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Atuação do enfermeiro regulador no gerenciamento de listas de espera cirúrgicas

RESUMO

Objetivos:

descrever a atuação do enfermeiro regulador no gerenciamento das listas de espera para cirurgias eletivas de um hospital público.

Métodos:

trata-se de um relato de experiência que discorre sobre a atuação do enfermeiro regulador no gerenciamento das listas de espera para cirurgias eletivas.

Resultados:

os resultados desta iniciativa foram: redução do tempo de espera; eliminação de discrepâncias que promoviam iniquidade de acesso; promoção de maior segurança nos tratamentos; atuação do enfermeiro como gestor para conduzir e mediar situações entre serviços; concessão da autonomia da alta gestão do hospital ao gestor de listas de espera; e comunicação efetiva pelo feedback constante com as equipes médicas.

Considerações Finais:

o gerenciamento das listas de espera de cirurgias precisa ser contínuo e sistemático, assim como ampliado para as equipes ainda não envolvidas. Essa iniciativa pode ser replicada e aprimorada em outras organizações de saúde.

Descritores:
Administração de Serviços de Saúde; Listas de Espera; Tecnologia Aplicada a Listas de Espera; Procedimentos Cirúrgicos Eletivos; Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to describe the actions of the regulatory nurse in the management of waiting lines for elective surgeries in a public hospital.

Methods:

this is an experience report about the actions of the regulatory nurse in the management of waiting lines for elective surgeries.

Results:

the results of this initiative were: diminution in waiting times; elimination of discrepancies that led to access inequality; promotion of safer treatments; actions of the nurse as a manager, conducting and mediating situations between services; autonomy from the high management of the hospital with regard to the manager of waiting lists; and effective communication due to a constant feedback with the medical teams.

Final Considerations:

the management of the surgical waiting lists must be continuous and systematic, and it must be broader, to include teams that are not involved yet. This initiative can be replicated and improved in other health organizations.

Descriptors:
Health Services Administration; Waiting Lists; Technology Applied to Waiting Lists; Elective Surgical Procedures; Unified Health System

RESUMEN

Objetivos:

describir la actuación del enfermero regulador en la administración de listas de espera para cirugías electivas de un hospital público.

Métodos:

se trata de un relato de experiencia que discurre sobre la actuación del enfermero regulador en la administración de las listas de espera para cirugías electivas.

Resultados:

como resultados de esta iniciativa, obtuvieron: reducción del tiempo de espera; eliminación de discrepancias que promovían iniquidad de acceso; promoción de mayor seguridad en los tratamientos; actuación del enfermero como gestor para conducir y mediar situaciones entre servicios; concesión de la autonomía de la alta gestión del hospital al gestor de listas de espera; y comunicación efectiva por feedback constante con las equipes médicas.

Consideraciones Finales:

la administración de las listas de espera de cirugías precisa ser continua y sistemática, así como ampliada para las equipes aún no envueltas. Esa iniciativa puede ser replicada y perfeccionada en otras organizaciones de salud.

Descriptores:
Administración de los Servicios de Salud; Listas de Espera; Tecnología Aplicada a las Listas de Espera; Procedimientos Quirúrgicos Electivos; Sistema Único de Salud

INTRODUÇÃO

O gerenciamento de listas e tempos de espera para cirurgias eletivas vem sendo relatado internacionalmente como alvo de políticas de saúde desde meados dos anos 1990, a ponto de a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tratá-lo como uma prioridade(11 Siciliani L, Hurst J. Tackling excessive waiting times for elective surgery: a comparative analysis of policies in 12 OECD countries. Health Policy [Internet]. 2005 [cited 2020 Sep 12];72(2):201-15. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0168851004001617?via%3Dihub
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). No Brasil, embora o assunto seja um fenômeno importante para o sistema de saúde, sua presença na literatura nacional ainda é escassa(22 Lippi MC. Gestão de lista de espera como abordagem para planejamento e coordenação de serviços de saúde eletivos. Rev Eletrôn Gestão Saúde [Internet]. 2018 [cited 2020 Sep 12];9(6):159-77. Available from: https://www.mastereditora.com.br/periodico/20200408_122550.pdf
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).

