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Autocuidado entre pessoas com Diabetes Mellitus e qualidade do cuidado na Atenção Básica

RESUMO

Objetivos:

verificar a adesão às atividades de autocuidado entre pessoas com diabetes mellitus e sua associação com a qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica.

Métodos:

estudo transversal com 329 pessoas com diabetes atendidas na Atenção Básica. Coletaram-se dados sociodemográficos e referentes ao autocuidado. Para avaliar a qualidade do cuidado na Atenção Básica, foram utilizados dados secundários do Programa Melhoria do Acesso e da Qualidade. Para comparações entre adesão às atividades de autocuidado e qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica, foi utilizado Teste Kruskal-Wallis.

Resultados:

melhor adesão à dieta, monitoramento glicêmico e uso dos medicamentos foram observados entre pessoas com diabetes atendidas na Atenção Básica com melhor coordenação do cuidado, organização da agenda e equipamentos. O exame dos pés, apesar da relação inversa com a qualidade do cuidado, mostrou-se desejável.

Conclusões:

a adesão ao autocuidado entre pessoas com diabetes se associou à qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica.

Descritores:
Autocuidado; Diabetes Mellitus; Atenção Primária à Saúde; Avaliação em Saúde; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to verify the adherence to self-care activities among people with diabetes mellitus and its association with quality of care received in Primary Care.

Methods:

a cross-sectional study with 329 people with diabetes assisted in Primary Care. Sociodemographic and self-care data were collected. To assess quality of care in Primary Care, secondary data from the Access and Quality Improvement Program were used. For comparisons between adherence to self-care activities and quality of care received in Primary Care, the Kruskal-Wallis Test was used.

Results:

better adherence to the diet, blood glucose monitoring and medication use were observed among people with diabetes treated in Primary Care with better coordination of care, agenda organization, and equipment. Foot examination, despite the inverse relationship with quality of care, proved to be desirable.

Conclusions:

adherence to self-care among people with diabetes was associated with quality of care received in Primary Care.

Descriptors:
Self Care; Diabetes Mellitus; Primary Health Care; Health Evaluation; Nursing Care

RESUMEN

Objetivos:

verificar la adherencia a las actividades de autocuidado en personas con diabetes mellitus y su asociación con la calidad de la atención recibida en Atención Primaria.

Métodos:

estudio transversal con 329 personas con diabetes atendidas en Atención Primaria. Se recogieron datos sociodemográficos y de autocuidado. Para evaluar la calidad de la atención en Atención Primaria se utilizaron datos secundarios del Programa de Mejora de Acceso y Calidad. Para las comparaciones entre la adherencia a las actividades de autocuidado y la calidad de la atención recibida en Atención Primaria se utilizó la prueba de Kruskal-Wallis.

Resultados:

se observó mejor adherencia a la dieta, seguimiento glucémico y uso de medicamentos en personas con diabetes atendidas en Atención Primaria con mejor coordinación de la atención, organización de la agenda y equipamiento. El examen de los pies, a pesar de la relación inversa con la calidad de la atención, resultó ser deseable.

Conclusiones:

la adherencia al autocuidado en personas con diabetes se asoció con la calidad de la atención recibida en Atención Primaria.

Descriptores:
Autocuidado; Diabetes Mellitus; Atención Primaria de Salud; Evaluación en Salud; Atención de Enfermería

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é uma das doenças crônicas não transmissíveis mais prevalentes no mundo(11 American Diabetes Association (ADA). Classification and Diagnosis of Diabetes: Standards of Medical Care in Diabetes. Diabetes Care, 2020;43(suppl. 01):S14-S31. https://doi.org/10.2337/dc20-S002
https://doi.org/10.2337/dc20-S002...
-22 Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, Machado IE, Silva AG, Bernal RTI, et al. Prevalence of diabetes mellitus as determined by glycated hemoglobin in the Brazilian adult population, National Health Survey. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(suppl. 02):e190006. https://doi.org/10.1590/1980-549720190006
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). O tratamento exige medidas complexas que envolvem a modificação da dieta, a incorporação de atividade física, o uso contínuo de medicamentos, a monitorização glicêmica e os cuidados com os pés. Há evidências suficientes de que essas atividades de autocuidado, quando incorporadas à vida das pessoas com DM, são capazes de manter o controle glicêmico e reduzir o risco de complicações decorrentes da doença(22 Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, Machado IE, Silva AG, Bernal RTI, et al. Prevalence of diabetes mellitus as determined by glycated hemoglobin in the Brazilian adult population, National Health Survey. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(suppl. 02):e190006. https://doi.org/10.1590/1980-549720190006
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-33 American Diabetes Association (ADA). Introduction: Standards of Medical Care in Diabetes-2020. Diabetes Care. 2020;43(suppl. 01):S1-2. https://doi.org/10.2337/dc20-Sint
https://doi.org/10.2337/dc20-Sint...
).

