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Empreendedorismo social na formação profissional de Enfermagem

RESUMO

Objetivos:

conhecer saberes e práticas que estimulam o empreendedorismo social na formação profissional de estudantes de Enfermagem.

Métodos:

pesquisa qualitativa de caráter exploratório-descritivo, realizada com 44 estudantes de Enfermagem de uma Universidade do Sul do Brasil. Os dados foram coletados entre maio e agosto de 2021, por meio de entrevistas individuais na modalidade online. Participaram do estudo estudantes de Enfermagem a partir do 6º semestre e que previamente haviam participado de atividades empreendedoras de ensino, pesquisa ou extensão universitária.

Resultados:

os dados organizados e analisados com base na técnica de análise temática resultaram em três categorias temáticas: Significados de empreendedorismo social, Experiências empreendedoras na formação do enfermeiro e Reconhecendo-se Enfermeiro empreendedor.

Considerações Finais:

os saberes e práticas que estimulam o empreendedorismo social na formação profissional de estudantes de Enfermagem estão relacionados às atividades de ensino, pesquisa e extensão universitárias, possibilitadas pelas vivências concretas no mundo vivo e dinâmico em comunidades.

Descritores:
Formação Profissional; Ocupações em Saúde; Enfermagem; Educação em Enfermagem; Pesquisa em Educação de Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to assess the knowledge and practices that stimulate social entrepreneurship in the professional training of Nursing students.

Methods:

qualitative exploratory-descriptive study carried out with 44 Nursing students from a University in the South Region of Brazil. Data were collected between May and August 2021, through individual online interviews. The participants were students of nursing course in the 6th semester or above, who had previously participated in teaching, research, or university outreach activities on entrepreneurship.

Results:

the data was organized and analyzed according to the thematic analysis technique and resulted in three thematic categories: Meanings of social entrepreneurship, Factors that sparked social entrepreneurship, and Recognizing oneself as an entrepreneurial nurse.

Final Considerations:

the knowledge and practices that stimulate social entrepreneurship in the professional training of Nursing students are associated with teaching, research and university outreach activities that allow concrete experiences in the living and dynamic world of communities.

Descriptors:
Teacher Training; Occupational Health; Nursing; Education, Nursing; Nursing Education Research

RESUMEN

Objetivos:

conocer los saberes y las prácticas que estimulan el emprendimiento social en la capacitación profesional de los estudiantes de Enfermería.

Métodos:

es una investigación cualitativa de carácter exploratorio-descriptivo, realizada entre 44 estudiantes de Enfermería de una Universidad del Sur de Brasil. Los datos se recopilaron entre mayo y agosto de 2021, mediante entrevistas individuales en línea. Participaron del estudio estudiantes de enfermería del 6º semestre que habían asistido previamente a actividades empresariales de docencia, investigación o extensión universitaria.

Resultados:

los datos organizados y analizados con base en la técnica de análisis temático implicaron en tres categorías: Significados del emprendimiento social, Experiencias emprendedoras en la formación del enfermero y Reconocimiento del Enfermero emprendedor.

Consideraciones Finales:

los saberes y las prácticas que fomentan el emprendimiento social en la formación profesional de los estudiantes de Enfermería están relacionados con las actividades universitarias de enseñanza, investigación y extensión, que se hacen posibles a través de experiencias concretas en el mundo vivo y dinámico de las comunidades.

Descriptores:
Capacitación Profesional; Ocupaciones de Salud; Enfermería; Educación en Enfermería; Investigación en Educación de Enfermería

INTRODUÇÃO

A temática do empreendedorismo social vem conquistando espaço nas diferentes áreas do conhecimento. Caracterizado como processo auto-organizador e mobilizador de novas atitudes, processos e serviços, o empreendedorismo social possibilita a (re)construção de saberes e práticas profissionais, bem como a melhoria das condições de vida de indivíduos e comunidades(11 Lomba MLLF, Toson M, Weissheimer AS, Backes MTS, Büscher A, Backes DS. Social entrepreneurship: translation of knowledge and practices in Brazilian nursing students. Rev Enferm Ref. 2018;19(4):107-16. https://doi.org/10.12707/RIV18064
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).

Na área de Enfermagem, a temática do empreendedorismo social ganhou destaque na última década, a partir de produções acadêmicas, sobretudo, em âmbito da Pós-Graduação(22 Backes DS, Toson MJ, Dal Ben LW, Erdmann AL. Contribuições de florence nightingale como empreendedora social: da enfermagem moderna à contemporânea. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20200064. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0064
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). O empreendedorismo social na Enfermagem pode ser caracterizado pela atitude de promover o viver saudável de indivíduos, famílias e comunidades, por meio de processos interativos e associativos com vistas à sua emancipação como protagonistas de sua própria história(33 Backes DS, Zamberlan C. Colomé J. Souza MT, Marchiori MT, Erdmann AL, et al. Interatividade sistêmica entre os conceitos interdependentes de cuidado de enfermagem. Aquichan. 2016;16(1):24-31. https://doi.org/10.5294/AQUI.2016.16.1.4
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).

