nov 2020