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Teoria de médio alcance para enfermagem em reabilitação cardiovascular

RESUMO

Objetivos:

descrever uma teoria de enfermagem de médio alcance para o processo de reabilitação cardiovascular.

Métodos:

estudo de desenvolvimento teórico, orientado para elaboração de teoria de médio alcance, a partir do Modelo de Adaptação de Roy, que combinou estratégias de dedução teórica com indução, a partir de revisão da literatura e análise de conceito.

Resultados:

a Teoria de Médio Alcance para Enfermagem em Reabilitação Cardiovascular apresenta onze conceitos e respectivas definições, organizados em relações que representam elementos, por meio de modelagem e representação pictórica. Pressupostos e proposições teóricas são apresentadas.

Considerações Finais:

a teoria apresentada tem como finalidade contribuir para descrição do processo de reabilitação cardiovascular, na perspectiva da adaptação da pessoa, família e grupos, bem como, consequentemente, impactar no cuidado de enfermagem implementado a pacientes no processo. Os procedimentos avançaram da conceitualização até a operacionalização, pela produção de proposições teóricas que guiarão a futura testagem teórica.

Descritores:
Teorias de Enfermagem; Doenças Cardiovasculares; Reabilitação Cardiovascular; Modelos Teóricos; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to describe a medium-range nursing theory for the cardiovascular rehabilitation process.

Methods:

theoretical development study, addressing the elaboration of medium-range theory, based on Roy’s Adaptation Model, which combined theoretical deduction with induction strategies, based on literature review and concept analysis.

Results:

the Medium-Range Theory for Nursing in Cardiovascular Rehabilitation presents eleven concepts and respective definitions, organized in relationships that represent elements, through modeling and image representation. Theoretical assumptions and propositions are presented.

Final Considerations:

the theory presented aims to contribute to the description of the cardiovascular rehabilitation process from the perspective of the adaptation of the person, family and groups, as well as to impact the nursing care implemented to patients in the process. The procedures advanced from conceptualization to operationalization, through the production of theoretical propositions that will guide future theoretical testing.

Descriptors:
Nursing Theories; Cardiovascular Diseases; Cardiovascular Rehabilitation; Theoretical Models; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

describir una teoría de enfermería de rango medio para el proceso de rehabilitación cardiovascular.

Métodos:

se trata de un estudio de desarrollo teórico, volcado hacia la elaboración de la teoría de rango medio y basado en el Modelo de Adaptación de Roy que combinó estrategias de inducción y deducción teórica, desde la revisión de la literatura y el análisis del concepto.

Resultados:

la Teoría de Rango Medio para la Enfermería en Rehabilitación Cardiovascular presenta once conceptos y sus respectivas definiciones, organizados en relaciones que representan elementos, a través de la modelización y la representación pictórica. Se exponen supuestos y propuestas teóricas.

Consideraciones Finales:

la teoría presentada tiene como intuito contribuir con la descripción del proceso de rehabilitación cardiovascular desde la perspectiva de la adaptación de la persona, la familia y los grupos para causar impacto en los cuidados de enfermería implementados a los pacientes durante el proceso. Los procedimientos avanzaron desde la conceptualización hasta la operacionalización, pasando por la producción de proposiciones teóricas que guiarán las futuras pruebas.

Descriptores:
Teorías de Enfermería; Enfermedades Cardiovasculares; Rehabilitación Cardiovascular; Modelos Teóricos; Enfermería

INTRODUÇÃO

Diferentes países e regiões têm propostas de programas para o processo de reabilitação cardíaca e prevenção secundária, com enfoques diferenciados(11 Clark RA, Conway A, Poulsen V, Keech W, Tirimacco R, Tideman P. Alternative models of cardiac rehabilitation: a systematic review. Eur J Prev Cardiol. 2015;22(1):35-74. https://doi.org/10.1177/2047487313501093
https://doi.org/10.1177/2047487313501093...

2 Hamm LF, Sanderson BK, Ades PA, Berra K, Kaminsky LA, Roitman JL, et al. Core competencies for cardiac rehabilitation/secondary prevention professionals. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2011;31(1):2-10. https://doi.org/10.1097/HCR.0b013e318203999d
https://doi.org/10.1097/HCR.0b013e318203...

3 Herdy A, López-Jiménez F, Terzic C, Milani M, Stein R, Carvalho T, et al. South American guidelines for cardiovascular disease prevention and rehabilitation. Arq Bras Cardiol. 2014;103(2). https://doi.org/10.5935/abc.2014S003
https://doi.org/10.5935/abc.2014S003...

4 Humphrey R, Guazzi M, Niebauer J. Cardiac Rehabilitation in Europe. Prog Cardiovasc Dis. 2014;56(5):551-6. https://doi.org/10.1016/j.pcad.2013.08.004
https://doi.org/10.1016/j.pcad.2013.08.0...