Diversos artigos científicos de âmbito nacional e internacional demonstram, crescentemente, o engajamento empreendedor da Enfermagem na translação de saberes e práticas profissionais capazes de impactar no cuidado e na qualidade de vida das pessoas. Artigos de âmbito internacional(44 Ubochia NE, Osuji JC, Ubochi VN, Ogbonnaya N P, Anarado A, Iheanacho PN. The drive process model of entrepreneurship: A grounded theory of nurses’ perception of entrepreneurship in nursing. Int J African Nurs Sci. 2021;15(100377):1-10. https://doi.org/10.1016/j.ijans.2021.100377
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, 55 Jahani S, Abedi H, Khoshknab MF, Elahi N. The experience of Iranian entrepreneurial nurses on the identification of entrepreneurial opportunities: a qualitative study. J Fam Med Prim Care. 2018;7(1):230-6. https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_233_17
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) demonstram que, apesar da sua ampla presença em todos os níveis da saúde, os Enfermeiros ainda não exploram, suficientemente, as oportunidades de empreendedorismo que estão ao seu alcance. As produções nacionais denotam, na mesma direção, o empenho da Enfermagem brasileira no que se refere à formação de profissionais empreendedores, com vistas ao alcance de melhores práticas de cuidado em saúde(66 Richter SA, Santos E P, Kaiser DE, Capellari C, Ferreira GE. Entrepreneurial actions in nursing: challenges of nurses in a strategic leadership position. Acta Paul Enferm. 2019;32(1):46-52. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900007
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, 77 Trotte LAC, Santos JLG, Sarat CFN, Mesquita MGR, Stipp MAC, Souza P, et al. Entrepreneurial tendency of Nursing students: a comparison between graduating beginners and undergraduate students. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3402. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4397.3402
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). O empreendedorismo social é, portanto, capaz de mobilizar os Enfermeiros para um novo lugar, ou seja, para o vislumbrar de novas oportunidades e possibilidades empreendedoras.

Embora não seja um processo simples e linear, a prática do empreendedorismo social necessita de ser estimulada na formação dos profissionais de Enfermagem. É preciso que o futuro Enfermeiro encontre um ambiente estimulador e potencializador de iniciativas, a fim de que vislumbre novas oportunidades e se sinta encorajado a desbravar possibilidades empreendedoras(77 Trotte LAC, Santos JLG, Sarat CFN, Mesquita MGR, Stipp MAC, Souza P, et al. Entrepreneurial tendency of Nursing students: a comparison between graduating beginners and undergraduate students. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3402. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4397.3402
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).

Um importante avanço deve ser creditado às novas Diretrizes Curriculares Nacionais da área de Enfermagem. Nelas, o empreendedorismo social figura como temática transversal e indutora de novos processos de ensino e aprendizagem. As Diretrizes Curriculares buscam, sob esse enfoque, romper com a cultura assistencialista e despertar o protagonismo do estudante para o alcance de melhores e maiores resultados para a profissão de Enfermagem(88 Vieira MA, Lima CA, Martins ACP, Domenico EBL. National curriculum guidelines for the nursing graduation course: implications and challenges. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2020;12:1099-104. https://doi.org/0.9789/2175-5361.rpcfo.v12.8001
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).

É essencial que o profissional Enfermeiro seja capaz de desenvolver as suas atribuições e competências, com visão proativa e autônoma, nos diferentes cenários de atuação. É fundamental que o Enfermeiro tenha, além de habilidades técnicas, atitude crítico-reflexiva e liderança prospectiva para inovar e perceber as necessárias transformações no campo da saúde.

Reconhece-se que a Enfermagem tem inúmeras razões e oportunidades para criar o seu próprio empreendimento, processo ou serviço, pelo fato de ser uma profissão que tem uma compreensão ampliada da realidade e das necessidades do ser humano em seus diferentes contextos. Prevalece, contudo, uma cultura assistencialista entre os profissionais de Enfermagem, a qual precisa ser transposta e superada por meio de metodologias instigadoras e propositoras de um novo pensar e agir entre os futuros Enfermeiros(22 Backes DS, Toson MJ, Dal Ben LW, Erdmann AL. Contribuições de florence nightingale como empreendedora social: da enfermagem moderna à contemporânea. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20200064. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0064
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).

Com base no exposto, tem-se a seguinte questão de pesquisa: Quais saberes e práticas estimulam o empreendedorismo social na formação profissional de estudantes de Enfermagem?

OBJETIVOS

Conhecer saberes e práticas que estimulam o empreendedorismo social na formação profissional de estudantes de Enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Seguiram-se as recomendações da Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional. Para manter o anonimato dos participantes, as falas foram identificadas ao longo do texto pela letra “P” (Participante), seguida por um algarismo arábico que corresponde à ordem das falas: P1, P2... P44.

Referencial teórico-metodológico

Utilizaram-se, como referencial teórico, os pressupostos do empreendedorismo social e, como referencial metodológico, a pesquisa qualitativa. Defende-se que o Enfermeiro assume, na perspectiva do empreendedorismo social, um papel decisivo e prospectivo no contexto social e da saúde. Defende-se, ainda, que o processo formativo é capaz de fomentar processos de ensino e aprendizagem que visam transcender saberes unidimensionais e práticas assistencialistas.

