Envelhecimento: a experiência de enfermeiras atuantes em hospital

RESUMO

Objetivos:

compreender a experiência de estar envelhecendo por meio da perspectiva de enfermeiras atuantes em ambiente hospitalar.

Métodos:

estudo descritivo com abordagem qualitativa, com entrevistas a partir de seis questões norteadoras, que foram analisadas por meio da Fenomenologia sob a ótica de Martín Heidegger.

Resultados:

participaram do estudo 11 enfermeiras com idade média de 46,2 anos. O estudo possibilitou desvelar o fenômeno do ser-enfermeiro no processo de envelhecimento. Os discursos foram divididos em três categorias: Ser-aí e as diferentes faces do envelhecimento; Ser-no-mundo do trabalho; Ser-no-mundo da velhice.

Considerações Finais:

observou-se uma tendência à busca positiva do envelhecimento e à velhice ativa, mas aspectos como medo da solidão e abandono (“Ser-no-mundo da velhice”) emergiram por meio de falas amedrontadas. Há a necessidade de educação gerontológica para que as enfermeiras possam discutir e planejar de forma adequada o processo de envelhecimento saudável e o alcance da velhice digna.

Descritores:
Envelhecimento; Envelhecimento Saudável; Pesquisa Qualitativa; Enfermeiras; Hospital

ABSTRACT

Objectives:

to understand the experience of aging in the perspective of nurses working in a hospital environment.

Methods:

descriptive study with a qualitative approach, with interviews based on six guiding questions analyzed through Martín Heidegger’s perspective on Phenomenology.

Results:

eleven nurses with a mean age of 46.2 years old participated in the study. The study unveiled the phenomenon of being a nurse in the process of aging. The speeches were divided into three categories: Being-there and the different faces of aging; Being-in-the-world of work; Being-in-the-world of old age.

Final Considerations:

there was a trend towards a positive search for aging and active old age, but aspects such as fear of loneliness and abandonment (“Being-in-the-world of old age”) emerged through fearful speeches. There is a need for gerontological education so that nurses can properly discuss and plan a healthy aging process and achieve a dignified old age.

Descriptors:
Aging; Healthy Aging; Qualitative Research; Nurses; Hospital

RESUMEN

Objetivos:

comprender la experiencia del envejecimiento según la perspectiva de enfermeras que trabajan en entornos hospitalarios.

Métodos:

se realizó un estudio descriptivo, de enfoque cualitativo, mediante entrevistas basadas en seis preguntas orientadoras, analizadas a través de la Fenomenología desde la perspectiva de Martin Heidegger.

Resultados:

participaron 11 enfermeras con edad promedio de 46,2 años. El estudio permitió desvelar el fenómeno de ser enfermera durante el proceso de envejecimiento. Las intervenciones se dividieron en tres categorías: Ser-allí y las diferentes caras del envejecimiento; Ser-en-el-mundo del trabajo; Ser-en-el-mundo de la vejez.

Consideraciones Finales:

se observó una tendencia hacia la búsqueda positiva del envejecimiento y la vejez activa, aunque con miedo a la soledad y al abandono (“Ser-en-el-mundo de la vejez”) percibidos de discursos temerosos. Es necesaria una formación gerontológica para que las enfermeras puedan discutir y planificar adecuadamente el proceso de envejecimiento saludable y la consecución de una vejez digna.

Descriptores:
Envejecimiento; Envejecimiento Saludable; Investigación Cualitativa; Enfermeras; Hospital

INTRODUÇÃO

O envelhecimento humano é comum a todos, sendo um processo natural, heterogêneo, dinâmico, multidimensional, contínuo e irreversível, que evolui de forma individual e gradativa. Esse envelhecimento, às vezes, está acompanhado de problemas de saúde que afrontam os sistemas de saúde e de previdência social¹. Porém, envelhecer está longe de caracterizar o adoecer². Todos almejam o envelhecimento e a velhice saudáveis.

O conceito de velhice bem-sucedida vem com a noção de que o requisito fundamental para uma boa velhice é a preservação do potencial para o desenvolvimento do indivíduo. Assim, um envelhecimento satisfatório está relacionado à boa qualidade no transcurso de vida do indivíduo, o que significa que o conceito não se restringe à velhice, mas considera a influência histórica de fatores ontogenéticos, socioculturais e individuais¹. Dessa forma, o envelhecimento bem-sucedido é um processo geral de adaptação^3-4.

