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Coping em saúde mental durante o isolamento social: análise à luz de Hildegard Peplau

RESUMO

Objetivos:

analisar o coping de indivíduos em isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus na perspectiva da Teoria das Relações Interpessoais de Hildegard Peplau.

Métodos:

pesquisa qualitativa, do tipo descritiva, realizada com 34 indivíduos em isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus que passaram na tenda de triagem de um hospital universitário paranaense. Os dados foram coletados por entrevista semiestruturada em junho e julho de 2020. As categorias empíricas foram interpretadas pela análise de conteúdo.

Resultados:

revelaram-se quatro categorias: Afastamento; Suporte social e emocional; Autopercepção e resolução; Aprendizado. Essas categorias estabeleceram as estratégias de coping.

Conclusões:

concluiu-se que indivíduos submetidos ao isolamento social estão mais suscetíveis a apresentar problemas relacionados à saúde mental. Destacou-se que, estratégias de enfrentamento, motivadas pelo enfermeiro ancorado no referencial teórico de Hildegard Peplau, promoveram o aprendizado necessário para a promoção da saúde mental dos participantes diante do contexto pandêmico.

Descritores:
Infecções por Coronavírus; Estresse Psicológico; Adaptação Psicológica; Enfermagem em Saúde Mental; Isolamento Social

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the coping of individuals in social isolation due to suspicion or confirmation of coronavirus infection from the perspective of Hildegard Peplau’s Theory of Interpersonal Relations.

Methods:

this is a qualitative, descriptive research, carried out with 34 individuals in social isolation due to suspicion or confirmation of coronavirus infection who passed through a screening tent of a university hospital in Paraná. Data were collected through semi-structured interviews in June and July 2020. Empirical categories were interpreted by content analysis.

Results:

four categories emerged: Distance; Social and emotional support; Self-awareness and resolution; Learning. These categories established the coping strategies.

Conclusions:

individuals undergoing social isolation are more likely to present problems related to mental health. It was highlighted that coping strategies, motivated by nurses, anchored in Hildegard Peplau’s theoretical framework, promoted the necessary learning for promoting participants’ mental health in the face of a pandemic context.

Descriptors:
Coronavirus Infections; Psychological Stress; Psychological Adaptation; Mental Health Nursing; Social Isolation

RESUMEN

Objetivos:

analizar el afrontamiento de individuos en aislamiento social por sospecha o confirmación de infección por coronavirus desde la perspectiva de la Teoría de las Relaciones Interpersonales de Hildegard Peplau.

Métodos:

investigación cualitativa, descriptiva, realizada con 34 individuos en aislamiento social por sospecha o confirmación de infección por coronavirus que pasaron por la carpa de cribado de un hospital universitario de Paraná. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas en junio y julio de 2020. Las categorías empíricas fueron interpretadas por análisis de contenido.

Resultados:

se revelaron cuatro categorías: Retiro; Apoyo social y emocional; Autoconciencia y resolución; Aprendizaje. Estas categorías establecieron las estrategias de afrontamiento.

Conclusiones:

se concluyó que los individuos en aislamiento social tienen más probabilidades de presentar problemas relacionados con la salud mental. Se destacó que las estrategias de afrontamiento, motivadas por la enfermera, ancladas en el marco teórico de Hildegard Peplau, promovieron el aprendizaje necesario para la promoción de la salud mental de los participantes ante el contexto pandémico.

Descriptores:
Infecciones por Coronavirus; Estrés Psicológico; Adaptación Psicológica; Enfermería de Salud Mental; Aislamiento Social

INTRODUÇÃO

O isolamento social, imposto para contenção da infecção por coronavírus, majora o risco dos indivíduos em exílios residenciais ou hospitalares desenvolverem estresse, devido à mudança da rotina diária, adaptação do novo cenário, distanciamento comunitário, familiar e laboral(11 Schmidt B, Crepaldi MA, Bolze SDA, Neiva-Silva L, Demenech LM. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200063. https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037e200063
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). O estresse pode ser considerado por um agente causal externo ou interno (estressor), processos de enfrentamento utilizados pela mente e o padrão complexo de manifestações do corpo e mente, diante da reação do estresse que exceda as fontes de adaptação de um indivíduo ou sistema social(22 Graça CC, Zagonel IPS. Estratégias de coping e estresse ocupacional em profissionais de enfermagem: revisão integrativa. Rev Espaço Saúde. 2019;20(2):67-77. https://doi.org/10.22421/15177130-2019v20n2p67
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).