Tipo de pesquisa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório-descritivo. A sua abordagem possui significados que permitem ampliar percepções, perspectivas e comportamentos não reduzíveis a variáveis lineares. Estruturou-se e conduziu-se a presente investigação com base nos Critérios de Consolidação para Relatórios de Pesquisa Qualitativa (COREQ)(99 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Procedimento metodológico

Cenário do estudo

O estudo foi realizado com 44 estudantes de um Curso de Graduação de Enfermagem do Sul do Brasil. Esse curso foi criado na década de 1950 e possui cerca de cinco mil Enfermeiros formados, espalhados nos diferentes estados do Brasil e em outros países. O curso é organizado em dez semestres letivos e possui uma entrada anual de cerca de 70 estudantes.

A proposta pedagógica de curso organiza-se em disciplinas obrigatórias, disciplinas eletivas de caráter interdisciplinar, atividades teórico-práticas e complementares diversificadas, além de estágios curriculares nos diferentes serviços de saúde, a partir do 8º semestre do curso. O curso privilegia o referencial teórico sistêmico-complexo e as metodologias ativas/significativas de ensino e aprendizagem, com o propósito de fomentar a autonomia e o protagonismo social dos estudantes(1010 Backes DS, Zamberlan C, Siqueira HCH, Backes MTS, Sousa FGM, Lomba MLLL. Educação de qualidade na enfermagem: fenômeno complexo e multidimensional. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e4580016. https://doi.org/10.1590/0104-070720180004580016
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).

Com o objetivo de formar Enfermeiros generalistas e lideranças proativas e empreendedoras para fazer frente às diversas demandas de saúde, os estudantes são estimulados a se inserirem em diferentes realidades sociais, sobretudo em espaços de maior vulnerabilidade social, a partir do primeiro semestre do curso. Na disciplina de Metodologia Científica, os estudantes são estimulados, em grupos de trabalho, a reconhecer a questão pesquisa, a partir de vivências com grupos sociais vulneráveis. Nas demais disciplinas, de caráter extensionista, os estudantes são desafiados a vivenciar, em cenários diversificados, as etapas do Processo de Enfermagem, quais sejam: histórico, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação da sistematização de Enfermagem.

O curso de Enfermagem focalizado possui um grupo de pesquisa com foco no Empreendedorismo Social da Enfermagem/Saúde e uma disciplina denominada “Liderança e empreendedorismo na Enfermagem”. Essa disciplina é tecida por abordagens teóricas e metodológicas relacionadas à liderança e ao empreendedorismo, cujo produto de aprendizagem se constitui no “Projeto Enfermeiro Empreendedor”. Organizados em pequenos grupos, os estudantes são estimulados e orientados da concepção ao desenvolvimento de uma ideia empreendedora, a qual é apresentada a um júri de expertises por ocasião da Mostra de Tecnologia da instituição, que ocorre anualmente no mês do empreendedor. Dentre as ideias empreendedoras desenvolvidas, sob livre demanda, figuram empresas de consultoria e assessoria de enfermagem, softwares, ferramentas de gestão e de cuidado de Enfermagem e outros. Essa construção autônoma requer, por parte dos estudantes, a interlocução e o apoio de profissionais de outras áreas, além de pesquisas de enquete e pesquisas de mercado.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados entre maio e agosto de 2021, por meio de entrevistas individuais na modalidade online (Plataforma Google Meet), com duração média de 30 minutos. As entrevistas foram previamente agendadas e conduzidas por um pesquisador experiente, com base em questões norteadoras, as quais forma aprofundadas ao longo da investigação: O que você entende por empreendedorismo social? Quais elementos despertaram o empreendedorismo social em você? De que forma o empreendedorismo social contribuiu na sua formação profissional de enfermagem?

Incluíram-se estudantes a partir do 6º semestre do curso de enfermagem e que previamente haviam participado de atividades empreendedoras de ensino, pesquisa ou extensão universitária, descritas previamente. Atividades socialmente empreendedoras são, aqui, caracterizadas como aquelas que fomentam a autonomia e o protagonismo social dos estudantes, a partir de atividades teórico-práticas de ensino, pesquisa ou extensão universitária, bem como aquelas que visam agregar valor social a grupos populacionais, no sentido de contribuir para a melhoria das condições de vida e saúde.

Tiveram-se os seguintes critérios de exclusão: estudantes de outros cursos e que apenas haviam realizado disciplinas na Enfermagem, alunos transferidos de outras instituições de ensino, alunos que haviam participado de apenas uma atividade empreendedora e alunos que não compareceram às entrevistas nos dias e horários previamente agendados. Incluíram-se, com base nesses critérios, 44 estudantes de enfermagem.

Análise dos dados

Os dados foram codificados com base na técnica de análise de conteúdo temática(1111 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições70; 2016. 280 p.), a partir de três etapas, conforme detalhamento a seguir:

  • a) Pré-análise: Esta etapa compreendeu a organização do material e a (re)formulação de hipóteses, de modo a permitir que o pesquisador retomasse as indagações iniciais. Para tanto, realizou-se a leitura flutuante do material, selecionaram-se os documentos de análise, constitui-se o corpus com base na exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência, formularam-se hipóteses e objetivos e preparou-se o material.

  • b) Exploração do material: Nesta etapa, os dados foram classificados a fim de possibilitar o alcance e a compreensão aprofundada dos sentidos. Os dados empíricos foram codificados e, na sequência, categorizados de acordo com a similaridade e a diferença de ideias. Consideraram-se, na codificação dos dados, as unidades de registro e de contexto, de modo a classificar o conjunto de recortes ou elementos relativamente dispersos selecionados nas etapas anteriores. Considerou-se, ainda, a enumeração dos dados, a partir da presença (ou ausência), frequência, intensidade, direção, ordem e co-ocorrência. Consideraram-se, ainda, os critérios semântico (categorias temáticas), sintático (verbos e os adjetivos), léxico (classificação das palavras segundo o seu sentido) e expressivo (classificação das perturbações de linguagem).

