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Relações interprofissionais na Estratégia Saúde da Família: percepção da gestão em saúde

RESUMO

Objetivos:

analisar o trabalho em equipe na Estratégia Saúde da Família, na perspectiva de profissionais do Departamento de Atenção Básica e do gestor municipal/secretário municipal de saúde de uma Secretaria Municipal de Saúde.

Métodos:

estudo exploratório/qualitativo. Participaram todos os profissionais do Departamento e gestor municipal/secretário municipal de saúde/interior de Minas Gerais. Coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas/maio a novembro/2019. Análise de dados: Análise de Conteúdo/modalidade temática e referencial teórico de processo de trabalho.

Resultados:

emergiram três categorias: Relações interprofissionais permeadas por instrumentos não materiais do trabalho; Formação, experiência e perfil profissionais influenciam o trabalho em equipe; Propostas para concretização do trabalho em equipe na Estratégia Saúde da Família. Resultados revelaram pressupostos para trabalho em equipe na referida Estratégia, facilitadores/dificultadores/estratégias para efetivação, segundo os profissionais. Considerações Finais: colaboração/ comunicação/proatividade facilitam trabalho em equipe. Necessidade de aproximação entre gestão municipal e Estratégia Saúde da Família para concretização do trabalho em equipe.

Descritores:
Atenção Primária à Saúde; Equipe de Assistência ao Paciente; Gestão em Saúde; Estratégia Saúde da Família; Relações Interprofissionais

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the teamwork in the Family Health Strategy from the perspective of professionals from the Primary Care Department and the municipal manager/secretary of health of a Municipal Health Secretariat.

Methods:

an exploratory/qualitative study. All professionals of the Department and municipal manager/municipal health secretary/interior of Minas Gerais participated. Data collection was through semi-structured interviews/May to November/2019. Data analysis: Content analysis/thematic mode and work process theoretical referential.

Results:

three categories emerged: Inter-professional relations permeated by non-material instruments of work; Professional training, experience, and profile influence teamwork; and Proposals for the realization of teamwork in the Family Health Strategy. Results revealed assumptions for teamwork in the referred Strategy, facilitators/difficulties/strategies for its realization, according to the professionals. Final Considerations: collaboration/communication/proactivity to facilitate teamwork. Need for approximation between municipal management and Family Health Strategy to achieve teamwork.

Descriptors:
Primary Health Care; Patient Care Team; Health Management; Family Health Strategy; Inter-professional Relationships

RESUMEN

Objetivos:

analizar trabajo en equipo en Estrategia de Salud Familiar, en la perspectiva de profesionales del Departamento de Atención Básica y gestor municipal/secretario municipal de salud de una Secretaría Municipal de Salud.

Métodos:

estudio exploratorio/cualitativo. Participaron todos los profesionales del Departamento y gestor municipal/secretario municipal de salud/interior de Minas Gerais. Recolecta de datos por medio de entrevistas semiestructuradas/mayo hasta noviembre/2019. Análisis de datos: Análisis de Contenido/modalidad temática y referencial teórico de proceso de trabajo.

Resultados:

emergieron tres categorías: Relaciones interprofesionales permeadas por instrumentos no materiales del trabajo; Formación, experiencia y perfil profesionales influencian el trabajo en equipo; Propuestas para realización del trabajo en equipo en la Estrategia de Salud Familiar. Resultados revelaron presupuestos para trabajo en equipo en dicha Estrategia, facilitadores/dificultadores/estrategias para efectuación, según los profesionales.

Consideraciones Finales:

colaboración/ comunicación/proactividad facilitan trabajo en equipo. Necesidad de acercamiento entre gestión municipal y Estrategia de Salud Familiar para realización del trabajo en equipo.

Descriptores:
Atención Primaria de Salud; Grupo de Atención al Paciente; Gestión en Salud; Estrategia de Salud Familiar; Relaciones Interprofesionales

INTRODUÇÃO

O aumento da complexidade do cuidado em saúde exige cada vez mais atuação de equipes de saúde integradas(11 Peduzzi M, Agreli HF. Teamwork and collaborative practice in primary health care. Interface Comum Saúde Educ. 2018;22(2):1525:34. https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0827
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), em coerência com a proposta do trabalho em equipe. Destaca-se uma tipologia para o trabalho em equipe pautada em duas modalidades: equipe-agrupamento, com agrupamento dos agentes e justaposição de suas ações; e equipe-integração, que preconiza interação efetiva dos agentes e conexão das ações(22 Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102001000100016
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).

O trabalho em equipe não se reduz a um conjunto de distintos profissionais, mas prevê uma equipe que trabalhe visando ao coletivo, com base no reconhecimento, comunicação e valorização do outro e do seu trabalho(22 Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102001000100016
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). A constituição de equipes interdisciplinares e interprofissionais não garante resolução definitiva de problemas. Porém, pode colaborar para superação da fragmentação do trabalho e do modelo biomédico, integralidade do trabalho coletivo e qualificação profissional com vistas à efetivação do cuidado(33 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, Souza HS. Teamwork: revisiting the concept and its Developments in inter-professional work. Trab Educ Saúde. 2020;18(Suppl 1):e0024678. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00246
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).

