Autocuidado de pessoas idosas com diabetes mellitus e a relação interpessoal enfermeiro-paciente

RESUMO

Objetivo:

Analisar as atividades de autocuidado de pessoas idosas com diabetes mellitus e sua correlação com a relação interpessoal enfermeiro-paciente.

Métodos:

Estudo quantitativo transversal, com 144 idosos acompanhados em Unidades de Saúde da Família, sendo os dados coletados pelo Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes e Questionário de Relação Interpessoal no Cuidado de Enfermagem, sendo analisados por estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

Houve maior realização das atividades Tomar as injeções de insulina conforme recomendado (6,74), Tomar os medicamentos do diabetes conforme recomendado (6,55) e Tomar o número indicado de comprimidos do diabetes (6,52). A relação interpessoal apresentou moderada efetividade (80,6%). A correlação entre o autocuidado com o diabetes e o relacionamento interpessoal apresentou valor positivo e significante na dimensão Alimentação específica.

Conclusões:

A efetividade da relação interpessoal no cuidado de enfermagem resultou em maior cumprimento das atividades referentes à alimentação específica.

Descritores:
Autocuidado; Relações Interpessoais; Diabetes Mellitus; Idoso; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To analyze the self-care activities of elderly people with diabetes mellitus and its correlation with the nurse-patient interpersonal relationship.

Methods:

Cross-sectional quantitative study, with 144 elderly people followed up in Family Health Units, with data collected by the Diabetes Self-Care Activities Questionnaire and Interpersonal Relationship Questionnaire in Nursing Care, being analyzed by descriptive and inferential statistics.

Results:

There was a greater accomplishment of the activities Take insulin injections as recommended (6.74), Take diabetes medications as recommended (6.55) and Take the indicated number of diabetes pills (6.52). The interpersonal relationship showed moderate effectiveness (80.6%). The correlation between self-care with diabetes and interpersonal relationships showed a positive and significant value in the dimension Specific feeding.

Conclusion:

The effectiveness of the interpersonal relationship in nursing care resulted in greater compliance with activities related to specific food.

Descriptors:
Self Care; Interpersonal Relations; Diabetes Mellitus; Aged; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las actividades de autocuidado de personas ancianas con diabetes mellitus y su correlación con la relación interpersonal enfermero-paciente.

Métodos:

Estudio cuantitativo transversal, con 144 ancianos acompañados en Unidades de Salud de la Familia, los dados recogidos por Encuesta de Actividades de Autocuidado con el Diabetes y Encuesta de Relación Interpersonal en el Cuidado de Enfermería, siendo analizados por estadística descriptiva y inferencial.

Resultados:

Hubo mayor realización de las actividades Tomar las inyecciones de insulina conforme recomendado (6,74), Tomar los medicamentos de diabetes conforme recomendado (6,55) y Tomar el número indicado de comprimidos de diabetes (6,52). La relación interpersonal presentó moderada efectividad (80,6%). La correlación entre el autocuidado con el diabetes y la relación interpersonal presentó valor positivo y significante en la dimensión Alimentación específica.

Conclusiones:

La efectividad de la relación interpersonal en el cuidado de enfermería resultó en mayor cumplimento de las actividades referentes a la alimentación específica.

Descriptores:
Autocuidado; Relaciones Interpersonales; Diabetes Mellitus; Anciano; Enfermería

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis são as principais causas de morte e de problemas de saúde no mundo, provocando cerca de 41 milhões de mortes a cada ano, o que corresponde a aproximadamente 71% de todos os óbitos. Dentre essas doenças, o diabetes mellitus tem se destacado devido ao aumento de sua incidência e prevalência⁽¹⁾.

Estimativas apontam que 463 milhões de pessoas vivem com diabetes no mundo; destes, 111 milhões são idosos acima de 65 anos, o que resulta em uma maior vulnerabilidade ao surgimento de complicações, levando a prejuízos na capacidade funcional e na autonomia, tendo em vista que o diabetes é a 11ª causa de incapacidade em todo o mundo^(2-3). O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de países com maior número de casos, tendo aproximadamente 16,8 milhões pessoas nessa condição, o que está associado a elevados custos econômicos e sociais para indivíduos, famílias e sociedade⁽²⁾.

