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Funcionalidade familiar e sobrecarga de familiares cuidadores de usuários com transtornos mentais

RESUMO

Objetivo:

verificar a diferença de média ou de mediana nos escores de funcionalidade familiar e de sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental.

Métodos:

estudo transversal realizado em Centro de Atenção Psicossocial, com 61 cuidadores familiares. Utilizaram-se instrumentos para caracterização sociodemográfica, do processo de cuidar, Índice Apgar de Família e Family Burden Interview Schedule. Adotaram-se testes de diferença de média/mediana.

Resultados:

mulher com transtorno mental e presença de crianças na residência diminuíram a mediana do escore de Apgar familiar. Dificuldade de relacionamento entre cuidador/usuário, nervosismo/tensão, agressividade física e agitação do paciente aumentaram a média global de sobrecarga subjetiva.

Conclusões:

as intervenções de enfermagem para diminuição da sobrecarga e promoção da funcionalidade familiar devem priorizar cuidadores de mulheres com transtorno mental, auxiliá-los no manejo dos comportamentos problemáticos e sensibilizar o núcleo familiar para a corresponsabilidade pelo cuidado do ente adoecido, sobretudo nas famílias com crianças que demandam cuidados diários.

Descritores:
Família; Cuidadores; Transtornos Mentais; Saúde da Família; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to verify the difference of mean or median in the scores of family functionality and burden of family caregivers of people with mental disorders.

Methods:

cross-sectional study carried out in a Psychosocial Care Center with 61 family caregivers. Instruments were used for sociodemographic characterization, care process, Family Apgar Index and Family Burden Interview Schedule. Mean/median difference tests were adopted.

Results:

women with mental disorders and the presence of children in the home decreased the median of the family Apgar score. Difficulty in the relationship between caregiver/user, nervousness/tension, physical aggression and agitation of patients increased the global average of subjective burden.

Conclusions:

nursing interventions to reduce burden and promote family functionality should prioritize caregivers of women with mental disorders, assist them in managing troublesome behaviors and raising awareness of family nucleus to co-responsibility for caring for sick people, especially in families with children who demand daily care.

Descriptors:
Family; Caregivers; Mental disorders; Family Health; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

verificar la diferencia de media o mediana en las puntuaciones de funcionalidad familiar y sobrecarga de los cuidadores familiares de personas con trastornos mentales.

Métodos:

estudio transversal realizado en un Centro de Atención Psicosocial, con 61 cuidadores familiares. Se utilizaron instrumentos para la caracterización sociodemográfica, el proceso de cuidado, el Índice de Apgar Familiar y el Family Burden Interview Schedule. Se adoptaron pruebas de diferencia de media/mediana.

Resultados:

las mujeres con trastornos mentales y la presencia de hijos en el hogar disminuyeron la mediana del Apgar familiar. La dificultad en la relación entre cuidador/usuario, nerviosismo/tensión, agresión física y agitación del paciente aumentaron el promedio global de carga subjetiva.

Conclusiones:

las intervenciones de enfermería para reducir la carga y promover la funcionalidad familiar deben priorizar a los cuidadores de mujeres con trastornos mentales, asistirlos en el manejo de conductas problemáticas y sensibilizar al núcleo familiar sobre la corresponsabilidad del cuidado del enfermo, especialmente en familias con niños que demandan cuidados diarios.

Descriptores:
Familia; Cuidadores; Transtornos Mentales; Salud de la Familia; Enfermería

INTRODUÇÃO

A Reforma Psiquiátrica brasileira (RPB) e a implementação do processo de desinstitucionalização propuseram novo modelo de cuidado em saúde mental em serviços substitutivos dentro do território em detrimento do modelo hospitalocêntrico, com ênfase na reinserção social e na maior participação da família no cuidado à pessoa com transtorno mental. Assim, o contexto familiar se torna o ambiente primordial para a implementação de intervenções voltadas para a reabilitação psicossocial do sujeito com a inclusão da família de forma ativa na construção e execução do projeto terapêutico(11 Porto LFA, Bandeira M, Oliveira M. Sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos: relação com a resiliência. Interação Psicol. 2019;23(3):346-56. https://doi.org/10.5380/psi.v23i3.56750
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2 Martins PPS, Guanaes-Lorenzi C. Participação da família no tratamento em saúde mental como prática no cotidiano do serviço. Psicol Teor Pesqui. 2016;32(4):e324216. https://doi.org/10.1590/0102.3772e324216
https://doi.org/10.1590/0102.3772e324216...
-33 Baptista JA, Camatta MW, Filippon PG, Schneider JF. Projeto terapêutico singular na saúde mental: uma revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180508. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0508
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).

Com vistas a garantir o cuidado territorializado às pessoas com transtorno mental e seus familiares, foi criada a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), por meio da Portaria nº 3.088/2011. A RAPS é composta pelos seguintes componentes: I - atenção básica em saúde; II - atenção psicossocial especializada; III - atenção de urgência e emergência; IV - atenção residencial de caráter transitório; V - atenção hospitalar; VI - estratégias de desinstitucionalização; VII - reabilitação psicossocial(44 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 30 de dezembro de 2011; Seção 1.).

Dentre os componentes citados, a atenção básica (Unidade Básica de Saúde - UBS) e a atenção psicossocial especializada (Centro de Atenção Psicossocial - CAPS) são ordenadores do cuidado, devendo garantir permanente processo de cogestão e acompanhamento longitudinal dos casos(44 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 30 de dezembro de 2011; Seção 1.). Nesse sentido, os CAPS são serviços constituídos por uma equipe multiprofissional que atua na perspectiva da clínica ampliada e compartilhada, articulado aos demais dispositivos da RAPS, com atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo semi-intensivo e não intensivo. O cuidado, no âmbito do CAPS, é desenvolvido por intermédio de Projeto Terapêutico Singular (PTS), construído de forma coletiva com envolvimento do usuário e de sua família(44 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 30 de dezembro de 2011; Seção 1.).

A família tem sido considerada um núcleo estratégico de cuidado dentro do modelo de atenção psicossocial, com impactos positivos, como quebra do paradigma e preconceitos, aproximação da família com o tratamento e serviços de saúde, e, principalmente, reinserção da pessoa com transtorno mental na sociedade, com maior autonomia e respeito diante o convívio social(55 Bezerra KMG, Leandro ACC, Brito MGJP, Oliveira SRPB, Silva TTM, Frazão IS. Repercussions of Mental Disorders in the family context. AJPRR [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 25];3(14). Available from: https://escipub.com/Articles/AJPRR/AJPRR-2020-02-0905.pdf
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-66 Salles MM, Barros S, Santos JC. Family relationships of people with mental health problems: processes of social exclusion and inclusion Rev Enferm UERJ. 2019;27:e26923. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.26923
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).

