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Educação em enfermagem perioperatória no Brasil: rever o passado para sobreviver ao futuro

RESUMO

Objetivos:

sumarizar aspectos históricos relacionados ao ensino de enfermagem perioperatória no Brasil e traçar perspectivas futuras.

Métodos:

trata-se de um ensaio descritivo-reflexivo acerca do processo histórico do ensino perioperatório brasileiro no âmbito da graduação e pós-graduação.

Resultados:

a reflexão aborda os eixos histórico da enfermagem perioperatória, ensino da enfermagem perioperatória, mudanças curriculares, pós-graduação e relação com o perioperatório e tendências do ensino de enfermagem perioperatória. Alterações curriculares reduziram o tempo disponível de ensino-aprendizagem, com enfoque no perioperatório, e diluíram os conteúdos de enfermagem cirúrgica em outras disciplinas, podendo causar perdas irreversíveis para a formação de enfermeiros generalistas.

Considerações Finais:

ao rever aspectos históricos dos currículos nacionais da enfermagem, constatou-se que a nomenclatura enfermagem perioperatória nunca foi utilizada nos currículos, contudo a área cirúrgica sempre foi contemplada na graduação e pós-graduação. Tendências futuras assinalam a necessidade de integrar temáticas e preparar profissionais com perspectivas direcionadas à saúde mundial e tecnologia.

Descritores:
Assistência Perioperatória; Educação em Enfermagem; Educação Superior; Educação de Pós-Graduação em Enfermagem; Brasil

ABSTRACT

Objectives:

to summarize historical aspects related to perioperative nursing education in Brazil and to outline future perspectives.

Methods:

a descriptive-reflexive essay about the historical process of Brazilian perioperative teaching at undergraduate and graduate levels.

Results:

the reflection addresses the historical axes of perioperative nursing, teaching perioperative nursing, curriculum changes, graduate studies and relationship with the perioperative period and trends in perioperative nursing education. Curriculum changes reduced time available for teaching and learning, with a focus on the perioperative period, and diluted contents of surgical nursing in other subjects, which could cause irreversible losses for generalist nurses’ training.

Final Considerations:

when reviewing historical aspects of national nursing curricula, it was found that the nomenclature perioperative nursing was never used in the curriculum, however, the surgical area has always been contemplated in undergraduate and graduate studies. Future trends indicate the need to integrate themes and prepare professionals with perspectives focused on global health and technology.

Descriptors:
Perioperative Care; Education, Nursing, Baccalaureate; Education, Nursing, Diploma Programs; Education, Nursing, Graduate; Brazil

RESUMEN

Objetivos:

resumir aspectos históricos relacionados con la educación en enfermería perioperatoria en Brasil y esbozar perspectivas futuras.

Métodos:

se trata de un ensayo descriptivo-reflexivo sobre el proceso histórico de la enseñanza perioperatoria brasileña a nivel de pregrado y posgrado. Los cambios curriculares redujeron el tiempo disponible para la enseñanza y el aprendizaje, con foco en el período perioperatorio, y diluyeron los contenidos de enfermería quirúrgica en otras disciplinas, lo que podría ocasionar pérdidas irreversibles para la formación de enfermeros generalistas.

Resultados:

la reflexión aborda los ejes históricos de la enfermería perioperatoria, la enseñanza de enfermería perioperatoria, los cambios curriculares, los estudios de posgrado y la relación con el período perioperatorio y las tendencias en la formación de enfermería perioperatoria.

Consideraciones Finales:

al revisar aspectos históricos de los currículos nacionales de enfermería, se encontró que la nomenclatura enfermería perioperatoria nunca fue utilizada en los currículos, sin embargo, el área quirúrgica siempre ha sido contemplada en los estudios de grado y posgrado. Las tendencias futuras indican la necesidad de integrar temas y preparar profesionales con perspectivas centradas en la salud global y la tecnología.

Descriptores:
Atención Perioperativa; Educación en Enfermería; Educación Superior; Educación de Postgrado en Enfermería; Brasil

INTRODUÇÃO

O ensino de enfermagem no Brasil deve ser compreendido como um processo histórico marcado por aspectos sociais, ideológicos, políticos e econômicos(11 Galleguillos TGB, Oliveira MAC. [The beginnings and the development of nursing education in Brazil]. Rev Esc Enferm. USP. 2001;35(1):87-0. https://doi.org/10.1590/S0080-62342001000100013 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234200100...
, 22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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, 33 Silveira CA, Paiva SMA. [The evolution of the teaching of nursing in brazil: a historical review]. Ciên, Cuid Saúde. 2011;10(1):183-76. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967 Portuguese.
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). A primeira tentativa de educação formal de enfermeiros tem seu marco histórico em 1890 no Rio de Janeiro. A partir daí, novas escolas foram surgindo, atendendo aos interesses de cada momento histórico, sendo que, na década de 1920, surgiu aquela considerada a primeira escola de enfermagem moderna do Brasil, denominada Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública, atual Escola de Enfermeiros Anna Nery, criada seguindo os pressupostos de Nightingale(44 Teixeira E, Gomes VE, Fernandes JD, De Sordi MRL. [Trajectory and trends of Brazilian nursing diploma courses]. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):479-87. https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400002 Portuguese.
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). A partir da sua fundação, devido à Reforma de Carlos Chagas ocorrida na época, o país passou a formar enfermeiras no modelo nightingaleano, com formação universitária e foco em uma ciência autônoma(11 Galleguillos TGB, Oliveira MAC. [The beginnings and the development of nursing education in Brazil]. Rev Esc Enferm. USP. 2001;35(1):87-0. https://doi.org/10.1590/S0080-62342001000100013 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234200100...
, 22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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, 33 Silveira CA, Paiva SMA. [The evolution of the teaching of nursing in brazil: a historical review]. Ciên, Cuid Saúde. 2011;10(1):183-76. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967 Portuguese.
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,55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
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).

Desde então, os cursos e a formação do enfermeiro no Brasil têm sofrido alterações, atendendo às necessidades históricas, locais, regionais e propostas curriculares educacionais, que procuram modernizar o currículo de enfermagem em relação aos compromissos com a Reforma Sanitária e, mais recentemente, com o Sistema Único de Saúde (SUS)(44 Teixeira E, Gomes VE, Fernandes JD, De Sordi MRL. [Trajectory and trends of Brazilian nursing diploma courses]. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):479-87. https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400002 Portuguese.
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).

