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Carga da infecção pelo SARS-CoV-2 entre os profissionais de enfermagem no Brasil

RESUMO

Objetivo:

Estimar a carga da infecção pelo SARS-CoV-2 entre os profissionais de enfermagem no Brasil.

Método:

Estudo ecológico utilizando dados do Observatório da Enfermagem. O peso atribuído a doenças teve como referência o Estudo de Carga de Doença Global de 2017, considerando a infecção respiratória de vias inferiores moderada.

Resultados:

Foram analisados 7.201 registros; e, contabilizados 190 óbitos. O número total de anos de vida ajustados por incapacidade foi de 5.825,35 anos, com média de 2.912,76 (IC 95% 2.876,49-2.948,86). A taxa ajustada por mil profissionais foi de 1.475,94 anos para os homens e 674,23 anos para as mulheres.

Conclusão:

A infecção pelo SARS-CoV-2 no Brasil segue uma tendência de alta na enfermagem e tem grande impacto entre as mulheres, técnicos de enfermagem e profissionais mais jovens.

Descritores:
COVID-19; Carga da Doença; Enfermagem; Qualidade de Vida; Anos de Vida Ajustados pela Incapacidade

ABSTRACT

Objective:

Estimate the burden of SARS-CoV-2 infection among nursing professionals in Brazil.

Method:

Ecological study using data from the Nursing Observatory. The weight attributed to diseases was based on the Global Disease Burden Study 2017, considering the lower respiratory infection as moderate.

Results:

7,201 records were analyzed; and, 190 deaths were recorded. The total number of years of life adjusted for disability was 5,825.35 years, with an average of 2,912.76 (95% CI 2,876.49-2,948.86). The adjusted rate per thousand professionals was 1,475.94 years for men and 674.23 years for women.

Conclusion

SARS-CoV-2 infection in Brazil follows an upward trend in nursing and has a major impact among women, nursing technicians and younger professionals.

Descriptors:
Pandemics; COVID-19; Disease Burden; Nursing; Quality of Life; Disability Adjusted Life Years

RESUMEN

Objetivo:

Estimar la carga de la infección por SARS-CoV-2 entre los profesionales de enfermería en Brasil.

Método:

Estudio ecológico utilizando datos del Observatorio de Enfermería. El peso atribuido a enfermedad tuvo como referencia el Estudio de Carga de Enfermedad Global de 2017, considerando la infección respiratoria de vías inferiores moderada.

Resultados:

Han sido analizados 7.201 registros; y, contabilizados 190 óbitos. El número total de años de vida ajustados por discapacidad fue de 5.825,35 años, con mediana de 2.912,76 (IC 95% 2.876,49-2.948,86). La tasa ajustada por mil profesionales fue de 1.475,94 años para los hombres y 674,23 años para las mujeres.

Conclusión:

La infección por SARS-CoV-2 en Brasil sigue una tendencia de alta en la enfermería y hay gran impacto entre las mujeres, técnicos de enfermería y profesionales más jóvenes.

Descriptores:
Pandemias; COVID-19; Carga de enfermedad; Enfermería; Calidad de Vida; Años de Vida Ajustados por Discapacidad

INTRODUÇÃO

A COVID-19 é uma nova doença viral que levou ao colapso os sistemas de saúde em todo mundo, em parte por conta do elevado número de baixas entre os profissionais de saúde, sobretudo profissionais de enfermagem. Ainda não se conhece muito bem qual a carga atribuível à doença em termos de morbimortalidade nem no que se refere à qualidade de vida ou incapacidades.

O vírus SARS-CoV-2, da família Coronaviridae, foi identificado na China em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, província de Hubei, que rapidamente se tornou o epicentro de uma pandemia supostamente ligada ao “novo coronavírus associado à síndrome respiratória aguda grave” (SARSCoV-2), que causa a doença infecciosa por coronavírus-2019 (COVID-19)(11 Wang C, Horby PW, Hayden FG, Gao GF. A Novel Coronavirus Outbreak of Global Health Concern. Lancet. 2020;395:470-473. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30185-9
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
).

Cerca de 15% dos casos de COVID-19 se tornam graves; e, na linha de frente do combate à doença, os profissionais da saúde também estão entre os atingidos diretamente pela pandemia, sendo que muitos deles se tornaram vítimas fatais(22 Guan WJ, Ni ZY, Hu Y. Clinical characteristics of coronavirus disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020; 382:1708-20. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2002032
https://doi.org/10.1056/NEJMoa2002032...
).