O diabetes quando não controlado pode levar, em longo prazo, ao aparecimento de diversas complicações, tais como insuficiência renal, cegueira, amputações dos membros, infarto, doença cerebrovascular e vascular periférica, o que pode comprometer o bem-estar e qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Entretanto, medidas de prevenção podem ser tomadas para evitar ou minimizar os efeitos deletérios da doença, com destaque para a realização das atividades de autocuidado^(2,4).

O autocuidado é um dos aspectos imprescindíveis no tratamento da pessoa idosa com diabetes, haja vista que sua prática melhora o estado de saúde e reduz as chances de complicações. Consiste na manutenção de uma alimentação saudável, prática de atividade física, uso contínuo de medicamentos prescritos, monitorização glicêmica, cuidado com os pés e a realização periódica de consultas e exames⁽⁴⁾. Entretanto, estudos mostram que as pessoas com diabetes realizam mais as atividades de autocuidado relacionadas ao tratamento medicamentoso^(5-8).

A adoção de comportamentos e estilo de vida saudáveis é de extrema importância para se alcançar o êxito no tratamento do diabetes mellitus, no entanto essa realidade pode ser percebida como um grande desafio para a pessoa idosa acometida, configurando uma dificuldade de adaptação à doença, o que pode interferir negativamente sobre o seu estado físico, psicológico e emocional⁽⁹⁾.

Assim, é essencial que essas pessoas idosas com diabetes mellitus sejam apoiadas e compreendidas em sua subjetividade, muito bem informadas sobre sua condição de saúde, motivadas a lidar com os obstáculos e adequadamente capacitadas para cumprirem o seu plano de tratamento, sendo fundamental nesse processo a educação contínua e o suporte da família e dos profissionais de saúde, em especial do enfermeiro⁽³⁾. Vale salientar a importância do profissional considerar, ao elaborar o plano de cuidado, o envolvimento das pessoas idosas com diabetes nas tomadas de decisões e ampliar aos familiares e/ou cuidadores, para poderem auxiliar na manutenção dos novos hábitos e comportamentos adquiridos⁽¹⁰⁾.

Para isso, é imprescindível a construção de vínculo e efetivação da relação interpessoal profissional-paciente. As relações de cuidado firmadas entre ambos são a base de toda atividade de enfermagem. O enfermeiro é um dos profissionais que atuam na Atenção Básica de Saúde, passando a conviver por mais tempo com a pessoa idosa com diabetes, o que favorece o desenvolvimento de uma relação próxima e contínua^(11-12).

A relação entre o enfermeiro e o paciente com diabetes deve ser pautada na confiança, empatia, escuta qualificada, atenção, respeito, diálogo horizontal, orientações compreensíveis e atendimento individual das necessidades, considerando a maneira como os pacientes compreendem e vivenciam a doença⁽¹¹⁾. A efetividade do relacionamento interpessoal contribui para a formulação de estratégias discutidas e pactuadas com o paciente, as quais apresentam uma maior chance de serem cumpridas na sua rotina diária⁽¹³⁾.

Como evidência disso, estudo realizado na Noruega com 202 pacientes identificou que a interação enfermeiro-paciente possui uma poderosa influência na esperança, na autotranscendência e no significado da vida do indivíduo, bem como nos níveis de ansiedade e depressão⁽¹⁴⁾. Nessa perspectiva, embora as relações interpessoais tenham grande importância nos cuidados de enfermagem, ainda é incipiente a discussão acerca desse tema na área da saúde.

Em âmbitos nacional e internacional, a maioria dos estudos retrata a relação interpessoal por meio de elementos operacionais e de modo subjetivo em pesquisas qualitativas^(11,14-17). São escassos os estudos de abordagem quantitativa que fazem uso de instrumentos validados e com propriedades psicométricas adequadas para mensurar o constructo do relacionamento interpessoal⁽¹¹⁾.

Diante desse contexto, torna-se relevante avaliar a relação interpessoal no cuidado em enfermagem e as atividades de autocuidado das pessoas idosas com diabetes, o que ajudará os profissionais de enfermagem a compreenderem a importância das relações estabelecidas com o usuário, identificando as habilidades que precisam ser desenvolvidas e aprimoradas para que haja uma melhor interação entre enfermeiro e paciente. Isso culminará em uma assistência com maior segurança e qualidade, favorecendo, assim, ao usuário a construção de um perfil gerenciador de sua própria saúde.