Embora cada atividade dos distintos profissionais seja realizada de forma individual, a prática de todas elas em conjunto gera trabalho de equipe interprofissional e colaborativo, com destaque, aqui, para a Atenção Primária à Saúde (APS)(44 Brown JB, Mulder C, Clark RE, Belsito L, Thorpe C. It starts with a strong foundation: constructing collaborative interprofessional teams in primary health care. J Interprof Care. 2020;1-7. https://doi.org/10.1080/13561820.2020.1787360
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), considerando que o trabalho em equipe viabiliza resposta adequada às necessidades dos usuários(55 Levesquea J-F, Harris MF, Scott C, Crabtree B, Miller W, Halma LM, et al. Dimensions and intensity of inter-professional teamwork in primary care: evidence from five international jurisdictions. Fam Pract. 2018;35(3):285-94. https://doi.org/10.1093/fampra/cmx103
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).

Na APS, a Estratégia Saúde da Família (ESF), componente das Redes de Atenção à Saúde (RAS), representa um cenário que requer trabalho em equipe, porquanto as RASs propõem articulação entre os serviços, níveis de atenção(66 Amaral CEM, Bosi MLM. Network as transconcept: elements for a conceptual demarcation in the field of public health. Rev Saúde Pública. 2016; 50:51. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006306
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) e agentes do trabalho. Para uma APS efetiva e ordenadora da Rede, é necessário que haja gestão e gerência coerentes com a realidade. A identificação e conhecimento das dificuldades reais enfrentadas pelos agentes facilitam o gerenciamento na APS(77 Farah BF, Dutra HS, Sanhudo NF, Costa LM. Perception of nurse supervisors on leadership in primary care. Rev Cuid. 2017; 8(2):1638-55. https://doi.org/10.15649/cuidarte.v8i2.398
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).

Equipes da ESF são diretamente ligadas à gestão do Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Entretanto, constata-se que, muitas vezes, essa relação revela-se desconexa e pouco articulada, o que não é desejável, pois a ESF representa o eixo estruturador do Sistema Único de Saúde (SUS) e principal porta de entrada para o usuário no Sistema.

Evidenciam-se lacunas na produção científica a respeito da prática do trabalho em equipe na ESF, na perspectiva da gestão municipal em saúde, foco deste estudo. A fragilidade na relação entre a gestão da SMS e as equipes da ESF influencia o trabalho realizado pelos profissionais da referida estratégia, impactando a assistência prestada. Embora a proposta da ESF preconize trabalho integrado e em equipe, isso por si só não assegura sua efetivação no cotidiano. A gestão representa potente disparador para a mudança do processo de trabalho, com vistas à concretização do trabalho integrado. Dessa forma, trazer à tona as percepções da gestão municipal sobre o trabalho em equipe no contexto da ESF poderá gerar subsídios para que a gestão sensibilize os agentes para um trabalho mais integrado e viabilize essa modalidade de trabalho no campo da assistência na APS.

Diante do exposto, questiona-se: O que pensam os profissionais do DAB/SMS e o gestor municipal/secretário municipal de saúde sobre o trabalho em equipe e como o percebem no contexto da ESF?

OBJETIVOS

Analisar o trabalho em equipe na Estratégia Saúde da Família, na perspectiva de profissionais do Departamento de Atenção Básica e do gestor municipal/secretário municipal de saúde de uma Secretaria Municipal de Saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto seguiu a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, a qual dispõe sobre as normas em pesquisas envolvendo seres humanos. Foi aprovado tanto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) de uma universidade federal no interior de Minas Gerais, via Plataforma Brasil, quanto pelo gestor da Secretaria Municipal de Saúde do município. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo-se privacidade e sigilo.

Referencial teórico-metodológico

O processo de trabalho(88 Gonçalves RBM. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo: CEFOR; 1992.) em saúde fundamentou a análise do estudo como referencial teórico adotado, o que possibilitou o diálogo entre os elementos do processo de trabalho e os achados. O intuito é aproximar e articular os conceitos teóricos com a realidade do trabalho em equipe no contexto da ESF, na ótica da gestão municipal de saúde; e viabilizar discussões que colaborem com a transformação dos objetos de trabalho e do próprio trabalhador em questão.

O processo de trabalho consiste no arranjo dos seguintes componentes: objeto de trabalho (representa o que o trabalhador pretende transformar, referindo-se, nesta investigação, às condições de saúde); instrumentos (materiais e não materiais), finalidade (o que se pretende alcançar — no caso, cuidado integral) e agentes (profissionais de saúde). Para transformar o objeto, os agentes, por meio dos instrumentos, atuam sobre ele com vistas ao alcance da finalidade no processo de trabalho em saúde, a saber, cuidado integral e promoção da saúde(88 Gonçalves RBM. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo: CEFOR; 1992.).

Tipo de estudo

Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, fundamentado nos critérios do Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ). O instrumento COREQ divide-se em três domínios (equipe de pesquisa e reflexividade; desenho do estudo; e análise/resultados) e tem o objetivo de guiar dimensões fundamentais da pesquisa, garantindo a confiabilidade. A abordagem qualitativa permite, por meio da experiência, a compreensão de situações com base no foco do estudo, não dependendo da frequência em que aparece, e sim da sua relevância(99 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Cenário do estudo

O cenário em foco é o DAB de uma SMS, incluindo o seu gestor municipal/secretário municipal de saúde, em um município no interior de Minas Gerais.

Fonte de dados

O DAB, na época da coleta de dados, contava com 13 profissionais ligados à gestão das equipes da ESF, sendo 7 enfermeiras, 2 profissionais de educação física, 1 assistente administrativo, 1 agente social, 1 diretora de atenção à saúde e 1 chefe de departamento. O estudo também teve a participação do secretário municipal de saúde, enquanto gestor de saúde da SMS, foco da presente investigação.