Estudos sugerem que a contaminação ambiental, por eliminação de perdigotos respiratórios de indivíduos portadores do SARS-CoV-2 sintomáticos ou não, pode tornar o ambiente, sobretudo o hospitalar, um meio potencial de transmissão. Nesse contexto, os profissionais de saúde foram rapidamente reconhecidos como grupo de alto risco para a infecção(33 Góes LGB, Zerbinati RM, Tateno AF. Epidemiologia típica de infecções por vírus respiratórios em uma favela brasileira. J Med Virol. 2019;1(6). https://doi.org/10.1002/jmv.25636
https://doi.org/10.1002/jmv.25636...
).

A infecção pelo SARS-CoV-2 tem revelado ao mundo números assustadores e dramáticos relacionados a perdas de vidas. No Brasil, entre março e junho de 2020, 432.668 profissionais de saúde realizaram o teste de COVID-19 no país. Destes, 83.118 testaram positivo, e 189.788 estão em análise. Também foram registrados 169 óbitos desses profissionais. Tais dados estão disponíveis no site do Ministério da Saúde(44 Mistério da Saúde (BR). Mais de 970 mil profissionais de saúde cadastrados para atuar no combate à Covid-19. Brasília. Sexta, 12 de Junho de 2020[Internet]. 2011 [cited 2020 Jul 5]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47050-mais-de-970-mil-profissionais-de-saude-cadastrados-para-atuar-no-combate-a-covid-19
https://antigo.saude.gov.br/noticias/age...
).

Estima-se que 72% do total de indivíduos que evoluíram para óbitos confirmados por COVID-19 no Brasil tinham mais de 60 anos de idade, e 70% apresentavam pelo menos um fator de risco(55 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial - 13 | SE 11 de 19 de abril de 2020[Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 5]. Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/21/BE13---Boletim-do-COE.pdf.
https://portalarquivos.saude.gov.br/imag...
).

Apesar do uso dos equipamentos de proteção individual, os profissionais da área da saúde podem se tornar mais vulneráveis à infecção pelo vírus do que outros indivíduos, talvez por conta de maior carga viral à qual estão expostos durante a sua prática profissional.

Segundo o Observatório do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), até a primeira semana de julho foram registrados 23.062 casos, com 238 óbitos de profissionais de enfermagem possivelmente infectados pelo SARS-CoV-2.

O DALY, do inglês Disability-Adjusted Life Years, corresponde a um ano de vida saudável que é perdido ou vivido com incapacidade e resulta da combinação entre os Anos de Vida Perdidos devido a morte prematura (Years of Life Lost ou YLL) e os Anos Vividos com Incapacidade (Years Lived with Disability ou YLD) e pode ser utilizado como indicador para quantificar e descrever a carga de doenças, lesões e fatores de riscos, tornando possível mensurar o impacto da morbimortalidade sobre o estado de saúde da população(66 Murray CJ. Quantifying the burden of disease: the technical basis for disability-adjusted life years. Bull World Health Organ [Internet]. 1994 [cited 2020 Jul 5];72(3):429-45. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2486718/pdf/bullwho00414-0105.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

OBJETIVO

Estimar a carga da doença atribuível à infecção pelo SARS-CoV-2 entre os profissionais de enfermagem no Brasil.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo incorporou no seu desenho os referenciais básicos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Nesse sentido, por se tratar de um estudo ecológico nos quais os dados se referem a grupos de pessoas e são de domínio púbico, extraídos do site do Observatório da Enfermagem (http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/), não havendo, portanto, qualquer envolvimento direto de indivíduos nem qualquer possibilidade de identificá-los ou oferecer algum tipo de risco e, desse modo, não acarretando malefícios ou prejuízos monetários e morais, não houve submissão do protocolo da pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Desenho, local de estudo e período

Trata-se de estudo observacional do tipo ecológico. Na descrição do estudo, foi utilizada a lista de verificação proposta pelo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

Realizou-se a coleta de dados no período de 20 de março a 05 de julho de 2020, no Brasil. Os dados foram extraídos do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos ao ano de 2018, no que se refere a expectativa de vida da população Brasileira, estratificados por sexo e faixa etária. No site do Observatório da Enfermagem do COFEN, foram extraídos dados relativos à incidência, prevalência e mortalidade, por faixa etária, dos profissionais de enfermagem infectados pelo SARS-CoV-2(77 Fletcher RH, Fletcher SW, Fletcher GS. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 5ª. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 280 p.).