Nesse contexto, considera-se essencial compreender a percepção dos enfermeiros sobre o envelhecimento humano e, ainda, como esses fatores contribuíram para a atuação da profissão¹. Pois a enfermagem é uma profissão estressante decorrente das relações interpessoais e da exaustiva carga de trabalho, que acarretam em inúmeras demandas emocionais e psíquicas ao enfermeiro⁵.

Particularmente, em relação ao enfermeiro que atua em unidades de internação, sabe-se que esse profissional está exposto a muitos fatores estressores em seu ambiente de trabalho, que podem influenciar a qualidade de vida e de envelhecimento desse indivíduo, visto que o profissional enfrenta desgaste físico e emocional diante das suas atividades de gerir, assistir, educar e pesquisar^1,6.

Um estudo realizado com 156 enfermeiros, que trabalhavam no ambiente hospitalar, verificou que os profissionais possuíam pouco conhecimento sobre o envelhecimento humano⁵. Na mesma direção, outra pesquisa de abordagem qualitativa objetivou identificar as concepções de 49 alunos de graduação em enfermagem sobre o envelhecimento, demonstrou que os graduandos traziam em suas concepções imagens negativas do envelhecimento, baseadas no senso comum e em estereótipos¹. Os resultados das pesquisas apontaram que os participantes apresentaram poucas referências relacionadas ao envelhecimento com qualidade e às novas possibilidades de envelhecer^1,5,7.

Nessa direção, pode-se apreender sobre a preparação dos enfermeiros para o próprio envelhecimento, possibilitando a reflexão sobre estilo de vida e comportamentos no ambiente de trabalho que impactam na qualidade de vida e na forma como os profissionais estão envelhecendo^1,5-7.

Nessa abordagem, a qualidade de trabalho e de vida dos enfermeiros impulsionam a prática assistencial da enfermagem, pois são uma parte importante dos hospitais. Portanto, favorecem a satisfação profissional, o cumprimento eficiente das metas organizacionais e as boas práticas da enfermagem⁸. Assim, será possível contribuir para que instituições de saúde compreendam a rotina de trabalho e ofereçam espaços de bem-estar aos colaboradores, visando o envelhecimento ativo e a qualidade de vida¹.

Frente ao exposto, a pergunta problema da atual pesquisa é: como os enfermeiros de ambiente hospitalar estão envelhecendo e lidando com esse processo?

OBJETIVOS

Compreender a experiência de estar envelhecendo na perspectiva de enfermeiros atuantes em ambiente hospitalar.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa respeitou as diretrizes previstas na Resolução nº. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. O projeto deste estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em agosto de 2018. Antes do início da coleta de dados, houve a leitura e a assinatura do TCLE. A identidade das participantes foi preservada com a substituição de seus nomes por nomes de flores.

Tipo de estudo e referencial teórico-metodológico

Trata-se de pesquisa qualitativa, com abordagem fenomenológica existencial heideggeriana e norteada pelas recomendações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)⁹. A construção fenomenológica tem a tarefa de esclarecer, a partir da temporalidade, a própria historicidade, na qual a história da presença estará encoberta de forma vulgar, sendo necessário interpretá-la^1,10. A construção existencial da historicidade, portanto, é conduzida por meio da interpretação do ser em sua trajetória, a sua presença e análise de cura, que ocorre no seu tempo, ou seja, na sua temporalidade¹. A partir do modo de ser deste ente que existe historicamente, nasce a possibilidade existencial de abertura e de apreensão explícita da história^1,10-12. Assim, a fenomenologia coloca como ponto de partida de sua reflexão aquele ser que se dá a conhecer imediatamente, ou seja, o próprio homem, colocando-o dentro da dimensão ontológica. O que possibilita a compreensão do ser, pois ele é aquilo que se oculta naquilo que se manifesta por meio da linguagem^1,12-14. O artigo originou-se da dissertação de mestrado intitulada “Envelhecer: a experiência de enfermeiros atuantes em unidades de internação sob abordagem fenomenológica”¹.

Procedimentos metodológicos

Cenário de estudo

A pesquisa foi realizada nas unidades de internação de hospital filantrópico, com 251 leitos, localizado na zona sul do município de São Paulo, São Paulo, Brasil¹. Nas unidades de internação, os pacientes são assistidos por uma equipe interprofissional composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, fonoaudiólogos e assistentes sociais¹.