Todos os profissionais supracitados foram entrevistados, por escolha intencional, os quais atenderam ao critério de inclusão, que consistia em atuar no referido departamento e na gestão da SMS há, no mínimo, seis meses. Ressalta-se que não houve perda nem exclusão.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados foi desenvolvida no período de maio a novembro de 2019, por meio de entrevista semiestruturada, realizada por uma única entrevistadora (graduanda em enfermagem), a qual foi devidamente treinada pela coordenadora da pesquisa. A entrevistadora se apresentava ao profissional convidado a participar, explicava o projeto, expunha a justificativa para o desenvolvimento do estudo e a técnica da entrevista. A entrevista foi guiada por um roteiro construído pelas próprias pesquisadoras, submetido à validação aparente e de conteúdo por três doutores na temática e/ou na metodologia de pesquisa adotada.

O roteiro foi dividido em duas partes: a primeira contemplava os dados sociodemográficos e profissionais dos participantes; a segunda parte continha as questões norteadoras para investigar, na ótica dos profissionais do DAB e do gestor municipal/secretário municipal de saúde, as percepções sobre trabalho em equipe e sua realização no contexto da ESF, bem como avanços, dificuldades e sugestões para concretização dessa modalidade de trabalho no cenário em foco. As entrevistas foram realizadas face a face, audiogravadas durante o horário de trabalho dos profissionais, em momento oportuno e indicado pelo participante, em sala privativa na SMS, contando somente com a entrevistadora e participante, com duração média de 11 minutos e 55 segundos. Os participantes do estudo foram identificados como E1, E2, E3 e assim por diante, até E14.

As entrevistas foram transcritas na íntegra pela própria entrevistadora. Não houve analistas externos.

Análise dos dados

Para a análise dos dados, seguiu-se a orientação metodológica da Análise de Conteúdo, modalidade temática, desenvolvendo-se as três etapas preconizadas. A primeira etapa, a pré-análise, pautou-se na leitura exaustiva e intensa do material para familiarizar-se com o todo dos dados e suas particularidades. A segunda etapa, a exploração do material, consistiu na identificação de categorias e unidades de contextos que emergiram. Na terceira etapa, a síntese interpretativa, procedeu-se à interpretação dos achados e construção de diálogo entre eles e a teoria(1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13th ed. São Paulo: Hucitec; 2013.). Análise de dados foi guiada por meio de aproximação ao referencial teórico de Processo de Trabalho(88 Gonçalves RBM. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo: CEFOR; 1992.) e do objeto da pesquisa.

Da análise dos dados, emergiram três categorias temáticas: Relações interprofissionais permeadas por instrumentos não materiais do trabalho; Formação, experiência e perfil profissionais influenciam o trabalho em equipe; e Propostas para concretização do trabalho em equipe na ESF.

RESULTADOS

Dentre os participantes, houve predomínio do sexo feminino (12-85,7%), com idades entre 27 e 54 anos e média de idade 40 anos. Referente à formação, considerando o nível máximo de escolaridade, 11 (78,58%) possuíam especialização, 1 (7,14%) fez mestrado, 1 (7,14%) tinha graduação e 1 (7,14%) possuía ensino técnico. O tempo médio de formação, considerando a última formação completa, foi de 13 anos e quatro meses, com tempo de atuação no DAB/SMS variando de um ano e seis meses a dez anos, com média de quatro anos e cinco meses.

Da análise temática, emergiram três categorias temáticas: Relações interprofissionais permeadas por instrumentos não materiais do trabalho; Formação, experiência e perfil profissionais influenciam o trabalho em equipe; e Propostas para concretização do trabalho em equipe na ESF.

As referidas categorias revelaram as percepções dos entrevistados sobre trabalho em equipe, suas dificuldades, avanços e propostas de estratégias para efetivação dessa modalidade de trabalho na ESF. As categorias não incluíram subcategorias. Na compilação das categorias, os achados, que emergiram na análise, foram reunidos por afinidade de conteúdo nos três eixos temáticos supracitados, contemplando as temáticas reveladas.

A categoria temática “Relações interprofissionais permeadas por instrumentos não materiais do trabalho” revela que os instrumentos não materiais — como colaboração, cooperação, comunicação, entrosamento, ajuda mútua, articulação, complementaridade de saberes, objetivos comuns, atuação sinérgica, respeito, relações interprofissionais saudáveis, disponibilidade interna, proatividade e o reconhecimento das potencialidades do outro — são pilares para o trabalho em equipe na ESF. A referida categoria evidencia os pressupostos para trabalho em equipe, bem como aspectos facilitadores e dificultadores para sua realização.

Os participantes consideraram que trabalhar em equipe significa trabalhar de forma colaborativa, com ajuda mútua e trabalho coletivo. Diferenciaram trabalho em equipe de trabalho conjunto e ressaltaram que o fato de ter um conjunto de distintos profissionais não garante concretização de trabalho em equipe.

Trabalho em equipe de saúde […] em conjunto, em parceria com os outros profissionais de saúde, de uma forma multiprofissional […] você dá apoio pros seus colegas de trabalho em todas as situações […] não existe hoje o trabalho do “eu sozinho” […] porque, às vezes, você encontra muito isso no serviço público […] a pessoa, às vezes, quer destacar, aparecer mais que o outro […]. (E5)

[…] e aqui diferencia trabalho em equipe do trabalho em conjunto. Equipe é quando as pessoas têm esforços somados em prol do objetivo […] trabalhar junto é outra questão, cada um faz o seu […] fica uma assistência fragmentada. (E8)

Os participantes evidenciaram que, apesar das atribuições específicas, inerentes a cada categoria profissional, a articulação e a complementaridade de saberes são essenciais para efetivação do trabalho em equipe.

