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Desfechos em fetos e recém-nascidos expostos a infecções na gravidez

RESUMO

Objetivo:

Analisar desfechos em fetos e recém-nascidos expostos a infecções na gravidez.

Métodos:

Estudo transversal, quantitativo, realizado em uma maternidade pública, em Maceió, Alagoas, Brasil. A amostra foi composta por 145 prontuários de gestantes admitidas entre 2015 e 2018 com possíveis infecções de transmissão vertical. Foram excluídos prontuários incompletos ou que não possibilitaram descrever a exposição fetal/neonatal. Utilizou-se teste qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis.

Resultados:

Observou-se maior ocorrência da sífilis congênita (28,8%). Houve mais de um desfecho no mesmo indivíduo, como baixo peso ao nascimento (39%), desconforto respiratório (20,5%), oligodramnia (20%), malformação congênita e tamanho pequeno para idade gestacional (10,8%). As infecções maternas e o número de consultas pré-natal mostraram associação com o desfecho fetal/neonatal (p ≤ 0,05).

Conclusão:

Os dados obtidos apontam a ocorrência de desfechos fetais/neonatais desfavoráveis quando relacionados a infecções neonatais e indicam a necessidade de estratégias que fortaleçam o enfrentamento das transmissões verticais.

Descritores:
Infecções; Gravidez; Transmissão Vertical de Doença Infecciosa; Recém-Nascido; Enfermagem Obstétrica

ABSTRACT

Objective:

To analyze outcomes in fetuses and newborns exposed to infections during pregnancy.

Methods:

Cross-sectional, quantitative study, carried out in a public maternity hospital in Maceió, Alagoas, Brazil. The sample consisted of 145 medical records of pregnant women admitted between 2015 and 2018 with possible vertically transmitted infections. Incomplete medical records or those that did not make it possible to describe fetal/neonatal exposure were excluded. The chi-squared test was used to verify the association between variables.

Results:

A greater occurrence of congenital syphilis was observed (28.8%). There was more than one outcome in the same individual, such as low birth weight (39%), respiratory distress (20.5%), oligohydramnios (20%), congenital malformation and small size for gestational age (10.8%). Maternal infections and the number of prenatal visits revealed an association with fetal/neonatal outcome (p ≤ 0.05).

Conclusion:

The data obtained indicate the occurrence of unfavorable fetal/neonatal outcomes when related to neonatal infections and indicate the need for strategies that strengthen the coping with vertical transmissions.

Descriptors:
Infections; Pregnancy; Vertical Infectious Disease Transmission; Infant, Newborn; Obstetric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar resultados en fetos y neonatos expuestos a infecciones en el embarazo.

Métodos:

Estudio transversal, cuantitativo, realizado en maternidad pública, en Maceió, Alagoas, Brasil. Muestra compuesta por 145 prontuarios de embarazadas admitidas entre 2015 y 2018 con posibles infecciones de trasmisión vertical. Excluidos prontuarios incompletos lo que no posibilitaron describir la exposición fetal/neonatal. Utilizó prueba chi-cuadrado para verificar la relación entre las variables.

Resultados:

Observó mayor ocurrencia de la sífilis congénita (28,8%). Hubo más de un resultado en el mismo individuo, como bajo peso al nacimiento (39%), dificultad respiratoria (20,5%), oligohidramnios (20%), malformación congénita y tamaño pequeño para edad gestacional (10,8%). Las infecciones maternas y el número de consultas prenatal mostraron relación con el resultado fetal/neonatal (p ≤ 0,05).

Conclusión:

Los datos obtenidos apuntan ocurrencia de resultados fetales/neonatales desfavorables cuando relacionados a las infecciones neonatales e indican la necesidad de estrategias que fortalezcan el enfrentamiento a las transmisiones verticales.

Descriptores:
Infecciones; Embarazo; Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa; Neonato; Enfermería Obstétrica

INTRODUÇÃO

A ocorrência de complicações materno-infantis ocasionadas por agentes infecciosos é descrita pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) como sendo de difícil eliminação e prevenção(11 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Redução da transmissão materno-infantil de HIV e Sífilis desacelera na América Latina e no Caribe, alerta OPAS [Internet]. 2017 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5425:reducao-da-transmissao-materno-infantil-de-hiv-e-sifilis-desacelera-na-america-latina-e-no-caribe-alerta-opas&Itemid=812
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). Gradativamente, as taxas de mortalidade materna e infantil tornaram-se indicadores de saúde pública, repercutindo na elaboração de diversas políticas públicas no Brasil por parte do Ministério da Saúde (MS), direcionadas a esse público(22 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de vigilância em Saúde. Departamento de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [Internet]. Brasília (DF); 2018[cited 2020 Feb 24]. 23 p. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/saude_brasil_2017_analise_situacao_saude_desafios_objetivos_desenvolvimento_sustetantavel.pdf
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/...
-33 Paiva DSBS, Nunes HHM, Moreira SFS, Ferreira MGS. Pré-natal de alto risco em um serviço de referência: perfil sociodemográfico e clínico. REAS/EJCH. 2018;11(2). https://doi.org/10.25248/reas.e136.2019
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).