  • c) Interpretação dos resultados: Conduziu-se, nesta etapa, a interpretação dos resultados obtidos por meio da inferência específica e fundamentada no referencial teórico proposto.

RESULTADOS

Os participantes deste estudo, 44 estudantes do Curso de Enfermagem, encontravam-se entre o 6º e 10º semestre. Todos haviam participado, de alguma forma, de atividades de ensino, pesquisa ou extensão universitária relacionadas ao empreendedorismo social.

Os dados organizados e analisados resultaram em três categorias temáticas, quais sejam: Significados de empreendedorismo social, Fatores que suscitaram o empreendedorismo social e Reconhecendo-se Enfermeiro empreendedor.

Significados de empreendedorismo social

Dentre os diversos significados de empreendedorismo social destacados pelos estudantes, o mais recorrente relaciona-se à ideia da realização de um bem-comum à comunidade. Essa noção está fortemente associada ao fomento do protagonismo de indivíduos que moram em comunidades vulneráveis e à possibilidade de realizar melhorias por meio do cuidado de Enfermagem.

Denotou-se que o empreendedorismo social está relacionado à mobilização de novas atitudes e posturas profissionais, capazes de transcender o espaço hospitalar. Também está relacionado à capacidade de transcender a dimensão pessoal e vislumbrar benefícios coletivos para uma comunidade/sociedade, conforme expresso:

Sair um pouco do círculo de que o enfermeiro só trabalha no hospital. O empreendedorismo faz você ir em busca de novas alternativas. (P10)

Para mim o empreendedorismo social é basicamente empreender em prol de uma causa comum, por exemplo, trazer benefícios não só para você, mas para a sociedade como um todo. (P31)

Embora alguns estudantes tenham associado o empreendedorismo social à inovação e à geração de negócios autônomos, ainda, assim, a noção está atrelada ao desenvolvimento de um bem-comum com impacto social, relacionado à melhoria das condições de vida e saúde da população. Sob esse enfoque, os entrevistados reconhecem que, para além do lucro, o empreendedorismo social tem por finalidade proporcionar a melhoria das condições de vida e de saúde em âmbito individual e comunitário:

É um processo que possibilita que a gente crie negócios, empresas pensando na inovação e que traga algum tipo de valor para a sociedade, com o objetivo de mudar a realidade das pessoas, das comunidades, principalmente aquelas que a gente consegue identificar algum tipo de vulnerabilidade ou necessidade importante. Eu acho que o empreendedorismo basicamente surge para causar impacto positivo e auxiliar na saúde individual e comunitária. (P17)

Eu entendo o empreendedorismo social como ferramenta que possibilita a construção de um negócio, de gestar um negócio que tenha um impacto social sem visar somente o lucro, mas que vise resolver um problema e que atende uma necessidade social. (P28)

Diferente do empreendedorismo de negócios, o social visa a construção de tecnologias e inovações para a saúde da comunidade. É aquele negócio em que a gente realiza ações educativas e preventivas voltadas à comunidade no sentido de promover o viver saudável das pessoas. (P39)

Denotou-se, em diversos depoimentos, que a noção de empreendedorismo está fortemente associada à atuação em comunidades pobres e/ou com indivíduos que se encontram em vulnerabilidade social. Essa compreensão pode estar relacionada às atividades acadêmicas que são realizadas em associações de reciclagens, as quais evidenciam vulnerabilidades em diversas dimensões, como estruturais, financeiras, ambientais e outras:

Auxilia pessoas que estão em vulnerabilidade social ou que se encontram desamparadas pelos órgãos competentes. O empreendedorismo vinculado à enfermagem possibilita soluções que impactam na vida dessas pessoas. (P24)

O significado de empreendedorismo social está relacionado, portanto, às habilidades do empreendedor identificar necessidades e, a partir desse diagnóstico, desenvolver estratégias para solucioná-las. Nessa direção, os estudantes mencionaram o cuidado em saúde, a partir da ampliação de conceitos e da inserção de novas abordagens de intervenção:

Para mim o empreendedor social está relacionado a uma pessoa que consegue avaliar, identificar, diagnosticar o que pode ser modificado a partir de algum problema, né, e a partir disto desenvolver meios de solucionar este problema, seja coordenando uma ação de inovação, seja implementando novas ideias, serviços, negócios. (P16)

A possibilidade de alcançar o novo, uma nova compreensão do cuidado em saúde, inovando e gerando mudanças significativas da sociedade por meio da introdução de novas abordagens do conceito em saúde, trazendo igualdade para os mais vulneráveis. (P28)

Percebeu-se que o empreendedorismo social, embora dissonante em alguns depoimentos, converge para noções e significados que transcendem a dimensão pessoal com vistas ao alcance de um bem-comum coletivo. Essa noção está associada, em suma, à capacidade de identificar necessidades e prospectar melhorias de impacto social.