Em termos legais, também existe uma carência de determinações governamentais a respeito da gestão e da transparência das listas de espera. De qualquer forma, ressalta-se a existência do Projeto de Lei Federal nº393/2015, que está em tramitação e dispõe sobre a obrigatoriedade de publicar no site do hospital a atualização sistemática das listas de espera para procedimentos assistenciais eletivos do Sistema Único de Saúde (SUS)(33 Aguiar LOF, Lira ACO. Transparência no Sistema Único de Saúde: iniciativas e desafios na divulgação eletrônica das listas de espera. Cad Ibero-Am Dir Sanit [Internet]. 2018 [cited 2020 Sep 12];7(2):111-24. Available from: https://www.researchgate.net/publication/326087760_Transparencia_no_Sistema_Unico_de_Saude_-_inciativas_e_desafios_na_divulgacao_eletronica_das_listas_de_espera
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).

O tempo de espera para tratamentos eletivos, incluindo cirurgia eletiva, é uma fonte de preocupação pública e, portanto, temário para os formuladores de políticas. A longa espera tem exigido alocação de recursos públicos adicionais na tentativa de se reduzir o tempo que o paciente aguarda para a realização do procedimento cirúrgico eletivo; contudo, os resultados oriundos do uso desses recursos públicos adicionais não são claros(44 Lungu DA, Grillo RT, Nuti S. Decision making tools for managing waiting times and treatment rates in elective surgery. BMC Health Serv Res. 2019;19(1):361-9. https://doi.org/10.1186/s12913-019-4199-6
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).

Nesse sentido, segundo a literatura baseada nas práticas internacionais em serviços de saúde com acesso universal, o tempo ideal entre a definição cirúrgica e sua realização é de 90 dias; e, em casos excepcionais, 180 dias(11 Siciliani L, Hurst J. Tackling excessive waiting times for elective surgery: a comparative analysis of policies in 12 OECD countries. Health Policy [Internet]. 2005 [cited 2020 Sep 12];72(2):201-15. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0168851004001617?via%3Dihub
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). No cenário da experiência descrita neste estudo, grande parte das listas, que normalmente contêm em torno de 2 mil pacientes, possui tempos superiores a 180 dias, sendo que 40% dos pacientes eletivos estão aguardando por mais de dois anos.

Dentre as fragilidades existentes nos sistemas de saúde, destaca-se o gerenciamento de listas de espera para cirurgias eletivas. O foco deste relato baseia-se em um caso de 2018, quando um enfermeiro regulador foi destinado para atuar no gerenciamento das listas de espera no hospital deste estudo, caracterizado como sendo um hospital público, geral e de grande porte, localizado na Região Sul do Brasil, o que resultou na implantação e implementação de estratégias de aprimoramento.

Em 2012, o Ministério da Saúde determinou que o hospital em questão implantasse o Núcleo Interno de Regulação (NIR), uma unidade técnico-administrativa cujas atribuições são a gestão de leitos, a interface com as centrais de regulação de acesso, a qualificação dos fluxos de acesso aos serviços hospitalares, o estabelecimento de mecanismos de apoio para reduzir o tempo de espera das indicações cirúrgicas e a realização dos procedimentos. Ressalta-se a importância do enfermeiro no NIR, pois esse profissional tem a capacidade de executar diferentes funções, contribuindo com o desenvolvimento de tal serviço.

O enfermeiro do NIR atua em dedicação exclusiva, pois existe uma grande demanda de trabalho de regulação e manejo de leitos em tempo real. Destaca-se que, além da regulação de leitos, os enfermeiros realizam a regulação ambulatorial de pacientes, a qual se divide em regulação externa das Linhas de Cuidado do Acidente Vascular Cerebral (AVC), Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), Oncologia e Urolitíase Pós-Emergência, bem como Reabilitação Auditiva e Regularização do Acesso.