No que concerne às estratégias para redução da mortalidade materna e infantil, em 2011, houve a efetivação e a inserção da Rede Cegonha (RC) no Sistema Único de Saúde (SUS), correspondente ao atual modelo de assistência de pré-natal no Brasil(33 Paiva DSBS, Nunes HHM, Moreira SFS, Ferreira MGS. Pré-natal de alto risco em um serviço de referência: perfil sociodemográfico e clínico. REAS/EJCH. 2018;11(2). https://doi.org/10.25248/reas.e136.2019
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). A RC consiste em um modelo de atenção que proporciona às crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudável, de forma a garantir acesso, acolhimento e resolutividade(22 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de vigilância em Saúde. Departamento de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [Internet]. Brasília (DF); 2018[cited 2020 Feb 24]. 23 p. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/saude_brasil_2017_analise_situacao_saude_desafios_objetivos_desenvolvimento_sustetantavel.pdf
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).

Entre os fatores que podem colocar em risco a saúde do binômio, há a transmissão vertical de agentes infecciosos da mãe para o filho, podendo esta ocorrer durante a gestação, parto ou após o parto, por meio da amamentação. As complicações da infecção incluem abortamento, natimortalidade e malformações graves, com a ocorrência também de recém-nascidos (RNs) assintomáticos(44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, prevenção e controle das infecções sexualmente transmissíveis, do HIV/AIDS e das hepatites virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais [Internet]. Brasília (DF); 2019[cited 2020 Feb 24]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-prevencao-da-transmissao-vertical-de-hiv
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/pr...
). Dentre as principais infecções que podem ser transmitidas verticalmente, encontra-se a toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes simples, sífilis, hepatites virais B e C, o Zika vírus (ZKV) e a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) por meio do vírus da imunodeficiência humana (HIV)(55 Sadler TW. Langman, embriologia médica. 13ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. 105-107 p.).

A OPAS estima que, por ano, 2.100 crianças na América Latina e no Caribe nasçam com HIV ou o contraiam de suas mães, 22.400 sejam infectadas com sífilis e uma média de 6.000 adquiram o vírus da hepatite B. Países dessas regiões trabalham desde 2010 para eliminar este que é considerado um problema de saúde pública, a transmissão de mãe para filho do HIV e da sífilis; para isso, utilizouse a Estratégia para a Eliminação da Transmissão Materno-Infantil (ETMI) do HIV e da sífilis congênita. Essa ação implicou a redução de 55% de novas infecções em crianças, de 4.700 para 2.100 casos entre 2010 e 2015, evitando nesse período que em torno de 28.000 crianças se infectassem com o HIV(66 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). OPAS lança nova iniciativa para eliminar a transmissão materno-infantil de quatro doenças [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 27]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5475:opas-lanca-nova-iniciativa-para-eliminar-a-transmissao-materno-infantil-de-quatro-doencas&Itemid=812
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-77 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Países avançam em direção à eliminação da transmissão vertical do HIV, sífilis, hepatite B e doença de Chagas [Internet]. 2019 [cited 2020 Jul 27]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5936:paises-avancam-em-direcao-a-eliminacao-da-transmissao-vertical-do-hiv-sifilis-hepatite-b-e-doenca-de-chagas&Itemid=812
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). Em 2017, dados que indicam a eliminação da transmissão vertical do HIV foram relatados por 20 países e territórios das Américas, dos quais 7 receberam a validação da Organização Mundial da Saúde (OMS)(77 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Países avançam em direção à eliminação da transmissão vertical do HIV, sífilis, hepatite B e doença de Chagas [Internet]. 2019 [cited 2020 Jul 27]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5936:paises-avancam-em-direcao-a-eliminacao-da-transmissao-vertical-do-hiv-sifilis-hepatite-b-e-doenca-de-chagas&Itemid=812
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).

A infecção pelo vírus T-linfotrópico humano (HTLV) é transmitida por meio das relações sexuais e da transmissão vertical, viabilizando a ocorrência de sérios danos ao feto e neonato(88 Rosadas C, Malik B, Taylor GP, Puccioni-Sohler M. Estimation of HTLV-1 vertical transmission cases in Brazil per annum. 2018. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0006913
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). O HTLV também é associado à leucemia/linfoma de células T no adulto, paraparesia espástica tropical e uveíte(99 Paiva AM, Assone T, Haziot MEJ. Risk factors associated with HTLV-1 vertical transmission in Brazil: longer breastfeeding, higher maternal proviral load and previous HTLV-1-infected offspring. 2018. https://doi.org/10.038/s41598-018-25939-y
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). Apesar dos possíveis danos causados pelo vírus, a triagem para essa infecção ainda não foi implementada no Brasil, o que impede a adoção de estratégias demonstradamente eficazes para prevenir a infecção, como o acompanhamento eficaz no pré-natal e abstinência da amamentação(88 Rosadas C, Malik B, Taylor GP, Puccioni-Sohler M. Estimation of HTLV-1 vertical transmission cases in Brazil per annum. 2018. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0006913
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-99 Paiva AM, Assone T, Haziot MEJ. Risk factors associated with HTLV-1 vertical transmission in Brazil: longer breastfeeding, higher maternal proviral load and previous HTLV-1-infected offspring. 2018. https://doi.org/10.038/s41598-018-25939-y
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).