Apesar dos benefícios associados ao autocuidado, a adesão a essas atividades continua relativamente baixa(44 Rincón-Romero MK, Torres-Contreras C, Corredor-Pardo KA. Adherencia terapéutica en personas con diabetes mellitus tipo 2. Rev Cienc Cuid. 2017;14(1):40-59. https://doi.org/10.22463/17949831.806
https://doi.org/10.22463/17949831.806...
-55 Parra DI, Romero Guevara SL, Rojas LZ. Influential Factors in Adherence to the Therapeutic Regime in Hypertension and Diabetes. Invest Educ Enferm. 2019;37(3). https://doi.org/10.17533/udea.iee.v37n3e02
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). Isso representa uma grande demanda para o sistema de saúde pública particularmente para a Atenção Básica, que é uma das fontes mais importantes para que as pessoas com DM desenvolvam estratégias de autocuidado(22 Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, Machado IE, Silva AG, Bernal RTI, et al. Prevalence of diabetes mellitus as determined by glycated hemoglobin in the Brazilian adult population, National Health Survey. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(suppl. 02):e190006. https://doi.org/10.1590/1980-549720190006
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).

A adesão às atividades de autocuidado entre pessoas com DM pode ser influenciada por uma série de fatores individuais, sociais e relacionadas ao sistema de saúde. Nesse sentido, um dos maiores desafios do sistema de saúde é que a Atenção Básica melhore a qualidade da atenção à saúde das pessoas com DM e previna as complicações decorrentes da doença garantindo acesso, resolutividade e integralidade(66 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMGV. Primary care for diabetes mellitus patients from the perspective of the care model for chronic conditions. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2882. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1474.2882
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).

A organização da Atenção Básica no Brasil se dá através da Estratégia Saúde da Família (ESF), operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais de saúde em Unidades Básicas de Saúde (UBS) na própria comunidade. A relação entre a pessoa com DM e a Atenção Básica é um elemento importante para o sucesso na adoção dos comportamentos de autocuidado(77 Silva LB, Soares SM, Silva PAB, Santos JFG, Miranda LCV, Santos RM. Assessment of the quality of primary care for the elderly according to the Chronic Care Model. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e2987. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2331.2987
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).

Estudos nacionais e internacionais sobre o tema destacam a importância da qualidade dos serviços da Atenção Básica como uma estratégia para melhorar o autocuidado entre pessoas com DM(55 Parra DI, Romero Guevara SL, Rojas LZ. Influential Factors in Adherence to the Therapeutic Regime in Hypertension and Diabetes. Invest Educ Enferm. 2019;37(3). https://doi.org/10.17533/udea.iee.v37n3e02
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6 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMGV. Primary care for diabetes mellitus patients from the perspective of the care model for chronic conditions. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2882. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1474.2882
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-77 Silva LB, Soares SM, Silva PAB, Santos JFG, Miranda LCV, Santos RM. Assessment of the quality of primary care for the elderly according to the Chronic Care Model. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e2987. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2331.2987
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). Esses estudos apontam que apesar de a Atenção Básica estar cumprindo seu papel no que se refere às questões macroestruturais, como a incorporação da ESF na assistências às pessoas com DM, existem muitas fragilidades microestruturais no cuidado a essas pessoas que podem comprometer o autocuidado(66 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMGV. Primary care for diabetes mellitus patients from the perspective of the care model for chronic conditions. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2882. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1474.2882
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-77 Silva LB, Soares SM, Silva PAB, Santos JFG, Miranda LCV, Santos RM. Assessment of the quality of primary care for the elderly according to the Chronic Care Model. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e2987. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2331.2987
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).

Por isso, esses mesmos estudos recomendam a realização de outros estudos que possam evidenciar quais os aspectos da qualidade do cuidado na Atenção Básica estão associados ao autocuidado entre pessoas com DM(55 Parra DI, Romero Guevara SL, Rojas LZ. Influential Factors in Adherence to the Therapeutic Regime in Hypertension and Diabetes. Invest Educ Enferm. 2019;37(3). https://doi.org/10.17533/udea.iee.v37n3e02
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6 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMGV. Primary care for diabetes mellitus patients from the perspective of the care model for chronic conditions. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2882. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1474.2882
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-77 Silva LB, Soares SM, Silva PAB, Santos JFG, Miranda LCV, Santos RM. Assessment of the quality of primary care for the elderly according to the Chronic Care Model. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e2987. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2331.2987
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). Essa lacuna do conhecimento, ou seja, se um cuidado prestado com qualidade resulta em melhoria no autocuidado entre as pessoas com diabetes, motivou a realização deste estudo. A compreensão da relação entre autocuidado e a qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica são necessárias para que os profissionais de saúde tenham medidas para avaliar seu trabalho.

Assim, tem-se como questão de pesquisa: qual a associação entre a adesão às atividades de autocuidado em pessoas com DM e a qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica?

A hipótese é que as pessoas com DM que recebem cuidados de melhor qualidade na Atenção Básica tenham melhor adesão às atividades de autocuidado.

OBJETIVOS

Verificar a adesão às atividades de autocuidado entre pessoas com DM e sua associação com a qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo seguiu os aspectos éticos de pesquisa com seres humanos segundo a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina.