O enfermeiro do NIR trabalha também de forma decisiva e desafiadora no gerenciamento de listas de espera de pacientes cirúrgicos e clínicos. No ano de 2019, uma administradora foi admitida no NIR com a função de realizar o monitoramento dos dados, incluindo os das listas de espera. Essa parceria contribuiu para tornar mais transparente a situação das listas; um exemplo disso foi a identificação de pacientes que realizaram o procedimento cirúrgico antes de pacientes que já estavam em espera na fila de cirurgias eletivas. Esse monitoramento também possibilitou observar o impacto das ações implementadas pelo enfermeiro na gestão de listas de espera, como na redução da lista e do tempo de espera graças à realização de mutirões pré-operatórios e da organização da lista com algumas equipes médicas.

Em 2017, o gestor da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da cidade onde se localiza o hospital relatado neste estudo adotou medidas para promover a transparência no uso dos leitos hospitalares. Uma delas foi a implantação do software de propriedade da própria SMS, o GERINT (Sistema de Gerenciamento de Internações), cujo objetivo é realizar maior monitoramento e gestão das internações hospitalares no estado por meio de um mapa de ocupação dos leitos em tempo real. Além disso, determinou-se que os sistemas de informações dos hospitais estabelecessem a interface com o GERINT, para que as informações fossem atualizadas em tempo real. Também definiu-se que as internações eletivas apenas poderiam ser efetivadas e remuneradas caso os pacientes estivessem regulados (ou seja, formalmente encaminhados e autorizados pela SMS).

A instituição estudada nesta pesquisa possui sistemas de informações próprios, tanto administrativos como assistenciais. Nos sistemas assistenciais, existe uma função específica voltada às listas de espera para procedimentos cirúrgicos eletivos. Esses dados são provenientes das condutas definidas para o tratamento dos pacientes descritas pelos médicos assistentes.

De início, as equipes médicas registravam todas as informações sobre suas listas de espera em diferentes formatos (em planilhas eletrônicas, editores de texto, agendas físicas, ou folhas soltas). Com o sistema de informações específico, algumas equipes passaram a utilizá-lo de forma concomitante às listas físicas.

Além disso, não ocorria o acompanhamento sistemático da evolução das listas em nível de gestão nem atuação direta com as equipes de especialidades, o que gerou uma série de problemas de grande desorganização das listas, tais como: duplicidade ou incongruência de informações; pacientes em espera sem estarem regulados; tempos longos de espera para determinadas especialidades e procedimentos; e ausência de mecanismos de priorização de pacientes. Logo, não se tinha conhecimento sobre a realidade concreta das listas (tamanho e tempo de espera) nem a possibilidade de realizar o gerenciamento delas.

Para otimizar o processo de melhoria da qualidade de atendimento ao paciente e estar em conformidade com as exigências da SMS, observou-se a necessidade de organizar a lista de espera visando, assim, atingir a redução do tempo de espera para a realização dos procedimentos, o que evitaria possíveis complicações de saúde decorrentes da morosidade.

Em termos legais, o hospital deve cumprir o que está regulamentado na Lei Orgânica da Saúde(55 Ministério da Saúde (BR). Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 1990[cited 2020 Sep 12]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm
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) e nas políticas de saúde vigentes. Além do aspecto legal, diversas situações fundamentaram a necessidade de intervenção no gerenciamento de listas de espera, tais como: 1) ouvidorias de pessoas reclamando e reivindicando a realização de suas cirurgias; 2) dificuldade para identificar tanto as prioridades clínicas que justificassem a antecipação de cirurgias quanto pacientes “furando a fila”, inclusive por meio judicial, sem justificativa clínica para tal; 3) longos tempos de espera, inclusive superiores ao preconizado para o início do tratamento oncológico(66 Ministério da Saúde (BR). Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012[cited 2020 Sep 12]. Available from: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12732.htm
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).

Portanto, a intervenção baseou-se na necessidade de cumprimento de normativas legais e, principalmente, na busca pelo atendimento eficaz ao paciente cirúrgico eletivo. Entende-se que este campo é novo para a atuação do enfermeiro e possui literatura escassa.