As notificações de casos de infecção pelo Zika vírus no Brasil tiveram início em 2015, com cerca de 0,5 a 1,5 milhão de pessoas infectadas, denotando um aumento nos casos de microcefalia e síndrome de Guillain Baré, fato que levou a OMS a declarar o Zika vírus como uma emergência de saúde pública internacional em 2016. Já em 2017, houve uma tendência decrescente da infecção por ZKV nas Américas. No entanto, apesar das estimativas mostrarem uma redução no número de casos, houve aproximadamente 2.130 casos importados de viagem na Europa e cerca de 5.500 casos importados de viagem nos EUA desde o início da epidemia brasileira(1010 Leonhard SE, Lant S, Jacobs BC, Smith AW, Ferreira MLB, Solomon T, et al. Zika virus infection in the returning traveller: what every neurologist should know. Pract Neurol. 2018;18(4):271-7. https://doi.org/10.1136/practneurol-2017-001789
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).

Nos casos de ausência de manifestações clínicas perceptíveis ou inespecíficas, é necessária a realização de exames laboratoriais com testes sorológicos durante as triagens pré-natais e neonatais para possibilitar um diagnóstico precoce e específico(44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, prevenção e controle das infecções sexualmente transmissíveis, do HIV/AIDS e das hepatites virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais [Internet]. Brasília (DF); 2019[cited 2020 Feb 24]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-prevencao-da-transmissao-vertical-de-hiv
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). Em alguns casos, a realização de exames de biologia molecular ou microbiológicos diretos são necessários, sendo os mais comuns os que se utilizam de amostras de líquido amniótico, sangue do cordão umbilical, sangue periférico, líquor e urina(1111 Romanelli RMC, Carellos EVM, Lima MAF, Diniz LO, Carvalho AL, Wakabayashi EA, et al. Estudo transversal do perfil das infecções congênitas atendidas entre 2012 e 2014 em um centro de referência em Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Med Minas Gerais. 2016;26(2):7-16. https://doi.org/10.5935/2238-3182.20160016
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).

Em razão da ampla possibilidade das infecções que colocam em risco a saúde fetal e neonatal, torna-se importante a realização de investigações que identifiquem sua ocorrência e desfechos para que sejam somadas à literatura existente e possam servir de subsídio no fortalecimento de políticas públicas, planejamento de estratégias de acompanhamento da mulher e parceiro, desde o planejamento familiar, e envolvimento dos profissionais de saúde no enfrentamento da transmissão vertical de infecções e da morbimortalidade infantil(1212 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Organização Mundial da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde incentiva países das Américas a reforçar vigilância de microcefalia e outras anomalias congênitas [Internet]. 2016 [cited 2020 Feb 24]. Available from: http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5012:opasoms-insta-paises-dasamericas-a-reforcar-a-vigilancia-dos-defeitosde-nascimento-incluindo-microcefalia&Itemid=816
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).

OBJETIVO

Analisar desfechos em fetos e recém-nascidos expostos a infecções na gravidez.

MÉTODOS

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo transversal de caráter quantitativo, fundamentado no instrumento Strenghtening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) e suas ferramentas(1313 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saúde Pública. 2010; 44(3):559-65. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021
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). A pesquisa foi realizada em uma maternidade pública, localizada no município de Maceió, Alagoas, Brasil, referência no atendimento de gestantes de alto risco no estado. Os dados foram coletados entre agosto de 2018 a janeiro de 2019.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

Foi utilizada uma amostragem não probabilística, por se tratar de uma amostra composta por um grupo específico, prontuários de gestantes acometidas por infecções possíveis de serem transmitidas verticalmente (HIV, sífilis, hepatite B e C, Zika vírus e toxoplasmose), que foram admitidas na Instituição de Saúde no período de 2015 a 2018. Inicialmente, selecionaram-se 219 prontuários de gestantes acometidas por essas infecções. Contudo, foram excluídos os prontuários incompletos e os que não possibilitaram descrever a exposição fetal/neonatal à transmissão vertical, sendo considerados válidos 145 prontuários para composição da amostra final.

Protocolo do estudo

A coleta de dados ocorreu por meio da revisão de prontuários e das bases de dados referentes às gestantes no Setor de Arquivamento de Prontuários Médicos (SAME) do cenário do estudo. Foi utilizado um questionário estruturado construído pelos autores, contendo informações referentes ao histórico obstétrico e ao desfecho fetal e neonatal após exposição à transmissão vertical. Foram coletadas as seguintes variáveis: idade gestacional, número de consultas de pré-natal, via de parto, infecção materna, sexo fetal, peso ao nascer e desfecho fetal/neonatal.