OBJETIVO

Analisar as atividades de autocuidado de pessoas idosas com diabetes mellitus e sua correlação com a relação interpessoal enfermeiro-paciente.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O presente estudo seguiu a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Além disso, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa e norteado pela ferramenta STROBE, tendo sido realizado nas Unidades de Saúde da Família (USF) do município de João Pessoa, estado da Paraíba (PB), Brasil, entre os meses de junho e outubro de 2019.

População e amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população foi composta por todos os usuários idosos com diabetes mellitus atendidos nas USFs que apresentassem o enfermeiro atuando há pelo menos um ano, correspondendo a 10.647 indivíduos distribuídos nos cinco Distritos Sanitários (DS): I - 2.641; II - 1.919; III - 3.072; IV - 1.554; V - 1461.

A seleção da amostra foi realizada segundo o método de alocação proporcional ao quantitativo de idosos com diabetes atendidos por cada DS, em comparação com o número total de idosos atendidos (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição de idosos atendidos por Distrito Sanitário segundo a presença de diabetes, João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2019

Distrito	Idosos atendidos	Idosos diabéticos atendidos	ph- Percentual de idosos diabéticos atendidos (em relação ao total de idosos atendidos)
I	12.571	2.641	p1= 5.4%
II	9.366	1.919	p2= 3.9%
III	13.122	3.072	p3= 6.3%
IV	7.391	1.554	p4= 3.2%
V	6.184	1.461	p5= 3.0%
Total	48.634	10.647	-

Dessa forma, o tamanho da amostra obtido foi: DS I = 37; DS II = 27; DS III = 38; DS IV = 22; e DS V = 18. Logo, o total foi de 142 usuários. Para operacionalizar a coleta de dados, estabeleceu-se um quantitativo máximo de dois pacientes por unidade, sendo necessário alcançar um número par para a divisão proporcional. Diante disso, foi incluída uma entrevista nos DS I (n = 38) e II (n = 28), o que resultou em uma amostra de 144 participantes.

Os critérios de inclusão definidos foram: possuir idade igual ou superior a 60 anos; apresentar diagnóstico médico de diabetes tipo 2; ser acompanhado na USF há, no mínimo, um ano; e estar à espera da consulta de enfermagem. Não foram incluídos indivíduos com diabetes tipo 1, por ser uma doença identificada frequentemente na infância e adolescência, o que requer a adesão de práticas de autocuidado ao longo da vida. Foram excluídos os idosos que não se comunicavam verbalmente e que não possuíam condições cognitivas para responder as perguntas, conforme avaliação do Mini Exame do Estado Mental⁽¹⁸⁾.

Protocolo do estudo

Os dados do estudo foram coletados por meio de entrevistas individuais, em que os idosos eram abordados na sala de espera da unidade de saúde. Foi utilizado um instrumento semiestruturado para obtenção de dados sociodemográficos e condições clínicas, contendo as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, conjugalidade, escolaridade, religião, ocupação, renda pessoal e familiar, situação previdenciária e pessoas com quem residia; o Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes (QAD); e o Questionário de Relação Interpessoal no Cuidado de Enfermagem (QRIC).

A média de realização das atividades de autocuidado foi obtida por meio do QAD, versão traduzida, adaptada e validada para a cultura brasileira no ano de 2010⁽¹⁴⁾. Possui 15 itens, distribuídos em sete dimensões: Alimentação geral (dois itens), Alimentação específica (três itens), Atividade física (dois itens), Monitorização da glicemia (dois itens), Cuidado com os pés (três itens) e Uso da medicação (com três itens, utilizados de acordo com o esquema medicamentoso). Inclui também outros três itens para a avaliação do tabagismo. O alfa de Cronbach (a) variou de 0,09 a 0,86 na correlação interitens. Na avaliação teste-reteste, a menor correlação foi para o item Ingerir doces (a = 0,15); e a maior, para os itens sobre o uso do cigarro (a = 1,00). As correlações interavaliador variaram entre a = 0,29 e a = 1,00⁽¹⁹⁾.

A relação interpessoal foi avaliada pelo QRIC. Trata-se de um instrumento construído e validado em 2017, no Brasil, no qual o paciente analisa a sua relação interpessoal com o enfermeiro. É o único instrumento designado para essa função que considera uma teoria de enfermagem como fundamento epistêmico de sustentação - o arcabouço teórico utilizado foi o Sistema Interpessoal do Modelo de Sistemas Abertos Interatuantes, de Imogene King⁽¹¹⁾.

