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A crença em saúde na adoção de medidas de prevenção e controle da COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Refletir, à luz do Modelo de Crença em Saúde, sobre a adoção de medidas comportamentais no contexto da COVID-19.

Métodos:

Ensaio teórico-reflexivo, embasado no Modelo de Crença em Saúde, para refletir sobre a adesão a comportamentos preventivos na pandemia de COVID-19.

Resultados:

A adesão a comportamentos preventivos é fortemente influenciada por fatores socioeconômicos, territoriais, políticos e individuais ante situações críticas de saúde. Além disso, a propagação de falsas notícias modula o pensamento e a execução de ações comportamentais na população.

Considerações Finais:

Faz-se necessária a compreensão da importância de processos de comunicação em saúde e utilização de ferramentas direcionadas ao comportamento humano responsável e engajado na adoção de uma postura preventiva.

Descritores:
Comportamento de Saúde; Cultura; Infecções por Coronavírus; Pandemias; Prevenção de Doenças

ABSTRACT

Objective:

Reflect, in the light of the Health Belief Model, on the adoption of behavioral measures in the context of COVID-19.

Methods:

Theoretical-reflective essay, based on the Health Belief Model, to reflect on adherence to preventive behaviors in the pandemic of COVID-19.

Results:

Adherence to preventive behaviors is strongly influenced by socioeconomic, territorial, political and individual factors in the face of critical health situations. In addition, the spread of false news modulates the thinking and execution of behavioral actions in the population.

Final Considerations:

It is necessary to understand the importance of health communication processes and the use of tools aimed at responsible human behavior and engaged in the adoption of a preventive posture.

Descriptors:
Health Behavior; Culture; Coronavirus Infections; Pandemics; Disease Prevention

RESUMEN

Objetivo:

Reflejar, a la luz del Modelo de Creencia en Salud, sobre la adopción de medidas comportamentales en el contexto de la COVID-19.

Métodos:

Ensayo teórico-reflexivo, basado en el Modelo de Creencia en Salud, para reflejar sobre la adhesión a comportamientos preventivos en la pandemia de COVID-19.

Resultados:

La adhesión a comportamientos preventivos es altamente influenciada por factores socioeconómicos, territoriales, políticos e individuales ante situaciones críticas de salud. Además, la propagación de falsas noticias modula el pensamiento y la ejecución de acciones comportamentales en la población.

Consideraciones Finales:

Se hace necesaria la comprensión de la importancia de procesos de comunicación en salud y utilización de herramientas apuntadas al comportamiento humano responsable y comprometida en la adopción de una postura preventiva.

Descriptores:
Comportamiento de salud; Cultura; Infecciones por Coronavirus; Pandemias; Prevención de Enfermedades

INTRODUÇÃO

Nos últimos meses, a emergência de saúde pública causada pela COVID-19 desencadeou inquietação e múltiplos questionamentos acerca da real magnitude do compromisso social com a saúde. Se ocasionalmente o comprometimento individual com a saúde coletiva era questionado sob a esfera ética e moral, hoje é fator de destaque no meio científico e entre a população.

A doença foi identificada inicialmente na província de Wuhan, na China, em dezembro de 2019; e, desde então, tem sido propagada para diversos países, incluindo o Brasil. O agente etiológico causador é o novo coronavírus Sars-CoV-2, e sua transmissão ocorre de pessoa para pessoa, principalmente por meio do contato direto ou por gotículas disseminadas pela tosse ou espirro de uma pessoa contaminada, provocando sintomas que variam desde uma gripe até uma pneumonia severa(11 Jieyun Z, Pan Ji, Jielong P, Zhimei Z, Hongyuan L, Cuiying H, et al. Clinical characteristics of COVID-19: a meta-analysis. J Med Virol[Internet]. 2020 [cited 2020 May 20];94:91-5. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jmv.25884
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
).

No mundo, foram confirmados 23.518.343 casos e 810.492 mortes por COVID-19 até o dia 24 de agosto de 2020. No Brasil, a situação agrava-se de forma semelhante: no mesmo período, o número de casos notificados chega a 3.622.861, com 115.309 mortes. Fatores como a alta velocidade de disseminação, letalidade, virulência e conhecimento científico ainda insuficiente concorrem para o aumento do número de casos e evidenciam a necessidade de adotar medidas preventivas(22 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) pandemic: numbers at a glance[Internet]. 2020[cited 2020 May 20]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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-33 Ministério da Saúde (BR). Painel de casos de doença pelo coronavírus 19 (COVID-19) NO Brasil pelo Ministério da Saúde [Internet]. 2020[cited 2020 May 20]. Available from: https://covid.saude.gov.br/
https://covid.saude.gov.br/...
).