O ensino de habilidades necessárias ao desenvolvimento de atividades de enfermagem em centro cirúrgico (CC), recuperação anestésica (RA) e centro de material e esterilização (CME), denominado enfermagem perioperatória, acompanhou o processo histórico da profissão no país e esteve fundamentado na dimensão gerencial-assistencial(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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).

Neste contexto, percebe-se um movimento mundial direcionado a atender às demandas das novas gerações e suas necessidades de aprendizado, tornando os conteúdos atrativos, ao mesmo tempo que preparam profissionais para atender às necessidades do mercado profissional, fortemente atingido pela carência de mão-de-obra qualificada, devido ao envelhecimento dos especialistas na área e à ausência de reposição adequada para as aposentadorias(66 Maneval R, Hepburn M, Brooks C, Tamburi M, Chin SDN, Prado-Inzerillo M, et al. Enhancing the undergraduate nursing education experience with clinical elective courses. J Prof Nurs. 2021;37(2):366-72. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2020.04.014
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, 77 Reuter J, King TS. Evaluation of a redesigned perioperative specialty elective to address the perioperative nursing shortage. AORN J. 2021;113(5):476-485. https://doi.org/10.1002/aorn.13375
https://doi.org/10.1002/aorn.13375...
).

Há que se considerar as diferentes condições de saúde da população presentes em um país com dimensões continentais como o Brasil, onde as demandas para a formação profissional precisam atender a díspares contextos, com distribuição de recursos humanos e financeiros pouco equitativos e, ainda, diferentes aspectos culturais. Muitas vezes, é exigido que o enfermeiro brasileiro assuma o cuidado, ou mesmo a gestão, de diferentes áreas ou unidades. Tal exigência aponta para a necessidade de o profissional conhecer a epidemiologia local, ao mesmo tempo, com uma visão ampliada acerca das condições de saúde globais. Para tanto, faz-se necessária uma formação generalista, mas que também contemple as principais áreas de atuação da enfermagem, como a enfermagem perioperatória.

No Brasil, a busca por formar um “profissional generalista” tem diluído conteúdos relacionados à enfermagem periopera-tória nos currículos de graduação em enfermagem, aspecto que pode comprometer a capacidade do recém-formado de se inserir em um mercado de trabalho em constante evolução. Assim, universidades e instituições de saúde brasileiras já começam a sentir os reflexos dessa lacuna de formação, aspectos também observados em nível global(88 American Association of Colleges of Nursing (AACN). AACN’s vision for academic nursing [Internet]. Washington: AACN; 2019 [cited 2021 Dec 10]. Available from: https://www.aacnnursing.org/News-Information/Position-Statements-White-Papers/Vision-for-Nursing-Education
https://www.aacnnursing.org/News-Informa...
).

Dessa forma, compreender as perspectivas históricas relacionadas ao ensino de habilidades teórico-práticas relacionadas à enfermagem perioperatória pode fortalecer os aspectos necessários à discussão de ajustes dos currículos de ensino em graduação em enfermagem, às demandas modernas de formação e para prevenir que o Brasil enfrente as crises relacionadas à reposição de mão de obra especializada que a Europa e a América do Norte vêm enfrentando. A trajetória histórica do ensino em enfermagem tem mostrado o conteúdo com enfoque no perioperatório e CME diluído nos currículos, já quase não havendo componentes curriculares específicos na área, nem docentes nas universidades que possam atender a essa demanda.

Ademais, considerando as iniciativas vinculadas à campanha Nursing Now, que buscam o fortalecimento da enfermagem, e compreendendo que o resgate da historicidade da construção do corpo de conhecimento especializado em enfermagem é apoiado pelas entidades associativas, mais especificamente a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e a Associação Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material e Esterilização (SOBECC), é possível analisar criticamente os processos, verificando seus efeitos a médio e longo prazo. Por fim, em âmbito nacional, não foram localizados estudos similares recentes ou que façam abordagens equivalentes ao presente estudo.

OBJETIVOS

Sumarizar aspectos históricos relacionados ao ensino de enfermagem perioperatória no Brasil e traçar perspectivas futuras.

MÉTODOS

Trata-se de um ensaio descritivo-reflexivo acerca do processo histórico do ensino perioperatório brasileiro no âmbito da graduação, pós-graduação stricto e lato sensu e tendências futuras.

Para tanto, foi realizada uma busca de materiais pertinentes nas bases de dados (PubMed, CINAHL, LILACS, SciELO, Scopus e Web of Science) e literatura cinzenta (Google acadêmico e sites de órgãos oficiais de ensino e educação brasileiros), com descritores controlados e não controlados, conforme apropriado. Na busca nas bases de dados, utilizaram-se descritores selecionados no DeCS e MeSH, intercalados com os operadores booleanos, a saber: (Education, Nursing OR Teaching) AND Perioperative Nursing AND (Surgicenters OR Perioperative Period). A busca considerou artigos publicados nos últimos cinco anos (2016-2021), disponíveis na íntegra, em inglês/português/espanhol, sendo encontrados 170 artigos, assim distribuídos: 15 na PubMed, 41 na CINAHL, 81 na LILACS, quatro na SciELO, 18 na Scopus e 11 na Web of Science. Após leitura do título e do artigo na íntegra, selecionaram-se 22 artigos que atendiam ao objetivo proposto.

Entretanto, durante a elaboração do artigo, constatou-se a necessidade de fundamentar certos aspectos abordados não fundamentados nos artigos selecionados, havendo a necessidade de realizar uma nova busca na literatura cinzenta, sem considerar a recência (últimos cinco anos), direcionando o tópico a ser desenvolvido, aumentando o quantitativo do material consultado. Foram definidos os tópicos a serem desenvolvidos, como histórico da enfermagem perioperatória, ensino em enfermagem perioperatória e mudanças curriculares brasileiras, pós-graduação na enfermagem e relação com o perioperatório e tendências do ensino em enfermagem perioperatória.