Experiências que suscitaram o empreendedorismo social

O empreendedorismo social foi suscitado, na compreensão dos estudantes, já nos primeiros semestres do curso de Enfermagem. De modo geral, todos mencionaram as visitas a uma associação de reciclagem, realizadas no primeiro semestre do curso, com a finalidade de identificar a questão pesquisa para a elaboração do relato de experiências vinculado à disciplina de metodologia científica. Essa vivência na associação de reciclagem foi além da identificação e da escrita de um relato de experiências, induzindo um movimento crítico-reflexivo de construção autônoma e de envolvimento com a comunidade:

Na disciplina de metodologia científica, logo no início, a gente visitou uma Associação com mulheres que reciclam materiais recicláveis. A gente identificou o problema de pesquisa, desenvolveu atividades com elas, além de escrever um relato de experiência. Esta experiência foi muito forte. Trouxe muitos aprendizados e reflexões. (P34)

Os estudantes reconhecem, em geral, que o empreendedorismo social foi estimulado ao longo dos diversos semestres do curso. Sob esse impulso, destacaram o estímulo e os desafios induzidos pelos professores do curso de Enfermagem. Um reconhecimento especial foi creditado à disciplina de Liderança e Empreendedo-rismo, no qual os alunos são estimulados a desenvolver o “Projeto Enfermeiro Empreendedor”, a partir da concepção e do desenvolvimento de uma ideia empreendedora que é apresentada na Mostra de Tecnologia da instituição:

Desde o início, os professores sempre nos incentivaram muito. Acredito que durante toda a graduação isso partiu muito dos professores que nos estimularam e desafiaram, em especial na disciplina de liderança e empreendedorismo. Nesta disciplina chegamos ao máximo de incentivo no quesito empreendedorismo. Mas durante toda a graduação foi nos colocado como um desafio pela coordenação de curso. (P15)

No 8º semestre, eu vi com mais força. A disciplina de empreendedorismo nos provocou a refletir se já somos capazes de empreender. Eu percebo que em algumas disciplinas a gente discute muito sobre gestão e liderança. É uma coisa que me chamou muita atenção - se a gente já está sendo referência para alguém e eu acho que empreendedorismo é isso, é você sair da bolha. (P21)

Eu acredito que a disciplina de empreendedorismo social, na qual a gente realizou o projeto empreendedor, nos desafiou para ir além. A gente sentiu como se pode projetar e pensar nos mínimos detalhes. Como idealizar aquela ideia empreendedora e buscar parcerias em outras áreas. Para mim o mais forte foi esse projeto. (P41)

Outros fatores que suscitaram o empreendedorismo social estão relacionados aos projetos extensionistas propostos pela Universidade, os quais favorecem o desenvolvimento de habilidades crítico-reflexivas e autônomas. Destacam-se, nessa direção, os projetos de extensão universitária em diferentes contextos, sobretudo em comunidades ou grupos em situação de rua. Destaca-se, nesse processo, o Programa Primeira Infância Melhor, que possibilita aos estudantes a vivência de acompanhamento de crianças pobres até os dois anos de idade. Essas realidades requerem, por parte dos estudantes, autonomia e tomada de decisão, visto que dificilmente encontram respostas ou receitas prontas:

Faço parte de um projeto da Universidade. Então, a gente tem muito contato com pessoas, com pessoas mais vulneráveis. Isto desperta muito o empreendedorismo em mim, principalmente nesses grupos e esses locais, pois são realidades que tem muito a se fazer. (P1)

O Programa Primeira Infância Melhor, que está vinculado à Universidade, abre as portas para se inserir em diversos cenários. Eu acredito que para desenvolver um trabalho que tenha uma relevância social, primeiro você precisa estar inserido nesse contexto para identificar as fragilidades. Para isso você precisa desenvolver um olhar crítico-reflexivo. (P17)

Os estudantes entrevistados mencionaram, ainda, como fatores indutores do empreendedorismo social, os cenários onde realizam as suas práticas e os estágios curriculares, em especial, em visitas associadas à Estratégia de Saúde da Família. Paralelamente, os estudantes mencionaram a sua participação voluntária em campanhas de vacinação, mais fortemente por ocasião da pandemia da Covid-19, nas quais tiveram a possibilidade de realizar a vacina em moradores de rua:

Ao longo de todos os semestres, nós fomos estimulados para o empreendedorismo social. Acho que é uma construção contínua com diferentes professores, em diferentes cenários de prática. (P32)

A minha experiência [comunidade pobre] me disse muita coisa, sobretudo nas visitas domiciliares, na vacinação dos moradores de rua que buscavam atendimento [...] pessoas que tinham a capacidade de ingressar no meio social, no campo de trabalho. Isso me chamou muita atenção. No dia em que eu vacinei os moradores de rua, um mundo se abriu à minha volta. Esse foi um ponto que me instigou bastante no que poderia ser feito com essa população. (P38)

Percebeu-se, no conjunto dos depoimentos, que o empreen-dedorismo social é suscitado e disparado a partir de vivências em cenários de maior vulnerabilidade social, nos quais os estudantes são provocados à indignação e mobilizados ao pensamento crítico-reflexivo. Esse processo mobilizador gerou, na maioria dos estudantes, novas atitudes e comportamentos pessoais e profissionais, os quais se constituem como base para a (re) construção de paradigmas tradicionais de cuidado em saúde.