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram transferidos para o Microsoft Office Excel^((®)); e, posteriormente, foram realizadas análises estatísticas com uso do programa Statistical Package for the Social Sciences^((®)) (versão 22.0). A análise dos dados ocorreu por meio da estatística descritiva e inferencial. A variável dependente incluída no estudo foi “o autocuidado com o diabetes”, e a variável independente foi “o relacionamento interpessoal no cuidado de enfermagem”.

O QAD avalia a realização de determinado comportamento durante sete dias por semana, portanto os escores de cada item podem variar de 0 a 7, e maiores escores indicam melhores resultados. Os itens da dimensão Alimentação específica devem ser invertidos, em que 7 = 0, 6 = 1, 5 = 2, 4 = 3, 3 = 4, 2 = 5, 1 = 6, 0 = 7 e vice-versa, como sugerido no SDSCA revisado⁽¹⁹⁾.

O QRIC possui 31 itens com alfa de Cronbach de 0,90 e ômega de McDonald de 0,92. As primeiras 20 perguntas podem ser respondidas como “nunca”, “algumas vezes”, “a grande maioria das vezes” e “sempre”, pontuadas numa escala do tipo Likert de 1 a 4. As perguntas de 21 a 29 podem ser respondidas como “nunca”, “algumas vezes” e “sempre”, pontuadas de 1 a 3. Por fim, as questões 30 e 31 são perguntas de resposta única⁽¹¹⁾.

A análise é realizada segundo um valor do parâmetro teta (θ) estimado para o desempenho dos respondentes. Por se tratar de um cálculo complexo realizado com ajuda de um software livreR, é disponibilizado um endereço eletrônico para esse fim. O valor obtido do parâmetro teta (θ) sugere o nível de efetividade da relação interpessoal nos cuidados de enfermagem: inferior a 30, muito baixa efetividade; 30 a 39, baixa efetividade; 40 a 49, moderada efetividade; 50 a 59, alta efetividade; e igual ou superior a 60, muito alta efetividade⁽¹¹⁾.

A verificação da normalidade dos dados numéricos foi realizada pelo teste de KolmogorovSmirnov. O coeficiente correlação de Spearman foi utilizado para correlacionar as escalas, sendo a força de associação entre as variáveis quantificada pelos valores entre 1 e -1, em que, quanto mais próxima de 1 for a magnitude de correlação, menos dispersão existe na relação e, consequentemente, maior será a força⁽²⁰⁾. Dessa forma, a interpretação dos resultados foi baseada na seguinte classificação: correlação de fraca magnitude, inferior a 0,4; de moderada magnitude, igual ou superior a 0,4; e de forte magnitude igual ou superior a 0,5⁽²¹⁾. O nível de significância utilizado para as análises estatísticas foi de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Neste estudo, observou-se uma maior prevalência do sexo feminino (66,7%), com idade entre 65 e 69 anos (34%), casados ou que viviam em união estável (54,9%), com 9 a 12 anos de estudo (33,3%), praticantes da religião católica (63,9%), sem ocupação (80,6%), renda pessoal e familiar entre um e três salários mínimos^((I)) (88,2% e 88,9%, respectivamente), aposentados (75%) e residindo apenas com o cônjuge (25,0%).

No tocante às atividades de autocuidado com o diabetes, foram observadas maiores médias de adesão nos itens: Tomar as injeções de insulina conforme recomendado (6,74), Tomar os medicamentos do diabetes conforme recomendado (6,55) e Tomar o número indicado de comprimidos do diabetes (6,52). Em contrapartida, as atividades que exibiram menor adesão foram: Ingerir doces (6,01), Avaliar o açúcar no sangue o número de vezes recomendado (2,86) e Realizar atividades físicas específicas (1,53) (Tabela 2). No que tange às atividades de autocuidado referentes ao tabagismo, percebeu-se que a maioria dos idosos referiu não fumar nos últimos sete dias (91,7%) ou nunca terem fumado (52,1%).