5 Song Y. Analyses of studies on cardiac rehabilitation for patients with cardiovascular disease in Korea. J Korean Acad Nurs. 2009;39(3):311. https://doi.org/10.4040/jkan.2009.39.3.311
https://doi.org/10.4040/jkan.2009.39.3.3...
-66 Zhang Z, Pack Q, Squires RW, Lopez-Jimenez F, Yu L, Thomas RJ. Availability and characteristics of cardiac rehabilitation programmes in China. Heart Asia. 2016;8(2):9-12. https://doi.org/10.1136/heartasia-2016-010758
https://doi.org/10.1136/heartasia-2016-0...
). Apesar da relevância desses e de outros programas disponíveis ao redor do mundo, persistem desafios de engajamento do paciente, que nem sempre concordam em participar, aderir ou completar o processo como recomendado(77 Santiago APC, Chaves GS, Davies P, Taylor RS, Grace SL. Interventions to promote patient utilisation of cardiac rehabilitation. Cochrane Database Syst Rev. 2019;(2): CD007131. https://doi.org/10.1002/14651858.CD007131.pub4
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).

O uso de teorias ou modelos teóricos na construção de programas de reabilitação cardiovascular e respectivos resultados é, ainda, uma questão em investigação. Revisão sistemática sobre respostas de envolvimento, adesão e finalização da reabilitação cardíaca por parte dos pacientes a intervenções baseadas em teorias que não são da Enfermagem não demonstrou que as interferências tenham modificado, de forma significativa, as variáveis ligadas aos pacientes, ainda que isoladamente pudessem ter algum resultado. Dentre as teorias que suportaram mediações externas ao domínio da enfermagem, citam-se Theory of Planned Behaviour, Social Cognition Theory, Transtheoretical Model of behavior change and Marlatt and Gordon’’s relapse prevention model (77 Santiago APC, Chaves GS, Davies P, Taylor RS, Grace SL. Interventions to promote patient utilisation of cardiac rehabilitation. Cochrane Database Syst Rev. 2019;(2): CD007131. https://doi.org/10.1002/14651858.CD007131.pub4
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).

Apesar das mencionadas experiências suportadas por teorias que não são oriundas da Enfermagem, ações de programas de reabilitação não são usualmente sustentadas por teorias, mas guiadas pela pragmática, pelas evidências clínicas, diretivas clínicas e linhas de cuidados(88 Timmins F, Horan P. A critical analysis of the potential contribution of Orem’s (2001) self-care deficit nursing theory to contemporary coronary care nursing practice. Eur J Cardiovasc Nurs. 2007;6(1):32-9. https://doi.org/10.1016/j.ejcnurse.2006.03.006
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). A partir da leitura da Diretriz Sul-Americana de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular, não se destaca facilmente a existência de qualquer estrutura teórica orientadora para permitir o alcance dos resultados da reabilitação, tampouco qualquer teoria de enfermagem tem sido utilizada(33 Herdy A, López-Jiménez F, Terzic C, Milani M, Stein R, Carvalho T, et al. South American guidelines for cardiovascular disease prevention and rehabilitation. Arq Bras Cardiol. 2014;103(2). https://doi.org/10.5935/abc.2014S003
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). De fato, ainda que a diretriz se oriente para reabilitar o paciente de forma integral, com prática multiprofissional, verifica-se perspectiva médico-centrada, cujas intervenções de enfermagem são executar indicações do médico, contribuir na educação do paciente em relação ao conhecimento da doença, uso de medicações e adoção de hábitos de vida saudáveis, como práticas de exercícios(33 Herdy A, López-Jiménez F, Terzic C, Milani M, Stein R, Carvalho T, et al. South American guidelines for cardiovascular disease prevention and rehabilitation. Arq Bras Cardiol. 2014;103(2). https://doi.org/10.5935/abc.2014S003
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).

Teorias de Médio Alcance (TMA) de enfermagem, como estruturas norteadoras da reabilitação cardiovascular, constituem alternativas ainda não propostas, mas que podem ter potencial de gerar prática mais integral do ser humano e incorporar a singularidade do trabalho da enfermagem. Pesquisas que usaram grandes teorias de enfermagem para pacientes com comprometimentos cardíacos verificaram resultados sensíveis para perspectiva da profissão. Estudo de intervenção randomizado sobre aplicação de programa de educação baseado na Teoria do Alcance de Metas verificou mudanças favoráveis no risco cardiovascular, em comportamentos de saúde e na qualidade de vida de pacientes, após o primeiro episódio de infarto do miocárdio(99 Park M, Song R, Jeong JO. Effect of goal attainment theory based education program on cardiovascular risks, behavioral modification, and quality of life among patients with first episode of acute myocardial infarction: Randomized study. Int J Nurs Stud. 2017;71: 8-16. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.02.019
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). Outra pesquisa examinou efeitos de um programa de apoio social, educacional e de exercícios, baseado no Modelo de Adaptação de Roy (MAR), verificando que os pacientes do grupo experimental se adaptaram melhor à condição e aos quatro modos de adaptação(1010 Bakan G, Akyol AD. Theory-guided interventions for adaptation to heart failure. J Adv Nurs. 2008;61(6):596-608. https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2007.04489.x
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).