Reconhecendo-se Enfermeiro empreendedor

Denotou-se que o empoderamento ao longo do período formativo, com início no primeiro semestre do curso, foi altamente favorável no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, os quais ao final do curso se sentem aptos e estimulados a empreender. Percebeu-se, nessa direção, que as abordagens crítico-reflexivas contribuíram tanto para a desconstrução de modelos cristalizados pelo fazer técnico quanto para a construção autônoma de novos referenciais em saúde. O reconhecer-se empreendedor foi demonstrado pelo envolvimento proativo e desejo de transcender paradigmas tradicionais e assistencialistas do ser e fazer enfermagem:

Desenvolver o empreendedorismo me deu a possibilidade de entender diferentes realidades. Esse processo possibilitou uma compreensão ampliada de saúde. A saúde envolve uma conexão de fatores e determinantes sociais. Para realizar o cuidado, o profissional precisa identificar o contexto geral em que as pessoas estão inseridas. Mas, para isto, você precisa ter desenvolvido um pensamento crítico-reflexivo e habilidades para a criatividade para ser inovador no cuidado sempre que possível. Cresci muito e hoje me sinto forte para empreender. (P5)

Nova visão de mundo, de profissão. Um novo modelo que transcende a lógica biomédica e as questões técnicas da área. Para isto o trabalho interdisciplinar, a pesquisa e vivências práticas contribuíram muito. A gente sabe que o empreendedorismo envolve toda a questão científica e de pesquisa. Todos podemos ser empreendedores, mas eu preciso fazer o meu processo. (P17)

De certa forma, é um incentivo que provoca a gente a sair da zona de conforto e aproveitar as oportunidades. O empreendedorismo nos mostra que é preciso criar o seu próprio caminho e não esperar que as coisas venham prontas. A gente tem que criar, evoluir e encontrar o seu caminho. Eu tento evoluir e criar coisas novas que tragam benefícios para as pessoas e que tenham um retorno pra nós. (P41)

Evidenciou-se, em diversos relatos, o inconformismo dos estudantes em relação às práticas tradicionais e assistencialistas de enfermagem. Ao inserirem-se nos cenários de prática, mais especificamente nas campanhas de vacinação, os estudantes sentiram-se estimulados a sugerir mudanças e a propor novas formas de organização e gestão. Essas atitudes podem estar relacionadas ao fomento do processo de enfermagem, ao longo dos diferentes semestres do curso, nos quais os estudantes são estimulados a identificar demandas e a propor estratégias de mudança:

No decorrer do curso, eu comecei a participar das campanhas de vacinação, mais recentemente nas vacinações contra a Covid-19.

Uma das coisas que me indignava era a desorganização. E ali o empreendedorismo social me despertou a pensar em novas formas de organização e a propor mudanças no processo. (P20)

Hoje me sinto empoderada, como alguém que quer inovar, que quer arriscar no mercado novo. Eu quero fazer minha pós-graduação em estética e explorar um mercado novo para os enfermeiros, agora que eu estou conhecendo enfermeiros da área, mas ainda é muito novo, muito recente, então eu me vejo assim, enfermeira esteticista. (P23)

Os estudantes, em geral, reconhecem-se aptos a reinventar a prática profissional. Demonstraram que o cuidado de enfermagem é, por excelência, empreendedor, por identificar-se com pessoas que são diferentes e que demandam condutas singulares e mul-tidimensionais. Esse pensar pode estar associado ao fato de os alunos serem desafiados a identificar os problemas da prática e a propor, paralelamente, um plano estratégico prospectivo para a sua resolução:

Eu acredito que posso empreender. Esse exercício nós já realizamos na prática sempre que buscamos realizar o cuidado de Enfermagem de um jeito novo e diferente, porque cada pessoa é diferente. Diariamente somos desafiados a pensar de forma ampliada e a encontrar soluções para os problemas da prática. (P17)

Reconhecer-se empreendedor na enfermagem não se efetiva, apenas, a partir de abordagens teóricas. Percebeu-se que as vivências teórico-práticas em diferentes cenários sociais e em diferentes espaços de saúde possibilitaram aos estudantes o confronto com a sua própria realidade existencial. Esse confronto existencial gerou, na maioria das vezes, um processo de desordem e a possibilidade de uma nova organização, isto é, novas atitudes e posturas pessoais e profissionais.

DISCUSSÃO

O empreendedor tem por finalidade alcançar impacto social por meio da prospecção de projetos, serviços e negócios. O empreendedorismo da Enfermagem oferece aos Enfermeiros oportunidades de empreendimentos autônomos (materiais ou imateriais) que lhes permitem perseguir a visão pessoal e a paixão por melhores resultados em saúde, a partir de abordagens inovadoras e transformadoras. Não basta, no entanto, o desejo de empreender. Do Enfermeiro são requeridas, para além de conhecimento técnico específico, habilidades de liderança e experiências em diversos cenários, de modo a instigá-lo à construção de seu itinerário empreendedor(1212 Hamizan-Roslan MH, Hamid S, Ijab MT, Bukhari S. Social entrepreneurship learning model in higher education using social network analysis. J Phys Conf Ser. 2019;1339:012029. https://doi.org/10.1088/1742-6596/1339/1/012029
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, 1313 Chadwick IC, Raver JL. Not for the faint of Heart? a gendered perspective on psychological distress in entrepreneurship. J Occup Health Psychol. 2019;24(16):662-74. https://doi.org/10.1037/ocp0000157
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).