Participantes do estudo

A escolha dos participantes foi por conveniência¹. Foram convidados enfermeiros que atuavam em unidades de internação de todos os períodos laborais, com idade a partir de 40 anos, com mais de dez anos de atuação como enfermeiros e que exerciam a função de enfermeiro no local da pesquisa. Foram excluídos os profissionais que estavam de licença médica¹. O número de participantes foi determinado durante a coleta dos dados, que se encerrou quando as informações obtidas se mostraram suficientes para a compreensão da situação estudada pelos pesquisadores¹⁵.

Coleta e análise dos dados

A coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas individuais no ambiente de trabalho, com agendamento prévio no horário em que o profissional estivesse disponível ou que lhe fosse conveniente, sem interferir na dinâmica de trabalho, em ambiente privativo da própria instituição¹.

As questões norteadoras foram: como o seu envelhecimento reflete na sua vida (existência) pessoal?; como é para você ser enfermeira e envelhecer (vivenciar o processo de envelhecimento) atuando em um ambiente hospitalar (unidades de internação)?; você alcançou os seus objetivos pessoais no decorrer do seu envelhecimento?; na sua perspectiva, os seus objetivos profissionais no ambiente hospitalar foram alcançados?; quais foram as suas estratégias de enfrentamento para o envelhecimento durante o período em que trabalhou em ambiente hospitalar?; quais são as estratégias para o planejamento da sua velhice?¹

As entrevistas aconteceram durante os meses de outubro e novembro de 2018, sendo gravadas, com duração média de 45 minutos e, posteriormente, transcritas na íntegra.

Para a categorização das entrevistas foi utilizado o tratamento dos dados fundamentado na fenomenologia heideggeriana, a partir do relato dos participantes¹. Para isso, foi realizada a leitura de cada entrevista, as transcrições dos dados foram feitas de modo que a pesquisadora transformou a linguagem do cotidiano do participante em linguagem apropriada, com ênfase no fenômeno em estudo. Em seguida, foi obtida a determinação das partes que continham o mesmo significado estruturante (a investigadora adentra na redução fenomenológica para descrever as categorias)^1,12-13.

RESULTADOS

Caracterização dos participantes

Participaram do estudo 11 enfermeiras, com média de 46,2 anos, em uma faixa etária que variou entre 41 e 79 anos. Em relação à formação das participantes, todas possuíam formação complementar em diferentes áreas de conhecimento: Administração Hospitalar, Cardiologia, Educação, Gerontologia, Unidade de Terapia Intensiva e Urgência e Emergência. O tempo de formação variou de 10 a 21 anos, prevalecendo de 10 a 15 anos. As participantes eram enfermeiras pleno, com carga de trabalho de 36 horas/ semanal.

Partindo da premissa que a análise fenomenológica se apoia no sentido das experiências vividas, para chegar à essência das vivências dos enfermeiros realizamos a categorização dos significados a partir da redução fenomenológica, seguindo as indicações de pesquisadores em fenomenologia existencial quanto à organização e à categorização do material obtido^1,12-14.

Com isso, foi possível o desvelamento de três categorias: Ser-aí e as diferentes faces do envelhecimento; Ser-no-mundo do trabalho; Ser-no-mundo da velhice e suas subcategorias mais relevantes do sentido do envelhecer sob o olhar da fenomenologia heideggeriana.

Ser-aí e as diferentes faces do envelhecimento

Emergiram falas referentes ao estar envelhecendo, o alcance da qualidade frente aos aspectos biopsicossociais e as limitações decorrentes do envelhecimento.

[...] Eu penso que a gente é o que a gente come, eu penso que estar bem fisicamente, reflete também no psicológico, eu procuro ter atividade física, eu procuro ter uma alimentação saudável, ter horas de repouso [...]. (Girassol)

[...] é muito importante a gente cuidar da saúde, cuidar dos relacionamentos interpessoais, com a família, com os profissionais de saúde, porque tudo isso vai interferir na sua saúde. (Flor de Cerejeira)

Algumas limitações vieram juntas, porque a gente envelhece, mas valeram a pena. Se colocar na balança, o positivo supera o negativo. (Tulipa)

Em relação com o alcançar dos objetivos por meio de crescimento e amadurecimento pessoal, revelou-se algo que jamais poderá ser dissociado, ou seja, ser enfermeiro e envelhecer como enfermeiro.