Significativas mudanças podem ser necessárias na organização familiar ao assumir o papel de participante no processo de cuidar da pessoa com transtorno mental. É importante destacar que a transformação do modelo de cuidado no âmbito da saúde mental, com enfoque na reinserção social e participação da família, ainda deixa lacunas na assistência no tocante à vivência da comunidade com os serviços de saúde em psiquiatria. Por vezes, os familiares não se sentem preparados para cuidar de seu parente em sofrimento mental, fator que pode interferir na funcionalidade da família. Nesse sentido, o núcleo familiar deve ser capacitado para lidar com modificações na rotina diária, comportamentos problemáticos e, eventualmente, agressivos, o que pode acarretar sobrecarga(22 Martins PPS, Guanaes-Lorenzi C. Participação da família no tratamento em saúde mental como prática no cotidiano do serviço. Psicol Teor Pesqui. 2016;32(4):e324216. https://doi.org/10.1590/0102.3772e324216
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,66 Salles MM, Barros S, Santos JC. Family relationships of people with mental health problems: processes of social exclusion and inclusion Rev Enferm UERJ. 2019;27:e26923. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.26923
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).

A funcionalidade familiar é representada pelas relações harmônicas e pela forma como os integrantes de uma família se relacionam entre si e com os outros, com vistas ao equilíbrio familiar. Dessa forma, a família pode ser considerada funcional ou disfuncional(77 Souza RA, Costa GD, Yamashita CH, Amendola F, Gaspar JC, Alvarenga MRM, et al. Funcionalidade familiar de idosos com sintomas depressivos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):469-76. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300012
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). A família funcional ou madura é aquela que consegue vivenciar os conflitos e momentos críticos com estabilidade emocional, convivendo de forma harmônica e independente, mantendo o compromisso entre seus membros(77 Souza RA, Costa GD, Yamashita CH, Amendola F, Gaspar JC, Alvarenga MRM, et al. Funcionalidade familiar de idosos com sintomas depressivos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):469-76. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300012
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), e, portanto, desempenha um papel importante no cuidado à pessoa com transtorno mental. Já nas relações familiares disfuncionais ou imaturas, são priorizados os interesses de âmbito individual em detrimento do grupo familiar. Em momentos de crise, há a culpabilização dos familiares que não conseguem assumir suas funções dentro do ambiente familiar e possuem vínculo superficial, podendo, inclusive, apresentar comportamentos agressivos e hostis(77 Souza RA, Costa GD, Yamashita CH, Amendola F, Gaspar JC, Alvarenga MRM, et al. Funcionalidade familiar de idosos com sintomas depressivos. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):469-76. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300012
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).

Considerando o papel de destaque assumido pela família no cuidado à pessoa com transtorno mental no cenário pós-reforma psiquiátrica, observa-se a necessidade de estudos voltados para os cuidadores de pessoas com transtorno mental ou sofrimento psíquico, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde há maior deficiência serviços de saúde voltados à assistência especializada a usuários com adoecimento mental e seus cuidadores, uma vez que o processo de cuidar pode impactar negativamente a vida social e profissional do cuidador, sua rotina diária, relacionamento com o paciente, qualidade de vida e acarretar problemas na funcionalidade familiar em virtude da sobrecarga e da dificuldade para lidar com os comportamentos inerentes ao transtorno mental(88 Ae-Ngibise KA, Doku VC, Asante KP, Owusu-Agyei S. The experience of caregivers of people living with serious mental disorders: a study from rural Ghana. Glob Health Action. 2015;8:26957. https://doi.org/10.3402/gha.v8.26957
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9 Oliveira EM. Cordeiro ESM, Lima D, Linhares AMF. Family needs a break: it takes care of people with mental disorder. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(1):71-8. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i1.71-78
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10 Batista CF, Bandeira M, Oliveira DR. Fatores associados à sobrecarga subjetiva de homens e mulheres cuidadores de pacientes psiquiátricos. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(9):2857-66. https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.03522014
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11 Kizilimark B, Kuçuk L. Care burden level and mental health condition of the families of individuals with mental disorders. Arch Psychiatr Nurs. 2016;30:47-54. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2015.10.004
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-1212 Campana MC, Soares MH. Familiares de pessoas com esquizofrenia: sentimentos e atitudes frente ao comportamento agressivo. Cogitare Enferm [Internet]. 2015 [cited 2020 Dec 29];20(2):338-44. Available from: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1266/40374-157249-1-pb.pdf
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).

Diante do exposto, faz-se necessário a produção do conhecimento científico acerca da sobrecarga do cuidador familiar, do funcionamento das famílias de pessoas com transtorno mental e dos respectivos fatores relacionados com esses fenômenos, uma vez que tais evidências podem subsidiar as intervenções de enfermagem em educação em saúde voltadas para essas famílias, sobretudo para os seus cuidadores, e para a educação permanente dos profissionais que prestam cuidados diariamente para esses usuários, especialmente os enfermeiros.

A atuação do enfermeiro pode melhorar a experiência do cuidador por meio da educação em saúde, da escuta e do respeito ao sujeito em sofrimento mental(1313 Braga FS, Olschowsky A, Wetzel C, Silva AB, Nunes CK, Botega MSX. Nurse’s means of work in the articulation of the psychosocial care network. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41(spe):e20190160. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190160
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). O aprendizado sobre a doença e formas de enfrentamento que proporcionem uma melhor qualidade de vida ao grupo familiar podem diminuir a sobrecarga que a doença causa no contexto familiar e melhorar o funcionamento da família(1313 Braga FS, Olschowsky A, Wetzel C, Silva AB, Nunes CK, Botega MSX. Nurse’s means of work in the articulation of the psychosocial care network. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41(spe):e20190160. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190160
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-1414 Gomes MLP, Silva JCB, Batista EC. Escutando quem cuida: quando o cuidado afeta a saúde do cuidador em saúde mental. Rev Psicol Saúde. 2018;10(1):3-7. https://doi.org/10.20435/pssa.v10i1.530
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).