HISTÓRICO DA ENFERMAGEM PERIOPERATÓRIA

A história da enfermagem perioperatória tem seu início a partir da necessidade de um assistente cirúrgico no princípio das práticas rudimentares. Durante séculos, a cirurgia foi marcada por elevados índices de insucesso, altas taxas de mortalidade e infecção. Somente a partir dos séculos XVII e XVIII, notou-se um desenvolvimento mais promissor, vinculado a um maior aprofundamento sobre pesquisa anatômica, início do desenvolvimento da saúde pública, limpeza cirúrgica e estatística(99 Nicolette LH. Prevenção e controle de infecção no ambiente perioperatório. In: Rothrock JC, editor. Alexander-Cuidados de enfermagem ao paciente cirúrgico. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. p. 44-99., 1010 McGarvey HE, Chambers MG, Boore JR. Development and definition of the role of the operating department nurse: a review. J Adv Nurs. 2000;32(5):1092-100. https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2000.01578.x
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).

No século XIX, iniciaram-se os programas de treinamento, sendo que a enfermagem cirúrgica é reconhecida como a primeira especialidade revestida de prestígio e responsabilidade, com a atuação do enfermeiro direcionada à preparação do paciente, ambiente, materiais, auxílio aos procedimentos e anestesia, além da supervisão dos pacientes no pós-operatório(1010 McGarvey HE, Chambers MG, Boore JR. Development and definition of the role of the operating department nurse: a review. J Adv Nurs. 2000;32(5):1092-100. https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2000.01578.x
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).

As guerras mundiais marcaram a enfermagem, trazendo repercussões demográficas, sociais e econômicas, além de avanços tecnológicos que impactaram a atuação das enfermeiras, com a inclusão de serviços de esterilização nos hospitais entre as décadas de 1950 e 1960(1010 McGarvey HE, Chambers MG, Boore JR. Development and definition of the role of the operating department nurse: a review. J Adv Nurs. 2000;32(5):1092-100. https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2000.01578.x
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).

A partir da década de 1950, as enfermeiras passaram a temer a perda dos espaços recém-conquistados após o período das guerras e começaram a se organizar em sociedades profissionais, sendo a Association of Operating Room Nurses (AORN), nos Estados Unidos da América (EUA), a primeira a representar as enfermeiras em cuidados a pacientes cirúrgicos, seguida pela sociedade especializada no Reino Unido(1010 McGarvey HE, Chambers MG, Boore JR. Development and definition of the role of the operating department nurse: a review. J Adv Nurs. 2000;32(5):1092-100. https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2000.01578.x
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).

Finalmente, o termo enfermagem perioperatória é cunhado, baseando-se no princípio que a assistência cirúrgica vai além das salas de cirurgia, pois ela permeia toda a experiência do paciente no pré-, trans e pós-operatório(1010 McGarvey HE, Chambers MG, Boore JR. Development and definition of the role of the operating department nurse: a review. J Adv Nurs. 2000;32(5):1092-100. https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2000.01578.x
https://doi.org/10.1046/j.1365-2648.2000...
). No Brasil, desde o século XIX a formação do profissional de enfermagem era baseada em um modelo curativo, médico centrado, com sua formação ocorrendo em ambientes hospitalares e disciplinas frequentemente ministradas por médicos que abordavam temas de medicina e cirurgia. A atuação do enfermeiro era destinada à administração e organização dos serviços, bem como à higiene, limpeza e alimentação dos doentes. Posteriormente, as mudanças políticas, econômicas e sociais impulsionaram um desenvolvimento mais científico da enfermagem brasileira que se refletiu na educação e no fortalecimento das especialidades em enfermagem(1111 Geovanini T, Moreira A, Dornelles S, Machado WCA. História da enfermagem: versões e interpretações. 4 ed. Rio de Janeiro: Thieme Revinter, 2018., 1212 Mott MLB. Revendo a história da enfermagem em São Paulo (1890-1920). Cad Pagu [Internet]. 2015[cited 2021 Dec 10];13:327-355. Available from: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8635331
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).

O fortalecimento das discussões da especialidade brasileira aconteceu a partir de 1982, quando um grupo de enfermeiros de CC começou a discutir a prática e pesquisa em enfermagem perioperatória, oficializando a criação da sociedade de especialistas em 1991, inicialmente conhecida como Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico e, posteriormente, como Associação Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material e Esterilização, mantendo sua sigla, SOBECC(1313 Associação Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material e Esterilização (SOBECC). Diretrizes de práticas em enfermagem cirúrgica e processamento de produtos para a saúde. São Paulo: Manole; 2017.).

ENSINO EM ENFERMAGEM PERIOPERATÓRIA E AS MUDANÇAS CURRICULARES BRASILEIRAS

O ensino de enfermagem no Brasil passou por diversas mudanças curriculares influenciadas pelas transformações políticas, econômicas e sociais(44 Teixeira E, Gomes VE, Fernandes JD, De Sordi MRL. [Trajectory and trends of Brazilian nursing diploma courses]. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):479-87. https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400002 Portuguese.
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). No período de 1890 a 2009, houve predominância do modelo médico/hospitalar no ensino da graduação de enfermagem, sendo valorizada a formação de um enfermeiro curativo, centrada na assistência hospitalar(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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, 33 Silveira CA, Paiva SMA. [The evolution of the teaching of nursing in brazil: a historical review]. Ciên, Cuid Saúde. 2011;10(1):183-76. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967 Portuguese.
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
). O primeiro currículo de graduação em enfermagem foi proposto em 1890, ocorrendo mudanças dos currículos mínimos nos anos de 1923, 1949, 1962, 1972 e 1994(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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). Em 1996, houve a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e os currículos passaram a ser orientados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos Cursos de Graduação em Enfermagem(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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).

ENFERMAGEM PERIOPERATÓRIA NOS CURRÍCULOS DE 1890 A 1972

Embora a nomenclatura enfermagem perioperatória nunca tenha constado nos currículos, observa-se a presença de disciplinas com conteúdos relacionados, isto é, enfoque em enfermagem cirúrgica, processamento de produtos para saúde e prevenção e controle de infecções, em geral, englobados nos currículos nacionais com a denominação enfermagem cirúrgica.

Em 1890, no currículo da primeira escola de enfermagem, encontravam-se algumas disciplinas, como higiene hospitalar, curativos e pequena cirurgia(55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
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).

