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Requisitos para construção de tecnologia educacional e cuidativa sobre insuficiência cardíaca

RESUMO

Objetivos:

averiguar os requisitos para construção de aplicativo educativo e cuidativo sobre insuficiência cardíaca.

Métodos:

estudo exploratório, realizado com 15 pessoas com insuficiência cardíaca e 19 familiares/cuidadores, assistidos em unidade terciária do Nordeste brasileiro. Efetuaram-se entrevistas semiestruturadas individuais entre novembro e dezembro de 2020. Foi adotado referencial teórico de Hannah Arendt.

Resultados:

emergiram duas unidades de sentido: “A pluralidade do cuidado na insuficiência cardíaca” e “Expectativas sobre construção e utilização de tecnologia educativa e cuidativa para a insuficiência cardíaca”. Os requisitos envolveram a necessidade de conhecer a doença e suas nuances, bem como a rede de saúde, mediante aplicativo que possa minimizar precariedades individuais e sociais; e destacaram a importância da participação da equipe multidisciplinar no desenvolvimento e divulgação do aplicativo.

Conclusões:

os requisitos sobre a tecnologia educativa e cuidativa foram identificados e subsidiarão a criação de aplicativo promotor do cuidado, visando à obtenção de resultados positivos na saúde.

Descritores:
Insuficiência Cardíaca; Aplicativos Móveis; Tecnologia; Tecnologia Educacional; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to investigate the requirements for building an educational and care application about heart failure.

Methods:

exploratory study, carried out with 15 people with heart failure and 19 family members/caregivers, assisted in a tertiary unit in the Brazilian Northeast. Individual semi-structured interviews were carried out between November and December 2020. Hannah Arendt’s theoretical framework was adopted.

Results:

two units of meaning emerged: “The plurality of care in heart failure” and “Expectations on the construction and use of educational and care technology for heart failure”. The requirements involved the need to know the disease and its nuances, as well as the health network, through an application that can minimize individual and social precariousness; and highlighted the importance of the participation of the multidisciplinary team in the development and dissemination of the application.

Conclusions:

requirements on educational and care technology were identified and will support the creation of an application that promotes care, aiming to obtain positive health outcomes.

Descriptors:
Heart Failure; Mobile Applications; Technology; Educational Technology; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

averiguar requisitos para construcción de aplicativo educativo y cuidador sobre insuficiencia cardíaca.

Métodos:

estudio exploratorio, realizado con 15 personas con insuficiencia cardíaca y 19 familiares/cuidadores, asistidos en unidad terciaria del Nordeste brasileño. Realizadas entrevistas semiestructuradas individuales entre noviembre y diciembre de 2020. Adoptado referencial teórico de Hannah Arendt.

Resultados:

emergieron dos unidades de sentido: “La pluralidad del cuidado en la insuficiencia cardíaca” y “Expectativas sobre construcción y utilización de tecnología educativa y cuidadora para la insuficiencia cardíaca”. Los requisitos involucraron la necesidad de conocer la enfermedad y sus matices, así como la red de salud, mediante aplicativo que pueda minimizar precariedades individuales y sociales; y destacaron la importancia de participación de la equipe multidisciplinaria en el desarrollo y divulgación del aplicativo.

Conclusiones:

los requisitos sobre tecnología educativa y cuidadora fueron identificados y subsidiarán la creación de aplicativo promotor del cuidado, objetivando la obtención de resultados positivos en la salud.

Descriptores:
Insuficiencia Cardíaca; Aplicaciones Móviles; Tecnología; Tecnología Educacional; Enfermería