A hipótese deste estudo é de que fatores de natureza sociodemográfica e do processo de cuidar são capazes de trazer mudanças nos escores em termos de média ou de mediana, de funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidados familiares de pessoas com transtorno mental.

OBJETIVO

Verificar a diferença de média ou de mediana nos escores de funcionalidade familiar e de sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de estudo transversal realizado em um CAPS, tipo II, localizado no interior de Pernambuco, Brasil, no período de abril a maio de 2019. A pesquisa foi organizada de acordo com o STROBE checklist: cross-sectional studies.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população foi composta por cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental atendidas no referido CAPS. Quanto à estimativa amostral, considerou-se população finita; Z22 Martins PPS, Guanaes-Lorenzi C. Participação da família no tratamento em saúde mental como prática no cotidiano do serviço. Psicol Teor Pesqui. 2016;32(4):e324216. https://doi.org/10.1590/0102.3772e324216
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α = 1,96; proporção de ocorrência do fenômeno de interesse = 50,0%; erro amostral de 10,0% (0,01). Assim, a amostra foi estimada em 61 participantes. Os cuidadores familiares foram selecionados à medida que preencheram os critérios de inclusão: autodeclaração de ser cuidador principal do usuário do CAPS e ter idade maior ou igual a 18 anos. Participantes sem alfabetização foram entrevistados pelo pesquisador responsável que, por sua vez, preencheu os instrumentos de pesquisa com base nas respostas dadas. Foram excluídos familiares cuidadores que apresentaram alguma condição clínica que impossibilitasse de responder os instrumentos de pesquisa, mesmo com o auxílio do pesquisador, e/ou receberam algum tipo de remuneração financeira pelo cuidado prestado que caracterizasse cuidador formal.

Protocolo do estudo

Os dados foram coletados por meio de entrevista com o familiar cuidador. A coleta ocorreu em espaço reservado do serviço de saúde a fim de garantir privacidade do participante e evitar possíveis constrangimentos. Quanto aos instrumentos de coleta de dados, utilizaram-se: formulário para caracterização sociodemográfica do cuidador (gênero, idade, estado civil, renda familiar, anos de estudo, ocupação, tipo de residência, presença de crianças no mesmo domicílio, número de pessoas na mesma casa); formulário sobre o processo de cuidar elaborado a partir de estudos anteriores(88 Ae-Ngibise KA, Doku VC, Asante KP, Owusu-Agyei S. The experience of caregivers of people living with serious mental disorders: a study from rural Ghana. Glob Health Action. 2015;8:26957. https://doi.org/10.3402/gha.v8.26957
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9 Oliveira EM. Cordeiro ESM, Lima D, Linhares AMF. Family needs a break: it takes care of people with mental disorder. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2017;9(1):71-8. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i1.71-78
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10 Batista CF, Bandeira M, Oliveira DR. Fatores associados à sobrecarga subjetiva de homens e mulheres cuidadores de pacientes psiquiátricos. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(9):2857-66. https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.03522014
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11 Kizilimark B, Kuçuk L. Care burden level and mental health condition of the families of individuals with mental disorders. Arch Psychiatr Nurs. 2016;30:47-54. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2015.10.004
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-1212 Campana MC, Soares MH. Familiares de pessoas com esquizofrenia: sentimentos e atitudes frente ao comportamento agressivo. Cogitare Enferm [Internet]. 2015 [cited 2020 Dec 29];20(2):338-44. Available from: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1266/40374-157249-1-pb.pdf
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,1515 Silva MJ, Victor JF, Mota FRN, Soares ES, Leite BMB, Oliveira ET. Analysis of psychometric properties of family APGAR with elderly in northeast Brazil. Esc Anna Nery. 2014;18(3):527-32. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140075
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-1616 Bandeira M, Calzavara MGP, Castro I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2008;57(2):98-104. https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800020000313
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) )(atividade de lazer, problema de saúde, realização de tratamento para o respectivo problema, grau de parentesco com a pessoa que recebe os cuidados, tempo de cuidado, necessidade de auxílio para realizar o cuidado, auxílio da pessoa com transtorno mental nas atividades diárias, comportamentos problemáticos apresentados pelo familiar que recebe o cuidado, controle sobre os comportamentos apresentados, nível de satisfação ao cuidar, qualidade da relação entre cuidador familiar e pessoa com transtorno mental - muito boa/boa/ruim, e recebimento de orientação sobre a doença do familiar); Índice APGAR de Família(1515 Silva MJ, Victor JF, Mota FRN, Soares ES, Leite BMB, Oliveira ET. Analysis of psychometric properties of family APGAR with elderly in northeast Brazil. Esc Anna Nery. 2014;18(3):527-32. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140075
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); Family Burden Interview Schedule, versão adaptada e validada para população brasileira (FBIS-BR)(1616 Bandeira M, Calzavara MGP, Castro I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2008;57(2):98-104. https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800020000313
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).

Sobre os comportamentos apresentados pelos usuários com transtorno mental, foram listados aqueles mais frequentemente relatados pelos cuidadores familiares, a saber: agressividade física, problemas relativos à sexualidade, quebrar objetos, ameaças/agressão verbal, demandar atenção continuamente, agitação, recusar a medicação, nervosismo, falta de higiene, solilóquio e tabagismo. Tais comportamentos foram questionados aos familiares durante a entrevista por meio da pergunta: quais são os comportamentos de seu familiar que mais lhe incomodam? Quanto ao nível de satisfação ao cuidar, os cuidadores avaliaram a qualidade da relação com o familiar que recebe cuidado por meio de uma escala de satisfação, a saber: insatisfeito, satisfeito e muito satisfeito.

O Índice APGAR de Família avalia a funcionalidade familiar independente do ciclo de vida em que ela se encontra. Sua aplicação permite detectar a presença de disfunção familiar, o que viabiliza o planejamento de intervenções que favoreçam o reestabelecimento do equilíbrio nas relações que existem entre os membros de uma família(1515 Silva MJ, Victor JF, Mota FRN, Soares ES, Leite BMB, Oliveira ET. Analysis of psychometric properties of family APGAR with elderly in northeast Brazil. Esc Anna Nery. 2014;18(3):527-32. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140075
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). Esse instrumento mensura a satisfação por meio de cinco domínios: adaptation (adaptação), partnership (companheirismo), growth (desenvolvimento), affection (afetividade) e resolve (capacidade resolutiva)(1515 Silva MJ, Victor JF, Mota FRN, Soares ES, Leite BMB, Oliveira ET. Analysis of psychometric properties of family APGAR with elderly in northeast Brazil. Esc Anna Nery. 2014;18(3):527-32. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140075
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).