[…] tem o enfermeiro que tem as atribuições dele, específico do enfermeiro, tem o médico que tem as atribuições específicas dele. Dentista também. Só que assim, se cada um ficar dentro […] do seu consultório, na sua casinha, não é trabalho em equipe. Tem que ter um trabalho em conjunto. (E1)

[…] o trabalho num precisa ser o tempo todo em equipe. A gente […] tem um momento que é do profissional […] específico dele, e tem alguns momentos que são até maiores […] vários momentos que eles podem tá complementando a prática um do outro […] e cada um com seu conhecimento, mas trabalhando em equipe. (E7)

Entretanto, apesar de colaboração e ajuda mútua serem percebidas como pressupostos para trabalho em equipe, na prática, os participantes revelaram que há falta de colaboração, gerando sobrecarga e dificultando o trabalho em equipe:

[…] acaba que algumas ações são sempre desempenhadas pelo mesmo profissional […] é sempre, na maioria das vezes, o enfermeiro […] acaba sobrecarregando um profissional mais que os outros e também no final […] o que faz sozinho num tem o mesmo efeito […] de um trabalho feito por todos […] com todas as experiências de todas as profissões […]. (E7)

[…] os profissionais de saúde hoje, não só no âmbito da Estratégia de Saúde da Família, mas como um todo, estão muito adoecidos […] há uma sobrecarga, há também um grau de exigência muito grande do usuário em relação ao serviço de saúde, uma expectativa muito grande […]. (E12)

Objetivos comuns partilhados junto com a atuação sinérgica dos agentes no processo de trabalho, com relações interprofissionais respeitosas e colaborativas, são elementos importantes para concretização do trabalho em equipe na ESF, na ótica dos entrevistados.

É todo mundo trabalhar pra um objetivo em comum […] todo mundo ajudando todo mundo. Respeitando o que cada um sabe fazer. Respeitando a personalidade de cada um […] porque assim, cada um sabe alguma coisa, cada um tem mais habilidade pra alguma coisa, então junta todo mundo pra atingir um objetivo em comum. (E1)

[…] não é uma profissão ou um tipo de assistência, determinada assistência que vai dar o resultado efetivo em termos de saúde […] então você precisa da atuação conjunta e sinérgica de todos os profissionais pra que esse objetivo possa ser atendido. (E8)

Comunicação, troca de informações e entrosamento entre agentes são instrumentos não materiais do processo de trabalho que precisam ser utilizados pelos profissionais para efetivação do trabalho em equipe, na percepção dos participantes. Para eles, não basta o profissional ter competência técnica se não souber comunicar-se com os demais:

[…] às vezes, o enfermeiro, ele consegue ter acesso a informações, através até de visitas domiciliares que eles fazem e que o médico não faz. O médico não vai ter esse acesso, sobre questão de às vezes condições de saúde que aquele paciente vive […] às vezes, o médico nunca vai saber, se num for um agente comunitário […] então a comunicação é […] a chave do trabalho em equipe. (E6)

Tem que tá todo mundo junto. Porque não adianta nós termos aí um excelente profissional médico e se ele não consegue se comunicar com a equipe. (E12)

Comunicação inadequada e falta de reuniões se revelaram como problema na relação entre gestão da SMS e ESF, prejudicando o trabalho e criando uma ruptura nas RASs. Isso atrapalha o fluxo do usuário, sobrecarrega o sistema e gera transtornos que poderiam ser evitados com informações adequadas e claras:

[…] em cada Unidade [de Saúde da Família] tem um gerente […] então os gerentes vêm, fazem uma capacitação ou recebem alguma informação nova, e eles têm […] esse trabalho de repassar essa informação. Só que, geralmente, não passa. E quando passa, às vezes, num passa em tempo hábil assim. (E6)

[…] procurando melhorar a comunicação, porque muitas vezes a mensagem […] que sai daqui da Secretaria, muitas vezes, não é a mensagem que chega lá na ponta. E da mesma forma, a mensagem, muitas vezes, que o servidor emite pra Secretaria, ela não chega aqui da forma como ele colocou lá. (E12)

Para os participantes, relações interprofissionais frágeis permeadas por ruídos na comunicação e conflitos pessoais são dificultadores do trabalho em equipe, atrapalham o convívio e prejudicam o entrosamento dos agentes, comprometendo a finalidade do trabalho:

[…] como o trabalho é muita gente, às vezes, tem muita picuinha, muita coisa. (E6)

A questão de conflitos hoje é uma das coisas que mais atrapalham o desempenho de um trabalho em equipe […] falta de […] empatia mesmo, de você se colocar no lugar do outro, de você […] ter esse […] nível de tolerância […] eu vou entender que a pessoa precisa, às vezes, de ajuda […]. (E12)

Proatividade, disponibilidade interna para trabalhar e os próprios agentes reconhecerem as potencialidades do outro, bem como serem reconhecidos, foram relatados como facilitadores para o trabalho em equipe, a ponto de provocar mudanças positivas no ambiente e dinâmica do trabalho, gerando cenário colaborativo. Isso é ilustrado nos relatos:

[…] tem pessoas ali […] em cada equipe que elas abraçam a causa […] precisa de […] marcar alguma coisa, já marca, precisa de pegar […] e cobrir um colega, já cobre; precisa de fazer algum exercício, alguma coisa específica ali já faz […] e aí entra nessa parte de cooperação. (E9)

[…] quando […] a gente consegue […] se deparar com pessoas […] que tenham […] facilidade […] disponibilidade interna [para o trabalho em equipe] […] eu acho que tudo é muito fácil, é mais trabalhado, é mais fácil de você trabalhar. (E12)

E o que a gente tem buscado […] dentro da Estratégia Saúde da Família […] é que primeiro essa equipe se conheça […] buscar as potencialidades de cada um e ter essa troca realmente de conhecimento […]. (E14)

Os entrevistados revelaram que a dificuldade de valorizar o outro e de enxergar que todas as categorias profissionais são importantes é um dificultador do trabalho em equipe na ESF:

Às vezes, alguma profissão que se vê superior a outra […] tem algumas profissões que ainda […] não conseguem enxergar a importância de cada um, de cada uma das profissões mesmo sabe […] não enxergam assim essa somatória sabe, do coletivo. (E7)

Então, lá na […] ponta [refere-se à ESF] […] diferente um pouco do nosso serviço aqui. Eles deveriam estar até mais interligados do que a gente […] às vezes não têm esse entrosamento, essa articulação de tá um apoiando o outro e vê a importância da função de um e do outro. (E7)

A categoria temática “Formação, experiência e perfil profissionais influenciam o trabalho em equipe” revela que a formação mais recente e a imaturidade geram nos agentes dificuldade de diferenciar teoria e realidade, impactando o processo de trabalho e o trabalho em equipe. A formação mais antiga, centrada no modelo biomédico, também dificulta o trabalho em equipe, na ótica dos entrevistados:

[…] às vezes, profissionais mais antigos, eles têm uma formação […] mais específica […] os médico fica aqui num quadrado […] cada um com a sua especificidade, mas a gente […] aos poucos vai conversando, vai orientando e eles percebem também que, na prática, um precisa da formação do outro, do conhecimento. (E7)

O profissional já tá vindo da formação dele com uma dificuldade de trabalho em equipe […] Muita das vezes, eles não conseguem separar o lado pessoal do lado profissional e isso acaba interferindo. (E13)

Por outro lado, um participante revelou que a formação profissional recente possibilita melhor entendimento e realização do trabalho em equipe, facilitando-o:

Tem alguns profissionais que […] pela formação que têm, é uma formação mais recente […] na faculdade eles já […] vão com essa noção trabalhar em equipe. (E7)

A falta de perfil profissional para o trabalho na ESF é um dificultador do trabalho em equipe, criando, no agente, comodismo e dificuldade em colaborar. Inclusive, identificou-se que não é suficiente ter adequada formação se o profissional não se identificar com o trabalho. Os entrevistados relataram que muitos profissionais estão ali simplesmente por estar, porque foram aprovados em concurso público:

Eu acho que tem muito comodismo. As pessoas acham que tão atendendo em consultório particular. O médico não quer fazer visita, não quer fazer grupo, ele quer ficar só atendendo os paciente que tá agendado pra ele. Tem muitos dentista também que têm esse perfil. Num quer fazer visita, quer só atender aquele paciente que tá agendado. (E1)

Os profissionais, a maioria não gosta do trabalho […] eles […] foram aprovados em concurso público. Então a gente percebe que a maioria tá preocupado com o concurso, com a estabilidade profissional, mas não com o trabalho propriamente dito. (E4)

[…] o profissional […] da Estratégia de Saúde da Família que não tem uma disposição interna pra trabalhar em equipe, que não tem uma disposição interna pra fazer visita domiciliar […] eu acho que esse profissional ele não é um profissional […] que tenha perfil pra Atenção Básica. (E12)

Ainda no que se refere à formação, o fato de muitos gerentes não terem formação na área da saúde prejudica a compreensão da realidade e dinâmica do trabalho em saúde, dificultando a prática do trabalho em equipe:

[…] os gerentes, eles não têm nenhuma formação nessas áreas assim ou, às vezes, alguma proximidade com a saúde pra poder compreender as informações pra levar pra equipe. Aí eu acho que isso dificulta, sabe? (E6)

A categoria temática “Propostas para concretização do trabalho em equipe na ESF” destaca que a realização de reuniões, momentos de discussão e capacitação de todos os profissionais, desde o âmbito administrativo até o assistencial, promove o trabalho em equipe. Os entrevistados defendem que devem existir espaços para conversas/integração, compartilhamento de angústias e motivação:

[…] acho que, às vezes, a capacitação dos gerentes facilitaria muito o trabalho em equipe […] a capacitação também da equipe […] a gente teve capacitação pra recepcionista […] às vezes é um público, nos profissionais […] que fica […] muito aquém das capacitações, porque […] não é um público específico de área de saúde, mas ele tem que ter um olhar diferenciado […]. (E6)

[…] tem esses momentos […] junto com as equipes […] pra tá fazendo essa […] sensibilização com os profissionais, motivando, trazendo essas angústias do dia a dia ali pra serem conversadas […] e não deixar que isso acabe interferindo de uma forma tão grande no trabalho deles […]. (E12)

A aproximação entre gestão municipal de saúde e profissionais da ESF — por meio de levantamento da realidade local, monitoramento e acompanhamento das equipes de ESF pela referida gestão, bem como melhoria da comunicação entre os referidos envolvidos — é percebida pelos participantes como importante estratégia para viabilizar o trabalho em equipe no contexto da ESF.