OBJETIVOS

Descrever a atuação do enfermeiro regulador no gerenciamento das listas de espera para cirurgias eletivas de um hospital público.

MÉTODOS

Trata-se de um relato de experiência sobre a atuação de um enfermeiro regulador, que, no seu processo de trabalho, propôs as estratégias de intervenção utilizadas no gerenciamento de listas de espera para cirurgia eletiva. Este texto descreve ações implementadas e a avaliação de sua eficácia no que tange a essa gestão.

O relato de experiência - ferramenta da pesquisa descritiva baseada em reflexão de uma ação ou conjunto de ações - aborda uma situação vivenciada no âmbito profissional de interesse da comunidade científica(77 Marini ZM, Arrieira I, Jacotec C. Relato de experiência da equipe odontológica em atenção domiciliar em um hospital-escola na cidade de Pelotas, RS, Brasil. RFO UPF. 2017;22(2):158-61. https://doi.org/10.5335/rfo.v22i2.6747
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). Sendo assim, foi uma metodologia adequada para descrever e discutir a experiência no gerenciamento de listas de espera de um hospital público na Região Sul do Brasil, no período de 2018 a 2020.

O coordenador do NIR assinou o Termo de Anuência declarando estar ciente da coleta de dados secundários apresentados neste relato, provenientes das bases de dados e relatórios de gestão internos. Esses dados não se referem a pesquisas com seres humanos, portanto é dispensável a avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Salienta-se que essa iniciativa não requereu investimento financeiro direto, mas utilizou recursos da instituição para a reorganização de atribuições e dos processos do NIR.

APRESENTAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS REALIZADAS

As listas de espera do hospital têm origem em 20 especialidades clínicas e cirúrgicas, que compreendem: Centro de Atenção ao Obeso Classe III, Cirurgia Cardíaca, Cirurgia do Aparelho Digestivo, Cirurgia Geral, Cirurgia Plástica, Cirurgia Torácica, Cirurgia Vascular, Dor e Cuidados Paliativos, Endocrinologia, Gastroenterologia, Ginecologia, Mastologia, Medicina Interna, Neurologia, Oftalmologia, Oncologia Cirúrgica, Otorrinolaringologia, Pneumologia, Proctologia e Urologia.

Destaca-se que, no período em que as ações descritas neste estudo foram realizadas na instituição, o Bloco Cirúrgico era composto por 14 salas cirúrgicas, sendo 2 destinadas aos procedimentos de urgência e emergência, 4 salas para pequenos procedimentos com necessidade de anestesia local e 8 salas para uso de pacientes eletivos. Entretanto, mudanças na estrutura organizacional da área física do bloco foram necessárias em razão da pandemia da COVID-19, de forma que, atualmente, dessas 14 salas totais, 3 viraram Sala de Recuperação, pois a antiga Sala de Recuperação foi transformada em Unidade de Terapia Intensiva; além disso, 2 salas permanecem para atendimentos de urgência e emergência, 2 salas para pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19 e 8 salas para pacientes eletivos. Durante a pandemia, o bloco fechou em vários momentos, sendo usado apenas para os casos de urgência e os oncológicos.

Em meados de março de 2018, apenas as equipes de Cirurgia Cardíaca, Cirurgia Torácica e Urologia tinham suas listas de espera plenamente registradas no sistema de informações do hospital. Na época, havia muitas suspensões de cirurgias cardíacas por falta de leito em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), sendo que a maior lista de espera era a da especialidade de Urologia.

Diante dessa realidade, buscou-se sensibilizar as equipes médicas durante reuniões, que ocorreram mensalmente, sempre com a presença tanto do enfermeiro regulador responsável pelas listas de espera no NIR quanto da equipe médica. Algumas vezes, contava-se com a participação do enfermeiro coordenador do NIR; e, a partir de 2019, a administradora também começou a comparecer. Nessas reuniões, era explicada a importância da organização e padronização das listas de espera.