As respostas são dadas por meio das seguintes alternativas: sempre (2), algumas vezes (1) e nunca (0). Os resultados adquiridos com a aplicação da escala são convertidos em escores a partir da soma dos valores obtidos em cada um dos cinco domínios. A pontuação total varia de 0 a 10. O somatório dos itens concebe o nível de satisfação familiar, sendo: de 0 a 4 (acentuada disfunção familiar), de 5 a 6 (moderada disfunção) e de 7 a 10 (boa funcionalidade)(1515 Silva MJ, Victor JF, Mota FRN, Soares ES, Leite BMB, Oliveira ET. Analysis of psychometric properties of family APGAR with elderly in northeast Brazil. Esc Anna Nery. 2014;18(3):527-32. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140075
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201400...
,1717 Vera I, Lucchese R, Munari DB, Nakatani AYK. Índex APGAR de Família na avaliação de relações familiares do idoso: revisão integrativa. Rev Eletr Enf. 2014;16(1):199-210. https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.22514
https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.22514...
). O uso desse índice na atenção básica tem sido recomendado devido à capacidade de avaliação das unidades familiares e da detecção de mau funcionamento do sistema familiar. A versão traduzida e validada para a população de idosos do nordeste brasileiro se mostrou confiável (α=0,80) e válida para rastreamento de problemas relacionados com funcionalidade familiar(1515 Silva MJ, Victor JF, Mota FRN, Soares ES, Leite BMB, Oliveira ET. Analysis of psychometric properties of family APGAR with elderly in northeast Brazil. Esc Anna Nery. 2014;18(3):527-32. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140075
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).

Sobre a FBIS - BR, trata-se de escala do tipo Likert composta por 70 itens, dos quais 45 se referem à avaliação da sobrecarga apresentada pelos familiares cuidadores de usuários com transtorno mental nos últimos 30 dias de convívio. A escala está organizada em duas dimensões: objetiva (21 questões) e subjetiva (24 questões). A sobrecarga objetiva é avaliada por meio das subescalas Assistência na vida cotidiana (subescala A), Supervisão aos comportamentos problemáticos (subescala B) e Impacto nas rotinas diárias (subescala D). Quanto à sobrecarga subjetiva, tem-se as subescalas: Assistência na vida cotidiana (subescala A), Supervisão aos comportamentos problemáticos (subescala B) e Preocupações com o paciente pelo familiar (subescala E). A FBIS - BR possui ainda a subescala relacionada com Gastos financeiros (subescala C), que, embora não seja utilizada no cálculo dos escores totais de sobrecarga, fornece informações adicionais a respeito das despesas que o familiar teve com o paciente e qual o peso disso para o orçamento da família(1616 Bandeira M, Calzavara MGP, Castro I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2008;57(2):98-104. https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800020000313
https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800...
,1818 Bandeira M, Calzavara MGP, Freitas LC, Barroso SM. Family Burden Interview Scale for relatives of psychiatric patients (FBIS-BR): reliability study of the Brazilian version. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):47-50. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000015
https://doi.org/10.1590/S1516-4446200600...
). O instrumento apresentou boas propriedades psicométricas para população brasileira, com estabilidade temporal e adequada consistência(1616 Bandeira M, Calzavara MGP, Castro I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2008;57(2):98-104. https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800020000313
https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800...
,1818 Bandeira M, Calzavara MGP, Freitas LC, Barroso SM. Family Burden Interview Scale for relatives of psychiatric patients (FBIS-BR): reliability study of the Brazilian version. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):47-50. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000015
https://doi.org/10.1590/S1516-4446200600...
).

Para a avaliação da sobrecarga objetiva (subescalas A, B e D), utilizaram-se os seguintes parâmetros: frequência de assistências e supervisões do familiar no cuidado cotidiano com o paciente e frequência de alterações na rotina de sua vida. Cada item é avaliado a partir da quantidade de vezes que o paciente demandou seu cuidado: 1 - nenhuma vez; 2 - menos que uma vez por semana; 3 - uma ou duas vezes por semana; 4 - de três a seis vezes por semana; 5 - todos os dias(1616 Bandeira M, Calzavara MGP, Castro I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2008;57(2):98-104. https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800020000313
https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800...
,1818 Bandeira M, Calzavara MGP, Freitas LC, Barroso SM. Family Burden Interview Scale for relatives of psychiatric patients (FBIS-BR): reliability study of the Brazilian version. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):47-50. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000015
https://doi.org/10.1590/S1516-4446200600...
). Com relação à sobrecarga subjetiva (subescalas A, B, C e E), foram analisados os seguintes parâmetros: preocupações que o familiar apresenta em relação ao paciente e nível de incômodo acarretado pela função de cuidador. As respostas utilizadas para avaliação em relação às preocupações desse familiar foram: 1 - nunca; 2 - raramente; 3 - às vezes; 4 - frequentemente; 5 - sempre ou quase sempre. Para verificação do nível de incômodo pela função de cuidador, avaliou-se a frequência das seguintes respostas: 1 - nem um pouco; 2 - muito pouco; 3 - um pouco; 4 - muito(1616 Bandeira M, Calzavara MGP, Castro I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2008;57(2):98-104. https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800020000313
https://doi.org/10.1590/S0047-2085200800...
,1818 Bandeira M, Calzavara MGP, Freitas LC, Barroso SM. Family Burden Interview Scale for relatives of psychiatric patients (FBIS-BR): reliability study of the Brazilian version. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):47-50. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000015
https://doi.org/10.1590/S1516-4446200600...
). O escore global de sobrecarga objetiva e subjetiva foi calculado a partir das médias em cada subescala relacionada com a respectiva sobrecarga.

Análise dos dados e estatística

Os dados foram digitados e armazenados uma planilha do Microsoft (®) Office Excel, versão 2016.0 for Windows e exportados para o programa SPSS, versão 18.0, para análise estatística. Inicialmente, foi realizada análise descritiva por meio de frequências absolutas e relativas. A normalidade das variáveis numéricas foi testada por meio do teste Kolmogorov-Smirnov. Para verificar associações entre variáveis sociodemográficas e do processo de cuidar, aplicou-se o Teste Qui-Quadrado ou Exato de Fisher de acordo com as frequências observadas e esperadas. Quanto à verificação de diferença de média/mediana dos escores da FBIS - BR e do Índice de Apgar Familiar entre grupos, utilizaram-se Teste T para diferença de média, Teste U de Mann-Whitney, Teste de Mediana e Teste de Kruskal-Wallis. Foi adotado o nível de significância de 5,0% para análise dos resultados.