No ano de 1923, o currículo da Escola Anna Nery era composto por trinta e cinco disciplinas, sendo trinta e uma de especialidades médicas e, dentre elas, uma de especialidade cirúrgica(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/ar...
). Naquele momento, o país estava vivenciando o processo de industrialização e era necessária a formação de profissionais para atuação na área hospitalar(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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). O curso tinha duração de dois anos e quatro meses, e exigia como pré-requisito para ingresso um Diploma da Escola Normal. No segundo ano, o estudante deveria cumprir a disciplina técnica de sala operatória, portanto, com ensino perioperatório na graduação. Além disso, nesse modelo de currículo, havia uma última fase na formação, na qual o discente poderia eleger a especialização em enfermagem clínica e em saúde pública(55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
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).

A publicação do Projeto de Lei 775/49, de 1949, dispunha sobre o ensino de enfermagem no Brasil. Tal projeto foi visto pela ABEn como uma tentativa de conter o aumento do número de novos cursos de enfermagem do país, dividindo o ensino em duas categorias, curso de enfermagem e auxiliar de enfermagem, com duração de 36 a 18 meses, respectivamente(55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
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).

A partir de 1962 a enfermagem foi reconhecida legalmente como uma formação de nível superior por meio do Parecer nº 271/62 do Conselho Federal de Educação (CFE), estabelecendo o primeiro currículo mínimo para os cursos de enfermagem com duração de três anos(22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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,55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201100...
). Em relação às disciplinas, estavam presentes a enfermagem médica e a enfermagem cirúrgica(55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201100...
), destacando o foco na formação de um profissional com habilidades mínimas para a assistência perioperatória.

Na década de 1970, marcada pelo enfoque da assistência curativa e tecnicista, foi publicado o Parecer CFE nº163/72, que reformulou o currículo mínimo de enfermagem. Houve a inclusão das habilitações em saúde pública, enfermagem médico-cirúrgica e obstetrícia, cursadas de forma optativa durante a graduação, reduzindo o enfoque generalista da formação e alterando a denominação do curso de bacharelado enfermagem e obstetrícia(11 Galleguillos TGB, Oliveira MAC. [The beginnings and the development of nursing education in Brazil]. Rev Esc Enferm. USP. 2001;35(1):87-0. https://doi.org/10.1590/S0080-62342001000100013 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234200100...
, 22 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 22];1(7):63-49. Available from: http://cepka.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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,55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201100...
). As mudanças instituídas nos currículos de 1949, 1962 e 1972 foram pequenas, demonstrando uma formação com preponderante caráter curativo e tecnicista, baseado no modelo biomédico, hospitalocêntrico e em uma enfermagem com enfoque no tratamento da doença(55 Pava AM, Neves EB. [The art of teaching nursing: a history of success]. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):145-51. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100021 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201100...
).

ENFERMAGEM PERIOPERATÓRIA NOS CURRÍCULOS A PARTIR DE 1994

No ano de 1994, foi publicada a Portaria nº 1.721, que fixou a carga horária (CH) para os conteúdos mínimos das quatro áreas temáticas dos cursos de graduação em enfermagem, assim discriminadas: bases biológicas e sociais da enfermagem (25% CH), fundamentos da enfermagem (25% CH), assistência de enfermagem (35% CH) e administração em enfermagem (15% CH)(1414 Ministério da Educação (BR). Portaria nº 1.721, de 15 de dezembro de 1994. Fixa os mínimos de conteúdo e duração do curso de graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 1994, dezembro 16(130 seção 1):19801-2.). Dentro da área temática assistência de enfermagem, estavam as disciplinas relacionadas à especificidade do cuidado de criança, adulto e idoso, incluindo a enfermagem clínico-cirúrgica.

Com a publicação da LDB nº 9.394, de 1996, foram introduzidas inovações e mudanças. Houve a extinção dos currículos mínimos e a adoção de diretrizes curriculares, para cada curso(1515 Ministério da Educação (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. 1996 Dec 23;134(248 seção 1):27833-41.). O Artigo 53° fornece autonomia para as universidades criarem e extinguirem cursos e currículos, desde que sejam observadas as diretrizes gerais pertinentes(1515 Ministério da Educação (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. 1996 Dec 23;134(248 seção 1):27833-41.).

No ano de 2001, a Resolução CNE/CES nº 3 determinou as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) a serem seguidas pelos Cursos de Graduação em Enfermagem, estruturas curriculares delineadas pelas instituições do sistema de educação superior do país(1616 Conselho Nacional de Educação (COFEN), Câmara de Educação Superior (CNE/CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 2001 Nov 9(215 seção 1):37.). O Artigo 3º define o perfil do formando egresso/profissional como enfermeiro generalista, humanista, crítico e reflexivo. O Artigo 6º estabelece três tópicos de conteúdos essenciais, como ciências biológicas e da saúde, ciências humanas e sociais, e ciências da enfermagem. Este último tópico é divido em fundamentos de enfermagem, assistência de enfermagem e administração de enfermagem(1616 Conselho Nacional de Educação (COFEN), Câmara de Educação Superior (CNE/CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 2001 Nov 9(215 seção 1):37.). Ressalta-se que o tópico assistência de enfermagem é composto por conteúdos genéricos, os quais não contemplam mais a área cirúrgica, conforme ocorria nas diretrizes curriculares anteriores.

Desde 2001, há um movimento para a atualização das DCNs de enfermagem baseado na Resolução nº 573, que aprovou o Parecer Técnico nº 28/2018, contendo recomendações do Conselho Nacional de Saúde à proposta das DCNs de enferma-gem(1717 Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução CNS nº 573, de 31 de janeiro de 2018. Aprova o Parecer Técnico nº 28/2018 contendo recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) à proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de graduação Bacharelado em Enfermagem. Diário Oficial da União. 2018 Nov 6(213 seção 1):38-42.). Entretanto, até 2020, permanecem vigentes as DCNs de enfermagem de 2001. Em março de 2021, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou a minuta das DCN do curso de bacharelado em enfermagem para avaliação e discussão entre os pares, objetivando apresentar o documento para apreciação por consulta pública, com vistas à publicação, ainda em 2021, das novas DCNs de enfermagem.