População ou amostra

A seleção da amostra foi intencional. Incluíram-se todos os casos registrados no site do Observatório da Enfermagem que preenchessem os critérios de inclusão: ter sido infectado pelo SARS-CoV-2. Excluíram-se os casos nos quais a categoria profissional, o sexo e a faixa etária não foram relatados. A categoria de auxiliar de enfermagem foi agrupada na categoria de técnico de enfermagem; e a de obstetriz, agrupada na categoria de enfermeiros.

Protocolo do estudo

Utilizou-se uma planilha de Excel® para organizar os dados após terem sido baixados diretamente do site do IBGE, sobre a expectativa de vida da população brasileira; e do site do Observatório da Enfermagem, sobre os casos incidentes de COVID-19 em profissionais de enfermagem no Brasil.

Na planilha, foram inseridas as seguintes variáveis: sexo, idade, estado da Federação no qual reside o profissional, bem como a situação de cada um deles, se estavam vivos ou haviam falecido.

Para a determinação do peso da doença, considerou-se o Estudo de Carga de Doença Global (GBD) de 2017, tendo em conta a infecção respiratória de vias inferiores moderada, caracterizada como doenças infecciosas de episódio agudo e moderado, com febre, dores e sensação de fraqueza, que causam alguma dificuldade nas atividades diárias, para as quais foi estimada uma carga de 0,051(0,032-0,074). Cabe destacar que o peso da incapacidade é um fator de peso que reflete a gravidade da doença em uma escala de 0 (saúde perfeita) a 1 (equivalente à morte)(88 Global Burden Disease 2017. Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018; 392:1789-858. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32279-7
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).

Na inexistência de informações mais robustas acerca do tempo de duração e de convalescência da doença para os indivíduos que tiveram a infecção pelo SARS-CoV-2, considerou-se como razoável para a análise um tempo de duração de 30 dias (0,08 anos) para estimar os Anos de Vividos com Incapacidade. A Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde brasileiro recomendam a metade desse tempo (14 dias) para o isolamento domiciliar, antes de retornar ao contato com outras pessoas.

Análise dos resultados e estatística

A análise considerou a distribuição segundo categoria profissional, sexo e faixa etária; e a média da expectativa de vida padrão foi calculada por meio da média de idade em cada faixa etária levando em conta as Tábuas Completas de Mortalidade para cada sexo e ano de 2018(99 Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Tábua de Mortalidade [Internet]. 2018 [cited 2020 Jul 5]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-mortalidade.html?=&t=resultados.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
).

Foram estimados a prevalência da doença, os Anos de Vida Perdidos (YLL) e os Anos Vividos com Incapacidade (YLD). A soma desses dois últimos resultou no número de Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (DALY).

O DALY foi calculado pela soma dos componentes de mortalidade (YLL), que se refere à morte prematura, fazendo-se a subtração entre a expectativa de vida na faixa etária e a idade em que o óbito ocorreu; e de morbidade (YLD), multiplicando-se o número de casos pelo tempo médio de duração da doença (0,08 anos) e pelo peso atribuído a essa condição (0,051).

Os indicadores foram calculados para a população de profissionais expostos, considerando o número de profissionais registrados no Observatório da Enfermagem do COFEN até o dia 5 de julho de 2020, estratificados por faixa etária, categoria profissional e sexo, para posterior cálculo das taxas ajustadas por mil profissionais.

As taxas foram calculadas considerando os números de DALYs ou YLL ou YLD, faixa etária, sexo e categoria profissional, divididos pelo número de profissionais por categoria infectados e com diagnóstico confirmado de COVID-19, nos registros analisados, multiplicados por 10 mil.

Os intervalos de confiança foram calculados pelo teste t de Student com um alfa de 0,05, e os cálculos foram feitos no software livre JASP. Não foram aplicadas taxas de desconto.