Há evidências de que, ao se deparar com um estressor, o organismo experimenta três fases de mudança. A primeira, fase de alerta, é a fase na qual o corpo identifica o estressor e estimula o sistema neuroendócrino. A segunda fase, de adaptação, é o período em que o organismo repara os danos causados pela reação de alarme e reduz os níveis hormonais. A terceira fase, de exaustão, ocorre se o estressor permanecer presente, que abrange o surgimento de uma doença associada ao estresse(33 Lazzaroto PK, Celich KLS, Souza SS. Estratégias de enfrentamento utilizadas pela equipe de enfermagem no cuidado ao paciente oncológico e família. Rev Enferm UFSM. 2018;8(3):560-75. https://doi.org/10.5902/2179769229408
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). A forma de enfrentamento de fenômenos estressores possui impactos imediatos e duradouros, podendo causar riscos e danos à saúde mental(44 Lima RC. Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos na saúde mental. Physis. 2020;30(2):e300214. https://doi.org/10.1590/s0103-73312020300214
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).

Com efeito, o estresse desencadeado pela condição de isolamento social depende, para seu embate, de atributos pessoais, como a saúde e a energia, o sistema de crenças, as metas de vida, a autoestima, o autocontrole, o conhecimento, a capacidade de resolução de problemas, as práticas de apoio sociais e a utilização de estratégias de enfrentamento diante a condições estressante - coping (55 Facchinetti NS. Contribuições da meditação mindfulness como estratégia de coping para lidar com o estresse em relação à comida[Dissertação] [Internet]. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. 2015[cited 2020 Jul 14]. Available from: http://www7.bahiana.edu.br/jspui/bitstream/bahiana/273/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.%20Facchinetti.%20Norma%20Suely.%202015.001.%20BAHIANA.pdf
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).

A perspectiva cognitivista de Lazarus & Folkman (1984)(66 Folkman S, Lazarus RS. If it changes it must be a process: Studyofemotionandcopingduringthreestagesofcollegeexamination. J Personal Soc Psychol. 1984;48(1):150-70. https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.150
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) adota o conceito de coping como processo ou interação que ocorre entre o indivíduo e o ambiente, cuja função não é controlar ou dominar a situação estressora, mas administrá-la a partir de como ela é percebida, interpretada e representada cognitivamente na mente do indivíduo. Assim, tem-se o coping focalizado na emoção, cujo propósito é regular a emoção que é vinculada ao estresse ou é o resultado desses. Os seus esforços são dirigidos ao nível somático ou aos sentimentos, em busca de alterar o estado emocional e diminuir as sensações físicas incômodas causadas por ele - e o coping focalizado no problema - capaz de modificar a situação que desencadeou o estresse, de modo a sanar essa dificuldade que está entre o indivíduo e o ambiente, causando tensão(77 Cardoso TVM, Oliveira RMP, Loyola CMD. [An agreement about the Peplau's Theory and the principles of the Brazilian Psychiatric Reformation]. Esc Anna Nery. 2006;10(4):718-24. https://doi.org/10.1590/S1414-81452006000400014 Portuguese.
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).

Independentemente do tipo de recursos pessoais, o processo de coping exige esforços cognitivos e comportamentais para lidar com as questões internas/externas que sobrecarregam ou excedem as capacidades de resolução do indivíduo frente a agentes estressores e ameaçadores a seu bem-estar(88 Dias EM, Ribeiro JLP. O Modelo de Coping de Folkman e Lazarus: aspectos históricos e conceituais. Rev Psicol Saúde. 2019;11(2):55-66. https://doi.org/10.20435/pssa.v11i2.642
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). Esse processo é complexo e, muitas vezes, necessita de intervenção de profissionais orientados a implementar estratégias de cuidado para o apoio emocional e social.

Neste contexto, a abordagem da enfermagem em saúde mental fundamentada na Teoria das Relações Interpessoais de Hildegard Peplau (1952) aparece como possibilidade de suporte terapêutico, uma vez que se fundamenta na interação enfermeiro-cliente, tendo como eixo orientador a perspectiva psicodinâmica, advinda dos conhecimentos de enfermagem ao de outras disciplinas do conhecimento para promover o desenvolvimento da personalidade, rumo a uma vida criativa, construtiva, produtiva, pessoal e independente(99 Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolin KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco [Internet]. 2019[cited 2021 Mar 14];10(3):64-9. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/2291/580
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).

Os conceitos basilares da Teoria de Peplau surgiram em 1950 a partir da difusão do construtivismo e da fenomenologia como possibilidade de estudar e explicar os fenômenos humanos(99 Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolin KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco [Internet]. 2019[cited 2021 Mar 14];10(3):64-9. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/2291/580
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). A Teoria se estrutura em quatro etapas: orientação, identificação, exploração e resolução.