INTRODUÇÃO

O cuidado crônico da pessoa com insuficiência cardíaca (IC) demanda recursos e tecnologias que influenciem positivamente o conhecimento da doença, manejo do tratamento, prevenção de complicações com adoção de comportamentos saudáveis(11 Kiyarosta N, Ghezeljeh TN, Naghashzadeh F, Feizi M, Haghani S. The effect of using smartphone applications on self-care in patients with heart failure. Nurs Pract Today. 2020;7(4):311-21. https://doi.org/10.2196/20747
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-22 Pezel T, Berthelot E, Gauthier J, Chong-Nguyen C, Illiou MC, Juilliére Y, et al. Epidemiological characteristics and therapeutic management of patients with chronic heart failure who use smartphones: potential of a dedicated smartphone application (report from the OFICSel study). Arch Cardiovasc Dis. 2021;14(1):51-8. https://doi.org/10.1016/j.acvd.2020.05.006
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) e continuidade dos cuidados multidisciplinares após alta hospitalar(33 Gruska M, Aigner G, Altenberger J, Burkart-Küttner D, Fiedler L, Gwechenberger M, et al. Recommendations on the utilization of telemedicine in cardiology. Wien Klin Wochenschr. 2020;132(23-24):782-800. https://doi.org/10.1007/s00508-020-01762-2
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-44 Du H, Wonggom P, Burdeniuk C, Wight J, Nolan P, Barry T, et al. Development and feasibility testing of na interactive avatar education application for education of patients with heart failure. Brit J Cardiac Nurs. 2020;15(8). https://doi.org/10.12968/bjca.2020.0007
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). Isso requer parceria entre pacientes, familiares, cuidadores e profissionais da saúde, envolvendo-os ativamente no cuidado(55 Woods L, Roehrer E, Duff J, Walker K, Cummings E. Co-desin of a mobile health app for heart failure: perspectives from the team. Stud Health Technol Inform. 2019;226:183-8. https://doi.org/10.3233/SHTI190792
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-66 Heidegger M. Ser e tempo. Campinas: Editora da UNICAMP; 2012. 1.200p.).

Percebe-se escassez de estudos que vislumbram o sujeito com IC em sua integralidade, isto é, que focalizam os aspectos individuais e sociais; e tal lacuna gera cuidado ineficaz e não adesão terapêutica(11 Kiyarosta N, Ghezeljeh TN, Naghashzadeh F, Feizi M, Haghani S. The effect of using smartphone applications on self-care in patients with heart failure. Nurs Pract Today. 2020;7(4):311-21. https://doi.org/10.2196/20747
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,55 Woods L, Roehrer E, Duff J, Walker K, Cummings E. Co-desin of a mobile health app for heart failure: perspectives from the team. Stud Health Technol Inform. 2019;226:183-8. https://doi.org/10.3233/SHTI190792
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). Cuidar é ato de preocupação e dedicação, ocupação e solicitude(77 Mattina K, Dabney BW, Linton M. The impact of nurse education on heart failure readmissions and patient education. J Dr Nurs Pract. 2021. https://doi.org/10.1891/JDNP-D-19-00076
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) e, se associado à educação, ajuda pacientes a controlarem adequadamente sua doença e reduzirem exacerbação de sintomas(88 Glasdam S, Jacobsen CB, Boelsbjerg HB. Nurses’ refusals of patient involvement in their own palliative care. Nurs Ethics. 2020;27(8):16-18-30. https://doi.org/10.1177/0969733020929062
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). Para tanto, demanda assumir o adoecimento como experiência não solitária, com envolvimento e participação de familiares no cuidado, necessitando também de informação e eticidade. As relações interpessoais são característica fundamental da condição humana, quando os indivíduos convivem e aprendem juntos, mesmo em situações de adoecimento.

A filósofa Hannah Arendt prevê que a condição humana é influenciada pela pluralidade: a cada nascer, há oportunidade de novo começo e mudanças, propiciadas pela educação(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.-1010 Arendt H. Entre o passado e o futuro. 8. ed. São Paulo: Perspectiva; 2014. 352p.). Isto posto, defende-se que, no contexto da IC, a condição humana remete ao nascimento inserido no adoecer cardíaco. Assim, compreende-se o coração como insuficiente, uma possibilidade de iniciação do novo. Nesse sentido, adotar estratégias educativas pode contribuir para que os sujeitos se apropriem desse mundo, no qual se dá o adoecimento, possibilitando-os assumir a responsabilidade sobre ele no futuro.