RESULTADOS

Os cuidadores apresentaram, em média, 46,44 anos de idade (±16,20), com maior percentual na faixa etária de 25 a 59 anos (adulto) (n=40; 65,6%). A média de anos de estudo foi de 7,303 (±4,817), e somente 4,9% referiu mais de 15 anos de estudo. Quanto ao gênero, 52,7% (n=32) são mulheres, 55,7% vivem com companheiro (n=34), 50,8% recebem renda familiar de um salário-mínimo (R$ 998,00) (n=31) e 70,5% residem em imóvel próprio (n=43). Aproximadamente 28,0% (n=17) informaram estar desempregada, 29,5% (n=18) eram do lar e 19,7% (n=12) recebem aposentadoria. A média de pessoas morando na mesma casa foi de 3,64. Percentual de 49,1% (n=30) reside com quatro a seis pessoas na mesma residência. O grau de parentesco mais frequente do cuidador foi irmã(o) (n=21; 34,4%) e mãe (n=19; 31,1%).

Sobre os dados referentes ao processo de cuidar da pessoa com transtorno mental, observou-se que 18,0% exercem a função de cuidador há menos de um ano, 34,43%, na faixa de um a cinco anos, 9,84%, de seis a dez anos, 9,84%, de 11 a 15 anos, 14,75%, de 16 a 20 anos e 13,11%, há mais de 20 anos. Acima da metade dos cuidadores tem alguma ajuda para cuidar do familiar doente (n=35; 57,4%), 62,3% recebeu orientação sobre a patologia apresentada pelo usuário (n=38) e 67,2% referiu satisfação em cuidar (n=41). Somente 6,6% (n=4) classificou o relacionamento com o paciente como ruim. Observou-se que 47,5% (n=29) dos usuários auxiliam nas atividades domésticas e aproximadamente 41,0% (n=25) recebe aposentadoria ou benefício decorrente do adoecimento mental. Somente 6,55% (n=4) exerce atividade remunerada.

Quanto à saúde do cuidador familiar, todos referiram ter alguma atividade de lazer. No entanto, 49,2% apresentam problema de saúde (n=30), dos quais 16,67% (n=5) não fazem tratamento para o respectivo problema. Outrossim, 41,0% (n=25) referiram a presença de outras pessoas na família com outras doenças ou necessidades que demandam seus cuidados e 26,2% (n=16) relataram a presença de crianças morando na mesma casa. Sobre os comportamentos incômodos apresentados pelo paciente e mais relatados pelos familiares, destacaram-se agitação (n=27; 44,3%), crises de nervosismo (n=25; 41,0%), solilóquio (n=22; 36,1%), agressividade física (n=21; 34,4%) e ameaças/agressão verbal (n=20; 32,8%).

Sobre a funcionalidade familiar, 65,6% (n=40) possui boa funcionalidade familiar, 9,8% (n=6), moderada e 24,6% (n=15), acentuada disfunção familiar. A média do escore global de Apgar familiar foi de 6,79 (±2,835), e essa medida não mostrou adesão à distribuição normal padrão (p<0,001 - Teste de Kolmogorov-Smirnov). Assim, procedeu-se as análises de mediana para verificar se as variáveis sociodemográficas e do processo de cuidar acarretaram alguma mudança nesse escore (Tabela 2). Mulher com transtorno mental apresentou menor pontuação de Apgar familiar em termos de mediana e de posto médio, em comparação com o paciente homem. A diminuição desse escore também foi evidenciada na presença de crianças na mesma residência. As demais variáveis sociodemográficas, do processo de cuidar e da sobrecarga não provocaram mudanças na mediana desse índice.

Tabela 1
Diferença de mediana do escore de Apgar familiar de acordo com variáveis do processo de cuidar, Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2019
Tabela 2
Grau de sobrecarga objetiva e subjetiva dos familiares cuidadores de pessoas com transtorno mental de acordo com a escala Family Burden Interview Schedule (FBIS-BR), Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2019

Quanto à sobrecarga objetiva do cuidador, supervisionar o familiar na tomada das medicações foi a atividade que acarretou maior sobrecarga objetiva aos cuidadores. Comparativamente, responsabilizar-se pelas compras do paciente determinou nível mais baixo de sobrecarga objetiva sentida pelos familiares.

Em relação à sobrecarga subjetiva, foi possível observar que a maioria dos familiares cuidadores não sentiu elevada sobrecarga subjetiva ao prestar assistência na vida cotidiana do paciente (subescala A). Em contrapartida, demonstrou-se elevado grau de sobrecarga subjetiva na supervisão de comportamentos problemáticos (subescala B), em que lidar com tais comportamentos e perturbação noturna foram os itens com maior sobrecarga nessa subescala. Os itens preocupação com o futuro, as finanças e com a saúde da pessoa com transtorno mental geraram elevada sobrecarga subjetiva nos cuidadores no que concerne à subescala E (preocupações com os usuários). Ademais, acima da metade dos familiares, demonstrou elevada sobrecarga subjetiva relacionada com a subescala C (Gastos financeiros). Maiores detalhes estão descritos na Tabela 2.

Com relação ao escore global de sobrecarga (Tabela 3), observa-se que as subescalas A e E apresentaram, respectivamente, maior média de sobrecarga objetiva e subjetiva dentre as demais subescalas.

Tabela 3
Distribuição das médias dos escores globais de sobrecarga objetiva e subjetiva e de suas respectivas subescalas de acordo com a escala Family Burden Interview Schedule (FBIS-BR), Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2019

Em termos de diferença de média e de mediana dos escores de sobrecarga subjetiva e suas respectivas subescalas, conforme Tabela 4, demonstrou-se que dificuldade de relacionamento entre cuidador e paciente, nervosismo/tensão do paciente, agressividade física e agitação aumentaram a média global de sobrecarga subjetiva. Com relação às diferenças de mediana de sobrecarga, cuidadores cujos pacientes são mulheres, com crianças na mesma residência, com relacionamento insatisfatório com o ente adoecido, que precisam lidar com recusa da medicação, nervosismo/tensão e falta de higiene do paciente apresentaram maiores postos médios da subescala A (Assistência na vida cotidiana) na dimensão subjetiva. Quanto à subescala E - subjetiva, agressividade física, agitação e nervosismo/tensão contribuíram significativamente para o aumento da média dessa subescala. As demais variáveis sociodemográficas, do processo de cuidar e a funcionalidade familiar não acarretaram mudanças de média ou de mediana na sobrecarga subjetiva do cuidador.