Na primeira etapa, há o encontro de duas pessoas desconhecidas (enfermeiro-cliente), que necessitam estabelecer estratégias de comunicação para compreensão dos fatos e tentativa de reversão da energia de tensão e estresse em algo produtivo para o desenvolvimento de sua personalidade. Na segunda etapa, a identificação, cabe ao enfermeiro orientar o indivíduo ao resgate de símbolos e representações que relacionem situações de dependência e independência sobre o fenômeno gerador do estresse, clarificando a preconcepção de ambos e levando à aprendizagem construtiva. Na terceira etapa, o indivíduo conseguirá organizar seus pensamentos com maior independência. Cabe, então, ao enfermeiro, escutar, esclarecer e encorajar ao estabelecimento de novas metas. Por fim, na última etapa, o indivíduo encontra a resolução ou não do problema clínico, pela desvinculação do enfermeiro envolvido no processo terapêutico e também pela capacidade do indivíduo em atual de forma independente frente ao agente estressor(77 Cardoso TVM, Oliveira RMP, Loyola CMD. [An agreement about the Peplau's Theory and the principles of the Brazilian Psychiatric Reformation]. Esc Anna Nery. 2006;10(4):718-24. https://doi.org/10.1590/S1414-81452006000400014 Portuguese.
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).

A Teoria das Relações Interpessoais, aplicada nos cuidados da enfermagem psiquiátrica, é satisfatoriamente enquadrada na situação em tela, já que o relacionamento interpessoal, o cuidado e a orientação para indivíduos com potencial sofrimento psíquico (ocasionado em virtude do isolamento social devido infecção pelo novo coronavírus) subsidiam o auxílio prestado aos pacientes atendidos em serviço extra-hospitalar em monitoramento através do relacionamento interpessoal, interdisciplinar e comunitário (ainda que por meio de contato telefônico, como no caso desta pesquisa). Assim, os preceitos teóricos de Peplau admitem a transcendência aos espaços físicos das instituições hospitalares e podem ser aplicados em todos os contextos de cuidado em saúde(77 Cardoso TVM, Oliveira RMP, Loyola CMD. [An agreement about the Peplau's Theory and the principles of the Brazilian Psychiatric Reformation]. Esc Anna Nery. 2006;10(4):718-24. https://doi.org/10.1590/S1414-81452006000400014 Portuguese.
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).

Considerando que as pessoas em isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus podem apresentar estresse e que a comunicação terapêutica praticada pelos enfermeiros, orientados na Teoria das Relações Interpessoais de Hildegard Peplau, pode auxiliar no coping (1010 Coelho MTV, Siqueira C. Comunicação terapêutica em enfermagem: como a caracterizam os enfermeiros. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2014;11(3):31. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n11/n11a05.pdf
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) e, com o intuito de melhorar o cuidado e a prática da enfermagem(99 Pinheiro CW, Araújo MAM, Rolin KMC, Oliveira CM, Alencar AB. Teoria das relações interpessoais: reflexões acerca da função terapêutica do enfermeiro em saúde mental. Enferm Foco [Internet]. 2019[cited 2021 Mar 14];10(3):64-9. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/2291/580
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), o presente estudo foi realizado.

OBJETIVOS

Analisar o coping das pessoas em isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus à luz da Teoria das Relações Interpessoais de Hildegard Peplau.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ponta Grossa, localizada no estado do Paraná. Foram respeitadas as orientações éticas de participação voluntária e consentida de cada participante, conforme a Resolução nº 466/2012(1111 Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 466/2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. 2012[cited 2021 Mar 14]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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) do Conselho Nacional de Saúde.

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo descritiva. A pesquisa qualitativa permite investigar uma realidade por meio de diversas estratégias(1212 Creswell JW. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2010.), enquanto a descritiva procura descrever, com a maior precisão possível, a ocorrência de um fato, a relação com outros, características e sua natureza(1313 Rampazzo L. Metodologia científica: para alunos dos cursos de graduação e pós-graduação. 3ª ed. São Paulo: Loyola; 2005.). Este estudo atendeu aos passos recomendados pelos Critérios Consolidados para Relatar uma Pesquisa Qualitativa (COREQ)(1414 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007[cited 2016 Dec 12];19(6):349-57. Available from: https://academic.oup.com/intqhc/article-lookup/doi/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Cenário do estudo

O cenário deste estudo foi uma tenda de triagem (espaço externo, de campanha) em um hospital universitário regional localizado no estado do Paraná.

Fonte de dados

A amostra foi selecionada por conveniência, a fim de obter um recenseamento da situação dos usuários em isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção do novo coronavírus, perfazendo um total de 34 participantes.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu no interstício compreendido entre junho e julho de 2020. Foram considerados como critérios de inclusão ser maior de dezoito anos, residir no município onde ocorreu o estudo, manter-se em isolamento social por quatorze dias. Foram excluídos da pesquisa os trabalhadores da referida instituição hospitalar, aqueles com dados incompletos que não permitiram aos pesquisadores o convite à pesquisa e os indivíduos que não aceitaram participar do estudo. Após explicitação por via telefônica acerca dos objetivos, meios de coleta, análise e resultado das informações, os indivíduos, quando em acordo e espontaneamente, participaram mediante aceite da pesquisa.