Por se tratar de um estudo ecológico realizado com base em dados de acesso livre disponíveis na internet, que não envolvem direta ou indiretamente determinado indivíduo nem permitem identificá-lo, este protocolo de pesquisa não foi submetido à apreciação ética.

RESULTADOS

Encontramos, no site do Observatório da Enfermagem(11 Wang C, Horby PW, Hayden FG, Gao GF. A Novel Coronavirus Outbreak of Global Health Concern. Lancet. 2020;395:470-473. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30185-9
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), acessado no dia 05 de julho de 2020, um total de 21.767 registros de casos de profissionais de enfermagem supostamente infectados pelo SARS-CoV-2. Desse total, excluímos 14.566 registros, por não terem o diagnóstico confirmado, ou porque os dados não estavam completos, sem a identificação da categoria profissional ou da faixa etária às quais pertenciam o indivíduo. Incluímos no estudo, e consideramos como casos incidentes de COVID-19, 7.201 casos.

Do total de registros analisados, identificamos 1.163 (16,1%) registros de cura da doença, e 5.848 (81,30%) registros de profissionais que estavam em quarentena. Quanto aos registros de óbito, foram 190 (2,6%) casos. Com relação ao sexo, 83% dos registros referiam-se a profissionais do sexo feminino.

No tocante à categoria profissional, os técnicos e auxiliares de enfermagem representaram 70% do total dos registros analisados, e a faixa etária predominante foi a de indivíduos com idades entre 31 e 40 anos, representando 42,4 % (n = 3.055). Os profissionais com idade superior a 50 anos representaram apenas 11,2% dos registros de casos analisados, como descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Características dos profissionais com diagnóstico confirmado para o novo coronavírus, 2020

A expectativa de vida estimada por faixa etária encontra-se descrita na Figura 1. A média no grupo foi estimada em 38 anos entre as mulheres (±14,72) e 33 anos entre os homens (±13,54).

Figura 1
Distribuição da expectativa de vida média dos profissionais por sexo e faixa etária

A letalidade, contabilizando apenas os casos confirmados de COVID (n = 7.201), foi de 2,63%. A taxa de letalidade ajustada por mil profissionais foi estimada em 26/mil óbitos. A prevalência da doença foi de 0,31%, tendo em consideração o total de profissionais de enfermagem registrados no COFEN até o dia 05 de maio de 2020 (2.305.946). O coeficiente de prevalência pontual da doença por cem mil profissionais, tendo em vista o período da análise (20 de março a 5 de julho de 2020), foi de 312/cem mil profissionais.

Nas contagens totais de DALY para todas as categorias, sexo e faixa etárias, em apenas três meses e meio após o início da pandemia da COVID-19, período compreendido entre 20 de março à 5 de julho de 2020, e a partir do primeiro caso registrado pelo Observatório da Enfermagem, de profissional de enfermagem infectado pelo vírus, os profissionais de enfermagem brasileiros perderam 5.825,35(±1.566,59) anos de vida ajustados pela incapacidade (DALY), com média de 2.912,67 DALY (IC95% 2.872,44-2.952,91).

O número total de DALY entre as mulheres foi 4.020,42 anos, representando 69% do total de DALY na enfermagem. A taxa ajustada para mil profissionais foi de 674,23/mil entre as mulheres e 1.457,94/mil entre os homens, embora a presença feminina seja majoritária na enfermagem brasileira(1010 Machado MH, Wermelinger M, Vieira M, Oliveira E, Lemos W, Aguiar Filho W, et al. Perfil da enfermagem no Brasil: relatório final, Rio de Janeiro. Enferm Foco [Internet]. 2016[cited 2020 Jul 5];(2/4):15-34. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/viewFile/687/297
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
).

A Figura 2 mostra a distribuição dos anos de vida perdidos pela incapacidade (YLD), prematuramente (YLL) e ajustados pela incapacidade (DALY), por sexo, categoria profissional e faixa etária, em que é possível observar o quanto os técnicos de enfermagem do sexo feminino na faixa etária de 31 a 40 anos (curva com linha contínua em negrito) são impactados pela carga da infecção pelo SARS-CoV-2. Entretanto, foi entre os profissionais do sexo masculino, tanto enfermeiros quanto técnicos de enfermagem, aqueles que apresentaram as maiores perdas de anos de vida na faixa etária de 41-50 anos (linha tracejada em negrito). Entre as mulheres, apenas as enfermeiras na faixa etária de 41-50 anos foram as mais impactadas.