Tabela 4
Diferença de média e de mediana dos escores de sobrecarga subjetiva e de suas respectivas subescalas A e E entre grupos de variáveis sociodemográficas e do processo de cuidar, Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2019

Dentre as variáveis relacionadas com o processo de cuidar, os comportamentos problemáticos apresentados pelo paciente provocaram mudanças na sobrecarga objetiva do cuidador. Dessa forma, ameaças/agressão verbal, nervosismo/tensão e solilóquio aumentaram, significativamente, a média da subescala A - objetiva. Para a subescala B - objetiva, presença de outras pessoas doentes na mesma residência que demandam cuidado, comportamentos de quebrar objetos, nervosismo do paciente e solilóquio aumentaram as medianas dessa subescala e da subescala D - objetiva. As variáveis sociodemográficas e a funcionalidade familiar não acarretaram mudanças de média ou de mediana na sobrecarga objetiva do cuidador. Outros detalhes estão contidos na Tabela 5.

Tabela 5
Diferença de média e de mediana dos escores de sobrecarga objetiva e de suas respectivas subescalas B e D de acordo com os comportamentos problemáticos apresentados pela pessoa com transtorno mental, Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2019

DISCUSSÃO

O cuidado após uma internação psiquiátrica ou o tratamento de base comunitária é, na maioria dos casos, assumido pelas mulheres, as quais dividem esse tempo com atividades voltadas ao cuidado dos próprios filhos, esposo e atividades domésticas(1919 Souza ALR, Guimarães RA, Araújo Vilela D, Assis RM, Oliveira LMDAC, Souza MR, et al. Factors associated with the burden of family caregivers of patients with mental disorders: a cross-sectional study. BMC Psychiatr. 2017;17(1):353. https://doi.org/10.1186/s12888-017-1501-1
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), confirmando os achados deste estudo, em que prevaleceram cuidadoras mulheres, casadas, desempregadas, do lar, com baixo nível educacional que precisam desempenhar o papel de cuidadora além de outras atividades de vida diária, o que reforça a construção social do papel feminino exercendo essa função(2020 Loureiro LSN, Fernandes MGM. Profile of the family caregiver of dependent elderly in home living. Rev Pesq Cuid Fundam. 2015;7(5):145-54. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2015.v7i5.145-154
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). O processo histórico é determinante desta realidade, visto que o cuidado é uma atividade relacionada às mulheres desde os primórdios. Acrescenta-se, ainda, a vulnerabilidade feminina que, mesmo em famílias numerosas, o cuidado ainda é exercido por uma única pessoa, contribuindo para sua sobrecarga, comprometimento do autocuidado e aumento do risco de adoecimento(55 Bezerra KMG, Leandro ACC, Brito MGJP, Oliveira SRPB, Silva TTM, Frazão IS. Repercussions of Mental Disorders in the family context. AJPRR [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 25];3(14). Available from: https://escipub.com/Articles/AJPRR/AJPRR-2020-02-0905.pdf
https://escipub.com/Articles/AJPRR/AJPRR...
,2121 Reis TL, Dahl CM, Barbosa SM, Teixeira MR, Delgado PGG. Burden and participation of family in the care of Psychosocial Care Centers users. Saúde Debate. 2016;40(109):70-85. https://doi.org/10.1590/0103-1104201610906
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-2222 Alves JFM, Almeida AL, Mata MAP, Pimentel MH. Problemas dos cuidadores de doentes com esquizofrenia: a sobrecarga familiar. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2018;(19):8-16. https://doi.org/10.19131/rpesm.0197
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).

Sobre a funcionalidade familiar, verificou-se que mais da metade dos cuidadores apresentou boa funcionalidade familiar. O vínculo satisfatório entre os familiares e a boa funcionalidade familiar melhoram a prestação do cuidado ao ente adoecido. O envolvimento emocional saudável entre os membros da família gera sentimentos positivos e melhor relacionamento, além de poder mudar o sentido de fardo que a responsabilidade e obrigatoriedade do cuidado pode acarretar. Esse relacionamento familiar satisfatório pode auxiliar na redução dos níveis de sobrecarga, favorecendo o sentimento positivo em relação ao cuidado prestado à pessoa em sofrimento mental por seu familiar(1414 Gomes MLP, Silva JCB, Batista EC. Escutando quem cuida: quando o cuidado afeta a saúde do cuidador em saúde mental. Rev Psicol Saúde. 2018;10(1):3-7. https://doi.org/10.20435/pssa.v10i1.530
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). Ademais, o apoio aos familiares que exercem a função de cuidador e a divisão da responsabilidade pelo cuidado melhora a qualidade de vida diminui as suas possibilidades de adoecimento e a carga mental associada à função de cuidador(1414 Gomes MLP, Silva JCB, Batista EC. Escutando quem cuida: quando o cuidado afeta a saúde do cuidador em saúde mental. Rev Psicol Saúde. 2018;10(1):3-7. https://doi.org/10.20435/pssa.v10i1.530
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).

Ainda sobre o Apgar familiar, mulher com transtorno mental e presença de crianças no mesmo domicílio acarretaram menor escore nesse índice, ou seja, menor funcionalidade familiar. O adoecimento mental, por vezes, prejudica o autocuidado, atenção com o próximo, provocando mudanças na rotina diária. Outrossim, o acometimento da mulher por um transtorno mental demanda cuidado compartilhado por toda a família, o que nem sempre ocorre, causando prejuízos coletivos e no funcionamento familiar(2323 Senicato C, Azevedo RCS, Barros MBA. Common mental disorders in adult women: identifying the most vulnerable segments. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(8):2543-2554. https://doi.org/10.1590/1413-81232018238.13652016
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). Adicionalmente, as mulheres desempenham o papel de mãe, por vezes, sem o devido apoio familiar e social, o que pode contribuir para a sobrecarga da mulher cuidadora e, por conseguinte, problemas no funcionamento familiar. Portanto, é necessário que todos os familiares desenvolvam habilidades relacionadas à assistência prestada à pessoa com transtorno mental nas atividades diárias e na ressocialização, sobretudo na presença de crianças que necessitam de cuidados concomitantes, uma vez que essa função não compete apenas a mulher(2121 Reis TL, Dahl CM, Barbosa SM, Teixeira MR, Delgado PGG. Burden and participation of family in the care of Psychosocial Care Centers users. Saúde Debate. 2016;40(109):70-85. https://doi.org/10.1590/0103-1104201610906
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).