Análise dos dados

Os dados foram tabulados em planilhas do Microsoft Office Excel, versão 2013. Para a análise descritiva e inferencial, utilizou-se o programa Software Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21. Para verificar a associação entre as variáveis, foi utilizado o teste do qui-quadrado (χ2). Dentre as associações realizadas, encontram-se o cruzamento das variáveis: número de consultas de pré-natal e desfecho fetal/neonatal; e infecção materna e desfecho fetal/neonatal. Os resultados foram expostos pelo uso de frequência absoluta e relativa por meio de tabelas. Resultados foram considerados significantes quando p ≤ 0,05 para um intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

A apresentação dos resultados foi dividida em três tópicos: o primeiro refere-se ao histórico obstétrico de conceptos nascidos no cenário do estudo, com a descrição das variáveis idade gestacional, número de consultas pré-natal e via de parto. O segundo tópico descreve o perfil de fetos e neonatos expostos a agentes infecciosos durante a gravidez, com as seguintes variáveis: sexo fetal e peso ao nascer. Já o terceiro tópico refere-se aos desfechos fetais e neonatais após exposição à transmissão vertical de agentes infecciosos.

Histórico obstétrico de conceptos nascidos em uma Instituição Pública de Saúde de Maceió-AL

Com base no histórico obstétrico dos conceptos, foi observado que apenas 40% dos partos foram a termo (37 a 42 semanas), com a ocorrência de 56,5% de partos prematuros (entre 21 a 36 semanas). Além disso, somente 26,7% das gestantes realizaram entre quatro a seis consultas de prénatal e grande parte dos nascimentos ocorreram por via cesariana (60%) (Tabela 1).

Tabela 1
Histórico obstétrico de conceptos nascidos em uma Instituição Pública de Saúde de Maceió, Alagoas, Brasil, 2020 (n = 145)

Perfil clínico fetal e neonatal de indivíduos expostos a infecções maternas durante a gravidez

Referente ao perfil dos fetos e neonatos expostos a agentes infecciosos durante a gravidez, dentre as 145 gestantes estudadas, 1 (n = 1) apresentou gestação gemelar, totalizando a amostra de neonatos equivalente a 146 (n = 146). Identificou-se a ocorrência de 46,6% de recém-nascidos do sexo feminino e de 26,7% com baixo peso ao nascer (BPN), de 1.500 a 2.499 gramas (Tabela 2).

Tabela 2
Perfil clínico fetal e neonatal de indivíduos expostos a infecções maternas durante a gravidez em uma Instituição Pública de Saúde de Maceió, Alagoas, Brasil, 2020 (n = 146)

Desfechos fetais e neonatais após exposição a transmissão vertical de agentes infecciosos

No que concerne aos desfechos fetais e neonatais após exposição a infecções maternas, observou-se mais de uma complicação no mesmo indivíduo, o que totalizou 176 ocorrências. O desfecho que mais se destacou foi o desconforto respiratório (20,5%), seguido por oligodramnia (20%), malformação congênita e tamanho pequeno para idade gestacional (10,8%) (Tabela 3).

Tabela 3
Desfechos fetais e neonatais em uma Instituição Pública de Saúde de Maceió, Alagoas, Maceió, 2020 (n = 176)

Das 145 gestantes (n = 145) analisadas, observou-se maior número de casos de sífilis materna (68,3%), seguida pela infecção por HIV (12,4%), além da ocorrência de infecções simultâneas por HIV e sífilis (6,2%) e surgimento de infecções maternas por Zika Vírus (5,5%). Por outro lado, analisando os 146 neonatos (n = 146), foi visto que, além dos desfechos clínicos apresentados anteriormente (Tabela 3), alguns RNs foram diagnosticados simultaneamente com algumas infecções congênitas após o nascimento. Foi observada maior ocorrência da sífilis congênita (28,8%), infecção pelo HIV (0,7%), sendo que 70,5% dos fetos e neonatos não apresentaram infecção, e outros não obtiveram diagnóstico laboratorial em relação às infecções maternas a que foram possivelmente expostos (Tabela 4).

Tabela 4
Ocorrência de infecções maternas e congênitas em uma maternidade pública do estado de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil, 2020 (n = 146)

O teste do Qui-quadrado mostrou associação significante entre as variáveis “desfecho fetal/neonatal” e “infecção materna” (p = 0,012). Dentre os 146 fetos e neonatos analisados, 119 (81,5%) apresentaram desfechos desfavoráveis, sendo 88 (87,1%) dessas complicações associadas à sífilis materna.

A análise das variáveis “número de consultas pré-natal” e “desfecho fetal/neonatal” resultaram em p = 0,026, indicando associação significante. No que diz respeito à análise dessas variáveis, pôde-se inferir que, dos 121 fetos e neonatos analisados, 26 (21,5%) apresentaram-se assintomáticos e, dentre estes, 20 (29%) tiveram suas mães acompanhadas em mais que quatro consultas de pré-natal. Por outro lado, 95 (78,5%) dos fetos e neonatos apresentaram intercorrências, e 46 (88,5%) destes tiveram as mães assistidas em menos que quatro consultas. Por não apresentarem relevância estatística, os dados “ignorados” da subcategoria “número de consultas pré-natal” foram excluídos (Tabela 5).