Existe [refere-se a trabalho em equipe na ESF] […] pelo menos eles se esforçam bastante pra trabalhar […] a gente monitora as Unidades. A gente vê […] propositadamente […] a gente articula algumas ações internas que eles têm que desenvolver em conjunto […] até pra aprimorar essa questão […] do trabalho em equipe. (E5)

O que ocorre é uma ponte quebrada entre as duas realidades […] observo que não há essa comunicação [entre ESF e SMS]. Então é como se você tivesse o cérebro separado do corpo. Não há movimento […] acho que primeiro de tudo é quem tá na gestão se aproximar mais da realidade assistencial, pra entender os desafios, as dificuldades e os problemas que existem […] a partir desse conhecimento, auxiliar na organização do processo de trabalho e aí sim a cobrança dos indicadores necessários […]. (E8)

Destaca-se que o olhar acolhedor e humanizado sobre o profissional, necessidade de política de saúde voltada para apoio psicológico aos agentes e oferecimento de melhores condições de trabalho representam o desejo de que a gestão municipal de saúde volte os olhos para o profissional. Isso facilitará o trabalho em equipe na ESF:

[…] melhores condições de trabalho […] mesmo, principalmente pro pessoal das pontas [refere-se aos profissionais da ESF] […]. São as agentes comunitárias, que, muitas vezes, elas por exemplo num têm um vale-transporte […] às vezes, tem treinamento em algum outro lugar, elas têm que pagar. (E2)

O profissional de saúde, muitas vezes, ele se encontra adoecido. E, às vezes, um olhar mais humanizado pra esse profissional permitiria a criação de momentos […] de relacionamento interpessoal, de reflexão […] de escuta. Pra que esse profissional pudesse se sentir também […] acolhido e acompanhado. (E8)

DISCUSSÃO

Evidenciou-se, neste estudo, que o trabalho colaborativo favorece o trabalho em equipe efetivo, ancorado na atuação conjunta para alcance de objetivos comuns. Nesse sentido, trabalho em equipe na dimensão da colaboração e prática interprofissional prevê interdependência de ações, decisões compartilhadas, respeito mútuo e valorização/reconhecimento das distintas profissões. Estas são estratégias para organização dos serviços, considerando que a complexidade da assistência exige integração de saberes e práticas de distintos profissionais(1111 Sangaleti C, Schveitzer MC, Peduzzi M, Zoboli ELCP, Soares CB. Experiences and shared meaning of teamwork and interprofessional collaboration among health care professionals in primary health care settings: a systematic review. JBI Database System Rev Implement Rep. 2017;15(11):2723-88. https://doi.org/10.11124/JBISRIR-2016-003016
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).

É preciso que os agentes estejam alinhados na perspectiva de um trabalho coletivo, pois, quando profissionais se apoiam uns nos outros e reconhecem a importância de cada categoria, o trabalho flui e viabiliza o alcance de objetivos e da finalidade do trabalho em saúde. Os achados convergem com a literatura, na qual se destaca que os profissionais devem olhar para além de sua profissão, com visão compartilhada de objetivos e funções da equipe(1212 Selleck CS, Fifolt M, Burkart H, Frank JS, Curry WA, Hites LL. Providing primary care using an interprofessional collaborative practice model: what clinicians have learned. J Prof Nurs. 2017;33(6):410-6. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2016.11.004
https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2016....

13 Dongen JJJ, Lenzen SA, Bokhoven MA, Daniels R, VanDer TW, Beurskens A. Interprofessional collaboration regarding patients’ care plans in primary care: a focus group study into influential factors. BMC Fam Pract. 2016;17:58. https://doi.org/10.1186/s12875-016-0456-5
https://doi.org/10.1186/s12875-016-0456-...
-1414 Fiscella K, Mauksch L, Bodenheimer T, Salas E. Improving care teams' functioning: recommendations from team science. J Comm J Qual Patient Saf. 2017;43(7):361-8. https://doi.org/10.1016/j.jcjq.2017.03.009
https://doi.org/10.1016/j.jcjq.2017.03.0...
).

Os depoimentos mostraram que distintos profissionais atuando no mesmo local não asseguram trabalho articulado e em equipe. Isso é coerente com a literatura, segundo a qual algumas equipes tendem a agir como grupos, e não como equipes(1515 Golom FD, Schreck JS. The journey to interprofessional collaborative practice are we there yet? Pediatr Clin North Am. 2018;65(1):01-12. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2017.08.017
https://doi.org/10.1016/j.pcl.2017.08.01...
), e têm proximidade com aspectos da equipeagrupamento(22 Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saúde Pública. 2001;35(1):103-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102001000100016
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200100...
).

Os achados revelaram: mesmo que existam especificidades de cada formação, a atuação conjunta e a complementaridade de saberes são fundamentais para consolidação do trabalho em equipe. Tal resultado converge com a literatura, em que se defende a necessidade de trabalho genuinamente compartilhado e interdependente, responsabilidade coletiva e complementaridade entre os seus membros(1515 Golom FD, Schreck JS. The journey to interprofessional collaborative practice are we there yet? Pediatr Clin North Am. 2018;65(1):01-12. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2017.08.017
https://doi.org/10.1016/j.pcl.2017.08.01...
).