Em uma visão ampliada, a determinação social do processo saúde-doença da atual pandemia é marcada fortemente pela influência de inúmeros fatores comportamentais. Até o momento, normas sociais de contenção da infecção, como a adoção de medidas de higiene e o isolamento social têm sido as recomendações preventivas de maior magnitude para reduzir o ritmo de transmissão do vírus(22 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) pandemic: numbers at a glance[Internet]. 2020[cited 2020 May 20]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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).

Aspectos comportamentais e crenças populacionais diante da pandemia de COVID-19 têm sido objeto de estudo a fim de consolidar o conhecimento da influência do sistema de crenças inadequadas e potencializar a elaboração de estratégias que possam fomentar práticas assertivas no controle da doença(44 Costa MF. Modelo de crença em saúde para determinantes de risco para contaminação por coronavírus. Rev Saúde Pública. 2020;54:47. doi: 10.11606/s1518-8787.2020054002494
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). Dizemos isso porque são comuns comportamentos equivocados sobre formas de transmissão, tratamento e prevenção, e eles se pautam muitas vezes em informações veiculadas por fontes não oficiais que constituem evidentes processos de desinformação, a exemplo das fake news. Esses conteúdos, por sua vez, podem incentivar a população a consumir medicamentos inadequados, intensificar ações demasiadamente exageradas (estocar mercadorias) ou ainda subreagir à doença espalhando o vírus de forma inadvertida(55 Lima DLF, Dias AA, Rabelo RS, Cruz IDD, Costa SC, Nigri FMN, et al. COVID-19 no estado do Ceará, Brasil: comportamentos e crenças na chegada da pandemia. Ciên Saúde Coletiva [Internet]. 2020 [cited 2020 May 13];25:1575-86. Available from: https://www.scielosp.org/article/csc/2020.v25n5/1575-1586/pt/
https://www.scielosp.org/article/csc/202...
).

Visto que concepções tradicionais e verticalizadas ainda instituem barreiras para ações de assistência e vigilância à saúde desfragmentadas(66 Xiao Y, Torok ME. Taking the right measures to control COVID-19. Lancet Infect Dis. 2020;20(5):523-4. doi: 10.1016/S1473-3099(20)30152-3
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), é necessária a disseminação de informações seguras sobre medidas preventivas, já que proporcionam construção de conhecimentos, atitudes e práticas positivas nas condições de saúde e bem-estar individual e coletivo(77 Rosenstock IM. The health belief model and preventive health behavior. Health Educ Monogr. 1974;2(4):354-86. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/109019817400200405
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).

OBJETIVO

Refletir, à luz do Modelo de Crença em Saúde, sobre a adoção de medidas comportamentais para reduzir a disseminação da COVID-19.

MÉTODOS

Trata-se de ensaio teórico-reflexivo, embasado no Modelo de Crença em Saúde, para refletir sobre a adesão a comportamentos preventivos na pandemia de COVID-19. Os artigos utilizados para a fundamentação foram acessados por meio das seguintes bases de dados: Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), consultada pela Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), via PubMed. Dentre os descritores e palavras-chave utilizados na busca, destacam-se: "Comportamento de Saúde", "Cultura", "Infecções por Coronavírus", "Pandemias", e "Prevenção de Doenças".

COVID-19 E O MODELO DE CRENÇA EM SAÚDE

Ao ponderar crenças, medos e mitos na prevenção e controle da COVID-19, verifica-se que a adoção de comportamentos positivos em saúde perpassa por pensamentos, percepções, expectativas, sentimentos, hábitos e comportamentos de risco(44 Costa MF. Modelo de crença em saúde para determinantes de risco para contaminação por coronavírus. Rev Saúde Pública. 2020;54:47. doi: 10.11606/s1518-8787.2020054002494
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). Logo, refletindo sobre essas questões, observa-se que as ações preventivas nesse contexto só modificam o comportamento das pessoas que acreditam nos benefícios de tais mudanças, ou seja, que suas ações são capazes de reduzir sua suscetibilidade, seriedade da virulência e consequentemente o risco de morte.

