Fatores de risco para uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre estudantes de enfermagem

RESUMO

Objetivos:

verificar fatores de risco sociodemográficos, acadêmicos e de saúde para o uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre estudantes de enfermagem.

Métodos:

estudo transversal, com 199 estudantes de universidade pública do Ceará, utilizando Instrumento de Caracterização, Questionário de Senso de Coerência de Antonovsky, Inventário de Depressão de Beck e o Inventário de Ansiedade de Beck. Realizou-se Teste exato de Fischer e Teste Qui-Quadrado de Pearson, verificando associação entre variáveis. Utilizou-se Razão de Prevalência.

Resultados:

34 utilizavam tais fármacos, predominando o uso dos ansiolíticos, associado à idade (p=0,026), à insatisfação com o relacionamento entre colegas de curso (p=0,003), à insônia (p=0,009), à doença crônica (p=0,001), à depressão (p=0,035) e à ansiedade grave (p=0,023).

Conclusões:

o uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre os estudantes esteve associado a fatores sociodemográficos, acadêmicos e de saúde, evidenciando a necessidade de ações promotoras da saúde mental dos universitários.

Descritores:
Fármacos do Sistema Nervoso Central; Fatores de Risco; Estudantes de Enfermagem; Saúde Mental; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to verify sociodemographic, academic and health risk factors for Central Nervous System drug use among nursing students.

Methods:

a cross-sectional study with 199 public undergraduate students from Ceará, using Characterization Instrument, Antonovsky’s Sense of Coherence Questionnaire, Beck Depression Inventory and Beck Anxiety Inventory. Fischer’s exact test and Pearson’s chi-square test were performed, verifying an association between variables. Prevalence ratio was used.

Results:

a total of 34 used such drugs, with predominance of use of anxiolytics, associated with age (p=0.026), dissatisfaction with the relationship between classmates (p=0.003), insomnia (p=0.009), chronic disease (p=0.001), depression (p=0.035), and severe anxiety (p=0.023).

Conclusions:

using Central Nervous System drugs among students was associated with sociodemographic, academic and health factors, evidencing the need for actions promoting undergraduate students’ mental health.

Descriptors:
Central Nervous System Agents; Risk Factors; Students, Nursing; Mental Health; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

verificar los factores de riesgo sociodemográficos, académicos y de salud por el uso de drogas en el Sistema Nervioso Central en estudiantes de enfermería.

Métodos:

estudio transversal, con 199 estudiantes de una universidad pública de Ceará, utilizando el Instrumento de Caracterización, Cuestionario de Sentido de Coherencia de Antonovsky, Inventario de depresión de Beck y Inventario de ansiedad de Beck. Se realizó la prueba exacta de Fischer y la prueba de chi-cuadrado de Pearson, verificando la asociación entre variables. Se utilizó la razón de prevalencia.

Resultados:

34 utilizaron este tipo de fármacos, predominantemente ansiolíticos, asociados a la edad (p=0,026), insatisfacción con la relación entre compañeros de curso (p=0,003), insomnio (p=0,009), enfermedad crónica (p=0,001), depresión (p=0,035) y ansiedad severa (p=0,023).

Conclusiones:

el uso de drogas del Sistema Nervioso Central en estudiantes se asoció con factores sociodemográficos, académicos y de salud, destacando la necesidad de acciones para promover la salud mental de los estudiantes universitarios.

Descriptores:
Fármacos del Sistema Nervioso Central; Factores de Riesgo; Estudiantes de Enfermería; Salud Mental; Enfermería

INTRODUÇÃO

Os fármacos que atuam no Sistema Nervoso Central (SNC) interferem na neurotransmissão, seja na pré-sinapse, no bloqueio ou na ativação de receptores pós-sinápticos. Essa categoria engloba os medicamentos ansiolíticos, hipnóticos, antidepressivos, antipsicóticos, antiepilépticos, anestésicos, opioides, fármacos de abuso e estimulantes do SNC, como anfetaminas(¹).