No intuito de promover saúde, diversas tecnologias têm sido desenvolvidas para a pessoa com IC(33 Gruska M, Aigner G, Altenberger J, Burkart-Küttner D, Fiedler L, Gwechenberger M, et al. Recommendations on the utilization of telemedicine in cardiology. Wien Klin Wochenschr. 2020;132(23-24):782-800. https://doi.org/10.1007/s00508-020-01762-2
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). Dentre elas, o uso da saúde móvel, por meio de aplicativos (app), tem mostrado benefícios promissores no apoio ao autocuidado, gestão e monitoramento da doença(44 Du H, Wonggom P, Burdeniuk C, Wight J, Nolan P, Barry T, et al. Development and feasibility testing of na interactive avatar education application for education of patients with heart failure. Brit J Cardiac Nurs. 2020;15(8). https://doi.org/10.12968/bjca.2020.0007
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). Sendo assim, reforça-se a importância de incluir todas as partes interessadas no processo de cuidar: pessoas com a doença, seus familiares/cuidadores, profissionais, gestores e instituição de saúde.

Em estudos internacionais, percebe-se que o envolvimento da pessoa com IC e seus familiares na construção de app é comum. Todavia, essa participação ainda é incipiente na literatura brasileira, o que gera questionamentos sobre as reais necessidades desses sujeitos. Diante desse cenário, questiona-se: Quais os requisitos para a criação de uma tecnologia educativa e cuidativa para a pessoa com IC e seus familiares?

OBJETIVOS

Averiguar os requisitos para construção de um app educativo e cuidativo sobre IC.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi norteado pelos princípios da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo realizado após aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa. Para o seguimento das entrevistas, os participantes deram sua anuência mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Referencial teórico-metodológico

O referencial teórico adotado foram as obras A Condição Humana(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.) e Entre o Passado e o Futuro(1010 Arendt H. Entre o passado e o futuro. 8. ed. São Paulo: Perspectiva; 2014. 352p.), de Hannah Arendt. Em seus escritos, a filósofa discorre sobre o homem e atividades específicas de sua condição humana, propondo associação entre os conceitos de educação e liberdade.

Tipo de estudo

Estudo exploratório, de abordagem qualitativa, guiado pelo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para verificar qualidade científica da pesquisa(1111 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Cenário do estudo

O estudo foi realizado em instituição terciária de saúde da Região Nordeste do Brasil, referência nacional no diagnóstico e tratamento de doenças cardíacas e pulmonares. A escolha pela instituição justifica-se por possuir um complexo de atendimento à pessoa com IC, formado por uma unidade ambulatorial - Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca (UTIC), uma Unidade de Internamento e a Unidade de Reabilitação Cardíaca.

Fonte de dados

A amostragem foi por conveniência, e o critério de representatividade para o encerramento da coleta de dados foi a saturação do discurso. Participaram do estudo 34 pessoas, sendo 15 pacientes e 19 familiares/cuidadores. Destaca-se que o número de familiares/cuidadores excedeu o quantitativo de pacientes, pois, em alguns casos, um paciente foi à instituição com mais de um acompanhante. Os critérios de inclusão foram: pacientes com diagnóstico médico de IC, acompanhados em pelo menos uma das unidades da instituição (ambulatorial, internamento ou reabilitação). Quantos aos familiares/cuidadores, foram incluídos aqueles com idade igual ou superior a 18 anos e que participavam do cuidado no domicílio. Não houve exclusão, recusa ou desistência.

Coleta e organização dos dados

Após anuência, cada um dos participantes teve sua entrevista agendada, conforme sua disponibilidade, entre novembro e dezembro de 2020. Ocorreram em um consultório previamente reservado na instituição; eram individuais, semiestruturadas e conduzidas por quatro pesquisadores, com experiência em pesquisa qualitativa. Inicialmente foi utilizado um instrumento para identificação do perfil sociodemográfico, clínico e uso de aplicativos. Em seguida, havia um roteiro de perguntas abertas, desenvolvidas com base em revisões de literatura e conhecimento dos pesquisadores sobre o tema (Quadro 1). Para gravação, utilizou-se smartphone com aplicativo gravador de voz.