As medidas adotadas nas DCNs de enfermagem publicadas em 2001 impactaram negativamente o ensino de enfermagem perioperatória de diferentes maneiras, sendo que cursos impulsionados por uma abordagem generalista de formação reduziram conteúdos e CH destinados a habilidades de assistência ao paciente cirúrgico ou extinguiram as disciplinas que abordavam essas temáticas. Estudo avaliando o oferecimento de conteúdos em enfermagem perioperatória nos cursos de graduação em São Paulo (SP) observou que, apesar de os docentes reconhecerem a importância do conteúdo na formação do enfermeiro (generalista), a limitação de CH impacta negativamente a qualidade da abordagem, frequentemente limitando-se a uma exposição teórica, e não prática, aos conteúdos(1818 Leite AS, Turrini RNT. Analysis of teaching of the discipline nursing in surgical center in schools of São Paulo. Rev Bras Enferm. 2014;67(4):512-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2014670403
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201467...
).

PÓS-GRADUAÇÃO NA ENFERMAGEM E A RELAÇÃO COM O PERIOPERATÓRIO

Modalidade lato sensu

O primeiro curso de especialização em enfermagem no Brasil surgiu em 1961, com enfoque em pediatria nos moldes de residência em enfermagem, no Hospital Infantil do Morumbi, na cidade de São Paulo. O segundo curso de especialização ocorreu somente em 1973, na área médico-cirúrgica, realizado no Hospital Escola da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia(1919 Martins GM, Caregnato RCA, Barroso VLM, Ribas DCP. Implementation of multi-professional healthcare residency at a federal university: historical trajectory. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3):e57046. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.57046
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
).

A reforma universitária, a partir da promulgação da Lei 5.540/68, incrementou os cursos de pós-graduação lato sensu, impulsionando a enfermagem como profissão, rompendo com a submissão às faculdades de medicina(44 Teixeira E, Gomes VE, Fernandes JD, De Sordi MRL. [Trajectory and trends of Brazilian nursing diploma courses]. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):479-87. https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400002 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200600...
). A partir da década de 70, houve crescimento da modalidade lato sensu, e a residência em enfermagem se desenvolveu seguindo o modelo de treinamento em serviço, abrangendo diversas especialidades técnicas, inclusive a enfermagem médico-cirúrgica(2020 Aguiar BGC, Moura VLF, Sória DAC. [Course of specialization in nursing residence]. Rev Bras Enferm. 2004;57(5):559-55. https://doi.org/10.1590/S0034-71672004000500008 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200400...
).

A Resolução COFEN nº 204/2009, posteriormente revogada pela Resolução nº 389/2011, estabeleceu 42 especialidades de enfermagem, permitindo ao enfermeiro generalista a especialização em qualquer uma das áreas fixadas(44 Teixeira E, Gomes VE, Fernandes JD, De Sordi MRL. [Trajectory and trends of Brazilian nursing diploma courses]. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):479-87. https://doi.org/10.1590/S0034-71672006000400002 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200600...
,2121 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução COFEN nº 290, de 24 de março de 2004. Fixa as especialidades de enfermagem. Diário Oficial da União. 2004 Mar 25., 2222 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução COFEN nº 389, de 18 de outubro de 2011. Atualiza, no âmbito do Sistema COFEN/ Conselhos Regionais de Enfermagem, os procedimentos para registro de título de pós-graduação lato e stricto sensu concedido a enfermeiros e lista as especialidades. Diário Oficial da União. 2011 Oct 20(202 seção 1):146.). Ambas as Resoluções citam como possíveis especialidades a central de material e esterilização, o CC, a clínica cirúrgica e a infecção hospitalar(2121 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução COFEN nº 290, de 24 de março de 2004. Fixa as especialidades de enfermagem. Diário Oficial da União. 2004 Mar 25., 2222 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução COFEN nº 389, de 18 de outubro de 2011. Atualiza, no âmbito do Sistema COFEN/ Conselhos Regionais de Enfermagem, os procedimentos para registro de título de pós-graduação lato e stricto sensu concedido a enfermeiros e lista as especialidades. Diário Oficial da União. 2011 Oct 20(202 seção 1):146.). Quando as DCNs de enfermagem de 2001 determinaram a formação de enfermeiro generalista, a especialização passou a ser mandatória para o enfermeiro ingressar em áreas que exigem conhecimento específico.

Em consulta ao E-MEC, observa-se o cadastro ativo de 163 cursos de especialização que contêm a palavra CC em seus títulos (https://emec.mec.gov.br/), sendo que muitos deles oferecem a formação em CC, CME e RA ou CC e CME.

Modalidade stricto sensu

No Brasil, a modalidade stricto sensu na área de enfermagem se iniciou com o curso de mestrado acadêmico em 1972, promovido pela Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)(2323 Fernandes JD, Rebouças IC. [A decade of National Curriculum Guidelines for graduation in nursing: advances and challenges]. Rev Bras Enferm. 2013;66(esp):101-95. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700013 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
,.2424 Mendes ALTM, Aperibense PGGS, Almeida Filho AJ, Peres MAA. Nursing master’s program at Anna Nery school 1972-1975: singularities of graduating and challenges in its implementation. Esc Anna Nery. 2015;19(1):17-11. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150002
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201500...
). Ressalta-se que a busca por autonomia profissional e definição da especificidade do saber incitou um movimento de desenvolvimento de Teorias de Enfermagem, iniciado nos EUA, na década de 1960, e no Brasil, na década de 1970, coincidindo com o início da formação em stricto sensu para a enfermagem brasileira(2424 Mendes ALTM, Aperibense PGGS, Almeida Filho AJ, Peres MAA. Nursing master’s program at Anna Nery school 1972-1975: singularities of graduating and challenges in its implementation. Esc Anna Nery. 2015;19(1):17-11. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150002
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201500...
), que culminou na formação dos primeiros doutores em enfermagem em 1982(2323 Fernandes JD, Rebouças IC. [A decade of National Curriculum Guidelines for graduation in nursing: advances and challenges]. Rev Bras Enferm. 2013;66(esp):101-95. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700013 Portuguese.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
). O stricto sensu permite ao pós-graduando, juntamente com seu orientador, a liberdade de desenvolvimento de investigações científicas em quaisquer áreas do saber da enfermagem, sendo que os conteúdos resultantes dos processos investigativos são produzidos por um grupo específico de pesquisadores.