Com isso, programas de reabilitação, por incorporarem diversas ações clínicas, podem se beneficiar de teorias de nível mais aproximado à prática, como as TMA, as quais consistem em construções que acompanham a perspectiva trazida pela sociologia que as localiza entre as hipóteses do cotidiano e as teorias unificadas(1111 Liehr P, Smith MJ. Middle range theory: a perspective on development and use. Adv Nurs Sci. 2017;40(1):51-63. https://doi.org/10.1097/ANS.0000000000000162
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). Buscam superar a predominância metateórica das grandes teorias de enfermagem, ou de amplo alcance, que foram elaboradas entre os finais de 1960 e durante os 1970. Posteriormente, foram criticadas pela escassez de proposições explícitas e testáveis, bem como pela ausência de realização de testes empíricos, de refutação ou confirmação teórica(1212 Im EO,Ju Chang S. Current trends in nursing theories. J Nurs Scholarsh. 2012;44(2):156-64. https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.2012.01440.x
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).

Teorias de médio alcance são elaboradas para aplicação prática e possuem limitado número de conceitos, variáveis e relações testáveis. Ademais, oferecem generalização suficiente para relevância científica(1313 Fawcett J, DeSanto-Madeya S.Contemporary nursing knowledge: analysis and evaluation of nursing models and theories. 3rd ed. Philadelphia: F.A. Davis Company; 2013). Nesse contexto, presume-se o potencial de desenvolvimento das mencionadas teorias para orientar a prática de enfermeiros, na reabilitação cardiovascular (RCV), e posterior teste em validação na prática.

Nesse sentido, a fim de identificar uma teoria de grande alcance para subsidiar uma TMA de Enfermagem para RCV, percebe-se que o MAR é uma fundamentação essencial, tendo em vista suas peculiaridades. Contribui de forma significativa para a nova proposta, assim como pela definição de seu conceito central, a Adaptação, que se aproxima da definição do fenômeno estudado - Reabilitação Cardiovascular.

De forma a contribuir para a RCV, o MAR proporciona intervenções de enfermagem que favorecem a adaptação de pessoas a assumirem estilo de vida que lhes proporcione bem-estar. Dessa forma, são importantes orientações quanto aos sinais e sintomas da doença, às limitações físicas ocasionadas por ela, com a adoção de uma alimentação equilibrada, a manutenção de peso adequado, favorecendo-se dos benefícios da atividade física.

Assim, partiu-se do pressuposto de que a adaptação é um conceito relevante para reabilitação cardiovascular, da mesma forma que o Modelo de Adaptação de Roy como grande teoria a ser usada para dedução de uma TMA para reabilitação cardiovascular. Logo, considera-se a posição de destaque da Teoria de Roy entre aquelas no campo da enfermagem mundial, tendo sido aplicada e testada em diferentes estudos desde a concepção(1212 Im EO,Ju Chang S. Current trends in nursing theories. J Nurs Scholarsh. 2012;44(2):156-64. https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.2012.01440.x
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).

OBJETIVOS

Descrever uma teoria de enfermagem de médio alcance para o processo de reabilitação cardiovascular.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A presente pesquisa, de cunho teórico, respeitou os direitos autorais das publicações incluídas no estudo. Desse modo, obedeceu-se à Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências(1414 Presidência da República (BR). Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União de Brasília, 19 de fevereiro de 1998.).

Tipo de Estudo

Trata-se de estudo de desenvolvimento teórico, orientado para elaboração de teoria de médio alcance, a partir do Modelo de Adaptação de Roy (MAR)(1515 Roy SC. Roy Adaptation Model. 3th ed. Boston: Pearson, Prentice Hall; 2009).

Procedimentos metodológicos

Coleta, organização e análise dos dados

A teorização combinou, de forma interativa, as estratégias de indução, a partir de revisão da literatura, e dedução, por meio de grande teoria de enfermagem. Trata-se de estratégia comumente usada no desenvolvimento de teorias de médio alcance de enfermagem(1616 Brandão MAG, Martins JSA, Peixoto MAP, Lopes ROP, Primo CC. Theoretical and methodological reflections for the construction of middle-range nursing theories. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4). https://doi.org/10.1590/0104-07072017001420017
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). Os procedimentos gerais de teorização foram os seguintes: revisão integrativa da literatura; análise do conceito de “reabilitação cardiovascular”, com desenvolvimento das etapas pela estratégia de Walker & Avant; síntese de afirmativas obtidas da revisão integrativa; dedução teórica de conceitos e das proposições gerais do Modelo de Adaptação de Roy; e modelagem para produção de modelo baseado em grande teoria(1717 Walker LO, Avant KC. Strategies for theory construction in nursing. 5th ed. Boston: Pearson; 2010.).