Embora as normas de restrição e isolamento social adotadas internacionalmente permitam a análise empírica de atenuação da propagação do vírus, vale lembrar que o senso comum, construído e propagado pela falsa crença de que a pandemia iniciada em Wuhan, China, não se disseminaria mundialmente, interferiu sobremaneira na resistência em não aderir a medidas de contenção e alerta social(88 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395(102227):912-20. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30460-8
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).

Essa realidade pode ser discutida com base no Modelo Teórico de Crença em Saúde, que busca explicar e predizer o comportamento humano no processo saúde-doença, partindo do pressuposto de que, para a pessoa pôr em prática comportamentos preventivos, necessita acreditar que ela é pessoalmente suscetível a um problema de saúde e que este pode ter consequências sérias sobre algum componente de sua vida.

O Modelo de Crença em Saúde foi elaborado por um grupo de psicólogos sociais do serviço de saúde pública americano nos anos 1950, com o intuito de compreender a resistência das pessoas no tocante à aceitação de medidas preventivas em saúde ou a testes para detectar precocemente doenças assintomáticas. Como preditor do comportamento preventivo, o modelo é basicamente composto por quatro dimensões: suscetibilidade, gravidade, benefícios e barreiras. Estas somam-se às percepções subjetivas de cada pessoa/família e interferem no processo de tomada de decisão(77 Rosenstock IM. The health belief model and preventive health behavior. Health Educ Monogr. 1974;2(4):354-86. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/109019817400200405
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).

Os componentes que embasam o modelo de crença em saúde derivam da teoria do campo de forças de Lewin(77 Rosenstock IM. The health belief model and preventive health behavior. Health Educ Monogr. 1974;2(4):354-86. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/109019817400200405
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), que procura examinar o comportamento humano e sua motivação individual diante de qualquer fato novo. Dessa forma, o modelo trabalha propondo dimensões que pretendem explicar a tomada de decisões em relação a ações recomendadas no campo de forças da saúde. Em outras palavras, ele estuda o comportamento em função de ameaças sentidas, que emergem ou não da percepção e motivação de cada um.

Os fundamentos do modelo incluem a percepção individual, a qual será influenciada por fatores modificadores para que ocorra a ação. Cada pessoa atribui um valor que o leva a adotar um comportamento (seja ele favorável ou desfavorável). Dessa forma, as crenças funcionam como mediadores cognitivos, isto é, determinam as percepções que levarão à ação.

Do ponto de vista teórico, argumenta-se que o fato de uma pessoa adotar recomendações médicas em relação a determinada doença depende ou não de sua percepção quanto ao nível de suscetibilidade pessoal, grau de gravidade de suas consequências, dos benefícios potenciais a serem conseguidos e, finalmente, de barreiras físicas, psicológicas, financeiras, incluindo-se o custo para iniciar ou manter o comportamento desejado.

A capacidade de autoconsciência reflexiva regula ativamente o comportamento humano, influenciando atitudes e competências na busca pela saúde. Nessa vertente, a percepção individual de risco associada à doença emerge como determinante da adesão a comportamentos de prevenção(66 Xiao Y, Torok ME. Taking the right measures to control COVID-19. Lancet Infect Dis. 2020;20(5):523-4. doi: 10.1016/S1473-3099(20)30152-3
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) e é componente essencial das teorias de mudança de comportamento em saúde, tal como o Modelo de Crença em Saúde.

É mister destacar que o comportamento de saúde depende dos diferentes tipos de percepções de risco (deliberativas, afetivas e experienciais) e da precisão de tais percepções, variando conforme aspectos sociais (como gênero, idade, escolaridade e local de residência) e o conjunto de crenças sociais. Nesse sentido, estudo realizado no Ceará visando identificar aspectos comportamentais e as crenças da população diante da pandemia de COVID-19 revelou que homens, pessoas com baixa escolaridade, idosos a partir de 80 anos e aqueles residentes em cidades do interior do estado estão mais vulneráveis à infecção pelo coronavírus em razão do pensamento de invulnerabilidade à doença, comportamentos locais e acesso a recursos financeiros(55 Lima DLF, Dias AA, Rabelo RS, Cruz IDD, Costa SC, Nigri FMN, et al. COVID-19 no estado do Ceará, Brasil: comportamentos e crenças na chegada da pandemia. Ciên Saúde Coletiva [Internet]. 2020 [cited 2020 May 13];25:1575-86. Available from: https://www.scielosp.org/article/csc/2020.v25n5/1575-1586/pt/
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).