Em 2018, 31 milhões de pessoas no mundo sofreram algum distúrbio pelo uso dessas substâncias, sendo os opioides a classe com maior nível de agravos e mortalidade em decorrência do abuso(²). Dados de estudo de base populacional no Brasil evidenciaram que, no ano de 2015, as classes medicamentosas de psicofármacos mais consumidas no país de forma não prescrita ou diferente da prescrita, foram os benzodiazepínicos (3,9%), seguidos pelos opiáceos (2,9%) e anfetamínicos (1,4%)(³). O risco do início de uso abusivo dessas drogas se mostra mais acentuado durante a adolescência, entre 12 e 17 anos, podendo atingir o auge do problema entre 18 e 25 anos(²).

É fato que, no Brasil, esses fármacos são comercializados apenas com indicação médica e receituário controlado. Contudo, nota-se que muitas pessoas fazem uso deles sem a devida prescrição médica. Estudos realizados com universitários brasileiros esclarecem que os medicamentos mais utilizados por esses são os ansiolíticos, barbitúricos e as anfetaminas, sendo a aquisição de tais fármacos, em sua maioria, por meio de amigos ou familiares que fazem uso desses medicamentos(⁴), e estudantes da saúde realizam o uso sem prescrição médica com maior frequência(⁵).

No que tange às motivações para o uso impróprio desses medicamentos psicoativos por estudantes, podem ser citadas insatisfações relacionadas ao convívio social, à sobrecarga de atividades curriculares e extracurriculares ou à falta de maturidade do acadêmico em gerir seu tempo e estabelecer prioridades(⁶). Ademais, os efeitos desses fármacos considerados positivos, como a melhora na concentração e na memória, além da redução da fadiga e do estresse, podem representar aos estudantes uma solução rápida para essas problemáticas comuns na rotina acadêmica(⁷).

Dentre as consequências do uso de fármacos que atuam no SNC relatadas por universitários em estudos anteriores, têm-se a redução do sono(⁷) e a cefaleia(⁸) como efeitos colaterais importantes. Além disso, o uso de alguns fármacos do SNC pode desencadear dependência e tolerância no organismo dos consumidores, que sentem necessidade, com o tempo, de doses maiores para promoção de efeito terapêutico(¹). Ainda, estudo demonstra que o uso de estimulantes sem prescrição médica pode se relacionar com o início ou aumento do consumo de outras substâncias, como álcool e maconha(⁹). Nota-se que, apesar de os efeitos colaterais desses medicamentos serem conhecidos pelas pessoas que os utilizam, seu consumo é persistente(¹⁰).

Dessa forma, estudos sobre os fatores sociodemográficos, acadêmicos e de saúde associados ao consumo de fármacos que atuam no SNC são importantes, a fim de compreender o padrão de uso desses medicamentos e, com base nas condições modificáveis, instituir no ambiente acadêmico ações educativas sobre o uso seguro de tais medicamentos e o acesso aos serviços de atenção à saúde mental.

OBJETIVOS

Verificar fatores de risco sociodemográficos, acadêmicos e de saúde para o uso de fármacos do SNC entre estudantes de enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, via Plataforma Brasil. Seguindo as normas de pesquisa com seres humanos estabelecidas pela Resolução nº 466/12(¹¹), todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Desenho, período e local de estudo

Estudo analítico de corte transversal, norteado pela ferramenta STROBE (STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology)(¹²). A coleta de dados ocorreu de junho a setembro de 2019 em uma universidade pública localizada em Fortaleza, Ceará.