O mecanismo para o desenvolvimento ou fortalecimento desse comportamento empreendedor está diretamente relacionado à formação profissional. Nessa relação, estudos evidenciam que há uma correlação entre o nível educacional, o ritmo empreendedor e a indicação de que taxas mais altas de formação levarão a um nível mais alto de empreendedorismo(1313 Chadwick IC, Raver JL. Not for the faint of Heart? a gendered perspective on psychological distress in entrepreneurship. J Occup Health Psychol. 2019;24(16):662-74. https://doi.org/10.1037/ocp0000157
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,1414 Alourhzal H, Hattabou A. Social Entrepreneurship Education: a systematic review of curricula contents and teaching methods. Afr Sci J. 2021;3(7):001. https://doi.org/10.5281/zenodo.5651821
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).

O empreendedorismo social é, sob esse enfoque, um mecanismo que deve ser mobilizado na formação profissional, de preferência nos semestres iniciais dos cursos de graduação em Enfermagem. É fundamental, para além do fomento de discussões teórico-práticas específicas, que o estudante se insira em espaços comunitários, a fim de perceber-se protagonista e propositor de melhorias de cuidado em saúde. Esse pensar é corroborado pela fala de um dos participantes deste estudo, ao mencionar que é preciso transcender o espaço hospitalar e ampliar a inserção comunitária ao longo do percurso formativo.

A percepção de que a comunidade é um espaço promissor para o fomento do empreendedorismo social já foi demonstrada em tese de doutorado sobre o cuidado empreendedor de Enfermagem, defendida em 2008(22 Backes DS, Toson MJ, Dal Ben LW, Erdmann AL. Contribuições de florence nightingale como empreendedora social: da enfermagem moderna à contemporânea. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 5):e20200064. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0064
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). A partir do desenvolvimento de uma teoria de médio alcance, essa tese demonstrou que o espaço comunitário possibilita maior interlocução, favorecendo a identificação de necessidades e a prospecção de estratégias de resolução dos problemas. No espaço hospitalar, o foco é, geralmente, a doença e os processos de intervenção, frequentemente, pontuais e lineares, com menor envolvimento crítico-reflexivo por parte dos profissionais.

Os resultados dessa mesma tese demonstraram, ainda, que para despertar o empreendedorismo na Enfermagem é preciso (re)inventar a formação profissional e possibilitar, ao estudante, experiências e vivências que suscitem a indignação e a mobilização de um novo pensar e agir. Outros estudos previamente realizados demonstram, nessa mesma direção, que empreender, em âmbito empresarial ou social, requer atitudes profissionais prospectivas que necessitam ser mobilizadas por meio do confronto e do diálogo com a realidade social, nos mais diversos contextos e realidades(1515 Edwards-Schachter M, García-Granero A, Sánchez-Barrioluengo M, Quesada-Pineda H, Amara N. Disentangling competences: interrelationships on creativity, innovation and entrepreneurship. Think Skills Creat. 2015;16:27-39. https://doi.org/10.1016/j.tsc.2014.11.006
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, 1616 Entrialgo M, Iglesias V. The moderating role of entrepreneurship education on the antecedents of entrepreneurial intention. Int Entrepren Manag J. 2016;12(4):1209-32. https://doi.org/10.1007/s11365-016-0389-4
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, 1717 Stoehr F, Müller L, Brady A, Trilla A, Mähringer-Kunz A, Hahn F, et al. How COVID-19 kick-started online learning in medical education-The DigiMed study. PLoS ONE. 2021;16(9):e0257394. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0257394
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, 1818 García-González A, Ramírez-Montoya MS. Social entrepreneurship education: changemaker training at the university. HESWBL. 2021;11(5):1236-51. https://doi.org/10.1108/HESWBL-01-2021-0009
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).

Estudos de âmbito nacional e internacional reforçam, ainda, que o empreendedorismo social requer o desenvolvimento de comportamentos sociais e emocionais em cada nível de ensino. Essas pesquisas recomendam que os processos de ensino e aprendizagem sejam assegurados no currículo, para que professores e estudantes desenvolvam e pratiquem habilidades e competências relacionadas ao empreendedorismo social(1717 Stoehr F, Müller L, Brady A, Trilla A, Mähringer-Kunz A, Hahn F, et al. How COVID-19 kick-started online learning in medical education-The DigiMed study. PLoS ONE. 2021;16(9):e0257394. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0257394
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,1919 Manyaka SJ. Social entrepreneurship: a solution for transforming the disadvantaged community of Nellmapius. J Theol Stud. 2015;71(3):1-7. https://doi.org/10.4102/hts.v71i3.2821
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, 2020 Elliott RM. Social entrepreneurship as a catalyst to break the poverty trap: an analysis of the motivational factors in South Africa. AOSIS, Acta Com. 2019;19(2):1-13. https://doi.org/10.4102/ac.v19i2.652
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).