Dentro dos contextos singulares, existe à tendência de subestimar riscos de vivenciar algum infortúnio - por exemplo, contrair a COVID-19. Esse pensamento rotineiro não interfere apenas em épocas de pandemia, mas apresenta-se continuamente como fator determinante de comportamentos inadequados, como o hábito de dirigir sob influência do álcool.

Por um lado, a percepção otimista, relacionada à falsa familiaridade com o novo coronavírus, resulta em baixa adesão aos comportamentos de prevenção; por outro lado, a percepção exagerada sobre o risco de contrair a doença, associada ao viés pessimista, pode ter o efeito contrário, gerando pânico ou até mesmo estigmatização e agressão a grupos sociais associados de alguma modo à doença(66 Xiao Y, Torok ME. Taking the right measures to control COVID-19. Lancet Infect Dis. 2020;20(5):523-4. doi: 10.1016/S1473-3099(20)30152-3
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).

De forma prática, a real crença de contaminação está fortemente ligada à percepção da própria saúde geral, com base em que a pessoa indaga: Quais as chances de ser contaminado? No que diz respeito à gravidade percebida, trata-se da crença pessoal a respeito de como a pessoa sofreria o processo da doença e a intensidade dos sintomas (p.ex., "Se eu pegasse coronavírus, será que pegaria a forma grave? Precisaria de ventilador mecânico?"). Já o princípio dos benefícios percebidos está relacionado à realidade entre modificar o comportamento e evitar a infecção (p.ex., "Se eu usar máscara, se eu ficar em casa, evito pegar mesmo a doença?")

O princípio relacionado às barreiras percebidas busca entender as dificuldades de respeitar as normas e instruções de proteção e evitar contágio por coronavírus (p.ex., "Ir apenas uma pessoa de casa fazer as compras em vez de duas ou três pode ajudar na prevenção?"). Além dessas dimensões, fazem parte do modelo estímulos que provocam o processo de tomada de decisão, tais como sintomas vivenciados e influência externa de amigos, família e meios de comunicação.

Reforça-se que as pessoas recebem motivações para as ações que se encontram no campo de forças, com atrações positivas e negativas, e essas motivações ajudam dinamicamente a definir os determinantes sociocomportamentais do processo saúde-doença. No caso da pandemia de COVID19, ressalta-se que, mesmo crendo na gravidade da infecção, informações errôneas podem atenuar ações preventivas, gerando dissonância cognitiva, ou seja, incoerência entre aquilo no que se acredita e aquilo que se faz.

Desse modo, os comportamentos de prevenção são essenciais e dependem da comunicação efetiva da percepção de risco, resultados esperados e crença na autoeficácia. Essa realidade pode ser exemplificada por ações desenvolvidas na Alemanha e Nova Zelândia, que disponibilizaram informações epidemiológicas adequadas e operacionalizaram disseminação de informações concretas para prevenção e gerenciamento de crises em saúde pública(22 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) pandemic: numbers at a glance[Internet]. 2020[cited 2020 May 20]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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).

Daí se vê que diferenças de recursos, governos e leis exercem forte impacto na configuração da curva epidêmica em distintos cenários socioeconômicos. Além disso, características individuais, crenças e comportamentos culturais interferem na adoção de medidas protetivas e colaboram para uma maior gravidade de desfechos negativos em saúde. Isso mostra a importância dessas ações governamentais para a adoção de uma postura preventiva(99 Rafael RDMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Araujo Faria MG. Epidemiologia, políticas públicas e pandemia de Covid-19: o que esperar no Brasil? Rev Enferm UERJ. 2020;28:49570. doi: 10.12957/reuerj.2020.49570
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).

No atual contexto, as recomendações adotadas centralizam-se em uma única premissa: tratase de infecção de alta virulência, que impõe a adoção de novos hábitos em curto intervalo de tempo. Em todo o mundo, observamos que a crença concreta de ameaça à vida, ocasionada pelo número de óbitos relacionados à COVID-19, intensificou os comportamentos positivos diante da compreensão do processo saúde-doença, variando conforme a condição individual multideterminada, e isso corrobora a premissa de que a percepção real do risco leva à adoção de comportamentos de prevenção.