População e amostra: critérios de inclusão e exclusão

A população do estudo foi composta por acadêmicos de enfermagem com matrícula regular. A amostra foi probabilística, aleatória simples e estratificada por semestre. Realizou-se cálculo amostral para população finita, considerando um nível de confiança de 95%, margem de erro de 5% e prevalência de 50%, o que resultou em amostra mínima de 194 estudantes, que foi acrescida de 2,5% para eventuais perdas, totalizando 199. Foram utilizados como critérios de inclusão estar matriculado regularmente em qualquer disciplina do curso de enfermagem da universidade em análise e ter acima de 18 anos. Já o critério de exclusão foi estar em regime de licença.

Protocolo do estudo

Para a coleta dos dados da pesquisa, foram utilizados: Instrumento de Caracterização Sociodemográfica e Acadêmica, Questionário de Senso de Coerência de Antonovsky (QSCA), Inventário de Depressão de Beck (IDB) e o Inventário de Ansiedade de Beck (IAB).

O Instrumento de Caracterização Sociodemográfica e Acadêmica foi elaborado e testado, pelos próprios pesquisadores, previamente à coleta. Ele é dividido em blocos, com alternativas correspondentes às condições sociodemográficas, aspectos relacionados à universidade, atividades de lazer, conforto e bem-estar, atividades acadêmicas e extracurriculares, além de hábitos de vida.

O QSCA permite a análise de como os pesquisados enfrentam os estressores, mantendo a saúde, ou seja, a capacidade de utilizar artifícios sociais, físicos e individuais para se adaptar frente aos problemas cotidianos sem adoecer. O Senso de Coerência (SOC) possui como componentes a compreensão, o manejo e o significado. O questionário é validado com alfa de Cronbach de 0,79, e as respostas variam em uma escala de 1 a 7(¹³). Os resultados do instrumento seguem a regra de que, quanto maior o valor obtido, maior o SOC.

O IAB foi utilizado para medir o nível de ansiedade dos participantes. O questionário é validado com alfa de Cronbach entre 0,83 e 0,92(¹⁴). Esse conta com 21 itens relacionados a sintomas de ansiedade, que devem ser respondidos pelos acadêmicos quanto à frequência e gravidade na semana vigente, com intervalo de 0 a 3 pontos.

Já o Inventário de Depressão de Beck II (IDB-II) é validado com alfa de Cronbach de 0,89(¹⁴), possui 21 itens, cujas afirmativas variam em uma escala de 0 a 3 pontos. Os alunos devem responder de acordo com a autoavaliação da última semana, para classificar o nível de depressão.

Foram sorteados estudantes do primeiro ao décimo semestre do curso de enfermagem da universidade em questão, para participarem da coleta de dados. Os questionários foram entregues, em sala de aula, aos acadêmicos aleatoriamente selecionados no sorteio. No caso dos alunos em regime de internato, o TCLE e os questionários anteriormente citados foram encaminhados via e-mail.

Análise dos resultados e estatística

Na análise, foi utilizado o programa IBM^® SPSS^® Statistics, versão 20.0. As variáveis preditoras foram idade, etnia, orientação sexual, religião, renda, semestre, reprovação, atividade acadêmica remunerada, atividade acadêmica complementar, relacionamento com os colegas, tecnologias que facilitem o estudo, tempo suficiente para estudar, doença crônica, plano de saúde, atividade física, insônia, depressão, ansiedade, SOC, uso de drogas lícitas e ilícitas.

Já a variável desfecho foi o uso autorreferido de fármacos que atuam no SNC. Realizou-se Teste Exato de Fischer e Teste Qui-Quadrado de Pearson, para verificar associação entre as variáveis dependentes e independente, considerando p <0,05 como significante, em um intervalo de confiança de 95%. Foi utilizada, também, a Razão de Prevalência.

Utilizou-se a regressão logística binária pelo método de Enter com todas as variáveis cujo p era inferior ou igual a 0,2, equivalente a 11 variáveis. O teste de Omnibus resultou em 0,002, o que indica que o modelo foi significativo. Para verificar a adequação dos modelos de regressão, foi utilizado o teste Hosmer-Lemeshow, cujo valor foi de 0,851, indicando que o modelo consegue explicar adequadamente a variável dependente. A predição foi de 83,6%. A regressão ajustada (R²) evidenciou valor de 0,260, o que revela que esse modelo explica 26% da variabilidade do desfecho.