A revisão integrativa foi a técnica para busca de material para análise de conceito. A busca incorporou produções nos idiomas português, inglês e espanhol, publicadas desde 1966, marco de descrição do surgimento dos Programas de Reabilitação Cardíaca Supervisionada, até abril de 2018. Incluíram-se as bases e as bibliotecas SciELO, LILACS, BDENF, PUBMED e MEDLINE. Usaram-se dos descritores “Cardiovascular Rehabilitation” e “Nursing”, conectados pelo operador booleano “and”. Excluíram-se os estudos localizados que se repetiam e que não responderam à pergunta norteadora da revisão: qual é a definição do conceito Reabilitação Cardiovascular?

Como produto da revisão de 42 estudos, obtiveram-se os elementos necessários para análise do conceito e suporte na elaboração de demais subsídios da teoria. As informações de interesse teórico foram as seguintes: indicadores empíricos qualitativos e quantitativos; definições conceituais e operacionais; e afirmativas relacionais, ligadas à reabilitação cardiovascular/cardíaca.

A análise de conceito envolveu as etapas de seleção do conceito, determinação de metas e propósitos, identificação dos usos do conceito, determinação de atributos, identificação de caso modelo, identificação de outros casos, identificação de antecedentes e consequentes, definição de referentes empíricos(1717 Walker LO, Avant KC. Strategies for theory construction in nursing. 5th ed. Boston: Pearson; 2010.). Lograram-se os seguintes elementos para teorização: atributos, antecedentes, consequentes, definições e representação de caso modelo, relacionado e contrário à reabilitação cardíaca.

Para síntese de afirmativas, aplicaram-se procedimentos de generalização de inferências específicas, obtidos dos estudos revisados, que resultaram em afirmativas relacionais e não relacionais, de nível mais elevado de abstração, posteriormente, sendo incorporadas à teoria de médio alcance. A estratégia de dedução teórica de conceitos e proposições gerais do Modelo de Adaptação de Roy foi realizada após interpretação dos conceitos, proposições, afirmativas, modelos pictográficos do MAR, resultando em elementos mais específicos ao enfoque da reabilitação cardiovascular. A estratégia de modelagem teórica (para médio alcance) foi a última etapa de teorização, a qual produziu um modelo esquemático baseado em grande teoria (MAR), resultando em diagrama representativo da TMA elaborada.

RESULTADOS

O processo de desenvolvimento teórico em disciplinas aplicadas envolve as fases de conceitualização, operacionalização, confirmação e aplicação(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.). Desse modo, apresentam-se os resultados concernentes às fases realizadas: conceitualização e operacionalização.

Teoria de Médio Alcance para Enfermagem em Reabilitação Cardiovascular

A conceitualização partiu da seleção do conceito de reabilitação cardiovascular que originou o desenvolvimento da estratégia de análise de conceito. Os atributos do conceito englobaram a participação do paciente, da família e dos profissionais, a modificação de fatores de risco, as intervenções sobre comportamentos, as práticas de educação e aconselhamento e os engajamentos em exercícios.

Ao conjugar os atributos conceituais, induzidos da análise de conceito, com a dedução dos elementos do MAR, elaborou-se a definição para o conceito central da teoria. Assim, na TMA Enf-RCV, a reabilitação cardiovascular é definida como processo que envolve a implementação de intervenções dirigidas à pessoa, família e comunidade, por meio da mudança de estímulos ou fortalecimento dos processos adaptativos, implementada após o evento cardiovascular, com o objetivo de reabilitar física, social, psicológica e espiritualmente, tornando a pessoa capaz de adaptar-se à nova condição.

Os antecedentes do conceito da reabilitação cardiovascular foram notadamente ligados a riscos ou doenças e agravos de saúde e resultados de intervenções que prejudicaram a capacidade cardíaca, deflagrando a necessidade da reabilitação: risco de doença cardiovascular e doença cardiovascular, cirurgia de revascularização, intervenções coronárias percutâneas, insuficiência cardíaca, eventos cardíacos agudos e procedimentos cirúrgicos do sistema cardiovascular. Na teoria, os antecedentes serviram para facilitar a elaboração de afirmativas e proposições teóricas. Os consequentes aglutinaram-se em benefícios para o contexto social, físico, psicológico e espiritual da pessoa, família e demais sistemas a eles relacionados.

Os antecedentes e consequentes, assim como os casos-modelo, contrário e limite, forneceram indícios e representações empíricas da reabilitação cardiovascular, apontando enfoques e conformações dos estudos acerca do tema abordado. A função maior foi ancorar as construções teóricas na esfera empírica, garantindo a característica de aproximação da teoria com a prática, aspectos essenciais às teorias de enfermagem de médio alcance. Os conceitos selecionados como relevantes para teorização foram evento cardiovascular, adaptação, apoio psicossocial ao paciente e à família, comportamento de saúde, cuidado reabilitador, gestão pessoal do cuidado, processo educativo na RCV, risco cardíaco, terapia baseada no exercício físico, programa de reabilitação cardiovascular supervisionada e prevenção secundária de DCV.