Desenho, período e local de estudo

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quantitativa(88 Sousa VD, Driessnack M, Mendes IAC. Revisão dos desenhos de pesquisa relevantes para enfermagem: Parte 1: desenhos de pesquisa quantitativa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2007;15(3):502-7. https://doi.org/10.1590/s0104-11692007000300022
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), redigido conforme recomendação STROBE, realizado em quatro UBS de um município de médio porte de Santa Catarina, Brasil, no período de janeiro a junho de 2017. Dentre as 19 UBS que fazem parte da Atenção Básica do referido município, foram selecionadas duas UBS com equipes das ESF melhor avaliadas e duas UBS com equipes da ESF piores avaliadas em seu desempenho geral, de acordo com o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Esse programa avalia as equipes da ESF com o objetivo de melhorar a qualidade da Atenção Básica(99 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 62 p.). Na avaliação, são verificados padrões de qualidade organizados em dimensões que avaliam a estrutura e processo de trabalho das equipes da ESF, sendo que cada uma dessas possui subdimensões específicas.

Após o processo de avaliação, as equipes da ESF são classificadas em quatro categorias: desempenho insatisfatório, mediano ou abaixo da média, acima da média e muito acima da média. As equipes recebem uma avaliação de desempenho geral e em subdimensões da avaliação(99 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 62 p.).

Assim, o critério para definir as UBS participantes deste estudo foi a partir do desempenho geral das equipes da ESF no PMAQ-AB. As UBS com equipes melhores avaliadas deveriam possuir pelo menos duas equipes de ESF e todas com desempenho geral “muito acima da média”. As piores avaliadas deveriam possuir pelo menos duas equipes de ESF, sendo pelo menos uma “abaixo da média”. Foi critério de exclusão possuir equipes com avaliação “muito acima da média”. Não haviam equipes com desempenho insatisfatório no município em questão.

População e amostra: critérios de inclusão e exclusão

A população foi composta por 1.314 pessoas com DM cadastradas nas quatro UBS selecionadas. Para o cálculo amostral, utilizou-se intervalo de confiança de 95% e prevalência de 50%. Adotou-se prevalência de 50% devido à variabilidade da adesão para cada item do Questionário de Atividades de Autocuidado utilizado na coleta de dados. Após o cálculo, o tamanho mínimo da amostra foi de 297 pessoas.

Assim, a amostra deste estudo foi de 329 pessoas com DM, estratificada conforme o número de pessoas com DM cadastradas em cada equipe da ESF. Os cálculos foram feitos no website SEstatNet®/UFSC(1010 Nassar SM, Wronscki V, Ohira M. SEstatNet - Sistema Especialista para o Ensino de Estatística na Web [Internet]. UFSC. 2020 [cited 2020 May 4]. Available from: http://sestatnet.ufsc.br
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). A amostra foi intencional, pois se desejava entrevistar as pessoas que realmente utilizam as UBS em questão.

Os critérios para inclusão dos participantes foram: ser usuários das UBS selecionadas, ter mais que 18 anos, possuir DM há mais de 01 ano, ter diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Em relação aos critérios de exclusão, foram consideradas gestantes e as pessoas acamadas que não tinham condições de realizar as atividades de autocuidado questionadas no instrumento.

Participaram deste estudo 187 (56,8%) pessoas de cinco equipes avaliadas como “muito acima da média” no desempenho geral, 82 (24,9%) pessoas de três equipes avaliadas como “acima da média” e 60 (18,2%) pessoas de duas equipes avaliadas como “mediano ou abaixo da média”.

Protocolo do estudo

A variável desfecho foi o Autocuidado com o Diabetes - obtidas pelo Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes (QAD). A versão validada do instrumento Summary of Diabetes Self-Care Activities (SDSCA)(1111 Michels MJ, Coral MHC, Sakae TM, Damas TB, Furlanetto LM. Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes: tradução, adaptação e avaliação das propriedades psicométricas. Arq Bras Endocrinol Metab. 2010;54(7):644-51. https://doi.org/10.1590/S0004-27302010000700009
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)) é uma medida de autorrelato de atividades de autocuidado em pessoas com DM. Optou-se por aplicá-lo em forma de entrevista em virtude da dificuldade de leitura/visual de muitos dos participantes. O instrumento pede para que a pessoa com DM recorde os seus comportamentos de autocuidado durante os 7 dias anteriores para seis dimensões: alimentação geral (dois itens), alimentação específica (três itens), atividade física (dois itens), monitorização da glicemia (dois itens), cuidados com os pés (três itens) e uso de medicamento (três itens, mas a pessoa responde um deles dependendo do tipo de tratamento). A avaliação é padronizada em dias da semana, (zero a sete) e para cada item que compõe as dimensões, a média do número de dias é calculada, sendo que zero corresponde à situação menos desejável e sete à mais desejável. Nos itens da dimensão “alimentação específica” sobre o consumo de alimentos ricos em gordura e consumo de doces, os valores foram invertidos (7 = 0, 6 = 1, 5 = 2, 4 = 3, 3 = 4, 2 = 5, 1 = 6, 0 = 7), como preconizado no QAD. A avaliação do tabagismo é codificada separadamente e não foi trabalhada neste artigo. Apesar de o QAD não fornecer um escore de aderência às atividades de autocuidado, este estudo considerou, para análise, que o mais desejável era que a pessoa tivesse seguido as recomendações de cada um dos itens durante pelo menos cinco dias da semana, baseado em estudos anteriores(1212 Batista JMF, Teixeira CRS, Becker TAC, Zanetti ML, Istilli PT, Pace AE. Conhecimento e atividades de autocuidado de pessoas com diabetes mellitus submetidas a apoio telefônico. Rev Eletrôn Enferm. 2017;19:a36. https://doi.org/10.5216/ree.v19.42199
https://doi.org/10.5216/ree.v19.42199...
-1313 Rezende Neta DS, Silva ARV, Silva GRF. Adesão das pessoas com diabetes mellitus ao autocuidado com os pés. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):111-6. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680115p
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).