Eu consegui todos os meus objetivos, consegui o apartamento próprio, tudo que eu queria, e sou casada. (Flor de Cerejeira)

Eu fiz muitas coisas sim, que eu planejei, eu estudei, eu casei, tive filhos, pessoalmente eu me realizei como mãe, como mulher e como dona de casa. (Girassol)

Evidenciou-se que o Ter família e o Ter crenças religiosas proporcionam apoio e proteção para enfrentamento das dificuldades e adversidades diárias decorrentes do desgaste profissional.

O importante é saber viver com dedicação, humildade, amar e ser amado, isso é muito bom, e a família que é tudo pra você seguir em frente. (Gérbera)

[...] a gente tem de tentar se proteger um pouquinho, seja através de uma oração, seja por religião, fazer mentalização, alguma coisa [...]. (Azaleia)

A família mostrou-se como a principal ferramenta de apoio e suporte para o enfrentamento das dificuldades e adversidades diárias decorrentes do desgaste profissional.

Ter as pessoas que eu amo perto de mim, de prezar por isso durante o tempo que eu posso fazer de melhor para minha família. (Orquídea)

Eu tenho uma família muito feliz, eu tenho o apoio deles... constantemente eu estou com eles, isso me deixa muito feliz. (Flor de Lótus)

Perante o que aqui foi exposto, as redes de apoio social trazem benefícios físicos e psicológicos que podem favorecer ajustes aos desconfortos psicológicos desencadeados por estresse, como também auxiliar na recuperação de doenças ou diminuir o risco de mortalidade¹⁶.

O apoio percebido corresponde à crença de que os outros significados podem ajudar em caso de necessidade, sendo que a experiência passada nesse sentido reforçou, ou não, essa crença. Posto isto, referindo o efeito das redes sociais no próprio bem-estar psicológico e na satisfação de vida^1,17.

Ser-no-mundo do trabalho

Refletem como o que se mostra enquanto ser e estrutura de ser enfermeira. O estar no trabalho explicita-se pela realização e pela conquista profissional, refletindo positivamente no processo de envelhecimento e de novas perspectivas no trabalho.

A minha profissão me deu muitas realizações, eu acredito que faço o melhor, eu acho que sou plena, tenho convicção de que tenho plenitude nela. (Azaleia)

Eu gosto muito de trabalhar na Unidade de Internação, comecei como Auxiliar de Enfermagem, fiz o Técnico de Enfermagem, eu fiz Enfermagem, sou enfermeira, passei por todas as fases de enfermeira assistencial, enfermeira Jr., hoje eu sou enfermeira Pleno. (Crisântemo)

Eu penso que a assistência será a experiência para levar à docência, se eu migrar para essa área de atuação, a assistência será o embasamento para eu trabalhar. (Girassol)

No tocante, ao vivenciar o trabalho, alguns enfermeiros submetidos às mudanças de cargos apresentaram plasticidade diante dessas mudanças, adaptaram-se e mostraram-se flexíveis a essas transformações. Observa-se que o cuidado ao próximo envolve inúmeros aspectos e contextos, portanto, a entrega e os resultados eram mediados por sucessos e fracassos, com repercussões diretas e indiretas em vidas alheias e em suas próprias vidas, com a presença do adoecimento, levando ao estresse.

Esse passar de técnico para enfermeiro que já tem uma mudança bem drástica, que antes você tem sua experiência, que você é responsável pelo seu, a partir do momento que você passa a ser enfermeira, você passa a ser responsável pelo seu e pelos demais, responsável por sua equipe e por todo processo que depende da sua supervisão. (Margarida)

Não adianta reclamar, eu tenho de resolver a situação... e até hoje eu continuo trabalhando no mesmo ritmo, sem pensar se eu estou velha ou deixo de estar velha. (Flor de Lótus)

Gosto de fazer as coisas com perfeição, então para mim foi bem traumatizante, no começo fiquei com problema estomacal, não conseguia comer, pensando no paciente, na responsabilidade. (Margarida)

Por ser uma profissão muito puxada e estressante, a gente lida com o ser humano, a parte mais difícil da enfermagem é justamente essa, lidar com o ser humano. (Crisântemo)

Ser-no-mundo da velhice

Na tentativa de conquistar a velhice saudável, todas as entrevistadas procuraram vivenciar momentos prazerosos como repercussões para a sua velhice.