Tabela 2
Avaliação das atividades de autocuidado com o diabetes em pessoas idosas, João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2019 (N = 144)

Atividades de autocuidado	Média de aderência (Desvio-padrão)
Alimentação geral	4,62 (2,01)
Seguir uma dieta saudável	4,89 (2,04)
Seguir a orientação alimentar	4,15 (2,20)
Alimentação específica	4,69 (1,33)
Ingerir cinco ou mais porções de frutas e/ou verduras	4,77 (2,24)
Ingerir carne vermelha e/ou derivados de leite integral	3,31 (2,24)
Ingerir doces	6,01 (1,74)
Atividade física	2,58 (1,89)
Realizar atividades físicas por pelo menos 30 minutos	3,63 (2,72)
Realizar atividades físicas específicas (caminhar, nadar etc.)	1,53 (2,18)
Monitorização da glicemia	3,13 (2,69)
Avaliar o açúcar no sangue	3,40 (2,76)
Avaliar o açúcar no sangue o número de vezes recomendado	2,86 (2,89)
Cuidados com os pés	4,61 (2,49)
Examinar os seus pés	4,58 (2,93)
Examinar dentro dos sapatos antes de calçá-los	4,72 (2,95)
Secar os espaços entre os dedos dos pés depois de lavá-los	4,53 (2,97)
Medicação	6,81 (0,48)
Tomar os medicamentos do diabetes conforme recomendado	6,55 (1,39)
Tomar as injeções de insulina conforme recomendado	6,74 (0,74)
Tomar o número indicado de comprimidos do diabetes	6,52 (1,40)

A avaliação do relacionamento interpessoal no cuidado de enfermagem à pessoa idosa com diabetes evidenciou uma moderada efetividade (80,6%), com média de 46,11 e desvio-padrão de 3,84, seguido de alta (18,1%) e baixa (1,4%). A correlação entre as dimensões do QAD com o QRIC apresentou valor positivo e significante (p < 0,05) com a alimentação específica, sendo evidenciado que, quanto maior a efetividade no relacionamento interpessoal entre o enfermeiro e a pessoa idosa com diabetes, mais elevada é a adesão à alimentação específica. Além disso, vale destacar que, embora o valor de p não tenha sido significante (p > 0,05), a maior correlação foi evidenciada entre o QRIC e a atividade de monitorização da glicemia (Tabela 3).

Tabela 3
Correlação entre as dimensões do autocuidado com o diabetes e o relacionamento interpessoal no cuidado de enfermagem à pessoa idosa, João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2019 (N = 144)

Dimensões do autocuidado	QRIC
	r	Valor de p*
Alimentação geral	0,001	0,992
Alimentação específica	0,181	0,029
Atividade física	0,164	0,050
Monitorização da glicemia	0,238	0,168
Cuidado com os pés	0,066	0,431
Medicação	0,196	0,395

• ^*
  Teste de correlação de Spearman; QRIC - Questionário de Relação Interpessoal no Cuidado de Enfermagem.

DISCUSSÃO

As pessoas idosas investigadas apresentaram uma maior média nas atividades de autocuidado relacionadas à prática medicamentosa, o que poderia ser decorrente do próprio ambiente de saúde no qual estão inseridos, tendo vista que, mesmo na Atenção Básica, em muitos locais ainda persiste uma atuação profissional pautada no modelo biomédico, sendo centrada no tratamento medicamentoso e na sua efetividade para a manutenção de níveis glicêmicos adequados⁽⁸⁾.

Associado a isso, a cultura de saúde estabelecida no país também reforça a ideia de que a utilização de medicamentos é mais eficaz do que a adoção de medidas preventivas, por apresentarem um efeito mais rápido e perceptível no controle do diabetes, favorecendo uma melhor realização dessas atividades pelos pacientes⁽²²⁾.

As menores médias de atividades de autocuidado foram evidenciadas entre ingerir doces, prática de atividade física e monitorização da glicemia. O diabetes é uma doença que necessita de um cuidado integral, uma vez que o controle glicêmico adequado somente é alcançado com a adoção de medidas farmacológicas e não farmacológicas⁽⁹⁾. Todavia, a mudança no estilo de vida representa o maior desafio para a maioria das pessoas idosas.

Evidenciando esse fato, um estudo realizado com idosos que possuíam acesso exclusivo ao serviço público de saúde no município de Sobral, no estado do Ceará, evidenciou que os participantes compreendiam a necessidade de manter hábitos saudáveis, com a adoção de uma dieta balanceada e prática regular de atividade física, contudo muitos indivíduos eram resistentes a essa mudança, por interferir significativamente na sua rotina individual e familiar⁽¹²⁾.

Nesse sentido, a manutenção de um estilo de vida saudável requer o esforço conjunto e a corresponsabilização de profissionais (em especial o enfermeiro), usuários e familiares na gestão do autocuidado com o diabetes, o que pode reduzir os riscos de complicações, prevenir agravos à saúde e promover uma melhor qualidade de vida^(9,23).