O instrumento de pesquisa utilizado foi a entrevista semiestruturada, contendo questões referentes à caracterização sociodemográfica dos participantes, por meio da plataforma Google Forms, e também com quatro perguntas abertas de um recorte de escala de avaliação de estratégias de enfrentamento (coping)(66 Folkman S, Lazarus RS. If it changes it must be a process: Studyofemotionandcopingduringthreestagesofcollegeexamination. J Personal Soc Psychol. 1984;48(1):150-70. https://doi.org/10.1037/0022-3514.48.1.150
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). O inventário da escala apresenta 66 questões para aplicação em estudos onde haja a necessidade de identificar maneiras de se lidar com o estresse. A adaptação foi construída e adaptada com as quatro questões, de acordo com os critérios e aceitabilidade do conteúdo e objetivos do estudo.

Sob os preceitos da comunicação terapêutica e inteiramente por meio telefônico, os pesquisadores preenchiam o instrumento de pesquisa, conforme as respostas eram dadas pelos participantes, sendo essas respostas organizadas para posterior análise dos dados. As perguntas norteadoras foram: quais dificuldades encontrou durante o período de isolamento social? Que estratégias utilizou para minimizar a situação? Sentiu a necessidade de procurar ajuda de um profissional ou alguma instituição para suporte emocional? Sentiu a mudança dos seus comportamentos/humor? Conseguiu lidar com essa situação? Como? Conseguiu tirar proveito dessa situação? Em caso positivo, quais?

Análise de dados

A técnica utilizada para tratamento dos dados foi conduzida através da análise de conteúdo. A metodologia da análise de conteúdo(1515 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70. 2011.) se apresenta como um conjunto de técnicas que, por meio de procedimentos sistemáticos e análise dos dados (discursos obtidos nas entrevistas, indicadores, entre outros), são inferidos os conhecimentos relativos à produção, recepção e conteúdo dessas informações obtidas.

Na solidificação dessa abordagem, foram perpassadas três fases: a pré-análise da temática, com a compreensão das determinantes sobre os impactos da infecção pelo novo coronavírus e as estratégicas de enfrentamento relativamente à saúde mental; a exploração do material, com a construção tangível de quatro categorias; e, finalmente, o tratamento dos resultados, com a descrição e interpretação dos produtos das entrevistas.

As quatro categorias elencadas como perguntas norteadoras foram edificadas em: Afastamento; Suporte social e emocional; Autopercepção e resolução; Aprendizado. A partir disso, foram fragmentadas em duas seções, a descrição das falas e a interpretação das falas, sistematizadas de modo a ordenar as respostas dos participantes e delimitar as percepções extraídas com os questionamentos, dialogando com a literatura pertinente e as estratégias utilizadas pelos indivíduos para o enfrentamento do isolamento social.

RESULTADOS

Primeiramente, extraiu-se o perfilamento dos participantes da pesquisa. Neste estudo, foram contatados 67 (sessenta e sete) indivíduos e o número de recusas foi de 33 (trinta e três) pessoas. A amostra total foi 34 (trinta e quatro) pessoas. Os resultados apontaram a faixa etária dos participantes em torno de 44 anos de idade, com variação entre 20 e 85 anos, com prevalência de gênero do sexo feminino (25 mulheres), com a raça/cor branca (20 pessoas), escolaridade com ensino médio completo (18 pessoas), profissão ‘do lar’ (16 pessoas) e renda mensal de até 01 (um) salário mínimo (21 pessoas).

Objetivando articular melhor o coping com a abordagem eleita para análise do fenômeno estudado, a entrevista se centralizou no processo decoping devido à situação de estresse originada pelo isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus(1616 Savoia MG, Amadera RD. Utilização da versão brasileira do inventário de estratégias de coping em pesquisas da área da saúde. Psicol Hosp. 2016[cited 2021 Mar 14];14(1):117-38. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167774092016000100007
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), com as perguntas norteadoras neste estudo que buscaram firmar, dentro da lógica das relações interpessoais trazidas por Peplau(77 Cardoso TVM, Oliveira RMP, Loyola CMD. [An agreement about the Peplau's Theory and the principles of the Brazilian Psychiatric Reformation]. Esc Anna Nery. 2006;10(4):718-24. https://doi.org/10.1590/S1414-81452006000400014 Portuguese.
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), a construção das categorias empíricas, apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese dos fatores e questionamentos para concretização das categorias

Nesta perspectiva, as categorias resultantes da análise das entrevistas, bem como as falas dos entrevistados, são apresentadas a seguir.