O procedimento de síntese de afirmativas subsidiou a elaboração de definições essenciais para a TMA. Onze definições constitutivas para os conceitos são apresentadas:

  1. Evento cardiovascular é um processo fisiopatológico, que acomete o sistema cardiovascular, o qual promove alterações físicas, sociais e psicológicas.

  2. Adaptação como processo consciente de escolhas para responder positivamente a um evento cardíaco.

  3. Apoio psicossocial ao paciente e à família é a atenção ao paciente que sofreu o evento cardiovascular e respectiva família, com ênfase nos aspectos psicossociais de autoconceito, interdependência e desempenho de papel.

  4. Comportamento de saúde relaciona-se a reações internas e externas da pessoa, família e comunidade ao evento cardiovascular, capazes de promover ou impedir a integridade/totalidade do sistema adaptativo humano, configurando estados de adaptação de indivíduos e/ou grupos. Tais comportamentos podem ser verificados antes, durante e depois da ocorrência do evento cardiovascular.

  5. Cuidado de enfermagem reabilitador é a implementação de intervenções de enfermagem dirigidas à pessoa, família ou coletividade, após evento cardiovascular, com vistas à reabilitação física, social, psicológica e espiritual, tornando-a capaz de adaptar-se à nova condição.

  6. Gestão pessoal do cuidado é a capacidade de a pessoa que vivenciou um evento cardiovascular, juntamente com a família e coletividade, organizar, planejar, executar e avaliar ações relacionadas ao cuidado reabilitador.

  7. Processo educativo é o meio de proporcionar educação em saúde, em todos os aspectos que envolvem a RCV, utilizando orientações e aconselhamento, de acordo com a necessidade específica de cada pessoa, família e coletividade.

  8. Risco cardíaco é a vulnerabilidade para uma pessoa desenvolver um evento cardiovascular.

  9. Terapia baseada no exercício físico é a realização de atividades sob prescrição, supervisão e acompanhamento de profissional capacitado.

  10. Programa de Reabilitação Cardiovascular Supervisionada é um serviço especializado, em que uma equipe multiprofissional direciona e supervisiona ações de reabilitação, dirigidas a pessoas, após evento cardiovascular, considerando as fases de evolução.

  11. Prevenção secundária de doença cardiovascular é a realização de ações de prevenção de um evento cardiovascular, tendo em vista a ocorrência anterior de um processo fisiopatológico da mesma natureza.

Os pressupostos foram explicitados na teorização, funcionando como ideias aceitas a priori e isentas da necessidade de testagem. Propuseram-nos como alternativas conjecturais válidas para resolução do problema subjacente à teoria. Estruturados em relação aos conceitos metaparadigmáticos da enfermagem, pressuporiam entendimento da pessoa como sistemas adaptativos, nos quais a enfermagem é exercida por enfermeiro ativo que incentiva a pessoa e estabelece ações de cuidados, inclusive em conjunto com outros profissionais, configurando, assim, a saúde na ótica do resultado de um processo adaptativo.

As proposições foram outros elementos teóricos desenvolvidos na etapa de operacionalização. São descritas de modo a estender a teoria no mundo real, por criar afirmativas de resultados naturais(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.). Na TMA Enf-RCV, sete proposições teóricas foram desenvolvidas:

  1. Possibilita a identificação de comportamentos reabilitadores e estímulos para reabilitação de pessoas que vivenciaram um evento cardiovascular.

  2. Viabiliza o estabelecimento de diagnósticos de enfermagem, com vistas à reabilitação e ao planejamento do cuidado reabilitador.

  3. Envolve a implementação de intervenções dirigidas à pessoa, após evento cardiovascular, com vistas à reabilitação física, social e psicológica, tornando-a capaz de manter as atividades cotidianas.

  4. Conduz à gestão do cuidado reabilitador pelo paciente, pela família e pelo enfermeiro.

  5. Envolve cuidados reabilitadores, que podem ser implementados em diversos ambientes, inclusive em Programas de RCV, com a utilização de terapia baseada em exercício, apoio psicossocial ao paciente e à família, e processos educativos, auxiliando o paciente a atingir a readaptação.

  6. Se não houver a implementação de cuidados reabilitadores, fazendo uso de terapia baseada em exercício, apoio psicossocial ao paciente e à família, e processos educativos, o processo de RCV não atingirá ao objetivo e o paciente não se reabilitará com eficiência.

  7. O alcance da RCV pelo paciente representa o alcance da meta de adaptação.

Ressalta-se que tais proposições serão operacionalizadas por meio da aplicação do processo de enfermagem fundamentado pela TMA Enf-RCV, o qual possibilita um cuidado integral e sistematizado.