Eu quero curtir a vida, viajar bastante, e aproveitar mesmo, jamais ser velha, acomodada e depender de alguém. (Lisianthus)

Fazer uma atividade física, dançar, eu quero ser uma velhinha que vai pro Baile da Saudade [risos]. Quero namorar [risos] com certeza, eu quero passear, eu penso dessa forma. (Crisântemo)

Ao projetar a sua própria velhice diante do cuidado com o idoso, detectou-se preocupação na assistência à população idosa no decorrer dos anos trabalhados. E, assim, foi rememorado conselhos de pacientes idosos para que aproveitem a vida enquanto são jovens.

Você se percebe envelhecendo e aí - eu que trabalho na Unidade de Internação com pacientes adultos e idosos com as patologias próprias da IC [Insuficiência Cardíaca], as patologias associadas ao IC - você percebe a fragilidade mesmo. (Orquídea)

Eu tive um paciente, ele me disse: - Agora que eu me aposentei, que eu pensei que fosse curtir a vida, agora eu estou doente. Isso me impactou muito, a gente tem que viver o hoje, a gente tem que aproveitar o hoje, mas a gente tem que aproveitar o hoje com saúde e com disposição. (Crisântemo)

O planejar financeiramente para a velhice também veio à tona. Guardar um dinheiro para ter uma previdência privada (Flor de Cerejeira). Sendo assim, evidenciou-se, por meio de suas falas, a preocupação com o futuro.

[...] Eu preciso percorrer um pouco mais pra de repente ter uma velhice mais tranquila financeiramente, eu tenho um projeto de algum investimento, para que além da aposentadoria eu consiga ter outra renda pra poder ter uma velhice mais tranquila. (Hortênsia)

Verificou-se no discurso a preocupação frente ao abandono na velhice.

Tenho mentalidade que quando você tem vários filhos você acha que vai ter ajuda, e não necessariamente, a gente vê aqui no hospital. (Azaleia)

DISCUSSÃO

Sob o olhar de Heidegger, o envelhecimento determina o que é e como se é no mundo, pois o ser-aí é sempre ser, como um ente que vive e convive com outros seres aí, no sentido da existencialidade¹. Dessa forma, a partir dos discursos das participantes evidenciou-se que o envelhecimento está relacionado com a própria existência, o seu próprio modo de ser enfermeira. Sendo assim, o ser-aí será capaz de realizar as suas próprias escolhas, tomar decisões e vislumbrar possibilidades ao ser e lançar-se no mundo^1,10-11.

Ao serem lançadas no mundo, as enfermeiras que anseiam os benefícios da velhice saudável mostraram atitudes efetivas e positivas, práticas de atividades físicas e sociais, para concretização deste fim¹. Essas situações podem ser melhor compreendidas quando os indivíduos apresentam alguns fatores associados ao envelhecimento bem-sucedido: autopercepção positiva da saúde, hábitos de dança, hábitos de caminhada, ausência de comprometimento cognitivo, ausência de sintomas depressivos e polipatologia, bem como independência nas atividades da vida diária¹⁸.

O ser que cuida, necessita ser cuidado para desfrutar uma velhice bem-sucedida. Dada a importância de bons hábitos para a saúde e o bem-estar geral, existe a necessidade da formação de hábitos que podem ser promovidos por meio de análise cuidadosa dos comportamentos atuais, metas ou objetivos específicos e mensuráveis de curto prazo e um plano de ação detalhado¹⁹.

O ser-no-mundo do trabalho valoriza o processo como ato, pois ocupa um sentido ôntico. E como sentido que vai além do ato, quando preocupa-se com o envelhecimento ao longo da vida, assumindo o sentido ontológico^1,10-11. O alcance dos objetivos por meio de crescimento e amadurecimento pessoal é fator comum a todas as entrevistadas, que mostraram as conquistas, relatando-nos os exemplos de lutas, determinação e perseverança¹. Esse alcance pode ser conquistado por meio de estratégias: liderar a si mesmo por meio da aprendizagem, liderar outras pessoas por meio do desenvolvimento de relacionamentos, liderar organizações por meio da excelência e alcançar integração entre vida profissional e pessoal²⁰.