Figura 2
Distribuição dos anos de vida perdidos pela incapacidade, prematuramente e ajustados pela incapacidade, considerando o sexo e a categoria profissional sendo enfermeiro ou técnico de enfermagem, 2020

O DALY entre os técnicos de enfermagem do sexo masculino, na faixa etária de 41-50 anos foi 450,95 anos contra 287,49 anos na faixa etária de 31-40 anos. Entre os enfermeiros do mesmo sexo, na faixa etária de 41-50 anos, o DALY foi de 321,80 anos contra 205,10 anos na faixa etária de 31-40 anos (Figura 2).

Entre os profissionais do sexo feminino, no grupo de técnicos de enfermagem, na faixa etária de 31-40 anos, o DALY estimado foi de 793,44 anos, contra 743,57 anos estimados na faixa etária de 41-50 anos. Entre as enfermeiras, na faixa etária de 31-40 anos, o DALY estimado foi de 327,35 anos, contra 334,30 anos estimados na faixa etária de 41 e 50 anos. Independentemente da categoria profissional, o número de DALY entre as mulheres foi maior em todas as faixa etárias, sendo, em média, 132% maior do que o número de DALY entre os homens (Figura 2).

A Tabela 2 mostra a distribuição dos anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) e os anos perdidos pela incapacidade (YLD). Os anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) foram maiores entre os enfermeiros e técnicos de enfermagem do sexo masculino, na faixa etária de 41-50 anos de idade, que perderam, respectivamente, 204,4 e 286,1 anos de vida prematuramente. Portanto, entre os técnicos de enfermagem, o número de anos de vida perdidos por morte prematura foi 39% maior do que entre os enfermeiros.

Tabela 2
Distribuição dos anos de vida perdidos por morte prematura e dos anos vividos com incapacidade de acordo com o sexo, faixa etária e categoria profissional, 2020

Ainda em relação aos profissionais do sexo masculino, o número de anos de vida vividos com incapacidade (YLD) foi maior na faixa etária de 31-40 anos, sendo de 0,8 anos entre os enfermeiros e 1,4 entre os técnicos de enfermagem. Portanto, entre os técnicos de enfermagem, o número de anos vividos com incapacidade foi 75% maior do que entre os enfermeiros (Tabela 2).

Entre as profissionais do sexo feminino, os anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) foram maiores entre as enfermeiras na faixa etária de 41-50 anos (332,4 anos); e entre os técnicos de enfermagem, na faixa etária de 31-40 anos (786,6 anos). As técnicas de enfermagem perderam136% mais vidas por morte prematura do que as enfermeiras. Com relação aos anos vividos com incapacidade (YLD), os maiores números foram observados na faixa etária de 31-40 anos, tanto entre as enfermeiras quanto entre as técnicas de enfermagem, que perderam, respectivamente 3,5 e 6,8 anos. Isso representa um percentual de YLD 94% maior entre as técnicas de enfermagem (Tabela 2).

A Tabela 3 mostra a contribuição proporcional do número de anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) e por incapacidade (YLD) no número de DALY estimado, considerando a categoria profissional, o sexo e a faixa etária.

Tabela 3
Distribuição dos percentuais de contribuições dos anos de vida perdidos por morte prematura e dos anos vividos com incapacidade, no cálculo dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, por categoria profissional e faixa etária, 2020

Apenas entre os técnicos de enfermagem do sexo masculino e na faixa etária de 20-30 anos, o YLD teve maior contribuição proporcional no DALY, sendo responsável por 100%. Em todos os outros casos, o impacto do YLL foi maior e, em média, superior a 98%.

A proporção de contribuição do número de anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) no total de DALY entre os profissionais do sexo masculino foi de 99,58, ao passo que, entre as profissionais do sexo feminino, essa proporção foi de 98,18 %. No DALY geral (5.825,35), considerando todos os profissionais, independentemente da categoria profissional, sexo ou faixa etária, a contribuição do YLL foi de 98,88%.