Contudo, atualmente, observa-se uma redução importante no quadro de docentes permanentes em programas de pós-graduação (PPG) que se dedicam à produção científica na área de enfermagem perioperatória. Tal circunstância possivelmente reflete o contexto político-econômico vigente em que se vivencia uma conjuntura de aposentadorias e dificuldade de reposição do quadro docente nas universidades, especialmente públicas, aspecto que, se não solucionado a curto ou médio prazo, pode comprometer a qualidade e quantidade de produção científica brasileira na área.

No Brasil, conforme o relatório produzido resultante do Seminário de Meio Termo da Área de Enfermagem, realizado em 2019, existiam 54 PPG acadêmicos, sendo 16 com curso de mestrado, 36 com cursos de mestrado e doutorado e dois apenas com cursos de doutorado, totalizando 90 PPG, e 24 PPG profissionais(2525 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Relatório do Seminário de Meio Termo Enfermagem [Internet]. Brasília: CAPES; 2019 [cited 2021 Apr 22]. 24 p. Available from: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos/avaliacao/RELATORIO_SEMINARIO_MEIOTERMO_Enfermagem.pdf
https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-...
). Observa-se o reflexo desse crescimento na formação qualificada em enfermagem e o aumento do volume de produção científica brasileira, totalizando 13.074 documentos publicados no período compreendido entre 1996 e 2020, por meio de análise do Scimago Journal & Country Rank(2626 Scimago Lab. Scimago Journal & Country Rank [Internet]. 2020 [cited 2021 Oct 14]. Available from: https://www.scimagojr.com/countryrank.php?category=2901
https://www.scimagojr.com/countryrank.ph...
), que posiciona o Brasil em terceiro lugar, atrás apenas dos EUA e Reino Unido.

TENDÊNCIAS DO ENSINO EM ENFERMAGEM PERIOPERATÓRIA

Um estudo brasileiro, conduzido em 2011, caracterizou o ensino de enfermagem em CC em relação à CH, conteúdo e componente curricular específico. Na época, havia 841 estabelecimentos com cursos de bacharelado em enfermagem, cadastrados no Ministério da Educação e Cultura, mas apenas 29,8% dos coordenadores dos cursos de graduação responderam à pesquisa(2727 Turrini RNT. Ensino de enfermagem em centro cirúrgico nos cursos de bacharelado em enfermagem do Brasil [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [cited 2022 Feb 16]. https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092012-145456
https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092...
). O retorno dos participantes foi semelhante entre as cinco regiões brasileiras (aproximadamente 20,0%), com exceção da Nordeste (10,5%). Observou-se que 67,3% apresentavam uma disciplina específica de CC, e a média da CH total do conteúdo sobre a temática oferecida era de 94,7 horas (DP ±80 horas), com conteúdo eminentemente teórico, sendo os nomes das disciplinas, onde se inseriam o conteúdo, variados. Em alguns cursos, o conteúdo estava disperso em duas ou três disciplinas, e apenas um dos respondentes não oferecia o conteúdo na grade curricular(2727 Turrini RNT. Ensino de enfermagem em centro cirúrgico nos cursos de bacharelado em enfermagem do Brasil [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [cited 2022 Feb 16]. https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092012-145456
https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092...
). O número de docentes para ministrar o conteúdo variou de 1 a 6 (média 2,5; DP ±2,2), sendo semelhante entre as diferentes regiões do país, com exceção do nordeste e sul, onde a média é mais baixa média (média 2,1; DP ±1,2), e do sudeste (média 2,9; DP ±1,9), onde é mais alta (p=0,1653)(2727 Turrini RNT. Ensino de enfermagem em centro cirúrgico nos cursos de bacharelado em enfermagem do Brasil [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [cited 2022 Feb 16]. https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092012-145456
https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092...
). Observou-se que os cursos sem disciplina específica apresentaram maior proporção de docente único para ministrar o conteúdo(2727 Turrini RNT. Ensino de enfermagem em centro cirúrgico nos cursos de bacharelado em enfermagem do Brasil [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [cited 2022 Feb 16]. https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092012-145456
https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092...
). Todavia, ressalta-se que este é o único estudo que retrata o ensino perioperatório nas diferentes regiões brasileiras e que nenhum outro estudo dessa natureza foi identificado posteriormente. Portanto, tal quadro reflete a realidade do ensino perioperatório retratada há dez anos.

A formação de enfermeiros generalistas associada à liberdade para a definição dos currículos, proporcionada às universidades pela LDB, de 1996, e à orientação determinada pela DCN, de 2021, repercutiu no ensino de enfermagem de diferentes maneiras, resultando em cargas horárias variáveis destinadas ao ensino de enfermagem perioperatória nos diversos bacharelados brasileiros(2727 Turrini RNT. Ensino de enfermagem em centro cirúrgico nos cursos de bacharelado em enfermagem do Brasil [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2012 [cited 2022 Feb 16]. https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092012-145456
https://doi.org/11606/T.7.2012.tde-05092...
). Muitos cursos optaram por reduzir a CH ou eliminar algumas disciplinas sobre o cuidado perioperatório, mais especificamente as disciplinas de CC e CME, por serem entendidas como uma especialização e, consequentemente, diluíram os conteúdos direcionados aos pacientes cirúrgicos em outras disciplinas. Dessa forma, o graduando perdeu a oportunidade de ser exposto a um campo de atuação de grande importância, sem despertar o interesse em desenvolver seu conhecimento para atuar nessa área. Contudo, por meio da análise dos documentos recuperados pelo presente estudo, observa-se uma abordagem mais conservadora nos currículos nacionais que mantiveram a denominação enfermagem cirúrgica.

Especialistas no tema percebem o precário cenário atual na oferta de disciplinas que abordam a parte perioperatória no currículo da enfermagem. Contudo, uma perspectiva ainda mais sombria poderá delinear-se para o futuro, caso seja aprovada a proposta preliminar das DCNs para o curso de graduação bacharelado em enfermagem, apresentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no início de 2021. Em 20 de abril de 2021, as instituições representativas da enfermagem ABEn Nacional e Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) publicaram ofícios encaminhados ao presidente da Comissão da Revisão das DCNs do curso de enfermagem da Câmara de Educação Superior do CNE e à sua relatora, refutando essa proposta. Esse fato evidencia o momento polêmico e difícil vivenciado no Brasil em relação à atualização das DCNs de enfermagem. Caso essa proposta não seja aperfeiçoada, poderá impactar profundamente o ensino e a construção dessa área do saber de forma negativa(2828 Associação Brasileira de Enfermagem Nacional (ABEn). Ofício ABEn nº 052 de 20 de abril de 2021. Brasília: ABEn; 2021., 2929 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Ofício COFEN n° 0697 de 20 de abril de 2021. Brasília: COFEN; 2021.).