A implementação da estratégia de modelagem tem como meta produzir representação visual da teoria em construção(1919 Weick KE. Theory Construction as Disciplined Imagination. AMR. 1989;14(4):516-531. https://doi.org/10.2307/258556.
https://doi.org/10.2307/258556...
). O modelo da Teoria de Enfermagem de Médio Alcance organizou os conceitos e representou graficamente as relações para Reabilitação Cardiovascular (Figura 1).

Figura 1
Modelo da Teoria de Médio Alcance para Enfermagem em Reabilitação Cardiovascular, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2018

DISCUSSÃO

O núcleo da definição de reabilitação cardiovascular, proposto na TMA Enf-RCV, incorpora a adaptação da pessoa como processo e resultado, no qual pessoas ou grupos, conscientemente, escolhem criar integração humana e ambiental(1515 Roy SC. Roy Adaptation Model. 3th ed. Boston: Pearson, Prentice Hall; 2009). Essa perspectiva difere conceitualmente e amplia a ideia de reabilitação baseada em modelos comportamentais, motivacionais ou cognitivos-sociais externos à enfermagem e que, usualmente, têm sustentado as ações de reabilitação(77 Santiago APC, Chaves GS, Davies P, Taylor RS, Grace SL. Interventions to promote patient utilisation of cardiac rehabilitation. Cochrane Database Syst Rev. 2019;(2): CD007131. https://doi.org/10.1002/14651858.CD007131.pub4
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00713...
).

Assim, a dedução do conceito de adaptação traz consigo ênfase criativa e ampliada para ações de enfermagem. A meta da enfermagem passa a ser a promoção da adaptação de indivíduos e grupos nos quatro modos adaptativos, avaliando o comportamento e os fatores que influenciam as habilidades adaptativas e melhoraram as interações ambientais(1515 Roy SC. Roy Adaptation Model. 3th ed. Boston: Pearson, Prentice Hall; 2009). Para tanto, enfermeiros alteram, aumentam, diminuem, removem e mantêm estímulos, de tal forma que o processo de enfrentamento do sistema adaptativo humano responda positivamente.

Usualmente, a reabilitação cardiovascular é vista na perspectiva do tratamento e da reabilitação do coração e dos vasos, isto é, do sistema cardiovascular(2020 Grace SL, Bennett S, Ardern CI, Clark AM. Cardiac Rehabilitation Series: Canada. Prog Cardiovasc Dis. 2014;56(5):530-5. https://doi.org/10.1016/j.pcad.2013.09.010
https://doi.org/10.1016/j.pcad.2013.09.0...
-2121 Grossman JAC. Cardiac Rehabilitation Enrollment and the Impact of Systematic Nursing Interventions for Postmyocardial Infarction and Stent Patients. Clin Nurs Res. 2016;25(4):378-90. https://doi.org/10.1177/1054773815620777
https://doi.org/10.1177/1054773815620777...
). Tal visão é reducionista e tende a falhar na produção de intervenções que consigam abarcar a complexidade de relações que envolvem a reabilitação. Estudo aponta a importância de intervenções mais abrangentes ao direcioná-las ao exercício, à educação, ao aconselhamento de mudança comportamental e modificação de fatores de risco(2222 Feinberg JL, Russell D, Mola A, Trachtenberg M, Bick I, Lipman TH, et al. A Mixed methods evaluation of the feasibility and acceptability of an adapted cardiac rehabilitation program for home care patients. Geriatr Nurs (Minneap). 2018;39(2):191-8. https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2017.08.006
https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2017...
).

Em virtude da característica multiprofissional que a RCV demanda, ações diversificadas, porém convergentes, são fundamentais para respostas positivas para saúde. Estudos comprovam efeitos positivos na implantação da RCV, no tocante aos sintomas de ansiedade, depressão, índice de massa corporal, atividade física e nutrição(2323 Madueño Caro AJ, Mellado Fernández ML, Delgado Pacheco J, Muñoz Ayllon M, Pardos Lafarga M, Saez García L. Autoeficacia percibida, rasgos de personalidad y biotipos previos a programa de rehabilitación cardíaca en atención primaria de salud. Enferm Clín. 2017;27(6):346-51. https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2017.04.004
https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2017.04...
), como minimização do isolamento social, resultante de barreiras financeiras, e da autogestão de saúde(2424 Westland H, Bos-Touwen ID, Trappenburg JCA, Schröder CD, de Wit NJ, Schuurmans MJ. Unravelling effectiveness of a nurse-led behavior change intervention to enhance physical activity in patients at risk for cardiovascular disease in primary care: study protocol for a cluster randomized controlled trial. Trials. 2017;18(1):79. https://doi.org/10.1186/s13063-017-1823-9
https://doi.org/10.1186/s13063-017-1823-...
). No entanto, destaca-se que a enfermagem depende de perspectiva disciplinar para contribuir na projeção e articulação das ações multidisciplinares.