RESULTADOS

Participaram do estudo 199 acadêmicos de enfermagem, sendo 165 do sexo feminino e 34 do sexo masculino, com mediana de 21 anos de idade e renda familiar média de R$ 3378,14. Todos os semestres foram contemplados, com variação de 14 a 24 estudantes por turma.

Quanto às classes dos fármacos do SNC, todas apresentavam uso por, pelo menos, um acadêmico, 8 (4,02%) estudantes utilizavam medicamentos de mais de uma classe, predominando uso dos ansiolíticos, por 17 (8,54%) acadêmicos, seguido pelos opioides, com uso por 12 (6,03%).

Na Tabela 1, apresentam-se os dados sociodemográficos dos entrevistados associados ao uso de fármacos que atuam no SNC.

Tabela 1
Associação das variáveis sociodemográficas com o uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre os estudantes entrevistados, Fortaleza, Ceará, Brasil, junho a setembro de 2019

Variáveis	Uso de fármacos do Sistema Nervoso Central				RP	IC 95%	Valor de p
	Sim	%	Não	%
Idade
Até 21 anos	21	61,8	82	49,7	1,51	0,80 - 2,84	0,200**
Acima de 21 anos	13	38,2	83	50,3
Etnia
Branca	11	32,4	38	23,0	1,46	0,77 - 2,78	0,251**
Não branca	23	67,6	127	77,0
Orientação sexual
Heterossexual	27	79,4	137	83,0	0,82	0,39 - 1,74	0,614**
Não heterossexual	7	20,6	28	17,0
Religião
Sim	25	73,5	142	86,1	0,53	0,27 - 1,03	0,070**
Não	9	26,5	23	13,9
Renda familiar
Até R$2.000	14	45,2	76	52,4	0,79	0,41 - 1,50	0,463**
Acima de R$2.000	17	54,8	69	47,6

• ^*
  Teste de Fischer;
• ^**
  Teste Qui-Quadrado de Pearson; RP - Razão de prevalência; IC - Intervalo de Confiança.

Observa-se que as variáveis não influenciaram os resultados de forma significativa. Quanto à variável renda, o salário mínimo no período do estudo era igual a R$ 998,00. Na Tabela 2, encontram-se as variáveis acadêmicas em associação com o uso de fármacos que atuam no SNC.

Tabela 2
Associação das variáveis acadêmicas com o uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre os estudantes entrevistados, Fortaleza, Ceará, Brasil, junho a setembro de 2019

Variáveis	Uso de fármacos do Sistema Nervoso Central				RP	IC 95%	Valor de p
	Sim	%	Não	%
Semestre
Até o 5° semestre	20	58,8	87	52,7	1,23	0,66 - 2,29	0,516**
Do 6° ao 10° semestre	14	41,2	78	47,3
Reprovação
Sim	6	17,6	31	18,8	0,94	0,42 - 2,10	0,876**
Não	28	82,4	134	81,2
Atividades acadêmicas complementares
Sim	30	88,2	135	81,8	1,54	0,58 - 4,10	0,365**
Não	4	11,8	30	18,2
Atividade acadêmica remunerada
Sim	13	38,2	78	47,6	0,73	0,39 - 1,37	0,321**
Não	21	61,8	86	52,4
Relacionamento com os colegas de curso
Insatisfatório	9	27,3	16	9,7	2,59	1,37 - 4,93	0,018*
Satisfatório	24	72,7	149	90,3
Tecnologias que facilitam o estudo
Possui	32	94,1	163	98,8	0,33	0,12 - 0,92	0,136*
Não possui	2	5,9	2	1,2
Tempo suficiente para estudar
Sim	5	14,7	48	29,1	0,47	0,19 - 1,16	0,084**
Não	29	85,3	117	70,9

• ^*
  Teste de Fischer;
• ^**
  Teste Qui-Quadrado de Pearson; RP - Razão de prevalência; IC - Intervalo de Confiança.