Para as variáveis de exposição, foram consideradas aquelas relacionadas à qualidade do cuidado na Atenção Básica. Foram utilizados os dados secundários obtidos do PMAQ disponíveis na época da coleta de dados. Esses dados foram disponibilizados pela prefeitura do referido município e utilizados como medida da qualidade do cuidado prestado na Atenção Básica. Dentre as várias dimensões do PMAQ, foram consideradas, para análise neste estudo, o desempenho geral das equipes da ESF e especificamente as subdimensões da avaliação que contemplam ações voltadas para doenças crônicas(99 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 62 p.), sendo estas: Organização da agenda da equipe de Atenção Básica; Coordenação do cuidado na rede de atenção e resolutividade; Equipamentos, materiais, insumos e impressos na Unidade de Saúde; Medicamentos componentes da farmácia básica. Tanto o desempenho geral das equipes quanto cada uma dessas subdimensões tem uma classificação: “muito acima da média”, “acima da média” ou “abaixo da média”, conforme já mencionado. Essas subdimensões foram consideradas como medida de avaliação da qualidade do cuidado prestado às pessoas com DM na Atenção Básica.

Foram coletadas também as variáveis sociodemográficas e clínicas por meio de instrumento estruturado com variáveis: faixa etária (até 59 anos, 60-69 anos, 70 anos ou mais); sexo (masculino, feminino); estado civil (casado, solteiro, separado/divorciado, viúvo); renda em salários mínimos (menos de 01, de 01 a 03, de 03 a 06, mais de 06); anos de escolaridade (nunca estudou, de 01 a 05 anos, de 06 a 09 anos, de 10 a 12 anos, 13 anos ou mais); situação ocupacional (ativo, em licença médica, aposentado, desempregado); tempo de doença (de 01 a 05 anos, de 06 a 10 anos, de 11 a 20 anos, mais de 20 anos); tipo de tratamento medicamentoso (hipoglicemiantes orais, hipoglicemiantes orais + insulinoterapia, insulinoterapia), utilização de outros serviços de saúde por convênio e/ou particulares (sim ou não); tipos de serviços utilizados na UBS (consultas médicas: sim ou não, consultas de enfermagem: sim ou não, realização-marcação de exames: sim ou não, pegar medicações: sim ou não); frequência de utilização da UBS (uma vez ao ano, duas vezes ao ano, três vezes ao ano, mais que três vezes ao ano).

Foram encaminhadas cartas convite às pessoas com DM através dos Agentes Comunitários de Saúde e aquelas que aceitaram participar tiveram a entrevista para coleta de dados agendada na UBS ou residência, de acordo com a disponibilidade das mesmas.

Os participantes foram esclarecidos sobre a pesquisa pelos pesquisadores. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido e assinado pelo participante. As entrevistas na UBS foram realizadas individualmente em consultório, e as entrevistas na residência da pessoa eventualmente tinham a presença de algum familiar, que era orientado a não interferir nas respostas.

As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal e por uma aluna de um curso de graduação em enfermagem (treinada previamente para realização das entrevistas) até se atingir o número mínimo da amostra proporcionalmente estratificada para cada equipe da ESF.

Os dados foram coletados nos meses de janeiro a junho de 2017. O tempo médio de cada entrevista foi de 20 minutos.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram organizados em uma planilha no Excel®, com dupla digitação, realizada pela pesquisadora principal e por uma aluna do curso de graduação em enfermagem. As análises foram realizadas com a ajuda de um profissional especializado em estatística através do software IBM® SPSS versão 20.0. As estatísticas descritivas foram calculadas como médias e desvios padrão. A distribuição dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Nas comparações entre os três grupos “muito acima da média”, “acima da média” e “abaixo da média”, foi utilizado o Teste de Kruskal-Wallis, com post hoc de Dunn. Valor de p menor que 0,05 foi utilizado como ponto de corte para significância estatística.