Assim, a TMA Enf-RCV avança na ótica coextensiva dos ambientes físicos e sociais do indivíduo que viveu o evento cardiovascular. Defende-se que os indivíduos e os grupos compartilham o poder criativo, comportam-se intencionalmente, não em sequência de causa e efeito, desvelando a existência de um holismo intrínseco, no intuito de manter a integridade e perceber a necessidade dos relacionamentos(1515 Roy SC. Roy Adaptation Model. 3th ed. Boston: Pearson, Prentice Hall; 2009). Essa abordagem, relacionada ao conceito de adaptação, vem sendo desenvolvida há décadas, de forma ampla, para produção de conhecimento, pesquisa, prática clínica, programas de educação e sistemas administrativos, especialmente após a proposição do Guide for Rehabilitation Nursing Practice (2525 Piazza D, Foote A. Roy’s Adaptation Model: a guide for rehabilitation nursing practice. Rehabil Nurs. 1990;15(5):254-9. https://doi.org/10.1002/j.2048-7940.1990.tb01488.x
https://doi.org/10.1002/j.2048-7940.1990...
).

A TMA elaborada incorporou conceitos que foram julgados como passíveis de organização conjunturalmente apropriada, bem como com características que respeitassem as evidências obtidas da análise de conceito. Destaca-se que, no processo de teorização, a seleção de conceitos apropriados é uma etapa importante, tanto para conceitualização quanto para futura operacionalização teórica. Conceitos devem ser selecionados ou desenvolvidos de forma precisa o suficiente, para garantir mensuração, em definições operacionais, ou definidos de forma a manter a clareza semântica(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.).

Ao considerar que a identificação e a definição de conceitos podem ocorrer de forma preliminar à definição dos métodos a serem usados para medição, nem todos estes devem ser operacionais(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.), ou seja, conceitos com definições abstratas podem ser igualmente importantes em uma teoria. Contudo, na TMA Enf-RCV, a natureza clínica do fenômeno tendeu a conduzir seleção por conceitos alinhados à prática. Tal propriedade permite que as definições produzidas na TMA forneçam variáveis que suportam a construção de instrumentos de mensuração, como do tipo escalas. Ainda que as definições possam ser usadas para tal propósito, sinaliza-se que, no conjunto de um construto teórico, a característica operacional para testagem é fornecida eficazmente pelas proposições teóricas.

Os pressupostos têm papel relevante, ao amparar o raciocínio lógico subjacente à escolha dos construtos e da definição de relações, sendo oportuno limitá-los a um número reduzido, quando se trata de uma teoria de médio alcance(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.-1919 Weick KE. Theory Construction as Disciplined Imagination. AMR. 1989;14(4):516-531. https://doi.org/10.2307/258556.
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). Quando a teorização ocorre em processos qualitativos de desenvolvimento, os pressupostos dependem das experiências passadas e servirão de ponto de partida para teorização(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.), o que, de certo modo, ocorreu na elaboração da mencionada teoria. Na TMA Enf-RCV, os pressupostos consideraram as experiências dos autores, os resultados dos estudos revisados e os elementos do Modelo de Adaptação de Roy (MAR).

As proposições permitem a produção de hipóteses que possam ser testadas posteriormente(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.). Para teorias recém-criadas, essa tarefa é desafiadora, como é o caso da TMA Enf-RCV. As proposições formam a interface entre a conceitualização, fundamentalmente abstrata, e a operacionalização, que possibilita caminho para o teste empírico. Entretanto, o processo de representação da prática somente alcança níveis mais confiáveis nas teorias fundamentadas em dados. Embora a TMA desenvolvida tenha utilizado a dedução e o processo de formação de conjecturas, também incorporou técnica indutiva de revisão integrativa, que subsidiou a análise de conceito. A conjugação da indução com a dedução pode ser elemento facilitador de uma ancoragem prática da teoria que facilitaria a elaboração de hipóteses derivadas das proposições, sem abandonar, contudo, o potencial de deduzir elementos de teorias mais amplas existentes.

Por exemplo, a proposição “a RCV envolve a implementação de intervenções dirigidas à pessoa, após evento cardiovascular, com vistas à reabilitação física, social e psicológica, tornando-a capaz de manter as atividades cotidianas” pode ser utilizada para investigar os efeitos de intervenções com abrangência física, social, psicológica e espiritual sobre a capacidade de uma pessoa em reabilitação cardiovascular em manter as atividades de vida diária em níveis desejáveis. Além disso, a proposição “a TMA Enf-RCV possibilita a identificação de comportamentos reabilitadores e estímulos para reabilitação de pessoas que vivenciaram um evento cardiovascular” pode ser usada para desenhar um estudo qualitativo com enfermeiros que tenham usado a teoria na prática, de forma a verificar em que medida consideram que a TMA possa ter atuado na identificação de comportamentos e estímulos para reabilitação.