Identificou-se que a relação com os colegas de curso apresentou valor significativo de p= 0,018, com RP= 2,59 (IC= 1,37 - 4,93). Isso permite interpretar que, entre os estudantes com relação insatisfatória com os colegas de curso, há prevalência 2,59 vezes maior de uso de fármacos que atuam no SNC, se comparados aos que possuem relacionamento satisfatório.

A Tabela 3 mostra a associação de variáveis relacionadas à saúde dos estudantes com o uso de fármacos que atuam no SNC.

Tabela 3
Associação das variáveis de saúde com o uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre os estudantes entrevistados, Fortaleza, Ceará, Brasil, junho a setembro de 2019

Variáveis	Uso de fármacos do Sistema Nervoso Central				RP	IC 95%	Valor de p
	Sim	%	Não	%
Portador de doença crônica
Sim	12	35,3	17	10,3	3,20	1,78 - 5,73	0,001*
Não	22	64,7	148	89,7
Plano de saúde
Possui	19	55,9	68	42,5	1,56	0,84 - 2,88	0 ,154**
Não possui	15	44,1	92	57,5
Prática de atividade física
Sim	12	35,3	66	40,0	0,85	0,44 - 1,61	0,609**
Não	22	64,7	99	60,0
Insônia
Sim	20	58,8	50	30,9	2,57	1,39 - 4,77	0,002**
Não	14	41,2	112	69,1
Nível de ansiedade
Grave	24	80,0	95	58,6	2,45	1,05 - 5,72	0,027**
Moderada	6	20,0	67	41,4
Nível de depressão
Moderada e grave	25	73,5	76	46,1	2,70	1,33 - 5,48	0,004**
Mínima e leve	9	26,5	89	53,9
Senso de Coerência
Menor SOC	25	73,5	74	44,8	2,81	1,38 - 5,70	0,002**
Maior SOC	9	26,5	91	55,2
Uso de drogas lícitas
Sim	18	52,9	81	49,1	1,14	0,61 - 2,10	0,683**
Não	16	47,1	84	50,9
Uso de drogas ilícitas
Sim	3	8,8	21	12,7	0,71	0,23 - 2,13	0,524*
Não	31	91,2	144	87,3

• ^*
  Teste de Fischer;
• ^**
  Teste Qui-Quadrado de Pearson; RP - Razão de prevalência; IC - Intervalo de Confiança.

Quanto à doença crônica diagnosticada, 29 (14,6%) estudantes apresentavam uma ou mais comorbidades, com prevalência de doenças respiratórias, como asma (8; 27,6%) e sinusite (6; 20,7%), e em menores números, transtornos mentais, como ansiedade (1; 3,4%) e depressão (3; 10,3%), além de patologias de outro cunho, como artrite reumatoide (1; 3,4%) e endometriose (1; 3,4%).

Salienta-se que, apesar da escala utilizada contemplar os níveis de ansiedade mínima e leve, nenhum participante apresentou esses níveis mencionados.

A Tabela 4 contém as associações que demonstraram significância no modelo de regressão logística binária.

Tabela 4
Modelo de regressão logística binária do uso de fármacos do Sistema Nervoso Central entre os estudantes entrevistados, Fortaleza, Ceará, Brasil, junho a setembro de 2019

Variáveis	OR**	IC** 95%	Valor de p
Idade
Até 21 anos	15,17	1,37 - 167,41	0,026
Acima de 21 anos
Relacionamento com os colegas de curso
Insatisfatório	627,52	8,90 - 44202,61	0,003
Satisfatório
Insônia
Sim	53,73	2,71 - 1063,65	0,009
Não
Portador de doença crônica
Sim	640,52	12,78 - 32103,54	0,001
Não
Nível de depressão
Moderada e grave	28,74	1,26 - 655,94	0,035
Mínima e leve
Nível de ansiedade
Grave	35,89	1,65 - 780,17	0,023
Moderada

• ^**
  OR - Odds Ratio;
• ^**
  IC - Intervalo de Confiança.