Embora este estudo não tenha evidenciado a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga, autores afirmam que algumas famílias apresentam dificuldades para atender as necessidades de cuidado de um de seus membros devido a diversos fatores, dentre os quais destacam-se os relacionais. Assumir o papel de cuidador acarreta mudanças, por vezes negativas, nos projetos de vida, rotina diária das famílias, compromete o lazer, aumentando a responsabilização do familiar por seu ente adoecido, o que pode gerar sentimento de fardo a ser carregado e/ou problemas no funcionamento familiar. O convívio em uma família disfuncional pode acarretar sofrimento mental, isolamento ou agravamento do quadro de adoecimento(2424 Ramos AC, Calais SL, Zotesso MC. Convivência do familiar cuidador junto a pessoa com transtorno mental. Contextos Clínic. 2019;12(1):282-302. https:// doi.org/10.4013/ctc.2019.121.12
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).

Especificamente sobre a sobrecarga, responsabilizar-se pela medicação do paciente foi a atividade que acarretou maior sobrecarga objetiva. Comportamentos problemáticos, tarefas relacionadas com a higiene do paciente, perturbação noturna, preocupação com futuro, com as finanças e com a saúde da pessoa adoecida foram responsáveis por gerar elevada sobrecarga subjetiva nos cuidadores. Destaca-se, ainda, que a média e a mediana do escore de sobrecarga familiar foram substancialmente influenciadas pelos comportamentos problemáticos da pessoa adoecida.

Uma pesquisa realizada com 82 cuidadores de crianças ou adolescentes com transtorno mental demonstrou elevada sobrecarga objetiva relacionada com a gestão medicamentosa e sobrecarga subjetiva alta referente à supervisão de comportamentos problemáticos(2525 Buriola AA, Vicente JB, Zurita RCM, Marcon SS. Overload of caregivers of children or adolescents suffering from mental disorder in the city of Maringá, Paraná. Esc Anna Nery. 2016;20(2):344-51. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160047
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). Outra investigação com cuidadores de familiares com transtornos mentais em CAPS e hospital psiquiátrico evidenciou maior sobrecarga quanto à supervisão aos comportamentos problemáticos e ao impacto nas rotinas diárias, maior sobrecarga objetiva quanto à assistência na vida cotidiana, incômodo ao supervisionar os comportamentos problemáticos e maior preocupação com o futuro(2626 Eloia SC, Oliveira EM, Lopes MVO, Parente JRF, Eloia SMC, Lima DS. Sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas com transtornos mentais: análise dos serviços de saúde. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(9):3001-11. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.18252016
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). Para alguns autores, excesso de preocupação e superproteção no processo de cuidar interfere na privacidade e compromete a autonomia do sujeito, além de promover elevada sobrecarga subjetiva relacionada ao sentimento de preocupação do familiar com seu parente em tratamento(2727 Bellini LC, Paiano M, Giacon BCC, Marcon SS. Psychiatric emergency hospitalization-meanings, feelings, perceptions and the family expectation. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2019;11(esp):383-9. https://doi.org/10.9789/2175-531.2019.v11i2.383-389
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).

A não adesão ao tratamento farmacológico favorece a agudização dos sinais e sintomas do transtorno mental, aumenta o risco de hospitalizações frequentes e de suicídio da pessoa com transtorno mental. Assim, tais problemas podem acarretar maior sobrecarga do cuidador por demandar maior monitoramento do uso dos medicamentos, mesmo nos usuários que aceitam a medicação(2828 Borba LO, Maftum MA, Vayego SA, Mantovani MF, Felix JVC, Kalinke LP. Adherence of mental therapy for mental disorder patients to drug health treatment. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03341. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017006603341
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). A presença de sintomas positivos, negativos e/ou cognitivos tende a aumentar a sobrecarga do cuidador que despende mais energia para compensar e/ou compreender os motivos dos comportamentos problemáticos do que na superação dos mesmos ou dos sintomas apresentados pela pessoa com transtorno mental(2929 Mantovani LM, Ferretjans R, Marçal IM, Oliveira AM, Guimarães FC, Salgado JV. Family burden in schizophrenia: the influence of age of onset and negative symptoms. Trends Psychiatr Psychother. 2016;38(2):96-9. https://doi.org/10.1590/2237-6089-2015-0082
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). Adicionalmente, salienta-se que as perturbações do sono, encontradas neste estudo, também têm impacto substancialmente negativo no funcionamento e bem-estar do usuário e do cuidador(3030 Faulkner S, Bee P. Perspectives on sleep, sleep problems, and their treatment, in people with serious mental illnesses: a systematic review. PloS One. 2016;11(9):e0163486. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0163486
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). A insônia especificamente contribui significativamente para a piora dos quadros de delírio e alucinações em pessoas com esquizofrenia(3131 Sheaves B, Bebbington PE, Goodwin GM, Harrison PJ, Espie CA, Foster RG, et al. Insomnia and hallucinations in the general population: findings from the 2000 and 2007 British Psychiatric Morbidity surveys. Psychiatry Res. 2016;241:141-6. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2016.03.055
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2016....

32 Reeve S, Nickless A, Sheaves B, Freeman D. Insomnia, negative affect, and psychotic experiences: modelling pathways over time in a clinical observational study. Psychiatr Res. 2018;269:673-80. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2018.08.090
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2018....
-3333 Kasanova Z, Hajdúk M, Thewissen V, Myin-Germeys I. Temporal associations between sleep quality and paranoia across the paranoia continuum: an experience sampling study. J Abnorm Psychol. 2019;129(1):122-30. https://doi.org/10.1037/abn0000453
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), aumenta a chance de recorrência de depressão(3434 Schennach R, Feige B, Riemann D, Heuser J, Voderholzer U. Pre-to post-inpatient treatment of subjective sleep quality in 5,481 patients with mental disorders: a longitudinal analysis. J Sleep Res. 2019;28(4):e12842. https://doi.org/10.1111/jsr.12842
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), de ideação suicida e tentativa de suicídio(3535 Perlis ML, Grandner MA, Chakravorty S, Bernert RA, Brown GK, Thase ME. Suicide and sleep: is it a bad thing to be awake when reason sleeps? Sleep Med Rev. 2016;29:101-7. https://doi.org/10.1016/j.smrv.2015.10.003
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). No contexto do cuidador, acentuam-se a sobrecarga, o estresse e a vulnerabilidade para doenças crônicas(3636 McCurry SM, Song Y, Martin JL. Sleep in caregivers: what we know and what we need to learn. Curr Op Psychiatr. 2015;28(6):497-503. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000205
https://doi.org/10.1097/YCO.000000000000...