Entretanto, os resultados indicam que, no cotidiano, ainda ocorre falta de colaboração, e isso gera sobrecarga de trabalho, comprometendo o trabalho em equipe. Destaca-se que a colaboração está atrelada a desafios como rotinas, diferentes personalidades profissionais, hierarquia e restrições de tempo(1616 Dahlke S, Hunter KF, Kalogirou MR, Negrin K, Fox M, Wagg A. Perspectives about Interprofessional Collaboration and Patient-Centred Care. Can J Aging. 2020; 39(3):443-55. https://doi.org/10.1017/S0714980819000539
https://doi.org/10.1017/S071498081900053...
).

Instrumentos não materiais como comunicação, diálogo e entrosamento dos agentes são pressupostos e facilitadores para o trabalho em equipe e precisam de ser apropriados e utilizados pelos profissionais da ESF, na ótica da gestão municipal de saúde. Nessa perspectiva, somente competência técnica não é suficiente: a comunicação com os demais é essencial. Alguns profissionais tentam se sobressair mais que outros, com base em uma visão hierárquica, e isso é um dos preditores da falta de comunicação e interação. A boa comunicação é fundamental para evitar conflitos e erros, repercutindo na segurança do usuário(1717 Lancaster G, Kolakowsky-Hayner S, Kovacich J, Greer-Williams N. Interdisciplinary communication and collaboration among physicians, nurses, and unlicensed assistive personnel. J Nurs Scholarsh. 2015;47(3):275-84. https://doi.org/10.1111/jnu.12130
https://doi.org/10.1111/jnu.12130...
).

Colaboração e diálogo são essenciais para integração entre equipes, contribuindo na proatividade dos agentes e organização do processo de trabalho(1818 Marques RJR, Rezende-Alves K, Soares CS, Magalhães KA, Morelli LF, Lopes ACS. Analysis of the multiprofessional teamwork for actions regarding diet and nutrition in primary health care. Trab Educ Saúde. 2020;18(1):01-17. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00241
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
). Quando há proatividade e disponibilidade interna para o trabalho, este flui com maior qualidade e colaboração, diminuindo sobrecarga de trabalho, conforme revelado pelos achados.

O perfil e a disponibilidade interna dos agentes são fundamentais para alcance da finalidade do trabalho. De acordo com a literatura, pode haver sofrimento profissional, devido à falta de perfil, quando o agente não se sente ambientado com o tipo de trabalho, envolvendo questões até mesmo de tempo de serviço(1919 Nascimento DDG, Oliveira MAC. Analysis of suffering at work in Family Health Support Centers. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(5):846-52. https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000600019
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600...
).

A formação recente, por um lado, foi percebida como facilitadora na prática do trabalho em equipe; por outro lado, participantes apontaram que ela dificulta essa prática, pois falta entendimento da distância entre realidade e teoria. Apesar de interdependentes, teoria e prática são distintas, por isso é preciso enfatizar essa diferença desde a formação, bem como investir em ambas para compreensão da realidade(2020 Azevedo AB, Pezzato LM, Mendes R. Interdisciplinary education in health and collective practices. Saúde Debate. 2017; 41(113):647-57. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711323
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
). O fato de muitos gerentes não terem formação em saúde foi revelado como dificultador do trabalho na ESF e do trabalho em equipe. Nesse sentido, são necessários investimentos na formação e capacitação de gestores, com vistas à concretização de ações para uma APS integral e mais resolutiva(2121 Nunes LO, Castanheira ERL, Dias A, Zarili TTF, Sanine PR, Mendonça CS, et al. Importance of local management for delivery of primary health care according to Alma-Ata principles. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e175. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.175
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.175...
).

A comunicação inadequada entre a gestão municipal de saúde e as equipes da ESF compromete intensamente o trabalho, dificulta a ligação entre elas, gera um abismo na rede de serviços, impactando a finalidade do trabalho e gerando diversos transtornos e conflitos. A comunicação aparece limitada à técnica e ao caráter pessoal(2222 Souza TS, Medina MG. Nasf: fragmentation or integration of health work in PHC? Saúde Debate. 2018;42(2):145-58. https://doi.org/10.1590/0103-11042018s210
https://doi.org/10.1590/0103-11042018s21...
), como retratam os achados, e essa limitação pode causar desgastes nas relações, bem como estresse, falta de cooperação e comunicação como geradores de sofrimento(2323 Nascimento DDG, Moraes SHM, Oliveira MAC. Family health support center: suffering from the perspective of psychodynamics of work. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03423. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018013403423
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201801...
). Dessa forma, a dificuldade de comunicação é aspecto limitante na relação entre equipes, conduzindo a problemas de relacionamento(2222 Souza TS, Medina MG. Nasf: fragmentation or integration of health work in PHC? Saúde Debate. 2018;42(2):145-58. https://doi.org/10.1590/0103-11042018s210
https://doi.org/10.1590/0103-11042018s21...
).

Ressalta-se que, na ESF, a comunicação é uma competência indispensável para efetividade da relação entre profissionais e usuários. Nessa perspectiva, ela é essencial para desenvolvimento de atribuições com efetividade, permitindo bom relacionamento entre diversos sujeitos e atuação mais clara e objetiva(2424 Lopes OCA, Henriques SH, Soares MI, Celestino LC, Leal LA. Competences of nurses in the Family health Strategy. Esc Anna Nery. 2020; 24(2):e20190145. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0145
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
).