RESULTADOS

Entre as 1.314 pessoas com DM cadastradas nas 04 UBS selecionadas para este estudo, 400 foram convidadas a participar; 329 aceitaram e 71 negaram participar (alegando falta de tempo para receber os pesquisadores). Em relação às características sociodemográficas, destaca-se que a maioria dos participantes estava na faixa etária de 60 a 69 anos, era do sexo feminino, casada, estudou de 1 a 5 anos, aposentada e possuía renda familiar de 1 a 3 salários mínimos. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos participantes do estudo.

Tabela 1
Características sociodemográficas das pessoas com diabetes mellitus participantes do estudo, São José, Santa Catarina, Brasil, 2017

A maioria dos participantes (63,8%) utiliza apenas a UBS para os seus cuidados de saúde. Os demais (36,2%) utilizam, além da UBS, outros serviços de saúde, através de convênio e/ou particulares. Constatou-se, ainda, que 98,7% utilizam a UBS em uma frequência maior que três vezes ao ano para consultas médicas (95,7%), para pegar as medicações (97,2%), para realização/marcação de exames complementares (82,5%) e para consultas de enfermagem (33,7%).

Quanto às características clínicas, constatou-se que a maioria possui de 01 a 05 anos de diagnóstico para DM (65,6%) e terapia medicamentosa com hipoglicemiantes orais (65,9%).

Na comparação da adesão às atividades de autocuidado das pessoas com DM atendidas pelas diferentes equipes, evidenciou-se que aquelas atendidas pelas equipes com desempenho geral “muito acima da média” tiveram média superior no número de dias em que seguiram uma dieta saudável na última semana, no número de dias por semana em que seguiram a orientação alimentar dada por um profissional de saúde, no número de dias em que realizaram a monitorização glicêmica conforme recomendado por profissional de saúde e no uso dos medicamentos. O exame dos pés foi melhor nas equipes “acima da média”, conforme evidenciado na Tabela 2.

Tabela 2
Comparação da adesão às atividades de autocuidado das pessoas com diabetes mellitus com o desempenho geral das equipes da Estratégia Saúde da Família, São José, Santa Catarina, Brasil, 2017

No que se refere aos aspectos da qualidade do cuidado na Atenção Básica associados à adesão às atividades de autocuidado, a Tabela 3 compara a adesão às atividades de autocuidado das pessoas com DM com a coordenação do cuidado na rede de atenção e resolutividade das equipes da ESF. Uma melhor adesão à dieta saudável, à orientação alimentar dada por um profissional de saúde e ao monitoramento glicêmico foi evidenciado entre as pessoas com DM atendidas por equipes melhores avaliadas na coordenação do cuidado. O exame dos pés foi melhor nas equipes “abaixo da média”, conforme evidenciado na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação da adesão às atividades de autocuidado das pessoas com diabetes mellitus com a coordenação do cuidado, rede de atenção e resolutividade das equipes da Estratégia Saúde da Família, São José, Santa Catarina, Brasil, 2017

A Tabela 4 evidencia que as pessoas com DM atendidas por equipes “muito acima da média” na organização da agenda apresentam médias maiores no número de dias em que seguiram uma dieta saudável, em que realizaram a monitorização glicêmica conforme recomendado por profissional e no uso dos medicamentos. O exame dos pés foi melhor nas equipes “acima da média” nesta subdimensão.

Tabela 4
Comparação da adesão às atividades de autocuidado das pessoas com diabetes mellitus com a organização da agenda das equipes da Estratégia Saúde da Família, São José, Santa Catarina, Brasil, 2017

A adesão às atividades de autocuidado entre pessoas com DM foi comparada com a quantidade e condições de uso de equipamentos, materiais, insumos e impressos nas UBS. As pessoas com DM atendidas por equipes “muito acima da média” nesta subdimensão apresentaram melhor adesão à dieta, melhor adesão à orientação alimentar dada por profissional de saúde, menor consumo de alimentos ricos em gorduras e melhor adesão ao uso dos medicamentos. O exame dos pés foi melhor nas equipes “abaixo da média” e “acima da média” nesta subdimensão, conforme mostra a Tabela 5.

Tabela 5
Comparação da adesão às atividades de autocuidado das pessoas com diabetes mellitus com a quantidade e condições de uso de equipamentos, materiais, insumos e impressos nas Unidades Básicas de Saúde, São José, Santa Catarina, Brasil, 2017

Na subdimensão medicamentos componentes da farmácia básica, todas as equipes foram classificadas como “muito acima da média”, não sendo, portanto, estabelecidas comparações.