Afastamento

Nesta categoria encontrada, os participantes expressaram tudo que se relacionava às dificuldades e situações estressoras devido ao isolamento social pela suspeita ou confirmação por infecção por coronavírus; as principais falas sobre o fator de afastamento trouxeram, preponderantemente, o isolamento, a solidão:

[...] ficar totalmente isolada, sozinha, me deixava triste e ansiosa. (E4)

Aumentou a ansiedade, já fazia tratamento medicamentoso e o isolamento potencializou. (E12)

Muita ansiedade. (E2)

Muita ansiedade e nervosismo. (E5)

[...] fiquei deprimido, nervoso, ansioso. (E23)

Diante disto, obteve-se que, no que diz respeito às estratégias que os participantes utilizaram para minimizar a situação, as redes sociais foram as grandes aliadas:

[...] fazer leitura de livros, escutar músicas e reorganizar a vida. (E4)

Fazia leitura para amenizar. (E12)

As redes sociais ajudaram bastante. (E2)

Utilizava a rede social para aliviar a tensão. (E5)

Fazia leitura pra acalmar. (E23)

[...] usava as redes sociais para minimizar. (E30)

As redes sociais ajudaram bastante. (E17)

Usava das redes sociais para acalmar, passar o tempo. (E19)

Estudo mostra que as redes sociais integram as relações consideradas significativas para o indivíduo, em que a dinâmica é analisada mediante exploração do relato do indivíduo, o que inclui investigar os aspectos estruturais, por exemplo. Esse meio se apresenta como fator relevante aos indivíduos que apresentam situações de estresse no cotidiano, no trabalho e no contexto social(1717 Azevedo AVS, Crepaldi MA. Enfrentamento e redes sociais significativas de familiares cuidadores de crianças com queimaduras. Bol Acad Paul Psicol [Internet]. 2019[cited 2021 Mar 14];39(97). http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bapp/v39n97/a03v39n97.pdf
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).

As questões de ansiedade e o nervosismo ficaram bastante evidentes nas falas:

Afastamento do trabalho, ficava ansioso. (E33)

Nervosismo, ansiedade, medo de sair de casa. (E15)

Muita ansiedade e nervosismo. (E7)

Ansiedade, nervosismo. (E25)

Fiquei muito ansiosa, não passava o tempo. (E28)

Fiquei ansiosa, com medo de ter o vírus e passar para a família, não podia sair de casa, estava agoniada. (E18)

Fica um pouco ansioso de ficar em casa, não poder trabalhar, nem sair. (E2)

Ansiosa por não poder trabalhar, só ficar em casa. (E13)

As falas dos participantes detêm importantes semelhanças com a epidemia do Ebola em 1995, em que os sobreviventes relataram grandes situações de estresse, ansiedade, medo de morrer e/ou infectar amigos e familiares, bem como o estigma social da doença, o afastamento da família, do lar, das atividades laborais e a preocupação com a duração da conjuntura pandêmica(11 Schmidt B, Crepaldi MA, Bolze SDA, Neiva-Silva L, Demenech LM. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200063. https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037e200063
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).

Suporte social

Nesta categoria, encontrada a partir das perguntas norteadoras, apresentam-se as necessidades de suporte social e/ou emocional relatadas pelos participantes que não sentiram necessidade de procurar ajuda de profissionais ou instituições para suporte emocional; contudo, os que informaram terem precisado revelam que buscaram psiquiatras e psicólogos ou que já faziam uso de medicação:

Sim, procurei atendimento psicológico. (E8)

Sim, procurei psiquiatra e fiz uso de duas medicações. (E24)

[...] já faço acompanhamento há anos com psiquiatra. (E14)

Não, já faço uso de medicação para ansiedade. (E26)

Sim, fui para psicóloga. (E19)

Sim, fiz uma consulta com psicóloga que ajudou bastante. (E3)

Atualmente, profissionais da área da saúde mental têm se disponibilizado para prestar acolhimento, assistência e auxílio àqueles que, de alguma forma, foram afetados psiquicamente pela pandemia. Os atendimentos têm se efetivado, em grande parte, através de plataformas (online) ou por contato telefônico, visando ao amparo, à minoração e/ou à prevenção de futuros problemas mentais(1818 Faro A, Bahiano MA, Nakano TC, Reis C, Silva BFP, Vitti LS. COVID-19 e saúde mental: a emergência do cuidado. Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200074. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200074
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).

Autopercepção e resolução

Nesta categoria, os participantes do estudo ressaltaram os sentimentos de tristeza, ansiedade e medo:

[...] um pouco deprimido. (E23)

Sim, ficava triste. (E22)

Meio entristecida. (E5)

Só ansiedade mesmo. (E32)

Tristeza, medo. (E11)

Medo de pegar e contaminar os outros. (E17)

Ficou um pouco com medo de se contaminar. (E26)

Só a ansiedade mesmo. (E34)

Fiquei um pouco triste, nervosa, ansiosa. (E1)

Um pouco de medo de estar com o coronavírus e passar para a família. (E9)

[...] só a ansiedade mesmo e vontade de sair. (E10)

Um pouco nervosa em alguns momentos. (E21)

As variáveis sentimentais trazidas pelos participantes são fatores estressores descritos na literatura, comumente, às populações atingidas, uma vez que a pandemia promove incertezas, medo, tristeza, ansiedade e desestabilidade das atividades cotidianas, o que pode acarretar alterações emocionais, cognitivas e comportamentais(1919 Enumo SRF, Weide JN, Vicentini ECC, Araujo MF, Machado WL. Enfrentando o estresse em tempos de pandemia: proposição de uma Cartilha. Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200065. https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037e200065
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).