A TMA Enf-RCV foi desenvolvida mediante duas faces de um problema da reabilitação cardiovascular: (1) a ausência de uma teoria de abordagem adaptativa, com características de maior integralidade que pudesse orientar o cuidado profissional; (2) a necessidade de oferecer referencial teórico capaz de subsidiar modelos e ações programáticas, guiados por teorias, diferindo da tendência de estabelecer ações e programas de intervenção em uma lógica empirista e, especialmente, distante de um enfoque de enfermagem.

Semelhantemente ao MAR(1515 Roy SC. Roy Adaptation Model. 3th ed. Boston: Pearson, Prentice Hall; 2009), o modelo da TMA Enf-RCV demonstra o evento cardiovascular como a condição que leva o paciente à necessidade de ativação de mecanismos de enfrentamento. Nesse sentido, a Enfermagem contribui para atingir a meta, no caso, a RCV, ao manipular estímulos e comportamentos, por meio da implementação de cuidados de enfermagem reabilitadores, promoção de apoio psicossocial, atuação em Programas de Reabilitação Cardiovascular Supervisionados, com terapias baseadas em exercícios associados a processos educativos.

Complementarmente, o paciente precisa, em contexto, assumir comportamento de saúde e prevenção secundária, além de gerir o próprio cuidado para adaptação. Nesse caso, a integração ambiente-pessoa influencia todo o processo de RCV e os resultados são as respostas comportamentais de reabilitação.

Do ponto de vista metodológico, os desafios de elaborar teorias de médio alcance são contínuos, pois, entre outros fatores, confronta-se com a necessidade de estabelecer as estratégias adequadas para teorização. Foi particularmente desafiador desenvolver a síntese de afirmativas, considerando que não se verificou constantemente homogeneidade nos estudos acerca de definições e conceitualizações. De fato, as respostas requeridas pela clínica tendem a impulsionar pesquisadores a sobrevalorizar as evidências de resultados práticos, sem, entretanto, manter o rigor na produção e a apresentação de definições constitutivas e operacionais. A consequência disso é que a conceitualização se torna mais difícil e, por vezes, mais sujeita a estar lidando com construtos que podem não ter plena relação com os fenômenos investigados em pesquisas primárias.

Entende-se que os limites apresentados não esvaziam a relevância da teoria construída. De fato, na conformação dessa teoria e no estado atual do conhecimento sobre o assunto, são prováveis desafios semelhantes. As teorias de enfermagem são fontes que embasam as práticas clínicas de cuidados e produzem tipos de evidências (teóricas) que validam determinadas atividades e atuam justificando, afirmando e promovendo cuidado que intenciona ser integral e humanizado, na perspectiva da TMA elaborada. Ainda se presume que, após o teste teórico, a teoria possa ser aplicada, por meio da organização metodológica e articulada do Processo de Enfermagem, previsto na fase de conceitualização e operacionalização.

Limitações do estudo

O processo de desenvolvimento da TMA Enf-RCV foi permeado por desafios conceituais e metodológicos. Do ponto de vista conceitual, ainda se observam limites da derivação plena dos elementos do Modelo de Adaptação de Roy(1515 Roy SC. Roy Adaptation Model. 3th ed. Boston: Pearson, Prentice Hall; 2009), especialmente porque o próprio campo de aplicação da teoria, a reabilitação cardiovascular, está marcado por estudos e práticas que não se pautam em um conceito de reabilitação como processo adaptativo, na perspectiva integral e totalizante do MAR. Embora a teoria tenha sido elaborada para contornar esse problema, ela mesma se torna influenciada pela realidade, o que não é incomum em disciplinas aplicadas, como a Enfermagem, as quais devem atender simultaneamente aos padrões acadêmicos e da prática(1818 Swanson RA,Thomas JC. Theory building in applied disciplines. 15th ed. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers; 2013.), não permitindo que as teorias sejam puramente conjecturais.

Contribuições para a área da Enfermagem

A TMA Enf-RCV intenciona contribuir com a enfermagem pelo ineditismo em deduzir elementos de uma grande teoria de enfermagem para produção de uma teoria de médio alcance em reabilitação cardiovascular, indicando alternativa a abordagens fundamentalmente empiricistas ou guiadas por teorias importadas de outras disciplinas.

Ademais, a conformação de médio alcance facilita a proposição de modelos de prática que possam melhor comportar uma concepção de processos adaptativos, realidade a ser considerada no bojo da validação teórica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo descreveu uma teoria de médio alcance para Enfermagem em Reabilitação Cardiovascular que tem como finalidade contribuir para descrição do processo de reabilitação cardiovascular, na perspectiva da adaptação da pessoa, da família e dos grupos, além de, consequentemente, impactar no cuidado de enfermagem implementado a pacientes no processo. Foi conceitualizada, deduzida e modelada pela aplicação de estratégias de análise de conceito, síntese de afirmativas, dedução de modelo conceitual e modelagem visual. Os procedimentos avançaram da etapa de conceitualização até a operacionalização, pela produção de proposições teóricas que guiarão futura testagem teórica.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Maria Elisabete Salvador

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2020
  • Aceito
    27 Jan 2021
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