O CC é um ambiente em constante inovação tecnológica, com incremento do uso de várias tecnologias duras, como a robótica e equipamentos de alta tecnologia, em prol de procedimentos menos invasivos, aspectos que exigem do enfermeiro atualização constante, garantindo habilidade no manejo dessas novas tecnologias(1313 Associação Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material e Esterilização (SOBECC). Diretrizes de práticas em enfermagem cirúrgica e processamento de produtos para a saúde. São Paulo: Manole; 2017.). Dessa maneira, a pesquisa e o ensino em enfermagem perioperatória acompanharam o progresso da área, marcado pelo trabalho interprofissional e rápida incorporação dos vários tipos de tecnologias (leve, leve-dura e dura) à prática assistencial, notadamente após a criação das primeiras associações de classe e seus respectivos periódicos.

Atualmente, há uma crise em relação à força de trabalho de enfermagem no mundo que, possivelmente, se acentuará na fase pós-pandêmica. A Organização das Nações Unidas estima que faltarão nove milhões de enfermeiros e parteiras para atender às necessidades de saúde da população até 2030 e, preocupados com essa situação, lançaram a campanha Nursing Now(3030 World Health Organization (WHO). Nursing Now Campaign [Internet]. Genebra: WHO; 2018 [cited 2021 Apr 22]. Available from: http://www.who.int/hrh/news/2018/nursing_now_campaign/en/
http://www.who.int/hrh/news/2018/nursing...
). No Brasil, a atual força de trabalho em enfermagem, conforme o COFEN (2018), é composta por 23% de enfermeiros e 77% de técnicos ou auxiliares de enfermagem, predominantemente mulheres (85,1%). Dentre os enfermeiros, apenas 10,5% dedicam-se às áreas de cuidados críticos intensivos e CC e 0,1% à área de centro de material e esterilização(3131 Machado MH, Oliveira ES, Lemos WR, Wermelinger MW, Vieira M, Santos MR, et al. Relatório final da pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil-FIOCRUZ/COFEN. Rio de Janeiro: NERHUS-DAPS-ENSP/Fiocruz; 2017. 750 p.).

Essa diminuição de recursos humanos tem sido uma tendência internacional, com o envelhecimento da força de trabalho e a ausência de reposição de profissionais na mesma velocidade associados às mudanças curriculares com exposição limitada aos conteúdos relacionados à enfermagem perioperatória(3232 Ball K, Doyle D, Oocumma NI. Nursing shortages in the OR: solutions for new models of education. AORN J. 2015;101(1):115-36. https://doi.org/10.1016/j.aorn.2014.03.015
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), comprometendo o interesse de futuros profissionais pela área e a reposição de mão de obra especializada em um campo que exige amadurecimento profissional para o enfermeiro adquirir expertise(3333 Penprase B, Monahan J, Poly-Droulard L, Prechowski S. Student immersion in perioperative nursing. AORN J. 2016;103(2):189-97. https://doi.org/10.1016/j.aorn.2015.12.013
https://doi.org/10.1016/j.aorn.2015.12.0...
).

No entanto, enfermeiros perioperatórios têm se mobilizado na tentativa de investigar e propor maneiras de vencer os obstáculos enfrentados, entre as quais a mudança do paradigma em relação aos conteúdos específicos associados à formação do enfermeiro para as habilidades necessárias à atuação em bloco operatório, aumentando a exposição dos estudantes a esses conceitos desde o princípio do curso. Deve-se destacar que, nas habilidades desenvolvidas nos conteúdos relacionados à enfermagem cirúrgica, encontram-se princípios básicos de assepsia e antissepsia, cultura de segurança, possibilidades de explorar o papel do enfermeiro como defensor dos direitos dos pacientes, culturas organizacionais e trabalho interprofissional, além da possibilidade de desenvolvimento de diversas habilidades práticas relacionadas à execução de procedimentos e habilidades de enfermagem(3434 Tschirch P, Leyden K, Dufrene C, Land S. Introducing perioperative nursing as a foundation for clinical practice. AORN J. 2017;106(2):121-7. https://doi.org/10.1016/j.aorn.2017.06.004
https://doi.org/10.1016/j.aorn.2017.06.0...
).

Destaca-se que tais habilidades vêm ao encontro do que é proposto pelo CNE nas DCNs do curso de graduação em enfermagem, e ainda o expande, uma vez que a proposição esperada de formação no Brasil está vinculada à formação de um enfermeiro generalista, crítico-reflexivo e humanista, qualificado para atuar com rigor científico e intelectual, baseado em princípios éticos, capaz de reconhecer e intervir sobre situações de saúde-doença mais prevalentes na região em que está inserido, identificando seus determinantes, além de exercer a responsabilidade social e o compromisso com a cidadania, agindo como promotor da saúde integral do ser humano(1616 Conselho Nacional de Educação (COFEN), Câmara de Educação Superior (CNE/CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 2001 Nov 9(215 seção 1):37.).

Ademais, a educação em enfermagem brasileira prevê o desenvolvimento de diversas competências e habilidades para o desenvolvimento de ações de prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, tomada de decisões, comunicação e exercício da liderança, bem como de administração e gerenciamento de unidades e serviços sob sua responsabilidade, além da educação permanente(1616 Conselho Nacional de Educação (COFEN), Câmara de Educação Superior (CNE/CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União. 2001 Nov 9(215 seção 1):37.). Enfim, habilidades que estão embutidas no trabalho em enfermagem perioperatória.