Aprendizado

Na quarta e última categoria advinda das análises das entrevistas, evidenciou-se que os participantes conseguiram tirar proveito da situação a partir de reflexões sobre a vida e sua valoração, a aproximação com suas famílias:

[...] aproximação da família, do filho. (E31)

Reflexão sobre a vida, sobre a família, pensar mais na saúde e não em bens materiais. (E6)

Sim, reflexão sobre a vida, organização, pensar em estudar mais, fazer curso. (E16)

Avalia melhor as coisas da vida, o que se tem. (E27)

Pensa mais na vida, dá mais valor no que tem. (E10)

[...] pensa e valoriza mais as coisas da vida. (E23)

[...] aproximação da família. (E29)

Sim, aproximação da família, pensar na vida. (E30)

Pensa mais nas coisas da vida, família. (E11)

Pensa muito na família, nas coisas que se tem, agradece a Deus. (E7)

Aproximou mais da família. (E4)

Ficar mais tempo com a família e agradecer as coisas que tem na vida. (E12)

Fico mais tempo com a família, agradecer ao que tem na vida. (E20)

Sim, me aproximei mais da família, tive um tempo para refletir sobre a vida, as coisas boas que temos. (E21)

[...] acho que aproximar da família, pensar sobre a vida. (E14)

Sim, aproximou da família. (E32)

[...] sim, deu pra pensar sobre a vida, agradecer o que se tem. (E9)

Fiquei mais tempo com a família. (E20)

A partir das percepções e falas auferidas nesta pesquisa, observou-se que os indivíduos submetidos ao isolamento social estão mais suscetíveis a apresentar problemas de saúde mental devido à contenção/isolamento social, surgindo problemas relacionados ao estresse, depressão e ansiedade, bem como a necessidade de suporte emocional. Considerando a premência de amenizar os impactos gerados no contexto pandêmico, utiliza-se a promoção de saúde mental como estratégia de enfrentamento das alterações comportamentais dos indivíduos, perpetuando nos efeitos psicológicos do isolamento social diante da resiliência, autocompaixão, criatividade, otimismo, esperança e o bem-estar subjetivo(2020 Zanon C, Dellazzana-Zanon LL, Wechsler SM, Fabretti RR, Rocha KN. COVID-19: implicações e aplicações da Psicologia Positiva em tempos de pandemia. Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200072. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200072
https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e...
).

DISCUSSÃO

Esta pesquisa mostrou que os participantes perpassaram por três etapas, afastamento, a necessidade de suporte social e emocional e autopercepção, diante do isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus. Essas etapas foram fundamentais para o alcance do Aprendizado, última categoria apresentada neste estudo, para o estabelecimento de estratégias de coping, que são discutidas a seguir:

Na primeira categoria, observou-se a presença da solidão, anseios, tristezas, ansiedades, fatores ocasionados pelo isolamento social. Essas dificuldades ocasionaram estresse advindo da situação vivenciada. Nesse contexto, destaca-se que as pessoas podem vir a sofrer, em vários níveis de intensidade, impactos psicológicos e sociais graves(2121 World Health Organization (WHO). Q&A on coronaviruses (COVID-19) [Internet]. 2020[cited 2021 Mar 14]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/q-a-detail/q-a-coronaviruses
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-2222 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Cartilha Saúde Mental e Atenção Psicossocial: Informações Gerais [Internet]. 2020[cited 2021 Mar 14]. Available from: https://portal.fiocruz.br/documento/cartilha-saude-mental-e-atencao-psicossocial-na-pandemia-covid-19
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).

Há relatos na literatura sobre as grandes situações de estresse, ansiedade, medo de morrer e/ou infectar amigos e familiares, bem como o estigma social da doença, o afastamento da família, do lar, das atividades laborais e a preocupação com a duração da conjuntura pandêmica(11 Schmidt B, Crepaldi MA, Bolze SDA, Neiva-Silva L, Demenech LM. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200063. https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037e200063
https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037...
), propiciando um impacto negativo na vida dos envolvidos. Em outra pesquisa(2323 Fetsch CFM, Portella MP, Kirchner RM. Estratégias de Coping entre Familiares de Pacientes Oncológicos. Rev Bras Cancerol. 2016;62(1):17-25. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2016v62n1.175
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), a ansiedade foi preponderante, sobretudo em indivíduos saudáveis. Ainda, levando em consideração que a transmissão do vírus ocorre por meio do contato pessoal, usualmente familiares são separados de seus parentes, a fim de evitar o contágio.