Tabela 5
Associação entre as variáveis "infecção materna" e "desfecho fetal/neonatal" e "número de consultas pré-natal" e "intercorrência fetal/neonatal", Maceió, Alagoas, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

A ocorrência de partos prematuros encontrados em 56,5% dos casos analisados pode ter sofrido influência direta dos históricos de infecção materna, visto que a presença desses patógenos na gravidez pode desencadear um trabalho de parto prematuro(44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, prevenção e controle das infecções sexualmente transmissíveis, do HIV/AIDS e das hepatites virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais [Internet]. Brasília (DF); 2019[cited 2020 Feb 24]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-prevencao-da-transmissao-vertical-de-hiv
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5 Sadler TW. Langman, embriologia médica. 13ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. 105-107 p.

6 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). OPAS lança nova iniciativa para eliminar a transmissão materno-infantil de quatro doenças [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 27]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5475:opas-lanca-nova-iniciativa-para-eliminar-a-transmissao-materno-infantil-de-quatro-doencas&Itemid=812
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7 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Países avançam em direção à eliminação da transmissão vertical do HIV, sífilis, hepatite B e doença de Chagas [Internet]. 2019 [cited 2020 Jul 27]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5936:paises-avancam-em-direcao-a-eliminacao-da-transmissao-vertical-do-hiv-sifilis-hepatite-b-e-doenca-de-chagas&Itemid=812
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8 Rosadas C, Malik B, Taylor GP, Puccioni-Sohler M. Estimation of HTLV-1 vertical transmission cases in Brazil per annum. 2018. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0006913
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9 Paiva AM, Assone T, Haziot MEJ. Risk factors associated with HTLV-1 vertical transmission in Brazil: longer breastfeeding, higher maternal proviral load and previous HTLV-1-infected offspring. 2018. https://doi.org/10.038/s41598-018-25939-y
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10 Leonhard SE, Lant S, Jacobs BC, Smith AW, Ferreira MLB, Solomon T, et al. Zika virus infection in the returning traveller: what every neurologist should know. Pract Neurol. 2018;18(4):271-7. https://doi.org/10.1136/practneurol-2017-001789
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11 Romanelli RMC, Carellos EVM, Lima MAF, Diniz LO, Carvalho AL, Wakabayashi EA, et al. Estudo transversal do perfil das infecções congênitas atendidas entre 2012 e 2014 em um centro de referência em Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Med Minas Gerais. 2016;26(2):7-16. https://doi.org/10.5935/2238-3182.20160016
https://doi.org/10.5935/2238-3182.201600...

12 Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Organização Mundial da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde incentiva países das Américas a reforçar vigilância de microcefalia e outras anomalias congênitas [Internet]. 2016 [cited 2020 Feb 24]. Available from: http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5012:opasoms-insta-paises-dasamericas-a-reforcar-a-vigilancia-dos-defeitosde-nascimento-incluindo-microcefalia&Itemid=816
http://www.paho.org/bra/index.php?option...

13 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saúde Pública. 2010; 44(3):559-65. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201000...
-1414 Mor G, Aldo P, Alvero AB. The unique immunological and microbial aspects of pregnancy. Nat Rev Immunol. 2017;17:469-82. https://doi.org/10.1038/nri.2017.64
https://doi.org/10.1038/nri.2017.64...
). Isso diverge de outro estudo realizado no município de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, no qual foram levantados dados referentes às gestantes de alto risco que apresentam outras comorbidades sem ser diretamente a presença de agentes infecciosos na gravidez atual, sendo observado que apenas 23,03% delas evoluíram com trabalho de parto prematuro(1515 Guerra JVV, Valete COS, Alves VH. Perfil sociodemográfico e de saúde de gestantes em um pré-natal de alto risco. Braz J Health Rev [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 24];2(1). Available from: http://brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/911/787
http://brazilianjournals.com/index.php/B...
).

A prematuridade e o baixo peso ao nascer contribuem para o aumento da morbimortalidade neonatal, já que a fragilidade e a imaturidade desses recém-nascidos podem contribuir para diversos tipos de agravos(1616 Pessoa TAD, Martins CBG, Lima FCA, Gaíva MAM. O crescimento e desenvolvimento frente à prematuridade e baixo peso ao nascer. Av Enferm. 2015;33(3):401-11. https://doi.org/10.15446/av.enferm.v33n3.44425
https://doi.org/10.15446/av.enferm.v33n3...
). Dentre eles, encontra-se a síndrome de sofrimento respiratório, icterícia fisiológica, hemorragia intraventricular e retinopatia do prematuro. Comorbidades como estas estão associadas às infecções adquiridas pela mãe e podem prejudicar o desenvolvimento infantil(1717 Oliveira LL, Gonçalves AC, Costa JSD, Bonilha ALL. Fatores maternos e neonatais relacionados com a prematuridade. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):382-9. https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000400002
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600...
-1818 Domingues RMSM, Leal MC. Incidência de sífilis congênita e fatores associados à transmissão vertical da sífilis: dados do estudo Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública. 2016;32(6). https://doi.org/10.1590/0102-311X00082415
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).