Para o ser-no-mundo da velhice, a família mostrou-se como a principal ferramenta de apoio e suporte para enfrentamento das dificuldades e adversidades diárias decorrentes do desgaste profissional¹. As redes de apoio pessoal do indivíduo representam um recurso importante de apoio social a longo prazo, sendo que a sua extensão depende de fatores sociodemográficos, fatores culturais e fatores da personalidade²¹.

Em relação à religiosidade e à espiritualidade, ambas podem estar associadas a uma maior resiliência, principalmente na velhice e, ainda, proporcionaram emoções positivas mais frequentes, maior satisfação com a vida e condições crônicas menos graves²². Ainda, trazem profundas consequências para o atendimento de pacientes e para as organizações de trabalho²³.

Segundo Heidegger, no contexto de como ser-no-mundo do trabalho, ao descrever fenomenologicamente, o “mundo” significa: mostrar e fixar em uma categoria conceitual o ser dos entes, modo de ser, que simplesmente se dão dentro do mundo¹. Assim, mundo é o caráter da própria presença.

As enfermeiras sentiram-se realizadas com suas escolhas e conquistas profissionais, o que refletiu positivamente no processo de envelhecimento, pois mostraram-se engajadas e motivadas diante de novas possibilidades e futuras conquistas¹. Ter conquistado profissionalmente os objetivos traz elementos positivos para o processo^1,17.

Expressivas falas reforçaram os motivos que as levaram a iniciarem e prosseguirem nesse mercado profissional, visto que verbalizaram sentimentos de gratidão, dedicação e determinação relacionados às escolhas e às decisões tomadas no decorrer de suas vidas, bem como as repercussões em seu envelhecimento¹. O fortalecimento das capacidades cognitivas dos indivíduos por meio de educação (ser formado em algo que gosta), motivação e atividades relacionadas à saúde, assim como a formação e a manutenção de redes sociais, são fatores importantes na construção do envelhecimento bem-sucedido^1,17,24.

A segurança, a notoriedade e os recursos oferecidos por essa instituição privada remetem para essas enfermeiras a autorrealização profissional¹. A maioria mostrou-se privilegiada e diferenciada em uma sociedade marcada pelas diferenças dos serviços de saúde¹. Durante a trajetória de vida, esse olhar retrospectivo marcado pela satisfação no trabalho é essencial, pois pode proporcionar estratégias que conduzam as pessoas a trabalhar com entusiasmo, criatividade e motivação²⁵.

Algumas enfermeiras submetidas às modificações de cargos apresentaram plasticidade diante das mudanças, adaptaram-se e mostraram-se flexíveis a essas transformações. Há aquelas que vislumbravam com naturalidade essas possibilidades, buscavam aprimoramentos e almejavam ascensão profissional¹. Negavam a estagnação¹.

O reconhecimento sobre o cuidado prestado ao próximo envolveu inúmeros aspectos e contextos, portanto, a entrega e os resultados eram mediados por sucessos e fracassos, com repercussões diretas e indiretas em vidas alheias e em suas próprias vidas. As contradições entre a livre escolha profissional, o desgaste constante e a entrega dos melhores resultados tornam essa profissão árdua com consequentes repercussões físicas, emocionais, sociais e pessoais, ou seja, no envelhecimento e na velhice¹. A rotina do trabalho é árdua, assim como lidar com o paciente, além disso, a valorização nem sempre está presente^1,26.

Algumas veem-se tão inseridas no contexto profissional, esquecendo-se do próprio cuidado, muitas vezes resultando na perda do equilíbrio físico e mental, acarretando no adoecimento do corpo¹. O esgotamento dos enfermeiros hospitalares é estatisticamente significativo, quando relacionado às variáveis demográficas, por exemplo, idade e sexo; estressores externos/situacionais, como gerenciamento de enfermeiros no nível da unidade e relacionamento médico-enfermeiro; as características pessoais internas, como estilo de enfrentamento e autoavaliações essenciais²⁷. Nesse contexto, existe a necessidade de líderes hospitalares encontrarem maneiras de reduzir o estresse relacionado ao trabalho do enfermeiro, visando propiciar a resiliência dos enfermeiros²⁸.

No que diz respeito a como ser-no-mundo da velhice, os relatos demonstraram que essa fase de vida muitas vezes surge como a possibilidade de vivenciar o envelhecimento como uma etapa da vida prazerosa e gratificante, propiciando realizações de projetos e sonhos pessoais^1,29. Sabe-se que a integração das experiências de vida está relacionada ao envelhecimento bem-sucedido^30-31.