DISCUSSÃO

Quatro meses após o registro do primeiro caso confirmado de profissional de enfermagem infectado pelo coronavírus no Brasil, o número de novos casos continua aumentando. O Rio de Janeiro lidera o ranking de estados com o maior número de profissionais de enfermagem que atuam no combate à COVID-19 infectados pelo vírus. O estado acumula 34 mortes e 1.664 infectados. São Paulo, em segundo lugar, tem 34 vítimas fatais e 1.251 contaminados(1111 Silva RCL, Silva C, Machado D, Peregrino A, Marta C, Pestana L, et al. Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY) entre os profissionais de enfermagem devido a infecção pelo SARS-CoV-2 no Brasil. Scielo Preprints. 2020. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.414
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-1212 Azevedo AL. Coronavírus atinge até 25% de profissionais de saúde no Rio. O Globo, Seção Sociedade, Rio de Janeiro [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 5]. Available from: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/coronavirus-atinge-ate-25-dos-profissionais-de-saude-no-rio-1-24357939
https://oglobo.globo.com/sociedade/coron...
).

Estudo que analisou 81 óbitos ocorridos em um grupo de 6.427 profissionais de enfermagem diagnosticados com COVID-19 no período de 20 de março a 5 de maio constatou — utilizando dados obtidos no Observatório da Enfermagem e o mesmo peso e tempo de duração para a recuperação atribuído a doença, a mesma metodologia e técnicas de análise adotadas neste estudo — que a enfermagem brasileira perdeu em média 562,51 (IC95% 495,24-629,79) Anos de Vida Perdidos Ajustados pela Incapacidade (DALY), o que, para o curto período analisado, pode ser considerado uma perda significativa(1111 Silva RCL, Silva C, Machado D, Peregrino A, Marta C, Pestana L, et al. Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY) entre os profissionais de enfermagem devido a infecção pelo SARS-CoV-2 no Brasil. Scielo Preprints. 2020. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.414
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).

Comparando esses resultados, é possível constatar substancial aumento no número de DALY, de 562,51 (IC95% 495,24-629,79) para 2.912,77 (IC 95% 2.876,49-2.948,86) no presente estudo, o que representa um incremento de 417,80% no número de DALY. Importante destacar que, em nosso estudo, o número de registros analisados foi 11,75% (n = 7.201) maior do que o do estudo citado.

A tendência de aumento do número de DALY revela o peso da infecção pelo SARS-CoV2 entre os profissionais de enfermagem no Brasil durante esta pandemia. Um incremento tão alto na taxa de DALY nos dá a dimensão do impacto dessa doença na mortalidade e incapacidade, sobretudo se considerarmos que se trata de uma doença de evolução aguda. O incremento no número de DALY por conta da infecção pelo SARS-CoV-2 entre os profissionais de enfermagem ajuda a explicar a redução do número de profissionais na linha de frente do combate à pandemia, bem como o aumento do absenteísmo.

Elevada taxa de infecção pelo novo coronavírus entre profissionais de saúde (25%), bem acima daquelas verificadas na China (4%) e Itália (15%), foi constatada entre os profissionais em um estudo realizado no Rio de Janeiro, um dos estados mais afetados pela doença(1212 Azevedo AL. Coronavírus atinge até 25% de profissionais de saúde no Rio. O Globo, Seção Sociedade, Rio de Janeiro [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 5]. Available from: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/coronavirus-atinge-ate-25-dos-profissionais-de-saude-no-rio-1-24357939
https://oglobo.globo.com/sociedade/coron...

13 Koh D. Occupational risks for COVID-19 infection. Occupation Med (Oxford, England). 2020;70(1):3-5. https://doi.org/10.1093/occmed/kqaa036
https://doi.org/10.1093/occmed/kqaa036...
-1414 Anelli F, Leoni G, Monaco R. Italian doctors call for protecting healthcare workers and boosting community surveillance during covid-19 outbreak. BMJ. 2020;368:m1254. https://doi.org/10.1136/bmj.m1254
https://doi.org/10.1136/bmj.m1254...
).

Com relação aos 190 óbitos registrados e reportados pelo Observatório da Enfermagem (COFEN, 2020) no período analisado, constatou-se que o número de YLL continua elevado, representando, em média, mais de 98% do número total de DALY na população estudada. Apenas entre os técnicos de enfermagem na faixa etária de 20-30 anos, os anos de vida vividos com incapacidade (YLD) foram proporcionalmente maiores do que os anos de vida perdidos por morte prematura, quando comparados aos números encontrados por Silva et al. (2020). Nesse grupo de profissionais, o YLD representou 100% do número de DALY estimado. Isso mostra que, embora o número de óbitos possa ser menor entre os profissionais mais jovens, os danos e as sequelas causadas pela doença podem comprometer, e muito, a qualidade de vida desses indivíduos.