O baixo escore na atividade de avaliar o açúcar no sangue o número de vezes recomendado poderia estar relacionado a fatores individuais da pessoa idosa e/ou a problemas na organização da Atenção Básica, como um baixo nível de instrução para compreender a importância da sua realização e a forma de efetuar a técnica adequadamente, a dor resultante desse procedimento, a presença de prejuízos cognitivos ou funcionais, o reduzido poder econômico para aquisição dos materiais, as crenças e os aspectos culturais limitantes, as dificuldades no acesso aos serviços de saúde, a falha na oferta da insulina pelo poder público, entre outros^(22,24).

Em relação ao tabagismo, a maioria dos participantes referiu nunca ter fumado ou ter consumido o último cigarro há mais de dois anos, o que representa algo positivo para autocuidado. Isso porque o hábito de fumar é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes e de doenças cardiovasculares, sendo associado com elevada taxa de mortalidade^(25-26). Logo, a cessação do tabagismo é uma medida imprescindível no tratamento do diabetes, haja vista que o cigarro favorece o aumento da resistência à insulina e do risco cardiometabólico⁽²⁷⁾.

Uma revisão sistemática com metanálise realizada com mais de 1 milhão de pessoas identificou que os indivíduos que possuem diabetes e são fumantes apresentaram cerca de 50% mais chances de morrer prematuramente devido a eventos cardiovasculares, quando comparados aos não fumantes⁽²⁵⁾. Portanto, torna-se relevante investigar a presença de tabagismo nas pessoas idosas com diabetes e encorajá-los ao abandono do cigarro, orientando acerca dos benefícios que isso trará para a sua saúde e qualidade de vida⁽²⁾.

No que se refere à avaliação do relacionamento interpessoal no cuidado de enfermagem à pessoa idosa com diabetes, foi evidenciada uma moderada efetividade, sugerindo que o enfermeiro apresenta habilidades interpessoais promovedoras de uma interação satisfatória com o usuário, mas que ainda precisam ser aprimoradas para alcançarem níveis mais alto de efetividade.

Nessa linha, uma revisão sistemática realizada na Bélgica descreve que a dignidade e o respeito são valores fundamentais a ser alcançados para uma relação interpessoal efetiva no cuidado de enfermagem e cita cinco elementos que devem embasar esses valores: elementos relacionados ao comportamento e atitude do enfermeiro, assistência centrada na pessoa, a participação do paciente, a comunicação e os aspectos situacionais⁽²⁸⁾.

Durante o desempenho de suas atividades, o enfermeiro deve desenvolver habilidades que sirvam como facilitadoras no processo de relacionamento interpessoal e na formulação dos vínculos com o paciente e a equipe de saúde. Por sua vez, tais habilidades, que precisam ser treinadas e aprimoradas diariamente, consistem no autoconhecimento, comunicação verbal e não verbal, saber lidar com as diferenças existente entre as pessoas e no ato de se colocar no lugar do outro⁽²⁹⁾.

Como ratificação disso, no Paraná, um estudo que realizou intervenções domiciliares com idosos durante um período de quatro meses constatou que essas ações feitas pelo enfermeiro possibilitaram a formação de vínculos, sendo permeada pela escuta ativa e acolhimento, bem como pela definição de metas em conjunto com o paciente, fazendo o levantamento das suas reais necessidades de saúde. Em seus relatos, os idosos também expressaram sentimentos de confiança, carinho, familiaridade e atenção para com a equipe, por se sentirem acolhidos e respeitados⁽³⁰⁾.

O cuidado integral é algo que subsidia a assistência de enfermagem e que se consolida por meio do acolhimento e do vínculo. A construção do vínculo profissional-usuário proporciona o estreitamento das relações, permitindo abertura para uma assistência humanizada, sensível e solidária⁽¹³⁾.

O relacionamento interpessoal é um constructo extremamente complexo e intrínseco à assistência de enfermagem, a qual exige habilidades individuais do comunicador e do receptor, por meio da sintonia e do treino. Todavia, percebe-se que, muitas vezes, o cuidado está voltado para o modelo biomédico, o qual prioriza mais a doença, os procedimentos e os tratamentos do que a observação do sujeito e as relações que podem ser construídas entre quem cuida e quem é cuidado⁽¹³⁾. Nessa perspectiva, autores destacam que, para reforçar a importância das relações interpessoais paciente-enfermeiro, é essencial refletir sobre as ideias de teóricos como Imogene King e Hildegard Peplau, que retratam o poder transformador das relações em enfermagem⁽¹¹⁾.