Quadro 1
Roteiro de perguntas para entrevista semiestruturada

As entrevistas tiveram duração mínima de 14 minutos e máxima de 24 minutos, com tempo médio de 19,4 minutos. Depois foram integralmente transcritas e conferidas por dois pesquisadores.

Análise dos dados

Realizou-se análise fenomenológica com uso de reduções sistemáticas dos discursos dos participantes (Figura 1). Inicialmente, cada depoimento foi lido e relido separadamente e, depois, organizado em unidades de significado. As sucessivas reduções empreendidas consideraram pontos convergentes e divergentes. Em seguida, fez-se a síntese das duas unidades finais de sentido. Ambas as unidades foram revisadas por um terceiro pesquisador, experiente em pesquisa qualitativa e redução sistemática.

Figura 1
Análise dos discursos

No intuito de garantir a validade deste estudo, os discursos transcritos foram verificados e aprovados por cada participante para averiguação da consistência. Após análise dos discursos e escrita dos resultados, todos os participantes concordaram que as descobertas refletiram plenamente suas experiências.

Para preservar anonimato dos pesquisados, as falas foram apresentadas utilizando-se a letra F de “familiares” e P de “pacientes”, seguidas pelos algarismos arábicos correspondentes à ordem de realização da entrevista (F1-F19; P1-P15).

RESULTADOS

A Tabela 1 traz a caracterização dos participantes da pesquisa. Dentre os pacientes, 60% eram homens, com idade média de 47,8 (± 13,4) anos, e 93,3% residiam com parentes; 46,7% tinham ensino médio completo, 33,3% exerciam atividade remunerada e apenas 20% recebiam aposentadoria ou algum benefício; 86,7% tinham acompanhante durante as consultas, e todos referiram realizar e/ou participar dos cuidados diários. No tocante aos dados clínicos, o tempo de doença foi de quatro anos; a fração de ejeção do ventrículo esquerdo médio foi de 45,4% (± 17,2), e três foram o número de consultas anual.

Tabela 1
Caracterização dos participantes, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2020 (N = 34)

Diferentemente dos pacientes, a maioria dos familiares/cuidadores era do sexo feminino; com média de idade (44,6 ± 14,3 anos) e com ensino médio (6; 31,6%); 26,3% dos familiares entrevistados eram cônjuges ou filhos, que exerciam atividade remunerada; 84,2% acompanhavam seu familiar às consultas e 89,5% participavam de atividades de cuidado.

Indagados sobre uso de tecnologias, todos os pacientes relataram usar celular fazendo chamadas, mandando e recebendo mensagens e utilizando o aparelho para redes sociais e pesquisa. O uso de aplicativos gerais e específicos para saúde foi superior entre familiares/cuidadores.

De início, optou-se pela interpretação dos discursos dos participantes separadamente. As narrativas dos familiares/cuidadores originaram 11 unidades de significado; e as dos pacientes, 9 unidades. Foram observados significados semelhantes entre os discursos dos participantes.

O desvelamento do fenômeno percorreu três esferas: conhecimento, interpretação e compreensão. Cada esfera foi representada por palavras expressivas presentes nos discursos. Na esfera do conhecimento, iniciou-se a identificação dos significados. Sequencialmente, a esfera da interpretação trouxe as unidades de significado, que passaram por progressivas reduções. Por fim, caminhou-se para a compreensão, etapa essencial para a confluência das unidades e reforço do entendimento de que ninguém adoece sozinho (Figura 2).

Figura 2
Processo de compreensão, interpretação e conhecimento dos discursos para construção das unidades de sentido

As reduções embasaram a construção de duas unidades de sentido: A pluralidade do cuidado na insuficiência cardíaca; e Expectativas sobre construção e utilização de tecnologia educativa e cuidativa para a insuficiência cardíaca.

A pluralidade do cuidado na insuficiência cardíaca

Os participantes revelaram que a IC é doença complexa, que requer cuidados diários. Isso demanda conhecimentos essenciais, como informações gerais sobre a doença, comportamentos saudáveis, opções de tratamento, medicamentos e efeitos, exames e acompanhamento regular em instituição de saúde.