Ainda não é possível estimar com precisão a taxa de fatalidade, pois muitos casos registrados no Observatório da Enfermagem ainda não tiveram desfechos positivos ou negativos em termos de cura ou de óbito. A taxa de fatalidade ainda pode apresentar variabilidade em razão de fatores demográficos, socioeconômicos, capacidade de testagem e das condições de oferta de serviços, especialmente de unidade de terapia intensiva (UTI), dos sistemas de saúde de cada estado, impactando diretamente sobre os anos de vida perdidos por morte prematura (YLL) e, consequentemente, sobre o DALY. Embora não tenha sido estimado o DALY estratificador por estados da Federação, o que se pode constatar é que a infecção pelo SARS-CoV-2 tem apresentado indicações de ser uma doença que, entre os profissionais de enfermagem, tem se revelado de moderado a alto grau de severidade, principalmente em termos de fatalidade.

Os números confirmam a severidade da doença. No grupo de profissionais com idade superior a 50 anos, por exemplo, independentemente da categoria profissional e do sexo, a proporção do YLL no número de DALY foi de no mínimo 99,7%, mostrando o quão vulnerável é esse grupo. Embora as medidas de afastamento das atividades laborais estejam sendo indicadas somente para aqueles profissionais com idade superior a 60 anos e em que pese o fato de os profissionais na faixa etária de 31-40 anos terem apresentado o maior número de DALY, é preciso um olhar mais cuidadoso com os profissionais de idade superior a 50 anos.

A alta contribuição do YLL na carga da COVID-19 pode ser atribuída ao curto tempo de sobrevida, principalmente na forma mais grave da doença, quando o doente evolui para síndrome respiratória aguda grave (SRAG), cuja letalidade é elevada.

Os dados podem ajudar a repensar as medidas utilizadas para diminuir as mortes evitáveis ou reduzíveis, que podem ser prevenidas por meio de ações efetivas dos serviços de saúde, como a priorização do afastamento não somente daquelas pessoas com idade acima dos 60 anos, mas procurando analisar cada caso entre os profissionais com idade a partir dos 50 anos. No entanto, diante do aumento do absenteísmo, talvez não seja possível ainda a muitos sistemas e serviços de saúde reduzir o limite de idade para afastar esses profissionais da assistência, como medida para diminuir o risco de morte entre eles, o que é compreensível.

Em face da realidade imposta pela pandemia, é possível constatar os diversos caminhos por meio dos quais a crise sanitária provocada pela doença pode afetar a economia. O elevado número de DALY encontrado no presente estudo pode concorrer para o aumento do absenteísmo e diminuição da produtividade do trabalho, em decorrência da magnitude dos efeitos físicos e psíquicos e de toda a sintomatologia da doença, cujo tempo para a total recuperação do profissional poderá ser longo, variando entre 8 a 17 meses, considerando as taxas de DALY por mil profissionais, que foi de 1.457,94 DALY entre os homens e de 674,23 DALY entre as mulheres(1515 Monteiro WM, Brito SJD, Baía DS, Melo GC, Siqueira AM, Val F, et al. Driving forces for COVID-19 clinical trials using chloroquine: the need to choose the right research questions and outcomes. Rev Soc Bras Med Trop. 2020;53:e2020. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0155-2020
https://doi.org/10.1590/0037-8682-0155-2...
).

Proporcionalmente, a diferença no número de DALY e o consequente impacto da infecção pelo SARS-CoV-2 entre os profissionais de saúde do sexo feminino foi um dado que chamou muito atenção, embora a enfermagem seja uma profissão composta basicamente por mulheres. Na média, considerando as diferentes faixas etárias, o número de DALY entre as mulheres foi 132% maior do que entre os homens.

No Brasil, há muito, as mulheres passaram a ter responsabilidades com a renda familiar. Sendo a enfermagem uma profissão cuja força de trabalho tem majoritária presença feminina, é possível que muitas enfermeiras e técnicas de enfermagem tenham assumido o sustento do lar, sobretudo nesse momento de pandemia, quando muitos empregos foram perdidos. Mas elas, além de suas atividades laborais, continuam encarregadas das atividades domésticas.