Para a padronização acontecer, foi necessária a organização dos procedimentos na lista das especialidades médicas baseada na classificação de prioridades das cirurgias, considerando-se a gravidade dos casos e o uso de codificação dos procedimentos. Nesse sentido, a título de ilustração, utiliza-se o exemplo da Urologia, que fez a seguinte categorização: Código 1 destinou-se aos pacientes com patologias oncológicas; Código 2, aos pacientes com grandes procedimentos (p.ex., ureterolitotomia), Código 3, pequenos procedimentos (p.ex., varicocele, hidrocele); Código 4, incontinência urinária; e Código 5, biópsias.

Em seguida, o enfermeiro regulador fez a revisão administrativa das listas de espera. Nesse processo, foi feita uma verificação manual das listas. Os dados dos pacientes, um a um, foram avalizados no prontuário eletrônico. Além disso, foi realizado contato telefônico com o próprio paciente ou familiar para identificar aqueles sem agendamento cirúrgico em prontuário, sem acompanhamento ambulatorial com a especialidade e os que não tinham mais a indicação cirúrgica, mas que permaneciam em lista. Tais condições excluíram pacientes da lista de espera, sendo também retirados aqueles que tinham realizado procedimento em outra instituição, óbitos e os que não aceitaram, por três vezes, ser internados ou realizar o procedimento. As informações supracitadas foram fornecidas às equipes médicas, e demonstrou-se que os pacientes mais antigos eram os que deveriam ter o atendimento agilizado.

Destaca-se que as listas de espera desse hospital encontram-se acessíveis no sistema eletrônico a todos os profissionais atuantes na instituição. Como mencionado anteriormente, essas listas de espera estão em interface com o GERINT, ou seja, os pacientes eletivos aparecem automaticamente nessa plataforma.

O enfermeiro regulador no NIR também passou a organizar as chamadas eletivas fixas semanais de pacientes para internação, bem como mutirões para avaliação ambulatorial préoperatória (consulta médica e exames necessários). Essas ações contribuíram para a redução do tempo de internação dos pacientes, que chegavam ao hospital apenas no dia da cirurgia, isto é, não necessitavam internar previamente para exames pré-operatórios. Além disso, o NIR passou a monitorar as listas de espera mensalmente de forma sistemática, visando sensibilizar mais as equipes médicas, melhorar a comunicação com elas e avaliar a evolução dos resultados da iniciativa.

OS RESULTADOS E AS DISCUSSÕES

A efetividade das ações foi mensurada pelo número de pacientes na lista e tempos de espera para a realização do procedimento. O primeiro indicador não deve ser analisado isoladamente, em razão da dinamicidade da lista, por isso é necessário analisar também os tempos de espera.

Os resultados mais relevantes foram os das equipes da Cirurgia Cardíaca e da Urologia, cujos dados do monitoramento realizado em março de 2018 (início da iniciativa) e em março de 2020 são apresentados no Quadro 1. A escolha desse último monitoramento deve-se à realidade de pandemia da COVID-19, período em que o hospital, para evitar seu colapso, suspendeu os atendimentos eletivos ambulatoriais e cirúrgicos para poder implantar medidas de enfrentamento da crise.

Quadro 1
Dados comparativos de produtividade e resultados das especialidades de Cirurgia Cardíaca e Urologia

Destaca-se que a especialidade da Urologia tornou-se um caso de referência para as demais equipes médicas. Apesar do fluxo dinâmico da lista, houve redução em todos os códigos, tanto da quantidade de pacientes como do tempo de espera. A partir dessa experiência, outras equipes foram sendo agregadas, como a Cirurgia Vascular e a Otorrinolaringologia, por exemplo (Quadro 2).