DISCUSSÃO

A predominância de mulheres, aposentadas, com baixa escolaridade e renda evidenciada neste estudo é um perfil comum entre pessoas que buscam atendimento na Atenção Básica no Brasil. Dados descritos na literatura demonstram que o DM é mais diagnosticado em mulheres(1414 Francisco PMSB, Rodriguez PS, Costa KS, Tavares NUL, Tierling VL, Barros MBA, et al. Prevalência de diabetes em adultos e idosos, uso de medicamentos e fontes de obtenção: uma análise comparativa de 2012 e 2016. Rev Bras Epidemiol. 2019;22:e190061. https://doi.org/10.1590/1980-549720190061
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). Esse fato se deve aos cuidados que as mulheres têm de procurar com mais frequência os serviços de saúde(1515 Oliveira LMSM, Souza MFC, Souza LAS, Melo IRC. Adesão ao tratamento dietético e evolução nutricional e clínica de pacientes com diabetes mellitus tipo 2. HU Rev [Internet]. 2016 [cited 2020 Jan 31];42(4):277-82. Available from: http://periodicos.ufjf.br/index.php/hurevista/article/view/2488/903
http://periodicos.ufjf.br/index.php/hure...
) e também pela maior prevalência do DM entre as mulheres na população brasileira(22 Malta DC, Duncan BB, Schmidt MI, Machado IE, Silva AG, Bernal RTI, et al. Prevalence of diabetes mellitus as determined by glycated hemoglobin in the Brazilian adult population, National Health Survey. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(suppl. 02):e190006. https://doi.org/10.1590/1980-549720190006
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,1414 Francisco PMSB, Rodriguez PS, Costa KS, Tavares NUL, Tierling VL, Barros MBA, et al. Prevalência de diabetes em adultos e idosos, uso de medicamentos e fontes de obtenção: uma análise comparativa de 2012 e 2016. Rev Bras Epidemiol. 2019;22:e190061. https://doi.org/10.1590/1980-549720190061
https://doi.org/10.1590/1980-54972019006...
,1616 Flor LS, Campos MR. Prevalência de diabetes mellitus e fatores associados na população adulta brasileira: evidências de um inquérito de base populacional. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(1):16-29. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700010002
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000...
).

A baixa escolaridade e renda encontradas faz com que as pessoas tenham uma forte dependência do sistema de saúde pública, principalmente da Atenção Básica(1717 Lauterte P, Silva DMG, Salci MA, Heidemann I, Romanoski P. Protocolo de enfermagem para o cuidado da pessoa com diabetes mellitus na atenção primária. Rev Enferm UFSM. 2020;10:e72. https://doi.org/10.5902/2179769240638
https://doi.org/10.5902/2179769240638...
-1818 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMVGD. Prevention of chronic complications of diabetes mellitus according to complexity. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):996-1003. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0080
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
), o que também fica evidenciado no fato de a maioria dos participantes usarem apenas a UBS para os seus cuidados de saúde.

A melhor adesão à dieta saudável, à monitorização glicêmica conforme recomendado por profissional e ao uso dos medicamentos entre as pessoas com DM atendidas por equipes com melhor desempenho geral demonstra um reflexo da qualidade do cuidado em dimensões importantes do autocuidado. Apesar disso, uma adesão menos desejável à dieta e à monitorização glicêmica foi encontrada em todas as equipes. Outros estudos identificaram a baixa adesão à dieta saudável(1919 Faria HTG, Santos MA, Arrelias CCA, Rodrigues FFL, Gonela JT, Teixeira CRS, et al. Adherence to diabetes mellitus treatments in Family Health Strategy Units. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):257-63. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000200009
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
) e ao monitoramento da glicemia(2020 Williams JS, Walker RJ, Smalls BL, Hill R, Egede LE. Patient-Centered care, glycemic control, diabetes self-care, and quality of life in adults with type 2 diabetes. Diabetes Technol Ther. 2016;18(10):644-9. https://doi.org/10.1089/dia.2016.0079
https://doi.org/10.1089/dia.2016.0079...
). De fato, a adesão a uma dieta saudável é um dos fatores mais difíceis no ponto de vista das pessoas com DM(1515 Oliveira LMSM, Souza MFC, Souza LAS, Melo IRC. Adesão ao tratamento dietético e evolução nutricional e clínica de pacientes com diabetes mellitus tipo 2. HU Rev [Internet]. 2016 [cited 2020 Jan 31];42(4):277-82. Available from: http://periodicos.ufjf.br/index.php/hurevista/article/view/2488/903
http://periodicos.ufjf.br/index.php/hure...
,2121 Zanetti ML, Arrelias CCA, Franco RC, Santos MA, Rodrigues FFL, Faria HTG. Adherence to nutritional recommendations and sociodemographic variables in patients with diabetes mellitus. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):0619-25. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000400012
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
) e um dos maiores desafios das equipes da ESF, em decorrência da complexidade que envolve o comportamento alimentar(1919 Faria HTG, Santos MA, Arrelias CCA, Rodrigues FFL, Gonela JT, Teixeira CRS, et al. Adherence to diabetes mellitus treatments in Family Health Strategy Units. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):257-63. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000200009
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
,2121 Zanetti ML, Arrelias CCA, Franco RC, Santos MA, Rodrigues FFL, Faria HTG. Adherence to nutritional recommendations and sociodemographic variables in patients with diabetes mellitus. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(4):0619-25. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000400012
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
). A monitorização glicêmica, por sua vez, cuja importância é indiscutível entre pessoas com DM que usam insulina, tem uma frequência bastante discutível, na prática clínica, no que se refere aos cuidados entre pessoas com DM que usam hipoglicemiantes orais(33 American Diabetes Association (ADA). Introduction: Standards of Medical Care in Diabetes-2020. Diabetes Care. 2020;43(suppl. 01):S1-2. https://doi.org/10.2337/dc20-Sint
https://doi.org/10.2337/dc20-Sint...
), tornando difícil inferências sobre essa dimensão do autocuidado.