A doença mudou tudo […]. Preciso saber sobre medicações, esforço físico, sintomas, remédios. Não posso fumar, não posso beber, não posso comer certos tipos de comida. São muitas informações importantes. (P1)

É uma doença séria, de tratamento complexo e envolve caminhadas leves, alimentação saudável e adoção de alguns costumes como medir a pressão regularmente, dormir bem, descansar, evitar estresse e ter consultas regulares com vários profissionais. Nós precisamos saber de tudo. É um mundo novo. (F2)

Conviver com a IC implica lidar diariamente com questões físicas, biológicas, sociais, psicológicas, políticas e espirituais, que influenciam a qualidade de vida e prognóstico da doença, pois podem ocasionar instabilidade hemodinâmica e internações frequentes. Assim, é comum pacientes e familiares expressarem sentimentos negativos, como incapacidade, frustação, medo e insegurança, além da sensação constante de sobrecarga.

O que mais me maltratou foi quando disseram que teria que parar de trabalhar. Foi muito difícil me ver no papel de uma inválida. (P9)

Lidamos com um paciente em casa que precisa de um atendimento especial, o que muitas vezes não buscamos. O que fazer ao chegar em casa? É assustador pensar que o coração do meu irmão pode falhar. […] Nós somos muito falhos em observar e lidar com a doença no dia a dia. (F3)

Às vezes, me sinto incapaz de cuidar da minha mãe, e isso me frustra muito. (F18)

A cabeça, às vezes, fica atrapalhada com tantas informações. É sufocante. (P15)

Para superar as complicações e limitações da doença, os participantes enfatizaram a relevância das redes de suporte (família, cuidadores, amigos, profissionais e da própria instituição de saúde), expressando a pluralidade do cuidado à pessoa com IC.

Sou vigiado 24 horas por dia pelos meus amigos de trabalho e pela minha esposa. Ela cuida muito bem de mim, me ajuda a tomar os medicamentos, não me deixa confundir e trocar os medicamentos. Faz sempre comidas saudáveis, controla o sal. Sem ela, seria difícil conseguir sozinho. (P12)

Meu filho e minha esposa me ajudam. Pesquisam se saiu tratamento novo, se tem coisa nova sobre a doença. É difícil, mas minha família me ajuda muito. (P6)

Lá em casa, dividimos os cuidados, porque são muitos. Depois trocamos as informações para todos saberem o que está acontecendo. (F16)

A proveniência das informações sobre a doença foi semelhante nos discursos dos participantes. A equipe multiprofissional de saúde foi citada como principal fonte. Contudo, houve divergência quanto à qualidade da atenção dada pelos profissionais: alguns participantes relataram falta de compromisso com cuidado integral, informações fragmentadas e apenas pontuais; enquanto outros sentiram-se acolhidos, bem tratados e estimulados a saber mais sobre a doença e a respeito do cuidar de si, sendo encorajados, inclusive, a participarem de eventos científicos.

As informações que chegam são muito precárias. O pouco que sabemos, quando não temos um acesso direto, é por meio da assistente social. (F6)

Queria que ele [médico] me desse detalhes do caminho que tenho que seguir; que abrisse um pouco a conversa para que pudesse dizer minhas dúvidas, pois alguns não aceitam conversar. (P4)

Somos muito bem acompanhados aqui no hospital. Recebemos todas as informações sobre a doença, como cuidados com a alimentação, medicação. (P8)

O médico explica tudo, sempre muito atencioso. Como somos bem acolhidas e confiamos nos profissionais, não sinto necessidade de procurar informações em outras fontes. (F17)

Ano passado teve um congresso de cardiologia muito importante aqui na cidade, e o doutor abriu vagas para que os leigos, nós pacientes e nossos familiares, fôssemos para assistir a palestra sobre a doença. (P10)

Para transpor a citada fragilidade, os participantes buscaram sites e redes sociais (vídeos no YouTube e blogs) para adquirir conhecimento e encontrar grupos de apoio. Todavia, confessaram preocupação com qualidade e veracidade do conteúdo disponibilizado na internet e revelaram interesse na aquisição de tecnologias, como os apps, que condensassem informações fidedignas.