Quadro 2
Dados comparativos de produtividade e resultados das especialidades de Cirurgia Vascular e Otorrinolaringologia

A lista de espera registrada no sistema de informações do hospital mostrou-se como uma importante ferramenta de gestão para promover a garantia dos direitos do paciente e também propiciar conhecimento à equipe médica quanto à sua demanda de cirurgias eletivas. Para que essa iniciativa amplie os resultados positivos, é preciso que quatro aspectos sejam respeitados:

  • a existência de um gestor do processo, ou seja, alguém que se aproprie dele, que o conduza e atue como mediador entre os serviços. No cenário deste relato, esse processo é de responsabilidade do NIR; e, dentro desse núcleo, designaram-se um enfermeiro para ser o gestor e um administrador para realizar o monitoramento de resultados;

  • a alta gestão do hospital precisa garantir apoio a essa iniciativa por meio da autonomia ao NIR e ao gestor do processo, por ser algo que desacomoda equipes, padroniza ações e, portanto, retira o poder de alguns colaboradores, o que gera resistências;

  • a necessidade de saúde do paciente é o objetivo principal dessa iniciativa, em consonância com a adoção dos princípios dos SUS, destacando a equidade;

  • a garantia do feedback constante às equipes médicas, mediante informações consistentes sobre seu desempenho e evolução, situações a serem resolvidas e estabelecimento de novas metas e responsabilidades mútuas.

Neste trabalho, evidencia-se a significativa redução do tempo de espera para realização dos procedimentos cirúrgicos eletivos das especialidades abordadas. A espera pode acarretar piora/deterioração das condições de saúde, prolongamento do sofrimento, perda de utilidade e, inclusive, possível evolução para o óbito do paciente(11 Siciliani L, Hurst J. Tackling excessive waiting times for elective surgery: a comparative analysis of policies in 12 OECD countries. Health Policy [Internet]. 2005 [cited 2020 Sep 12];72(2):201-15. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0168851004001617?via%3Dihub
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).

O feedback por parte de algumas equipes médicas sobre as ações propostas pelo NIR - como a codificação dos procedimentos, a realização das consultorias e a inserção automática da AIH na lista de espera - contribuiu, significativamente, para o desenvolvimento do serviço médico, embora, em um primeiro momento, as ações tenham exigido readaptações do trabalho exercido pelas equipes. É importante ressaltar que foi importante para o êxito dessas ações o envolvimento das equipes assistenciais e de outras áreas, tais como: os serviços de diagnósticos, que priorizaram o agendamento dos exames para avaliação pré-operatória nos ambulatórios específicos; o centro cirúrgico, que otimizou a ocupação das salas cirúrgicas; e o Ambulatório de Especialidades.

Essa integração multiprofissional teve como consequência a melhoria do atendimento ao paciente e se concretizou por meio de uma comunicação efetiva, a qual foi conseguida pela reunião de esforços para manter vínculos e boa relação com as equipes médicas e demais serviços. Também adotaram-se, inclusive, os recursos de correios eletrônicos (e-mails), aplicativo de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, propiciando mais agilidade nos diálogos e nas tomadas de decisão. Já a intervenção na fila deve ser feita baseada no princípio da equidade (um dos princípios doutrinários do SUS), isto é, tratar cada problema específico de acordo com a sua necessidade(88 Senna SBB. Gestão da fila de espera para cirurgias eletivas em hospitais do Sistema Único de Saúde. Braz. J Surg Clin Res[Internet]. 2020 [cited 2020 Sep 12];30(2):79-82. Available from: https://www.mastereditora.com.br/periodico/20200408_122550.pdf
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).

Salienta-se, entretanto, que os aspectos subjetivos observados nas equipes médicas refletem diretamente nos resultados do trabalho. As equipes da Cirurgia Cardíaca e da Urologia apresentavam coordenador da equipe com boa liderança e, assim como os demais membros no processo, adequado engajamento, situação que permitiu a realização mais fluida e efetiva do trabalho. Esses aspectos subjetivos não foram encontrados em algumas equipes médicas abordadas, ou seja, elas não demonstraram ter o mesmo comprometimento e colaboração em sua prática. Por conseguinte, a efetividade nos resultados não foi a mesma.

As estratégias apresentadas neste estudo foram importantes e decisivas para a obtenção dos resultados supracitados. Todavia, para ser possível um atendimento efetivo e de qualidade aos pacientes eletivos, necessário se faz que novas estratégias sejam criadas e que as narradas neste estudo possam ser efetivamente implementadas para com as equipes que não tiveram boa adesão às propostas de melhoria feitas pelo NIR.