Foi identificada uma correlação positiva e significante entre a relação interpessoal e uma dimensão das atividades de autocuidado, demostrando que, quanto maior a efetividade no relacionamento interpessoal entre o enfermeiro e a pessoa idosa com diabetes, maior é o escore da atividade de alimentação específica.

Corroborando esses achados, estudo longitudinal realizado no Ceará constatou que a relação interpessoal efetiva do enfermeiro levou os usuários com diabetes a comportamentos desejáveis, tais como uso de adoçante, realização de exercpicios físicos, adesão à terapia medicamentosa e controle alimentar⁽³¹⁾. Na Austrália, autores constataram que ações efetivas realizadas por enfermeiras reduziram os níveis de hemoglobina glicada em usuários com diabetes descompensada⁽³²⁾.

A mudança na rotina alimentar do indivíduo representa um dos principais elementos para a efetividade no tratamento do diabetes mellitus, contudo a modificação nos hábitos representa um dos maiores desafios tanto para o paciente como para o enfermeiro, devido à complexidade que envolve o comportamento alimentar. O cumprimento do plano alimentar é influenciado por diversos fatores, como valores socioculturais, econômicos, motivação, apoio familiar, conhecimento sobre a doença e acompanhamento dos pacientes por profissionais nas Unidades Básicas de Saúde⁽²²⁾.

Merece destaque o fato de que a maior correlação foi evidenciada entre o relacionamento interpessoal e a dimensão Monitorização da glicemia, embora não tenha apresentado significância estatística. A adesão à monitorização da glicemia pode ser influenciada por fatores individuais da pessoa idosa e/ou problemas na organização da Atenção Básica, como um baixo nível de instrução para compreender a importância da sua realização e a forma de efetuar a técnica adequadamente, a dor resultante desse procedimento, a presença de prejuízos cognitivos ou funcionais, o reduzido poder econômico para aquisição dos materiais, as crenças e os aspectos culturais limitantes, as dificuldades no acesso aos serviços de saúde, a falha na oferta da insulina pelo poder público, entre outros^(4,9,22).

Nesse contexto, o enfermeiro, em suas relações interpessoais com o usuário, deve realizar um cuidado individualizado e integral, por meio de um diálogo horizontal - sem imposições, desatenção e indelicadeza -, conhecendo a fundo os aspectos que dificultam o cumprimento do plano terapêutico, discutindo as prioridades, monitorando a realização das atividades de autocuidado, motivando a participação e estimulando o esforço no manejo do seu tratamento⁽³¹⁾.

O papel do enfermeiro no acompanhamento da pessoa idosa com diabetes deve estar centrado na educação em saúde, mediante intervenções nas consultas de enfermagem, na sala de espera, nos grupos de convivência, nas visitas domiciliares, no acompanhamento telefônico e nas demais estratégias que possam auxiliar na orientação e no empoderamento desses usuários, induzindo a hábitos de vida saudáveis^(12-13,30).

Dessa forma, com o resultado do presente estudo, é possível inferir que a relação interpessoal efetiva do enfermeiro emerge como uma potencial estratégia para a realização das atividades de autocuidado, especialmente as relacionadas à atividade física e hábitos alimentares saudáveis. Confirmando esse achado, um estudo randomizado realizado na Atenção Básica comprovou que, quando as metas são estabelecidas conjuntamente entre enfermeiro e usuários, abrangendo as especificidades de cada indivíduo e sendo acompanhadas de maneira efetiva, isso favorece a formação de vínculos e a confiança no profissional, o que resulta no melhor cumprimento das atividades de autocuidado, diminuição dos níveis glicêmicos, do estresse relacionado à doença e das complicações⁽³³⁾.

Apesar da assistência prestada pelo enfermeiro na Atenção Básica favorecer o cumprimento das atividades de autocuidado da pessoa idosa com diabetes, nota-se que esse profissional precisa melhorar as estratégias de ação para com esses usuários. Estudo realizado na Holanda com enfermeiros especialistas em diabetes e mudanças comportamentais identificou que, em mais da metade das consultas, não foram realizadas ações que impulsionassem mudanças de hábitos, muito menos ações de superação das barreiras impostas pela doença⁽²⁹⁾.