Por outro lado, apesar de ser estabelecido pelo Ministério da Saúde do Brasil que seja realizado um mínimo de seis consultas durante o pré-natal, com o objetivo, dentre outros, da identificação precoce dos riscos e minimização das taxas de morbimortalidade materna e infantil(1919 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de atenção à saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de atenção básica nº 32. Atenção ao pré-natal de baixo risco [Internet]. Brasília (DF); 2012 [cited 2020 Feb 24]. 33 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf
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), nota-se neste estudo que 26,9% estiveram próximos ou dentro da recomendação mínima e realizaram entre quatro a seis consultas durante o pré-natal, sendo estas parturientes em questão as que foram acometidas por infecções na gravidez, o que provavelmente gerou a necessidade de um número superior de consultas de pré-natal para o seu manejo.

Neste estudo, observou-se que grande parte dos nascimentos ocorreu por via cesariana (60%). Corroborando esses dados, a OMS descreve que o Brasil encontra-se em segundo lugar entre os países com maior número de cesarianas em relação ao total de nascimentos(2020 Vicente AC, Lima AKBS, Lima CB. Parto cesário e parto normal: uma abordagem acerca de riscos e benefícios. Temas Saúde [Internet]. 2017 [cited 2020 Feb 24];17(4):24-35. Available from: http://temasemsaude.com/wp-content/uploads/2018/01/17402.pdf
http://temasemsaude.com/wp-content/uploa...
).

A realização de cesarianas sem a indicação correta está relacionada a maiores riscos para a saúde materna e infantil, hemorragias pós-parto e infecções, icterícia fisiológica, prematuridade e problemas respiratórios(2121 Riscado LC, Jannotti CB, Barbosa RHS. A decisão pela via de parto no Brasil: temas e tendências na produção da saúde coletiva. Texto Contexto Enferm. 2016;25(1). https://doi.org/10.1590/0104-0707201600003570014
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). Assim, evidencia-se que a via de parto vaginal oferece muitos benefícios e vantagens tanto para a gestante quanto para o recém-nascido, sendo a principal delas o favorecimento do primeiro contato pele a pele imediatamente após o parto. Contudo, há situações em que o parto natural não deve ser indicado, como nos casos em que possa acarretar danos para o binômio mãe-filho(2222 Melo JCF, Davim RMB, Silva RRA. Vantagens e desvantagens do parto normal e cesariano: opinião de puérperas. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2015;7(4):3197-205. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2015.v7i4.3197-3205
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).

O estudo mostrou a ocorrência de 26,7% de recém-nascidos com baixo peso ao nascimento (BPN); além disso, verificou-se maior ocorrência de BPN em crianças de mães com sífilis. Um estudo sobre sífilis realizado por Silveira (2017) em um hospital terciário de Botocatu (São Paulo) apresentou resultados semelhantes, no qual se notou que 24% dos neonatos evidenciaram peso insuficiente(2323 Silveira SLA. Estudo epidemiológico da sífilis congênita: na realidade de um hospital universitário terciário[Dissertação] [Internet]. Botucatu. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. 2017 [cited 2020 Jan 28]. Available from: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/148892/silveira_sla_me_bot.pdf?sequence=3&isAllowed=y
https://repositorio.unesp.br/bitstream/h...
). Outro estudo realizado em Maringá (Paraná) encontrou um índice menor, com 13,7% de casos de BPN da amostra analisada(2424 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Sífilis na gestação: associação de características maternas e perinatais em uma região do sul do Brasil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
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).

Sob análise das estimativas da OMS, revela-se o aumento no número de casos envolvendo a prematuridade, sendo descrita a ocorrência de cerca de 15 milhões de nascimentos prematuros no mundo anualmente, sendo esta a principal causa do BPN. Por volta de 60% a 80% de todos óbitos neonatais têm como causa primária o BPN. Sua prevalência global é de 15,5%, sendo equivalente a cerca de 20 milhões de bebês BPN nascidos a cada ano, com 96,5% deles em países em desenvolvimento(2525 World Health Organization (WHO). Cuidado do recém-nascido pré-termo e com baixo peso ao nascer [Internet]. 2018 [cited 2020 Feb 24] Available from: https://www.who.int/maternal_child_adolescent/newborns/prematurity/en/
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).

Revelou-se ainda que as infecções maternas estão associadas aos desfechos fetais e neonatais, principalmente no que concerne à infecção materna por sífilis. Isso pode ser evidenciado por meio da literatura, visto que a infecção por sífilis se caracteriza como a segunda principal causa de óbito fetal evitável em todo o mundo. Em 2016, a OMS referiu a ocorrência de mais de meio milhão (aproximadamente 661 mil) de casos de sífilis congênita no mundo, o que repercutiu em mais de 200 mil natimortos e mortes neonatais(2626 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Organização Mundial da Saúde publica novas estimativas sobre sífilis congênita [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5879:organizacao-mundial-da-saude-publica-novas-estimativas-sobre-sifilis-congenita&Itemid=812
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).

Ainda, em Cabo, África do Sul, um estudo analisou 50 recém-nascidos com sífilis e mostrou que destes, 68% necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva e 38% evoluíram para óbito; também foi constatado que 56% das mães não receberam cuidados durante o pré-natal devido à falta de diagnóstico e que 98% delas foram tratadas inadequadamente(2727 Pillay S, Tooke LJ. Symptomatic congenital syphilis in a tertiary neonatal unit in Cape Town, South Africa: high morbidity and mortality in a preventable disease. S Afr Med J. 2019;109(9):652-8. https://doi.org/10.7196/SAMJ.2019.v109i9.13817
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).