Cabe lembrar que uma das medidas durante a pandemia da COVID-19 foi a restrição de cirurgias, logo a demanda eletiva ficou ainda mais reprimida. Tal realidade não foi exclusiva desse hospital, pois a pandemia da COVID-19 interrompeu globalmente a maioria das cirurgias eletivas para atender o aumento repentino e expressivo de pacientes que requerem serviços hospitalares de urgência e cuidados em unidades de tratamento intensivo(99 Clarke J, Murray A, Markar SR, Barahona M, Kinross J. New geographic model of care to manage the post-COVID-19 elective surgery aftershock in England: a retrospective observational study. Rev BNJ Open. 2020;10(10):1-9. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-042392
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). A contribuição, colaboração e liderança estratégica para implementação e gestão de listas de espera cirúrgicas pós-pandemia serão fundamentais, pois essa situação afetou significativamente a saúde e vida dos pacientes eletivos(1010 Wiseman SM, Crump RT, Sutherland JM. Surgical wait list management in Canada during a pandemic: many challenges ahead. Can J Surg. 2020;63(3):226-8. https://doi.org/10.1503/cjs.006620
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).

Limitação do estudo

Uma limitação do estudo está na apresentação dos resultados obtidos apenas das quatro especialidades médicas com mais engajamento nas propostas de intervenção, isto é, ficaram de fora os resultados das demais especialidades. Além disso, os dados apresentados não foram submetidos aos testes estatísticos para verificar uma mudança significante (p < 0,05).

Contribuições para a área da Enfermagem e da Saúde

As implicações deste relato de experiência apresentam-se como contribuintes para a prática do enfermeiro, o qual assume a mediação do processo de regulação das listas de espera cirúrgicas, fortalecendo a análise de indicadores e a formulação de estratégias para a tomada de decisões em nível de gestão. Destaca-se que a literatura de gerenciamento de listas de espera ainda é incipiente no Brasil, portanto este relato contribui para reforçar a necessidade de ampliação dos estudos sobre esse temário.

Evidencia-se que a atuação do enfermeiro como regulador precisa ser apresentada, explorada e discutida ainda na formação acadêmica, melhorando as competências em desenvolvimento, de modo que se conheça a importância da gestão das listas de espera e do próprio NIR nas instituições de saúde. Da mesma forma, o tema instiga a oferta de cursos de formação profissional para aprimoramento dos enfermeiros que podem estar se inserindo nesses espaços e para que enfermeiros de outros setores conheçam as atribuições, estratégias e ações da regulação de leitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da insuficiência de literatura e de legislação norteadoras sobre o tema, foi necessário que o NIR desenvolvesse seu próprio modelo de ações e de gerenciamento de suas listas de espera, agregando aspectos como sensibilização e comprometimento de colaboradores e equipes, mudanças de processos e de aperfeiçoamento dos sistemas de informação, além de formas de monitoramento e avaliação do desempenho. Era preciso, ainda, evitar conflitos entre o modelo elaborado pelo NIR e o modelo de gestão institucional.

As ações apresentadas vêm sendo aplicadas às demais especialidades, levando em conta suas especificidades. Assim, considera-se que esta iniciativa pode ser replicada e aprimorada em todas as instituições de saúde que possuem listas de espera de pacientes eletivos. Como foi possível observar, as ações narradas são simples, porém constituíram um processo detalhado e trabalhoso, que dependeu do envolvimento de muitos colaboradores de diferentes setores da instituição.

O enfermeiro gestor no NIR responsável pelo gerenciamento de listas de espera para cirurgias eletivas, juntamente com as equipes médicas, conseguiu estabelecer estratégias para a redução de paciente em lista e do tempo de espera por cirurgias eletivas, assim como melhorar o fluxo de gestão de leitos da instituição. Foi demonstrada, assim, a importância do profissional enfermeiro, que, ao assumir função na gestão do serviço de saúde, desempenha um cuidado indireto e contribui para a qualidade da assistência prestada ao usuário.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Maria Elisabete Salvador

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2020
  • Aceito
    09 Maio 2021
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