Na segunda categoria, constata-se a presença inicial de negativa pela procura de auxílio ao profissional de saúde, mas percebe-se que, após, os usuários foram em busca de auxílio e ajuda profissional. Procurar auxílio e estratégias de ajuda por um fator estressor pode mudar a situação vivenciada do estresse(2323 Fetsch CFM, Portella MP, Kirchner RM. Estratégias de Coping entre Familiares de Pacientes Oncológicos. Rev Bras Cancerol. 2016;62(1):17-25. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2016v62n1.175
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2...
).

Entende-se que o apoio familiar é fundamental, no intuito de criar manejos para o fortalecimento da saúde mental do indivíduo. Este estudo revelou que a aproximação familiar, a partir do isolamento social(2222 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Cartilha Saúde Mental e Atenção Psicossocial: Informações Gerais [Internet]. 2020[cited 2021 Mar 14]. Available from: https://portal.fiocruz.br/documento/cartilha-saude-mental-e-atencao-psicossocial-na-pandemia-covid-19
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), foi importante para a superação e coping do momento vivenciado.

Outra ferramenta benéfica é a utilização de mídias sociais confiáveis, com a finalidade de tranquilizar as pessoas em isolamento social. Estudo(2424 Ramírez-Ortiz J, Castro-Quintero D, Lerma-Córdoba C, Yela-Ceballos F, Escobar-Córdoba F. Consecuencias de la pandemia COVID-19 en la Salud Mental asociadas al aislamiento social. 2020. SciELO Preprints:1-21. https://doi.org/10.1590/SCIELOPREPRINTS.303
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) destacou o efeito positivo ocasionado e sua possível relação com o altruísmo, reduzindo consideravelmente o seu impacto psicológico e, consequentemente, menores níveis de estresse e ansiedade. Outro ponto levantado é a prática de atividade física regular no decorrer da pandemia, a qual pode auxiliar no controle da ansiedade(2121 World Health Organization (WHO). Q&A on coronaviruses (COVID-19) [Internet]. 2020[cited 2021 Mar 14]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/q-a-detail/q-a-coronaviruses
https://www.who.int/emergencies/diseases...
,2525 Ho CS, Chee CY, Ho RC. Mental health strategies to combat the psychological impact of COVID-19 beyond paranoia and panic. Ann Acad Med Singapore [Internet]. 2020[cited 2021 Mar 14];49(3):155-60. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32200399/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32200399...
).

Dentro da perspectiva de manutenção da saúde mental e para sustentação do equilíbrio emocional, destacam-se a relevância de alguns manejos psicoterapêuticos por meio de inúmeras técnicas, exercícios ou ferramentas com o propósito de conservar boa saúde mental neste contexto. Acerca desses manejos para enfrentamento do isolamento social, foram relatados neste estudo a reorganização da rotina, a busca por descanso, reflexões acerca da vida, orações, atividades como leituras, músicas, entre outros(2626 Wang Y, Zhao X, Feng Q, Liu L, Yao Y, Shi J. Psychological assistance during the coronavirus disease 2019 outbreak in China. J Health Psychol. Preprints:1-5. https://doi.org/10.1177/1359105320919177
https://doi.org/10.1177/1359105320919177...
).

Fortalecendo esses apontamentos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a prática de exercício físico diuturnamente, com o propósito de reduzir a ansiedade e manter a mobilidade, para afastar as consequências que o isolamento pode causar. Sublinha a importância de instituir outras atividades, como uma boa leitura, ouvir música, dançar, pintar, dentre outras que se possa manter para aprimorar a rotina. Outro aspecto valoroso é o fortalecimento da empatia e solidariedade para com o próximo, de forma virtual ou até mesmo oferecendo algum suporte e ajuda que possam minimizar os sofrimentos psicológicos(2727 Ribeiro EG, Souza EL, Nogueira JO, Eler R. Saúde Mental e COVID-19 Saúde Mental na Perspectiva do Enfrentamento à COVID-19: manejo das consequências relacionadas ao isolamento social. Rev Enferm Saúde Colet FSP [Internet]. 2020[cited 2020 Sep 06];4(2):47-57. https://www.revesc.org/index.php/revesc/article/view/59/68#
https://www.revesc.org/index.php/revesc/...
-2828 Organização Mundial de Saúde OMS. Organização Pan-Americana de Saúde OPAS. Folha informativa COVID-19 - 2020: doença causada pelo novo coronavírus [Internet]. 2020[cited 2020 Sep 06]. Available from: https://www.paho.org/pt/covid19
https://www.paho.org/pt/covid19...
).