Existem muitas barreiras que comprometem o relacionamento interpessoal com o usuário. Assim, estudo realizado com enfermeiros de unidades de saúde em Minas Gerias apontaram os problemas estruturais no sistema de saúde bem como a formação acadêmica deficiente e embasada no modelo biomédico hospitalar como obstáculos para o cuidado efetivo aos pacientes com diabetes⁽²²⁾.

Uma nova barreira apresentada por esses profissionais é a mudança da validade do receituário médico, que passou de quatro para seis meses desde 2016⁽³⁴⁾, o que tem contribuído para uma maior demora no retorno do usuário à unidade de saúde, comprometendo o acompanhamento e enfraquecendo a relação interpessoal enfermeiro-paciente. Nesse contexto, nota-se que há uma necessidade de reavaliação e restruturação do sistema e das práticas de saúde. Os enfermeiros envolvidos no processo de cuidar devem tomar consciência de sua responsabilidade diante da pessoa idosa com doença crônica, assumindo uma postura mais ativa e desenvolvendo ações em concordância com os princípios e diretrizes do SUS.

Assim, torna-se imprescindível a capacitação constante desses profissionais, não apenas em conhecimento técnico-científico (saber-fazer), mas em saber relacionar-se (saber-ser), para que seja possível o desenvolvimento de relações interpessoais efetivas com os membros da equipe, com o usuário e sua família, o que favorece a qualidade da assistência^(11,30). Além disso, estudos enfatizam que o enfermeiro utilize os referenciais teóricos para subsidiar a sua prática, contemplando as diferentes dimensões do cuidado, pois o seu uso aumenta o vínculo com o usuário e a confiança deste no profissional, o que proporciona uma assistência mais efetiva e eficaz^(11,32).

Limitações do estudo

O uso do método transversal limitou os resultados do estudo, por este não permitir o estabelecimento das relações de causa e efeito entre as dimensões do autocuidado e o nível de efetividade da relação interpessoal. Ademais, a ausência de estudos com o QRIC e a escassez de pesquisas quantitativas limitaram a discussão dos resultados. Todavia, o número incipiente de pesquisas ressalta a originalidade do tema, abrangendo um campo da ciência da enfermagem que necessita de maior aprofundamento.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O estudo pode contribuir para a abertura de espaços de discussão sobre as relações cotidianas estabelecidas entre enfermeiro e usuário, a fim de elencar fatores que podem ser trabalhados para intervir de forma efetiva e eficaz no cuidado às pessoas idosas com diabetesmellitus. Também fornece subsídios para a elaboração de políticas públicas, gestão em saúde e estratégias que visem melhorar a assiduidade da pessoa idosa com diabetes nas USFs e capacitar continuamente os profissionais desses serviços. Por fim, fundamenta a reflexão sobre a formação acadêmica do enfermeiro, haja vista ser necessário desenvolver e aprimorar as habilidades para um relacionamento interpessoal efetivo desde a graduação, abrangendo as dimensões teórica, prática e de pesquisa.

CONCLUSÕES

Os resultados do presente trabalho demostraram que as pessoas idosas com diabetes tiveram maiores médias nas atividades de autocuidado nos itens referentes a Tomar as injeções de insulina conforme recomendado; Tomar os medicamentos do diabetes conforme recomendado; e Tomar o número indicado de comprimidos do diabetes. Por outro lado, as atividades que exibiram menores médias foram: Ingerir doces; Avaliar o açúcar no sangue o número de vezes recomendado; e Realizar atividades físicas específicas (caminhar, nadar etc.).

Foi evidenciada efetividade moderada da relação interpessoal no cuidado de enfermagem. A correlação entre as duas escalas foi significante em duas dimensões do QAD, sendo evidenciado que a efetividade da relação interpessoal levou a um maior cumprimento das atividades referentes à alimentação específica.

A relação interpessoal efetiva representou uma ferramenta de extrema importância no cuidado de enfermagem, emergindo como uma potencial estratégia para a realização das atividades de autocuidado da pessoa idosa com diabetes. Diante desses achados, torna-se necessária a realização de pesquisas em diferentes regiões, populações e contextos, a fim de embasar os resultados e permitir o avanço da ciência da enfermagem.

• FOMENTO Este estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

DOCUMENTO SUPLEMENTAR

A pesquisa é resultado da dissertação “Autocuidado de pessoas idosas com Diabetes Mellitus e a relação interpessoal enfermeiro-paciente”, localizada no repositório de link: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/18637.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  18 Nov 2020
• Aceito
  24 Mar 2021