Especificamente em relação à melhor adesão à dieta, ao monitoramento glicêmico e ao uso dos medicamentos entre as pessoas atendidas pelas equipes melhores avaliadas na coordenação do cuidado e na organização da agenda, pode-se fazer algumas inferências.

Um trabalho coordenado envolve, entre outros aspectos, que a pessoa seja encaminhada para consulta especializada, que existam protocolos que orientem a priorização dos casos que precisam de encaminhamento e que sejam solicitados exames(99 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 62 p.). Os resultados encontrados fortalecem a importância do suporte à promoção e ao desenvolvimento de ações organizadas e coordenadas que mobilizem os recursos internos da pessoa com DM para a adaptação ao plano alimentar, à monitorização glicêmica (aspectos ainda frágeis na população estudada) e ao uso da medicação.

A organização da agenda, por sua vez, envolve uma programação semanal de atividades entre os profissionais que integram as equipes. Ela inclui a realização de visita domiciliar, atividades comunitárias e/ou grupos de educação em saúde, reserva de vagas na agenda ou um horário de fácil acesso ao profissional para que o usuário possa buscar e mostrar resultados de exames(99 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 62 p.). Pode-se afirmar que esses fatores também podem fortalecer a adesão à dieta, à monitorização glicêmica e ao uso da medicação, pois ter esses espaços individuais e/ou coletivos podem fazer com que a pessoa com DM tenha mais contato com serviço e maior oportunidade de resolução referente a essas dimensões do autocuidado.

Este estudo também evidenciou que, entre as pessoas com DM atendidas por equipes melhores avaliadas em equipamentos materiais e insumos, houve uma melhor adesão à dieta, menor consumo de alimentos ricos em gordura e melhor adesão ao uso de medicamentos. Essa subdimensão do PMAQ avalia a presença em quantidade e condições de uso de equipamentos, como aparelho de pressão, balança e régua antropométricas, estetoscópio, seringa, glicosímetros, entre outros(99 Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ): manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 62 p.). A literatura aponta que as pessoas com DM que conhecem sua a situação de saúde têm maior facilidade para aderirem ao autocuidado(2222 Campos TSP, Silva DMGV, Romanoski PJ, Ferreira C, Rocha FL. Fatores associados à adesão ao tratamento de pessoas com diabetes mellitus assistidos pela atenção primária de saúde. J Health Biol Sci. 2016;4(4):251. https://doi.org/10.12662/2317-3076jhbs.v4i4.1030.p251-256.2016
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). Desse modo, a presença em quantidade e condições de uso desses equipamentos e materiais são fundamentais para que a pessoa com DM conheça seu estado de saúde e assim possa ter melhor adesão às atividades de autocuidado.

Vale ressaltar que as desigualdades de acesso a insumos concorrem para a redução da adesão ao autocuidado, pois coadunam para insatisfação com a assistência prestada e, por conseguinte, resultam em menor motivação para o seguimento do tratamento(2323 Soares DA, Rodrigues CSC, Pereira DF, Rebouças MO, Oliveira JE, Lima VS. Adesão ao tratamento da Hipertensão e do Diabetes: compreensão de elementos intervenientes segundo usuários de um serviço de atenção primária a saúde. Rev APS [Internet]. 2014 [cited 2020 Jan 31];17(3):311-7. Available from: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/15306
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).

Quanto à presença de medicamentos componentes da farmácia básica, destaca-se a sua importância para adesão ao tratamento medicamentoso que se mostrou mais desejável neste estudo. De fato, em um estudo anterior, pessoas que precisavam comprar os medicamentos tiveram menor adesão ao tratamento medicamentoso(1717 Lauterte P, Silva DMG, Salci MA, Heidemann I, Romanoski P. Protocolo de enfermagem para o cuidado da pessoa com diabetes mellitus na atenção primária. Rev Enferm UFSM. 2020;10:e72. https://doi.org/10.5902/2179769240638
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), o que enfatiza a importância do acesso gratuito aos medicamentos necessários ao tratamento.

O tratamento medicamentoso é uma das principais estratégias para o controle do DM em nível individual, principalmente entre pessoas com baixo nível socioeconômico(2323 Soares DA, Rodrigues CSC, Pereira DF, Rebouças MO, Oliveira JE, Lima VS. Adesão ao tratamento da Hipertensão e do Diabetes: compreensão de elementos intervenientes segundo usuários de um serviço de atenção primária a saúde. Rev APS [Internet]. 2014 [cited 2020 Jan 31];17(3):311-7. Available from: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/15306
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). No entanto, um melhor cumprimento farmacoterapêutico pode ser alcançado quando existe maior vínculo da pessoa com a UBS, pois isso proporciona maior oportunidade de contato com os profissionais de saúde(2424 Osborn CY, Mayberry LS, Kim JM. Medication adherence may be more important than other behaviors for optimizing glycaemic control among low-income adults. J Clin Pharm Ther. 2016;41(3):256-9. https://doi.org/10.1111/jcpt.12360
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), o que pode ser alcançado através da coordenação do cuidado, da organização da agenda e com equipamentos, materiais e insumos adequados conforme já mencionado.