O ritmo laboral dos trabalhadores de enfermagem, assim como a carga horária excessiva de trabalho exercida por esses profissionais, além do dimensionamento de pessoal quase sempre inadequado e das dificuldades nas relações interpessoais, devem ser considerados fatores determinantes para o adoecimento profissional, que por si só podem acarretar prejuízos na qualidade de vida, impactando ainda mais o número de DALY. Porém, entre as profissionais de enfermagem do sexo feminino, os problemas podem ser agravados pela discriminação nas relações de trabalho e pela sobrecarga de responsabilidades no trabalho doméstico(1616 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios e Diretrizes. 2. reimpr. Brasília: Editora do Ministério da Saúde (Série C. Projetos, Programas e Relatórios) [Internet]. 2011 [cited 2020 Jul 5]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_mulher_principios_diretrizes.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
).

Limitações do estudo

O poder de extrapolação dos resultados é limitado, uma vez que a pesquisa se baseou em dados secundários disponibilizados pelo Observatório da Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Ainda, é possível que exista subnotificação de casos, uma vez que a notificação no Observatório da Enfermagem depende da iniciativa do profissional ou de seu familiar. Há de se ter em conta também o grande número de dados incompletos, o que reduziu consideravelmente o número de registros de casos incluídos no estudo.

Portanto, dados incompletos acerca das características sociodemográficas relativos aos casos registrados no Observatório da Enfermagem e relativos aos desfechos (óbito e infecção pelo SARS-CoV-2) podem enviesar os resultados encontrados no estudo.

O fato de não existir ainda uma referência sobre o peso da infecção pelo SARS-CoV-2, razão pela qual foi utilizado o peso atribuído à gripe sazonal na sua forma moderada e não na forma grave, assim como as incertezas sobre o tempo necessário para a recuperação plena da doença são limitações que também precisam ser consideradas.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados apresentados neste estudo poderão subsidiar estratégias de intervenções inerentes à saúde do trabalhador de enfermagem e demais profissionais de saúde que também são impactados por essa doença. Tais resultados serão levados ao conhecimento das autoridades competentes e pesquisadores, para que possam servir de base para, a partir de suas distintas competências, focalizar os fatores que podem estar contribuindo para esse número tão alto de DALY entre esses profissionais — fatores que devem, portanto, ser objeto de atenção e preocupação.

O estudo traz contribuições para a área da enfermagem tanto na perspectiva científica, dada a utilização de novos desenhos de pesquisa, ampliando ainda mais o escopo da produção de conhecimentos na área, quanto na perspectiva da gestão dos recursos humanos, planejamento da assistência e formulação de políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia da COVID-19 está sendo uma oportunidade ímpar para que cada um de nós possamos perceber e refletir sobre as fragilidades no nosso país, sobretudo no que se refere à saúde dos profissionais de saúde.

Haja vista a necessidade de se garantir qualidade e quantidade de profissionais de saúde na linha de frente ao combate da pandemia da COVID-19 no Brasil, de modo a possibilitar o aumento das chances de redução dos impactos negativos dessa doença na sociedade, é fundamental que os gestores tomem conhecimento e olhem para os números apresentados neste estudo, a fim de desenvolverem estratégias para promoção da saúde desses trabalhadores do setor saúde, que devem ser priorizados.

O estudo identificou diferentes padrões de carga da infecção pelo SARS-CoV-2 no tocante a todas as variáveis analisadas, considerando as categorias profissionais, o sexo e faixa etária entre os profissionais de enfermagem no Brasil. A carga da doença entre esses profissionais devido à infecção pelo SARS-CoV-2 segue uma tendência de alta e tem maior impacto nos mais jovens. Porém, novos estudos precisam ser desenvolvidos para melhor análise de tendência da evolução da carga da doença enquanto durar a pandemia.

Os números de DALY encontrados apontam para diferenças importantes na distribuição por idade, categoria profissional e, sobretudo, sexo. Nesse sentido, devem também os gestores programar atividades que priorizem as políticas de saúde da mulher dentro das instituições empregadoras.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2020
  • Aceito
    21 Dez 2020
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