Ressalta-se que, para contemplar a formação do pressuposto como generalista, é fundamental que o estudante tenha contato com diferentes áreas de conhecimentos do atuar em enfermagem, uma vez que sua escolha na área profissional poderá se dar a partir de pequenas experiências obtidas durante seu processo de construção do conhecimento. Portanto, cabe ao docente estimular a curiosidade dos discentes em busca do conhecimento, pois neófitos ou recém-egressos de cursos de graduação em enfermagem podem possuir uma visão restrita da realidade ou ainda uma capacidade crítica e reflexiva reduzida ao colocar seus conhecimentos em prática, o que poderá culminar em uma limitada capacidade de adaptação a diversos contextos da atuação em enfermagem(3535 Kedge S, Appleby B. Promoting a culture of curiosity within nursing practice. Br J Nurs. 2009;18(10):635-7. https://doi.org/10.12968/bjon.2009.18.10.42485
https://doi.org/10.12968/bjon.2009.18.10...
, 3636 Palencia GE. El contrato moral del profesor de enfermería con la educación universitaria. Invest Educ Enferm [Internet]. 2008 [cited 2021 Apr 22];26(2):122-6. Available from: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-53072008000300011&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
).

Destaca-se que, atualmente, são exigidos dos profissionais de saúde, especificamente do enfermeiro, além do pensamento crítico e habilidades para a tomada de decisões, foco no cuidado à saúde segura, integrado com perspectivas e tendências mundiais, como os desafios globais propostos pela Organização Mundial da Saúde, as quais abordam temáticas direcionadas à segurança do paciente, cirurgias seguras e saúde global. Tal abrangência de conhecimentos capacita o enfermeiro a participar da elaboração do plano terapêutico e elaborar políticas de saúde. O alinhamento do ensino de enfermagem às tendências mundiais permite que os profissionais, em um cenário que se sobrepõe ao local, possam validar seus diplomas e exercer sua profissão em outros países, se o desejarem. Isso não significa que uma diretriz curricular nacional não deve estar pautada nas necessidades de saúde regionais, mas não pode estar dissociada do contexto global onde se insere.

Em âmbito dos PPG, a necessidade de serem conduzidos estudos voltados para o desenvolvimento de conceitos de enfermagem com enfoque para a área perioperatória é crucial para a manutenção, reconhecimento e fortalecimento desta especialidade. Nesse sentido, o aprimoramento e o desenvolvimento de estruturas diagnósticas de enfermagem, por meio da padronização da linguagem, ampliam a aplicabilidade da sistematização da assistência de enfermagem perioperatória(3737 Nascimento LAD, Garcia AKA, Conchon MF, Lopes MVO, Fonseca LF. Concept analysis of Perioperative Thirst for the development of a new nursing diagnosis. Rev Bras Enferm. 2021;74(1):e20200065. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0065
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
).

Outro aspecto que tem ganhado destaque nas discussões educacionais é a capacidade de habilitar o discente de graduação a desenvolver seu trabalho, de maneira articulada, às demais categorias profissionais que dividem o cuidado com o paciente. Investigação recente observou que, quando expostos a um curso integrado com educação interprofissional e simulação, há impacto positivo na aprendizagem de estudantes de enfermagem em relação aos conteúdos abordados em perioperatória(3838 Wang R, Shi N, Bai J, Zheng Y, Zhao Y. Implementation and evaluation of an interprofessional simulation-based education program for undergraduate nursing students in operating room nursing education: a randomized controlled trial. BMC Med Educ. 2015;15:115. https://doi.org/10.1186/s12909-015-0400-8
https://doi.org/10.1186/s12909-015-0400-...
). Essas iniciativas fortalecem o trabalho em equipe e a comunicação, ao diminuir a percepção de cuidado fragmentado e a sensação de pouco pertencimento à área, além de, associadas à simulação, favorecerem o pensamento crítico e a tomada de decisões(3838 Wang R, Shi N, Bai J, Zheng Y, Zhao Y. Implementation and evaluation of an interprofessional simulation-based education program for undergraduate nursing students in operating room nursing education: a randomized controlled trial. BMC Med Educ. 2015;15:115. https://doi.org/10.1186/s12909-015-0400-8
https://doi.org/10.1186/s12909-015-0400-...
).

Ressalta-se que um programa educacional bem-sucedido em enfermagem perioperatória está diretamente relacionado à capacidade do docente em despertar no estudante o interesse pela temática. Cabe ao professor oferecer qualidade didática e treinamento prático, para prover sólida formação teórico-científica que permita ao estudante expandir sua confiança, competência e prática profissional. O suporte institucional, obtido por meio de parcerias para desenvolvimento da prática e presença de educadores dedicados e hábeis no ensino perioperatório, que utilizem metodologias inovadoras e ofereçam conteúdo atualizado cientificamente, pode contribuir substancialmente para a formação de profissionais que busquem tal especialidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação aos aspectos históricos do ensino de enfermagem perioperatória brasileira, verificou-se que, durante longo período, a formação dos graduandos foi direcionada para o modelo curativo, tecnicista, biomédico e hospitalocêntrico. Embora a nomenclatura enfermagem perioperatória nunca tenha sido utilizada nos currículos nacionais, tal campo do conhecimento sempre esteve presente desde o primeiro currículo, instituído em 1890, até o currículo de 1994, com uma disciplina ou mais direcionadas à formação da enfermagem cirúrgica. No nível de pós-graduação, tanto lato sensu quanto stricto sensu, a enfermagem perioperatória está bem estabelecida. No lato sensu, há cursos de especialização e residência em CC e CME, permitindo ao enfermeiro especializar-se na área de interesse. No stricto sensu, a enfermagem brasileira se destaca quanto a uma produção científica de qualidade e reconhecimento nacional e internacional, o que fortalece, não apenas a área de enfermagem perioperatória, mas a ciência de enfermagem como um todo.

Em termos de tendências, mediante um contexto histórico em que a tecnologia permeia todas as relações sociais, inclusive as relações de trabalho, é fundamental que os currículos de enfermagem se apropriem de temáticas que envolvam as tecnologias leves, leve-duras e duras relacionadas. ao cuidar, dentre elas os conteúdos de CC e CME, uma vez que esses estão intimamente ligados a essa perspectiva. Além disso, integrar o currículo nacional com tendências de saúde mundiais, direcionadas à segurança do paciente, cirurgias seguras e saúde global, permite aos enfermeiros generalistas, com formação no Brasil, poder exercer sua profissão em diferentes países.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2021
  • Aceito
    24 Jun 2022
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