Quanto ao exame dos pés, a adesão a essa dimensão do autocuidado foi superior a outros estudos(1111 Michels MJ, Coral MHC, Sakae TM, Damas TB, Furlanetto LM. Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes: tradução, adaptação e avaliação das propriedades psicométricas. Arq Bras Endocrinol Metab. 2010;54(7):644-51. https://doi.org/10.1590/S0004-27302010000700009
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,1313 Rezende Neta DS, Silva ARV, Silva GRF. Adesão das pessoas com diabetes mellitus ao autocuidado com os pés. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):111-6. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680115p
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), sendo melhor nas equipes abaixo da média e acima da média. Apesar da relação inversa entre a qualidade do cuidado e o exame dos pés, foram evidenciadas, em todas as equipes, médias desejáveis de adesão a essa dimensão do autocuidado. Pode-se inferir que os resultados dos vários estudos sobre cuidados com os pés estejam fortalecendo o comportamento das pessoas com DM e as ações dos profissionais nesse sentido, refletindo uma mudança de paradigma nesse comportamento.

Cabe destacar, no entanto, que a literatura aponta que os cuidados relacionados aos pés ainda têm uma atenção limitada se comparada com outras complicações do DM(2525 Bus SA, Lavery LA, Monteiro-Soares M, Rasmussen A, Raspovic A, Sacco ICN, et al. Guidelines on the prevention of foot ulcers in persons with diabetes (IWGDF 2019 update). Diabetes Metab Res Rev. 2020;36(1):e3269. https://doi.org/10.1002/dmrr.3269
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). Um estudo com o objetivo de avaliar a prevalência e os fatores associados às ações de prevenção das úlceras dos pés em pessoas com DM no Brasil identificou que a atuação dos profissionais na prevenção é considerada precária. Neste estudo, apenas 33,6% das pessoas com DM tiveram seus pés examinados por um profissional de saúde(2626 Fernandes FCGM, Santos EGO, Morais JFG, Medeiros LMF, Barbosa IR. O cuidado com os pés e a prevenção da úlcera em pacientes diabéticos no Brasil. Cad Saúde Colet. 2020;28(2):302-10. https://doi.org/10.1590/1414-462x202028020258
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).

Limitações do estudo

Quanto às limitações do estudo, podem-se destacar aquelas comuns aos delineamentos transversais e à análise de informações autorrelatadas. A ausência de estudos com desenho semelhante também foi um limitador para a discussão dos resultados. No entanto, essas limitações não reduzem a confiabilidade e relevância das associações detectadas, mas devem ser consideradas na interpretação dos resultados.

Contribuições para a área da enfermagem

As associações encontradas entre a adesão às atividades de autocuidado com aspectos da qualidade do cuidado na Atenção Básica têm relevância clínica e organizacional para a equipe de saúde. As evidências de que uma melhor organização da agenda, coordenação do cuidado e resolutividade e melhores equipamentos, materiais e insumos possam melhorar dimensões importantes do autocuidado reflete diretamente no trabalho da equipe de enfermagem. Os enfermeiros são um dos principais agentes moduladores na coordenação do cuidado e na organização da agenda das equipes da ESF. Esse trabalho traz contribuições para esses profissionais que precisam fortalecer suas práticas no sentido de garantir o cumprimento dessas ações.

CONCLUSÕES

Este estudo evidenciou que a adesão às atividades de autocuidado entre pessoas com DM está associada à qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica. As pessoas com DM atendidas na Atenção Básica por equipes da ESF com melhor desempenho geral e, especificamente, com melhor organização da agenda, melhor coordenação do cuidado e resolutividade e melhores equipamentos, materiais e insumos tiveram melhor adesão à dieta saudável, ao monitoramento glicêmico e ao uso da medicação. A presença de medicamentos componentes da farmácia básica também pode ter favorecido a adesão ao tratamento medicamentoso. Uma adesão desejável ao cuidado com os pés foi evidenciada nas pessoas com DM atendidas por todas as equipes da ESF independente da qualidade do cuidado recebido na Atenção Básica.

Merece destaque que programas e ações de saúde convergem no sentido de que as pessoas com DM alcancem o autocuidado. A ESF permite o acesso e resolutividade dos serviços de saúde; o PMAQ avalia as ações prestadas pelas equipes da ESF buscando a qualidade do cuidado na Atenção Básica; os programas garantem o acesso aos medicamentos básicos.

Frente aos achados, recomenda-se o fortalecimento das diretrizes institucionais em consonância com as diretrizes do SUS, garantindo a longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado às pessoas com DM para que estas alcancem o autocuidado.

  • FOMENTO
    Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq; bolsa de doutorado concedido para Samara Eliane Rabelo Suplici).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2020
  • Aceito
    06 Dez 2020
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