Evidenciou-se, no presente estudo, que os estudantes passaram a se reconhecer empreendedores após um intenso movimento de interlocução na/com a comunidade, a partir de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Sob esse impulso, estudos demonstram que os estudantes necessitam ser desafiados e mobilizados a deslocarem-se do seu nicho confortável e, pelo confronto com realidades adversas, indignarem-se, no sentido de promover novas conexões de significado, de vida e de profissão(2121 Kummitha RKR, Majumdar S. Dynamic curriculum development on social entrepreneurship: a case study of TISS. Int J Manag Educ. 2015;13(3):260-7. https://doi.org/10.1016/j.ijme.2015.05.005
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, 2222 Fridhi B. Social entrepreneurship and social enterprise phenomenon: toward a collective approach to social innovation in Tunisia. J Innov Entrep. 2021;10(14). https://doi.org/10.1186/s13731-021-00148-6
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).

Mediante os crescentes problemas sociais, sobretudo os resultantes da pandemia da Covid-19, não é mais possível que professores e estudantes sejam meros atores e receptores de demandas. Para além de interlocutores, é imprescindível que estejam aptos a provocar rupturas e a prospectar novos percursos e processos de melhoria das condições de vida da população, ou seja, que se tornem aptos ao fomento do empreendedorismo social(2323 Halberstadt J, Timm JM, Kraus S, Gundolf K. Skills and knowledge management in higher education: how service learning can contribute to social entrepreneurial competence development. J Knowl Manag. 2019;23(10):1925-48. https://doi.org/10.1108/JKM-12-2018-0744
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).

Essas atitudes e comportamentos devem, no entanto, ser despertadas ao longo do processo formativo. Esse pensar é corroborado pelos resultados deste estudo, na medida em que os estudantes se percebem protagonistas, isto é, capazes de (re) organizar processos, sugerir melhorias e adequações em serviços e possibilitar melhores condições de vida e saúde às pessoas em condições de vulnerabilidade social.

A mobilização para o empreendedorismo social não se efetiva, apenas, pela inclusão de disciplinas ou projetos empreendedores nos cursos de formação profissional, embora essa indução, a exemplo das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Enfermagem, seja altamente promissora. Estudo indica que, para além de abordagens teóricas, o empreendedorismo social se efetiva pela aprendizagem experiencial, combinada com a autorreflexão e a discussão, como canal ideal para a maturidade empreendedora do estudante(2424 Hockerts K. The effect of experiential social entrepreneurship education on intention formation in students. J Soc Entrep. 2018;9(3):234-56. https://doi.org/10.1080/19420676.2018.1498377
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). Nessa dimensão, o empreendedorismo pode ampliar a visibilidade da profissão e fomentar a criação de novos espaços de atuação para o Enfermeiro(2525 Copelli FHS, Erdmann AL, Santos JLG. Entrepreneurship in Nursing: an integrative literature review. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 1):301-10. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0523
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).

Limitações do estudo

Aponta-se como limitação deste estudo a coleta de dados em uma única instituição de ensino. Considera-se, no entanto, que o curso de Enfermagem dessa instituição tem uma trajetória formativa de seis décadas, além de ser polo de referência regional. Outra limitação está associada à carência de estudos relacionados à formação empreendedora em âmbito dos cursos de Enfermagem, o que dificultou a sua comparação com pesquisas previamente realizadas. Apesar dessa limitação, no entanto, o estudo propõe estratégias que podem ser incorporadas em outras instituições de ensino.

Contribuições para a área de Enfermagem

As contribuições deste estudo estão associadas ao fomento de uma cultura empreendedora (social) na área de Enfermagem e saúde. Essa cultura perpassa pela formação para o empreende-dorismo social, principalmente a partir de vivências teórico-prá-ticas empreendedoras, em cenários diversos, que maximizem o esforço na resolução de problemas sociais. Outra contribuição do estudo está associada ao seu alinhamento às atuais Diretrizes Curriculares Nacionais, as quais estimulam o empreendedorismo na formação profissional do Enfermeiro. Embora tenha sido desenvolvida com estudantes de apenas uma instituição de ensino, esta pesquisa possibilita reflexões teóricas que transcendem os limites geográficos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os saberes e as práticas que estimulam o empreendedorismo social na formação profissional de estudantes de Enfermagem estão relacionados às atividades de ensino, pesquisa e extensão universitárias possibilitadas pelas vivências concretas no mundo vivo e dinâmico em comunidades. Os resultados deste estudo demonstram, assim, a relevância de movimentos paradoxais e de interlocução comunitária desde os primeiros semestres do curso de Enfermagem.

Os fatores que possibilitam vivências prospectivas de empreen-dedorismo social estão associados às disciplinas de liderança e empreendedorismo social, aos projetos de curricularização da extensão universitária em diversos espaços sociais, à participação em programas como o Primeira Infância Melhor, à participação voluntária em atividades comunitárias como as campanhas de vacinação e outras. Denotou-se, no entanto, que, para além desses movimentos curriculares oportunizados, os estudantes privilegiaram, sobremaneira, as atividades que lhes exigiram maior autonomia, responsabilidade e protagonismo na resolução de problemas previamente identificados.

Sugerem-se, com base na escassez de pesquisas sobre a formação profissional para o empreendedorismo social na área de enfermagem, discussões interprofissionais sobre a temática, além de estudos de avaliação de impacto sobre a influência das diretrizes curriculares nacionais de Enfermagem no ensino e aprendizagem teórico-prática. É importante que o empreen-dedorismo social seja assumido como componente curricular nos cursos de Enfermagem, a fim de que os futuros Enfermeiros possam contribuir, prospectivamente, com a melhoria das condições sociais e de saúde da população em geral.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2022
  • Aceito
    07 Jul 2022
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