Ao observar a ocorrência da sífilis congênita na América Latina e no Caribe, as taxas percentuais dobraram desde 2010, com a ocorrência de 10.850 novos casos. Já no ano de 2015 foram relatados cerca de 22.400 casos. Esses dados evidenciam que o número de crianças nascidas com sífilis congênita na região (170 por cada 100 mil nascidos vivos) triplica a meta de eliminação da doença (50 por cada 100 mil nascidos vivos)(11 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Redução da transmissão materno-infantil de HIV e Sífilis desacelera na América Latina e no Caribe, alerta OPAS [Internet]. 2017 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5425:reducao-da-transmissao-materno-infantil-de-hiv-e-sifilis-desacelera-na-america-latina-e-no-caribe-alerta-opas&Itemid=812
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).

Novas estimativas da OPAS mostram que, em 661 mil casos totais de sífilis congênita, houve 355 mil resultados adversos no nascimento, o que representa uma relação significativa de mortes e doença(2626 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Organização Mundial da Saúde publica novas estimativas sobre sífilis congênita [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5879:organizacao-mundial-da-saude-publica-novas-estimativas-sobre-sifilis-congenita&Itemid=812
https://www.paho.org/bra/index.php?optio...
). Nas regiões onde a sífilis é prevalente na gravidez, cerca da metade da taxa de natimortos pode ter sido causada exclusivamente por essa infecção(2828 Cerqueira LRP, Monteiro DLM, Taquette SR, Rodrigues NCP, Trajano AJB, Souza FM, et al. The magnitude of syphilis: from prevalence to vertical transmission. Rev Inst Med Trop São Paulo. 2017;59. https://doi.org/10.1590/s1678-9946201759078
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), dado que, se uma mulher grávida estiver infectada e não receber tratamento precoce adequado para sífilis, poderá transmitir a infecção para o feto, gerando complicações fetais e neonatais, como BPN, nascimento prematuro, aborto e natimorto(2626 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Organização Mundial da Saúde publica novas estimativas sobre sífilis congênita [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5879:organizacao-mundial-da-saude-publica-novas-estimativas-sobre-sifilis-congenita&Itemid=812
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27 Pillay S, Tooke LJ. Symptomatic congenital syphilis in a tertiary neonatal unit in Cape Town, South Africa: high morbidity and mortality in a preventable disease. S Afr Med J. 2019;109(9):652-8. https://doi.org/10.7196/SAMJ.2019.v109i9.13817
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-2828 Cerqueira LRP, Monteiro DLM, Taquette SR, Rodrigues NCP, Trajano AJB, Souza FM, et al. The magnitude of syphilis: from prevalence to vertical transmission. Rev Inst Med Trop São Paulo. 2017;59. https://doi.org/10.1590/s1678-9946201759078
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).

Como encontrado neste estudo, demais pesquisas evidenciam que, dentre os casos de transmissão vertical, a sífilis congênita é mais prevalente do que qualquer outra infecção, tornando-a mais comum do que a infecção congênita pelo HIV(2525 World Health Organization (WHO). Cuidado do recém-nascido pré-termo e com baixo peso ao nascer [Internet]. 2018 [cited 2020 Feb 24] Available from: https://www.who.int/maternal_child_adolescent/newborns/prematurity/en/
https://www.who.int/maternal_child_adole...
). Conforme a OPAS, os progressos na eliminação da transmissão vertical do HIV e da sífilis diminuíram na América Latina e no Caribe. Para reduzir esse número de transmissão vertical, os países precisam alcançar pelo menos 95% das mulheres grávidas, por meio da assistência pré-natal, sendo testadas, diagnosticadas e recebendo tratamento adequado(11 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Redução da transmissão materno-infantil de HIV e Sífilis desacelera na América Latina e no Caribe, alerta OPAS [Internet]. 2017 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5425:reducao-da-transmissao-materno-infantil-de-hiv-e-sifilis-desacelera-na-america-latina-e-no-caribe-alerta-opas&Itemid=812
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).

Um declínio nas taxas de infecção por HIV é visto na Espanha: segundo estudo, entre 1997 e 2015, foram diagnosticadas 532 crianças com HIV, sendo 46,6% das crianças entre 1997 e 2000, 30,8% entre 2001 a 2005, 17,4% entre 2006 a 2010 e 5,1% entre 2011 a 2015. As taxas de novos diagnósticos perinatais de HIV diminuíram de 0,167 a 0,005 por 100 mil habitantes(2929 Ory SJ, Ramos JT, Fortuny C, González-Tomé MI, Mellado MJ, Moreno D, et al. Sociodemographic changes and trends in the rates of new perinatal HIV diagnoses and transmission in Spain from 1997 to 2015. 2019;14(10). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0223536
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). No que tange ao cenário nacional, estudos trazem estimativas que demonstram redução pela metade da taxa de infecção por HIV nos últimos 20 anos no Brasil, e atualmente existe um número estimado de 5 infecções por 100 mil nascidos vivos, o que torna o país um candidato promissor para atingir as metas da Organização Mundial da Saúde de eliminação do HIV(3030 Coelho AVC, Coelho HFC, Arraes LC, Crovell S. HIV-1 mother-to-child transmission in Brazil (1994-2016): a time series modeling. Braz J Infect Dis. 2019. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2019.06.012
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).