No Reino Unido, as medidas não farmacológicas destinadas a suprimir a propagação do vírus, como o distanciamento social e medidas de higiene, foram introduzidas a priori de maneira voluntária, sem a imposição do governo. A evidência se encontra em uma pesquisa realizada no país para examinar as percepções de risco e as respostas comportamentais da população adulta durante a fase inicial da epidemia da COVID-19: mostrou-se que, dos 2.108 entrevistados, 77,4% tinham uma percepção real do risco da doença e relataram estar preocupados com a COVID-19. Além disso, 94,2% dos entrevistados relataram tomar pelo menos uma medida preventiva; e, destes, 56,5% afirmaram aderir ao isolamento social(1010 Atchison CJ, Bowman L, Vrinten C, Redd R, Pristera P, Eaton JW, Ward H. Perceptions and behavioural responses of the general public during the COVID-19 pandemic: a cross-sectional survey of UK Adults. MedRxiv. 2020. doi: 10.1101/2020.04.01.20050039
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).

Na perspectiva do isolamento social, o Brasil possui níveis abaixo do recomendado por especialistas, atingindo em média 41,7%. Os valores variam conforme cada região do país: o Amapá, por exemplo, é o estado que possui o maior índice de isolamento social (55,8%), enquanto o estado de Goiás apresenta o pior índice (35,9%). Essas divergências são explicadas por questões relacionadas tanto à própria percepção das pessoas sobre o seu potencial para se contaminar com a doença quanto ao ceticismo na real eficácia da medida. Aspectos como renda, escolaridade, sexo, idade também contribuem para as baixas taxas de adesão ao isolamento social(1111 Bezerra A, Silva CEM, Soares F, Silva JAM. Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Ciên Saúde Coletiva. 2020;25(1): 2411-21. doi: 10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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).

Ao considerar estímulos e singularidade dos contextos sociais, o processo de comunicação em saúde evidencia a necessidade de intervenções educativas, elaboradas com embasamento teórico científico articulado a estratégias cognitivas, motivacionais e instrucionais, a fim de favorecer a autoeficácia e segurança nas decisões adotadas, bem como refutar mitos e concepções equivocadas. Uma das estratégias desse processo é a promoção da saúde em diferentes níveis. No nível mais inferior, o foco está na mudança de comportamento individual e gestão de doenças; no nível intermediário, volta-se para as intervenções que repercutem em organizações e comunidades; e no nível superior, encontra-se nas políticas de informações que afetam a população(1212 Pennycook G, McPhetres J, Zhang Y, Lu JG, Rand DG. Fighting COVID-19 misinformation on social media: Experimental evidence for a scalable accuracy-nudge intervention. Psychol Sci. 2020;31(7):770-80. doi: 10.1177/0956797620939054
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).

É possível concluir que a pandemia de COVID-19 deixa um grande legado, principalmente no que tange à influência comportamental como principal fator de risco para a disseminação da doença. Entretanto, a adesão consciente a essas mudanças depende de características individuais, culturais, crenças, localização, normas e da própria percepção de risco associada ao adoecimento.

De maneira prática, a percepção do comportamento resulta na capacidade de controlar a pandemia. Em outras palavras, ao perceber que o isolamento e o distanciamento social reduzem o risco de contágio da doença, possibilita-se o aumento de confiança e segurança no controle da contaminação por coronavírus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredita-se na mudança do paradigma de saúde em todo o mundo, a qual será totalmente dependente do comportamento e da heterogeneidade do sistema de crença relacionado à COVID-19. Ao se refletir sobre esse modelo, reforça-se que as percepções individuais sobre os riscos e gravidade ponderam fatores modificáveis de risco, benefícios e barreiras, que são essenciais no processo de saúde e doença.

Ainda, acrescenta-se que veiculação de notícias e informações falsas, sem cunho científico, resultam no insucesso do gerenciamento da pandemia e interferem diretamente na baixa adoção de comportamentos preventivos. Dessa forma, a hesitação em disponibilizar rapidamente informações adequadas e seguras sobre o número de casos e a real eficácia das medidas de prevenção não promove obrigatoriamente, em todos, a mesma percepção de risco.

Ademais, visões deturpadas e estigmatizadas geram baixa adesão aos comportamentos de prevenção. Logo, é absolutamente necessário compreender a importância de processos contínuos de educação em saúde baseados em informações seguras e evidências científicas integradas, além de ferramentas direcionadas ao comportamento humano responsável e engajado. Isso permite a tomada de decisões que podem encorajar a construção do pensamento crítico e reflexivo na população, reduzindo a disseminação e as consequências do novo coronavírus.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSCOAIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2020
  • Aceito
    01 Nov 2020
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