Gosto de usar o celular para pesquisar sobre minha doença, leio um pouco sobre o que está acontecendo. É mais fácil de entender [o conteúdo da internet] porque muitos profissionais usam uma linguagem muito técnica. Só tenho medo que as informações que encontro não sejam verdadeiras. (P3)

Acho que a vida é essa continuidade, estar sempre se atualizando. (P10)

Descobri nas redes sociais grupos de pessoas que tem a mesma doença que eu. Eles se reúnem sempre. Mandei mensagem e me convidaram para participar de uma reunião on-line. (P8)

Uso o celular como uma estratégia para cuidar de mim. (P5)

Expectativas sobre construção e utilização de tecnologia educativa e cuidativa para a insuficiência cardíaca

A proposta de desenvolvimento de uma tecnologia foi rapidamente direcionada por eles para construção de um app educativo e de follow up visando auxiliar nos seus cuidados. Suas expectativas referiram-se ao aprimoramento da percepção sobre a doença, disponibilidade, comodidade, conteúdo atualizado, confiável e com possibilidade de compartilhamento das informações com outras pessoas.

O uso dessa tecnologia dá esperanças de cuidar, entender e dar o meu melhor. Um cuidado consciente, que faça diferença. Construa o aplicativo e compartilhe. Enxergue o ponto de inflexão que pode transpor e oportunize o cuidado. (F3)

A ideia do aplicativo é ótima porque ia ficar mais informada. Qualquer dúvida, é só abrir e ver. Nem sempre a gente pode estar “correndo” para hospital. (F8)

O aplicativo não pode me cobrar, porque é muito cansativo, perturba. Ele não tem que caminhar na minha frente, tem que ser ao meu lado. […] Tem que ser útil para mim e para minha família, que mora comigo. (F19)

Assim, o app foi a tecnologia eleita. Foram dadas sugestões sobre seu conteúdo, design, recursos e disponibilização. Para eles, o conteúdo do app deve abranger o funcionamento cardíaco, descrição dos cuidados diários, tipos de tratamento e complicações da doença, dispostos em interface dinâmica, intuitiva e atraente, com linguagem simples, imagens coloridas e condizentes com o tema IC.

O aplicativo tem que explicar a doença, quais cuidados devo ter para não piorar, melhores remédios, periodicidade das consultas, exames regulares. (P11)

O conteúdo deve ser completo: explicar desde como funciona o coração até quando precisar de um transplante cardíaco. (P9)

Queria que [o aplicativo] trouxesse informações sobre meus direitos. (P14)

Seria bom que esse aplicativo fosse diferente, com imagens bonitas e suaves e textos curtos, com linguagem simples. (F12)

O aplicativo deve ser atrativo, com figuras que celebrem a vida e não a doença, de cores alegres, pois a vida é alegria, é transformação. As informações devem ser claras e objetivas. (F3)

Quanto aos recursos, os participantes sugeriram funções de inserção de informações pessoais (dados sociais, clínicos, comportamentais, alimentação, ingestão hídrica diária e bem-estar), exames, contato direto com equipe de saúde, recursos de áudio para gravação das consultas, alterar tamanho da letra, recebimento de mensagens, alarmes e lembretes para medicações e consultas e possibilidade de conexão com outros gadgets, via bluetooth.

Seria muito interessante ter vídeos, áudios, recurso de mensagens, grupo de suporte, para que as pessoas com a doença pudessem se comunicar, trocar informações […]. Poderia ter uma função de colocar informações sobre o nosso dia a dia: quanto de água bebi, o que comi, se fiz atividade, se senti algo. (P1)

É importante ter uma função de alterar tamanho, cor e estilo da fonte, para àquelas pessoas com problemas de visão e colocar lembretes ou alarmes para consultas, exames, medicamentos. (P5)

Poderia ter a opção de enviar e-mail ou mensagem para tirar as dúvidas, como se pessoa pudesse procurar ajuda de um clínico que já o acompanha. (F8)

Gostaria que o aplicativo fosse conectado a uma pulseira ou relógio que medisse a frequência cardíaca, saturação. (P15)

Os participantes recomendaram que o app fosse disponibilizado nas principais lojas virtuais e redes sociais (Instagram, Facebook, TikTok), em propagandas de televisão e indicado por amigos, pelo próprio desenvolvedor ou outros pacientes. Contudo, reforçaram que os profissionais de saúde são os mais indicados para a entrega e apresentação, juntamente com a disponibilização de manual ou vídeo orientador do manuseio do app. Ainda, demonstraram preocupação com os custos relacionados ao uso do aplicativo.