Conforme a Tabela 4, os estudantes de até 21 anos de idade e os que estão insatisfeitos com o relacionamento com os colegas de curso têm 15,17 e 627,52 vezes, respectivamente, mais chances de usarem tais fármacos. Já os alunos que têm insônia e os que possuem doença crônica possuem chances aumentadas em 53,73 e 640,52 vezes, respectivamente, para o uso de fármacos do SNC. Ademais, os acadêmicos com depressão moderada e grave e os com ansiedade grave apresentam, respectivamente, 28,75 e 35,89 vezes mais chances de utilizar esses fármacos.

DISCUSSÃO

Com relação ao perfil dos estudantes usuários de fármacos do SNC, observou-se maior prevalência entre aqueles com até 21 anos de idade. Em contrapartida, estudo francês com universitários do curso de farmácia revela que os alunos que usam medicamentos psicotrópicos eram significativamente mais velhos do que os não usuários e usuários de drogas ilícitas(¹⁵).

No que tange às perspectivas étnicas, não foi encontrada associação significativa entre raça autodeclarada e uso dos fármacos. Contudo, uma pesquisa que investigou a existência de desigualdade racial no uso de psicotrópicos entre adolescentes, idosos e adultos observou maior prevalência de uso entre brancos. Isso teve como possível explicação a menor procura e acesso aos serviços de saúde por pretos e pardos, impedindo o uso por prescrição médica, bem como menor frequência de autonomia para percepção de problemas de saúde mental entre pessoas da população negra(¹⁶). Assim, salienta-se que o não uso desses medicamentos não configura um fator definidor de saúde, uma vez que podem ser necessários, mas não serem incluídos pela falta de diagnóstico de condições de saúde afetadas. No presente estudo, a maior frequência de utilização desses fármacos ocorreu entre não-brancos, que pode estar associada à diferença dos cenários estudados, modificando as condições socioeconômicas da amostra e o nível de conhecimento em saúde dos participantes.

É sabido que os laços de apego e a comunicação interpessoal eficaz influenciam no bom funcionamento psicológico, pois isso auxilia no enfrentamento de eventos estressantes na vida que, frequentemente, precedem a depressão(¹⁷). Logo, ter um relacionamento satisfatório com os colegas de curso, pessoas com quem se tem uma convivência por longos períodos, torna-se um fator protetor para o desenvolvimento de transtornos mentais e, consequentemente, no uso de fármacos para o seu tratamento, pois contribui com um transcorrer mais saudável da vida acadêmica.

Acerca da insônia, a prevalência neste estudo foi de 35,1% e, dentre esses, 28,6% utilizavam os fármacos analisados. Em comparação, revisão sistemática revela que a prevalência de insônia entre universitários na região do Sul da Ásia foi de 52,1%(¹⁸). Ademais, pesquisa colombiana realizada com acadêmicos de Medicina revela que problemas no sono se configuram como o sintoma mental preditor mais frequente para a prática da automedicação, além de que 78,6% afirmam que continuariam com a automedicação, mesmo cientes dos riscos(¹⁹). Tendo isso em vista, sugere-se o fortalecimento de outras modalidades de tratamento para insônia, como as Práticas Integrativas em Saúde, a fim de reduzir os efeitos colaterais e contrapor-se ao modelo biomédico ainda predominante.