Na terceira categoria, foi possível evidenciar alterações comportamentais, sentimento de tristeza, ansiedade, medo e nervosismo com o incerto. Tais alterações comportamentais são fatores estressores que acabam promovendo medo e tristeza, ocasionando alterações no comportamento dos indivíduos(1919 Enumo SRF, Weide JN, Vicentini ECC, Araujo MF, Machado WL. Enfrentando o estresse em tempos de pandemia: proposição de uma Cartilha. Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200065. https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037e200065
https://doi.org/10.1590/1982-0 275202037...
).

Nesse aspecto, esses problemas de alteração comportamental relatados pelos participantes podem ser observados em pesquisa(2929 Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(Suppl 1):2411-21. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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), que aponta alterações no sono, no contato com as pessoas, percepção do aumento do estresse familiar, bem como a preocupação com a renda familiar que propiciou atritos entre os membros da família(2929 Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(Suppl 1):2411-21. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020256...
).

Finalizando, na quarta categoria, foi possível verificar que os participantes deste estudo conseguiram pontuar situações positivas de aproximação familiar, de reflexão sobre a vida, a valorizar situações simples de afeto e agradecimento. Assim, esse lado “positivo” pode levar o indivíduo a desenvolver estratégias que o auxiliem a enfrentar os problemas, reduzindo o sofrimento, oportunizando compreender o sentido da vida de forma mais positiva diante de situações estressoras. Neste sentido, os autores pontuam que situações positivas podem ser entendidas como uma forma de resiliência para enfrentar os problemas(2020 Zanon C, Dellazzana-Zanon LL, Wechsler SM, Fabretti RR, Rocha KN. COVID-19: implicações e aplicações da Psicologia Positiva em tempos de pandemia. Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200072. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200072
https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e...
).

Limitações do estudo

As limitações da pesquisa são verificadas no autorrelato para as respostas inerentes à pergunta norteadora e à investigação de uma única região. Já as potencialidades da investigação se pautam na projeção para futuros estudos sobre a adaptação mental e desenvoltura humana na superação de contextos de crises, uma vez que os participantes deste estudo relataram, em grande parte, terem promovido as estratégias de enfrentamento por si sem a ajuda de profissionais e instituições. Depreende-se que as potencialidades podem ter sido determinadas pelas especificações impostas pela própria pandemia.

Contribuições para a área da enfermagem psiquiátrica e saúde mental

Este estudo analisou as principais estratégias de coping das pessoas em isolamento social por suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus, sob a abordagem teórica de Hildegard Peplau. Diante da prática da enfermagem, deve-se pensá-la em uma perspectiva humanista, criativa e reflexiva, considerando como categoria central da profissão o cuidar, envolvido como um processo dinâmico, mutável e inovador.

Assim, este estudo pretendeu contribuir com a divulgação sobre a importância da enfermagem interligada nas práticas no processo de cuidado diante do cenário pandêmico, tendo em vista a relevância da temática guiada pelas teorias de enfermagem em saúde mental, contribuindo para o aprimoramento e avanço do conhecimento na área.

CONCLUSÕES

Defronte às dificuldades transcorrentes de um contexto pandêmico não findado, os usuários submetidos às conjunturas de isolamento social apresentaram sentimentos de tristeza e medo, cumulados com prognósticos de ansiedade e estresse. Para minimização de tais circunstâncias, os mecanismos mais utilizados foram a leitura, as redes sociais, a prática de atividades físicas, a aproximação da família e o apelo à religiosidade, corroborando a representação do pilar ‘problema’ e ‘emoção’ trazido por Lazarus e Folkmann (1984).

Tendo em vista a perspectiva do cenário pandêmico, o profissional de enfermagem assume papel fundamental no cuidado diante dos fatores estressores, uma vez que ele está presente em grande parte do tempo e conhece os medos, anseios e problemas que os indivíduos apresentam. Diante disso, é fundamental que o cuidar em enfermagem submerja a afetividade consigo e com o outro, envolvendo o enxergar com o coração em toda a sua particularidade e plenitude.

Neste aspecto, a Teoria de Peplau é um instrumento importante no cuidado, considerando o momento vivenciado na pandemia. Essa forma de pensar e atuar na enfermagem auxilia nas dificuldades que o paciente apresenta, bem como fortalece a relação interpessoal na resolução dos problemas que se apresenta no momento do cuidado. Enraizar a prática de enfermagem pautada na cientificidade e em uma teorista proporciona uma amplitude e a autonomia do enfermeiro frente aos problemas encontrados na pandemia.

Assim, diante do impacto mundial e o aumento exponencial de casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, este estudo impulsiona a importância de outras análises comportamentais e psíquicas dos usuários dos serviços de saúde e o aprofundamento em outras estratégias que possam contribuir para o fortalecimento da saúde mental e enfrentamento de tensões sociais, posto que a pandemia representa, até então, um dos maiores desafios sanitários do século XXI.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2020
  • Aceito
    09 Maio 2021
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