Embora o Brasil ainda não tenha alcançado a erradicação de infecções congênitas por sífilis e HIV, nota-se que é possível sua eliminação, uma vez que, em 2015, cerca de 18 países e territórios mostraram dados compatíveis com essa dupla eliminação, sendo Cuba o primeiro país do mundo a ser validado pela OMS por ter alcançado a eliminação(11 Organização Pan-Americana De Saúde (OPAS). Redução da transmissão materno-infantil de HIV e Sífilis desacelera na América Latina e no Caribe, alerta OPAS [Internet]. 2017 [cited 2020 Feb 24]. Available from: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5425:reducao-da-transmissao-materno-infantil-de-hiv-e-sifilis-desacelera-na-america-latina-e-no-caribe-alerta-opas&Itemid=812
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).

Ademais, sob a perspectiva da infecção materna pelo Zika vírus e consequente transmissão vertical da infecção, a literatura evidencia a ocorrência de altas taxas de microcefalia e outras anomalias congênitas graves em recém-nascidos. Isso pode ser visto num estudo realizado na Guiana Francesa, país da América do Sul, durante a epidemia do Zika vírus, na qual foi constatado que, entre os 291 fetos expostos, houve transmissão vertical em 26% dos fetos/recém-nascidos, sendo significantemente associada a resultados adversos graves(3131 Pomar L, Vouga M, Lambert V, Pomar C, Hcini N, Jolivet A, et. al. Maternal-fetal transmission and adverse perinatal outcomes in pregnant women infected with zika virus: prospective cohort study in French Guiana. 2018. https://doi.org/10.1136/bmj.k4431
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).

Em outro estudo que analisou relatórios de recém-nascidos expostos ao Zika vírus em países da América, incluindo o Brasil, Colômbia, Equador, Estados Unidos da América, Guiana Francesa, Martinica, Polinésia, Porto Rico e Trinidad e Tobago, constatou-se que, entre os 4.683 indivíduos analisados, houve a prevalência de calcificação cerebral (42,6%), seguida de ventriculomegalia (21,8%), anormalidades articulares (13,2%), anormalidades oculares (4,2%) e microcefalia (3,9%)(3232 Nithiyanantham SF, Badawi, A. Maternal infection with Zika virus and prevalence of congenital disorders in infants: systematic review and meta-analysis. Can J Public Health. 2019 638-648. https://doi.org/10.17269/s41997-019-00215-2
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). Outra pesquisa ressalta que a infecção materna durante o primeiro trimestre da gravidez está associada a um maior risco de síndrome congênita do vírus Zika, enquanto uma infecção no final da gravidez parece ter menos consequências fetais e neonatais precoces, com sinais inespecíficos(3333 Pomar L, Musso D, Malinger G, Vouga M, Panchaud A, Baud D. Zika virus during pregnancy: from maternal exposure to congenital Zika Virus Syndrome. Prenatal Diag. 2019. https://doi.org/10.1002/pd.5446
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).

Limitações do estudo

A possibilidade de inconsistência e incompletude de determinados registros referentes à transmissão vertical e a desfechos nos neonatos, comum em pesquisas que são baseadas em dados secundários, representa uma limitação deste estudo. No entanto, o tamanho da amostra utilizada e as informações coletadas não inviabilizaram o objetivo proposto.

Contribuições para a Área

O presente estudo visa colaborar para a construção do conhecimento na área de enfermagem e saúde, além de viabilizar o acesso ao número de casos de transmissão vertical de doenças infecciosas na gravidez e do desfecho em fetos e recém-nascidos no cenário investigado. Os resultados podem servir como subsídios para a elaboração de estratégias de ações de atenção à saúde do binômio mãefilho e para um atendimento integral e holístico.

CONCLUSÃO

Nesse estudo, evidenciou-se que as infecções maternas e o número de consultas pré-natal estão associados a desfechos fetais e neonatais. Referente às infecções a que os recém-nascidos foram expostos, foi observado maior ocorrência da sífilis congênita (28,8%). Na análise dos desfechos, verificou-se mais de uma complicação no mesmo indivíduo, com maior ocorrência do baixo peso ao nascer (39%), desconforto respiratório (20,5%), oligodramnia (20%), malformação congênita e tamanho pequeno para a idade gestacional (10,8%), bem como óbito fetal/neonatal (10,2%).

A ocorrência de infecções na gravidez no momento do parto, especialmente da sífilis, sugere a existência de lacunas na assistência do pré-natal e indica a necessidade de propor novas estratégias à equipe de saúde com vistas a um acolhimento humanizado, oferta mínima de exames de rotina preconizado pelos protocolos e garantia ao vínculo, tratamento e seguimento adequado para as gestantes e seus parceiros. Essas medidas podem fortalecer o enfrentamento das transmissões verticais e, consequentemente, contribuir na redução da morbimortalidade infantil.

  • FOMENTO
    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL).

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2020
  • Aceito
    18 Set 2020
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