O reconhecimento das potencialidades do outro favorece as relações interprofissionais e facilita o trabalho em equipe na ESF. Essas evidências convergem com a literatura, na qual se afirma que o reconhecimento do trabalho e das potencialidades do outro levam a maior motivação e satisfação no trabalho, estimulando o profissional a querer ir além(2525 Soratto J, Pires DEP, Scherer MDA, Witt RR, Ceretta LB, Farias JM. Family health strategy professional satisfaction in Brazil: a qualitative study. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20180104. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0104
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
).

Dentre as propostas apresentadas para facilitar o trabalho em equipe, destacam-se realização de reuniões, capacitações e aproximação entre gestão municipal de saúde e profissionais da ESF. No entanto, a fim de que profissionais de saúde estejam mais preparados para trabalho interprofissional, o treinamento em equipe deve iniciar na graduação, por meio de métodos que possibilitem maior interação entre os alunos(2626 Fox L, Onders R, Hermansen-Kobulnicky CJ, Nguyen TN, Myran L, Linn B, et al. Teaching interprofessional teamwork skills to health professional students: a scoping review. J Interprof Care. 2018;32(2):127-35. https://doi.org/10.1080/13561820.2017.1399868
https://doi.org/10.1080/13561820.2017.13...
) de distintas áreas do saber.

Os depoimentos demonstraram a importância de capacitações — as próprias políticas públicas de saúde preveem que as equipes de profissionais da ESF as realizem(2727 Santos RABG, Uchôa-Figueiredo LR, Lima LC. Matrix support and actions on primary care: experience of professionals at ESF and Nasf. Saúde Debate. 2017;41(114):694-706. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711402
https://doi.org/10.1590/0103-11042017114...
). Dessa forma, a equipe terá as mesmas informações para compartilhar com os usuários, com possibilidade de abordar temas associados às relações e assistência, alinhando o serviço.

Outra proposta para facilitar o trabalho em equipe na ESF, na perspectiva da gestão municipal de saúde, revela a necessidade de maior acolhimento do profissional, de apoio psicológico e melhores condições de trabalho. Com a saúde mental fragilizada em razão das exigências do trabalho, torna-se necessário redefinir ações e criar estratégias conforme as demandas dos agentes, buscando melhorias no trabalho e na saúde mental(2828 Monteiro DT, Mendes JMR, Beck CLC. Health Professionals’ Mental Health: a look at their Suffering. Trends Psychol. 2019;27(4):993-1006. https://doi.org/10.9788/TP2019.4-12
https://doi.org/10.9788/TP2019.4-12...
).

A humanização e a criação de vínculos são essenciais para assistência ao sustentar as relações de troca de experiências desveladas(1818 Marques RJR, Rezende-Alves K, Soares CS, Magalhães KA, Morelli LF, Lopes ACS. Analysis of the multiprofessional teamwork for actions regarding diet and nutrition in primary health care. Trab Educ Saúde. 2020;18(1):01-17. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00241
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
). Os profissionais apresentam-se mais motivados e satisfeitos em um ambiente acolhedor, o que viabiliza o trabalho em equipe. A humanização e consequente minimização do sofrimento, só é possível com o resgate dos propósitos do trabalho, aliado à motivação e identificação do outro, por meio de espaços coletivos para reflexão e reelaboração contínua do sentido do trabalho e de estratégias defensivas contra o sofrimento(2323 Nascimento DDG, Moraes SHM, Oliveira MAC. Family health support center: suffering from the perspective of psychodynamics of work. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03423. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018013403423
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201801...
).

Ressalta-se que todas as categorias temáticas se revelaram entrelaçadas, havendo uma sintonia dos achados no que tange ao objeto de estudo.

Limitações do estudo

Ainda que pese como limitação o fato de o estudo ter sido realizado em uma única realidade, ressalta-se que a pesquisa qualitativa não tem a pretensão de generalizar resultados.

Contribuições para a área da Enfermagem e Saúde

Uma contribuição do estudo reside na evidenciação da dicotomia e ruptura entre o nível assistencial/ESF e a gestão municipal de saúde. O referido distanciamento prejudica a dinâmica do trabalho, compromete o trabalho em equipe e dificulta o alcance da finalidade da assistência em saúde. É fundamental que ocorra aproximação efetiva e diálogo entre os referidos espaços de atuação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu identificar as percepções dos profissionais que atuam na gestão municipal de saúde a respeito do trabalho em equipe no cotidiano da ESF. Os resultados evidenciaram que colaboração mútua, comunicação efetiva, objetivos compartilhados, complementaridade de saberes e proatividade são facilitadores do trabalho em equipe. Por outro lado, comunicação inadequada, dificuldade de valorização do outro e conflitos pessoais são percebidos como dificultadores. A formação profissional recente ou não, perfil profissional e formação em saúde dos gerentes impactam diretamente o trabalho em equipe.

Chamou atenção a necessidade de aproximação da gestão municipal de saúde com a ESF bem como um olhar mais humanizado dessa gestão sobre os profissionais terem emergido como propostas para consolidação do trabalho em equipe.

Aposta-se na necessidade de aproximação da gestão municipal de saúde com a realidade vivenciada pelos agentes na ESF, para melhor compreensão da dimensão do referido trabalho, bem como de suas fragilidades e potencialidades. Isso fornecerá subsídios para a concretização de um modo de trabalho em saúde mais articulado, em equipe, com vistas a uma assistência em saúde mais integrada e acolhedora.

AGRADECIMENTO

Agradecimento aos profissionais da Secretaria Municipal de Saúde pela participação e colaboração.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2021
  • Aceito
    28 Out 2021
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