Em acréscimo, na análise das condições de saúde da amostra, constatou-se maior prevalência de doenças crônicas não psiquiátricas, mais especificamente doenças respiratórias. Ainda, entre os portadores de doenças crônicas, encontraram-se chances aumentadas para o uso de fármacos do SNC. Nesse sentido, em pesquisa norte-americana, pacientes com três ou mais doenças crônicas não psiquiátricas tinham 1,12 vezes mais chance de usar psicotrópicos off-label(²⁰), ou seja, a indicação terapêutica do uso desse medicamento é diferente da aprovada em bula(²¹). Isso pode ser consequência da falha de terapêuticas anteriores, o que leva a uma chance maior de que uma ou mais opções de tratamento sejam uma prescrição off-label(²⁰). Ademais, a associação bidirecional entre doenças crônicas e fatores psicopatológicos pode exacerbar ambas as condições(²²), elevando o uso dos fármacos do SNC entre os portadores de patologias crônicas.

Dos alunos que relataram uso de fármacos do SNC, 80% apresentaram nível grave de ansiedade. Da mesma forma, pesquisa francesa revela que os estudantes que faziam uso de fármacos psicotrópicos referiam níveis maiores de ansiedade e depressão, e os usuários por automedicação possuíam níveis mais altos desses sintomas(¹⁵). Em relação à depressão, entre os que não usavam os medicamentos, a depressão mínima/leve superou em 7,8% a moderada/grave.

O SOC é a capacidade de compreender, manejar e dar significado a questões diárias, permitindo o enfrentamento de estressores cotidianos(¹³). Nessa pesquisa, os estudantes que possuíam menor SOC tinham prevalência 2,81 vezes maior de consumo de fármacos que atuam no SNC. Estudo com pacientes noruegueses que apresentavam transtornos psicóticos apresentou associação estatisticamente significativa entre auto-distúrbios básicos e SOC, pois a presença e o nível de auto-perturbações podem interferir na capacidade dos indivíduos de gerenciarem a vida e de significá-la(²³). Dessa forma, o uso de fármacos do SNC se apresenta como um meio de amenizar as auto-perturbações, com o fito de revigorar a resiliência no enfrentamento de problemas.

Limitações do estudo

O estudo realizado apresentou limitações quanto à sua representatividade, pois a amostra foi constituída por alunos de um único curso de graduação. Além disso, houve a ausência de indagação sobre a prescrição médica ou não das medicações. Ainda, não foi questionado sobre terapias não farmacológicas, o que pode influenciar em variáveis como ansiedade e depressão. Cabe ainda destacar que, por abranger mais de uma variável preditora, há possibilidade de covariância.

Contribuições para a área da enfermagem

Devido ao aumento dos casos de transtornos mentais em universitários e desfechos negativos subsequentes a isso, estudos que permitem a compreensão do padrão do uso de fármacos que fazem parte do tratamento facilitam o direcionamento de ações promotoras de saúde no ambiente acadêmico.

CONCLUSÕES

Conclui-se que o uso de fármacos que atuam no SNC entre estudantes de enfermagem esteve associado à idade, à insatisfação com o relacionamento com os colegas de curso, à insônia, à doença crônica, à depressão e à ansiedade em níveis mais elevados.

Os dados da pesquisa revelam a necessidade de intervenções na promoção da saúde mental dos universitários, considerando a presença de fatores de risco modificáveis. Ademais, ressalta-se a importância da redução de danos de uso, com o intuito de que os profissionais em formação tenham maior qualidade de vida e, assim, possam promover um cuidado mais qualificado aos pacientes.

• FOMENTO
  Programa de Educação Tutorial/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)/Ministério da Educação (MEC).

AGRADECIMENTO

Ao grupo PET Enfermagem UFC, inclusive aos petianos egressos que contribuíram com as etapas iniciais da pesquisa, e a cada universitário que dispôs tempo para participar da pesquisa.

REFERENCES

• ¹
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• ²
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• ³
  Bastos FIPM. III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ICICT; 2017. 528 p.
• ⁴
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• ⁵
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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  01 Out 2021
• Aceito
  14 Dez 2021