Algumas participantes julgaram como altamente relevante a preservação de sua identidade, da sua capacidade funcional e do seu poder de decisão. Preocuparam-se em esclarecer que as possíveis dependências físicas, sociais, psicológicas e espirituais trariam a perda de sua dignidade. O respeito à autonomia é fundamentado na defesa da liberdade de escolha individual, como também a capacidade de manter o poder de decisão do controle da sua vida, trazendo benefícios a sua qualidade de vida^1,32.

Nessa linha de pensamento destacou-se que o paradigma da velhice ativa, que domina os discursos atuais, deve ser problematizado, tendo em vista as novas modalidades de inserção no mercado de trabalho que privilegiam menos a força física e mais os dotes da inteligência¹. Ter uma velhice ativa tem a ver com escolhas de fazer ou não as atividades que gosta^1,33.

Outro aspecto percebido foi o medo do abandono e da solidão. A solidão está ainda mais fortemente relacionada com a qualidade do que com a quantidade das relações sociais¹. Mais importante do que simplesmente estar com outros, parece ser estar com outros que nos valorizem, em quem possamos confiar e com quem possamos comunicar^1,34.

O projetar a sua própria velhice diante do cuidado com o idoso foi destacado pelas enfermeiras ao demonstrarem preocupação na assistência à população idosa no decorrer dos anos trabalhados, ou seja, que perceberam o envelhecimento ao se depararem com o envelhecimento do outro^1,26.

Algumas relataram planejamento financeiro consistente, tendo uma reserva financeira para a velhice, porém, outras efetivamente ainda não o planejaram¹. Nessa perspectiva, a independência financeira tornou-se relevante³⁴.

Assim, por meio da fenomenologia heideggeriana, foi possível compreender parte do sentido e o significado de estar envelhecendo na perspectiva das enfermeiras atuantes em unidades de internação¹. A fenomenologia coloca como ponto de partida de sua reflexão aquele ser que se dá a conhecer imediatamente, ou seja, o próprio homem, colocando-o dentro de uma dimensão ontológica (modo de ser no mundo). O que possibilita a compreensão do ser, pois ele é aquilo que se oculta naquilo que se manifesta por meio da linguagem^33-34.

Limitações do estudo

Considerou-se que uma das limitações do estudo foi o fato de entrevistar apenas enfermeiras, pois as diferenças de gênero podem interferir no modo de como cada indivíduo compreende o seu processo de envelhecimento e a velhice. O estudo apresenta como limitação o fato de o recorte ser de apenas unidades de internação de um único hospital. Frente a essas limitações, são desejáveis estudos mais amplos e que incluam cenários em realidades mais diversificadas.

Contribuições para a área de enfermagem e saúde

Compreender acerca do significado do envelhecimento e da velhice por meio dos relatos das participantes talvez seja um caminho que permita aos enfermeiros planejarem estratégias fundamentadas na realidade e que proporcione a manutenção da autonomia e da independência da sua pessoa, do idoso e, ainda, da equipe de enfermagem. Além de ter como parâmetro a compreensão das alterações decorrentes do envelhecimento, refletidas na velhice, possibilitando a melhoria da qualidade de vida, consoante às condições de saúde em que a pessoa se encontra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentes formas de compreensão foram relatadas pelas enfermeiras no que tange à experiência de estar envelhecendo e às perspectivas para a velhice.

Por fim, observou-se uma tendência à busca positiva do envelhecimento e à velhice ativa, mas aspectos como medo da solidão e do abandono (ser-no-mundo da velhice) destacam-se nos discursos por meio de falas amedrontadas sobre esses aspectos. Diante dessa possibilidade e de realidades cruéis que podem estar destinadas à pessoa idosa, observam-se as estratégias desses profissionais na preservação, na consolidação do vínculo familiar, na crença religiosa, no planejamento financeiro, no aprendizado por meio de ensinamentos dos pacientes idosos e nas atividades de promoção da saúde.

Contudo, a educação gerontológica e seu vasto campo interdisciplinar podem trazer contribuições às transformações dos profissionais de enfermagem diante dos manejos assistenciais no âmbito profissional, bem como em suas próprias experiências pessoais vivenciadas, incluindo o cuidado com o seu próprio envelhecimento.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jul 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  07 Jan 2021
• Aceito
  01 Mar 2021