37 Byun E, Lerdal A, Gay CL, Lee KA. How adult caregiving impacts sleep: a systematic review. Curr Sleep Med Rep. 2016;2(4):191-205. https://doi.org/10.1007/s40675-016-0058-8
https://doi.org/10.1007/s40675-016-0058-...
-3838 Peng HL, Lorenz RA, Chang YP. Factors associated with sleep in family caregivers of individuals with dementia. Perspect Psychiatric Care. 2018;55(1):95-102. https://doi.org/10.1111/ppc.12307
https://doi.org/10.1111/ppc.12307...
).

Autores afirmam que a insônia pode ser um fator causal de doença mental ou um sintoma do adoecimento instalado. Assim, recomendam avaliação precoce das alterações de sono em pessoas com transtorno mental, cujo tratamento pode repercutir de forma positiva no prognóstico de outros problemas de saúde mental(3939 Freeman D, Sheaves B, Waite F, Harvey AG, Harrison PJ. Sleep disturbance and psychiatric disorders. Lancet Psychiatr. 2020;7(7):628-37. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30136-X
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) e, por conseguinte, melhorar a experiência do cuidador no processo de cuidar da pessoa com transtorno mental(3636 McCurry SM, Song Y, Martin JL. Sleep in caregivers: what we know and what we need to learn. Curr Op Psychiatr. 2015;28(6):497-503. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000205
https://doi.org/10.1097/YCO.000000000000...
-3737 Byun E, Lerdal A, Gay CL, Lee KA. How adult caregiving impacts sleep: a systematic review. Curr Sleep Med Rep. 2016;2(4):191-205. https://doi.org/10.1007/s40675-016-0058-8
https://doi.org/10.1007/s40675-016-0058-...
). Nesse sentido, o enfermeiro, por meio de estratégias de educação em saúde, pode orientar os familiares acerca das alterações presentes em pessoas com transtornos mentais, elaborar conjuntamente com a família intervenções para prevenir o agravamento do quadro e promover a saúde mental. Dessa forma, é possível auxiliar os familiares a lidarem com esses comportamentos apresentados pelos usuários, diminuir a sobrecarga e melhorar o bem-estar dos cuidadores(4040 Arantes DJ, Picasso R, Silva EA. Grupos psicoeducativos com familiares dos usuários de um Centro de Atenção Psicossocial. Pesqui Prát Psicossoc [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 25];14(2):1-15. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v14n2/06.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v14n2/...
).

Limitações do estudo

Destacam-se como limitações do estudo o reduzido tamanho da amostra, a seleção dos participantes de forma não probabilística e a execução do estudo em apenas um CAPS. Dessa forma, sugere-se a realização de pesquisas semelhantes com amostras maiores de usuários e familiares de outros CAPS a fim de evitar possíveis vieses.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

As mudanças no cuidado de enfermagem em saúde mental, após RPB, visam um profissional que não somente promova a repetição de técnicas, mas tenha visão holística que considere a individualidade do ser humano, relacionamentos interpessoais e convívio com a família, com vistas ao autocuidado e empoderamento do sujeito. O estudo fornece evidências sobre fatores que acarretaram mudanças nos escores de Apgar familiar e de sobrecarga como: mulher com transtorno mental e presença de crianças na mesma residência (Apgar familiar); dificuldade de relacionamento entre cuidador/paciente; comportamentos apresentados pela pessoa com transtorno mental (sobrecarga) que poderão subsidiar intervenções de enfermagem para auxiliar os familiares a lidar com a sobrecarga relacionado ao cuidado à pessoa com transtorno mental.

CONCLUSÃO

Sobre a funcionalidade familiar, acima da metade dos cuidadores apresentou boa funcionalidade familiar. Mulher com transtorno mental e presença de crianças em casa provocaram mudanças estatisticamente significantes na mediana do escore de Apgar familiar. Não foi evidenciada relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador.

Quanto ao escore global de sobrecarga objetiva e subjetiva, as subescalas A e E apresentaram, respectivamente, maior média de sobrecarga objetiva e subjetiva. Em termos de diferença de média, demonstrou-se que dificuldade de relacionamento entre cuidador e paciente, nervosismo/tensão do paciente, agressividade física e agitação aumentaram a média global de sobrecarga subjetiva. Os comportamentos problemáticos apresentados pelo paciente, como agressividade física, ameaças/agressão verbal, recusar a medicação e falta de higiene, aumentaram, significativamente, a média da subescala A - objetiva e E - subjetiva, além de aumentar a insatisfação com cuidar de pessoa com transtorno mental. Ademais, evidenciou-se que familiares que cuidam de mulheres com transtorno mental, crianças na mesma residência, relacionamento insatisfatório com o ente adoecido que precisam lidar com recusa da medicação, nervosismo/tensão e falta de higiene do paciente apresentaram maior sobrecarga subjetiva relacionada com Assistência na vida cotidiana (subescala A).

Recomenda-se que familiares responsáveis pelo cuidado de pessoas com transtornos mentais recebam uma atenção diferenciada por parte dos serviços de saúde mental, em especial dos enfermeiros, a fim de apoiá-los em suas demandas por meio da escuta qualificada e da mediação de conflitos familiares, visando à melhor distribuição das tarefas domésticas e à redução de sua sobrecarga por meio do corresponsabilização de outros membros do núcleo familiar pelo cuidado com o ente adoecido.

  • FOMENTO

    A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

MATERIAL SUPLEMENTAR

Este artigo é originário da dissertação de mestrado intitulada “Funcionalidade familiar e sobrecarga de familiares cuidadores de pessoas com transtorno mental”, disponível em repositório com acesso por meio do link: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/38292/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O%20Jaciquely%20Jos%C3%A9%20da%20Costa%20Andrade.pdf

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2020
  • Aceito
    08 Jan 2021
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