O aplicativo pode ser entregue por um profissional da área de saúde, alguém que já saiba mexer e possa explicar, tirar as dúvidas. Pode ser gravado um vídeo ou construído um manual, que ensine como usar, tipo uma apresentação. (P2)

Disponibilizado nas redes sociais, como Facebook, WhatsApp, Instagram e Tik Tok. (F2)

Todo mundo precisa de ajuda para se cuidar e de muito incentivo. A ideia [do aplicativo] é ótima, mas se for caro, poucos pacientes vão comprar. (P14)

Os participantes expressaram carência de conhecimento sobre IC, principalmente nos cuidados diários; e demonstraram preocupação com a sobrecarga da doença, associada à quantidade de informações a serem aprendidas e seguidas e às limitações causadas. Visando contribuir para seu cuidado, os participantes foram favoráveis ao desenvolvimento do app educativo e cuidativo; e trouxeram sugestões relevantes para incentivar sua criação e uso.

DISCUSSÃO

A compreensão das expectativas das pessoas com IC e seus familiares para construção e uso de um app mostraram relação com conceitos arendtianos, que auxiliaram na apreensão do fenômeno. Na primeira unidade de sentido, foram abordados conceitos como natalidade, responsabilidade, singularidade, pluralidade, liberdade, trabalho, fabricação e ação e agir juntos. Na segunda, foram selecionados para discussão conceitos como transformação, tecnologia e vida ativa.

O nascer na condição de adoecimento cardíaco diz respeito à vinda de pessoas para um mundo permeado de novos hábitos e obrigações, exprimindo a relação entre os que vivenciam a IC e o mundo já existente. Para Arendt(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.), a natalidade relaciona-se com as atividades exercidas pelo homem e é relevante especialmente para a ação e liberdade. Nessa perspectiva, a condição da natalidade exige ação educativa para capacitar o ser humano a realizar algo inédito. No caso da IC, busca-se impelir as pessoas a agirem e, desse modo, incentivar a capacidade de fazerem novas escolhas, de se adaptarem a uma nova realidade e de estarem em prontidão para mudanças.

Ao dar voz aos participantes, percebeu-se o impacto que a IC tem em suas vidas, o que é vivenciado de maneira singular. A realidade da vida cotidiana da pessoa com IC e seus familiares é permeada por alterações físicas, mentais e sociais, que impõem limitações. Portanto, lidar com a doença exige modificações e readaptações diárias; e, para tal, os sujeitos devem ser estimulados a tornarem-se responsáveis pelo seu cuidado(1212 Massouh A, Skouri H, Cook P, Huijer HAS, Khoury M, Meek P. Selfcare confidence mediates self-care maintenance and management in patients with heart failure. Heart Lung. 2020;49(1):30-5. https://doi.org/10.1016/j.hrtlng.2019.07.008
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-1313 Souza TCTOA, Correia DMS, Nascimento DC, Christovam BP, Batista DCS, Cavalcanti ACD. The difficult daily life of heart failure bearing patients. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2019;11(5):1340-6. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i5.1340-1346
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).

Pensar em responsabilidade é vinculá-la à ação, pois envolve elementos de julgamento, pensamento e vontade. É procedimento capaz de garantir igualdade e equidade àqueles que se encontram em situações de vulnerabilidade, incluindo o indivíduo na coletividade(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.). A responsabilização pelo cuidado pôde ser visualizada nas falas dos participantes quando referem que podem gerir a doença, mas, para isso, devem conhecer suas nuances. Assim, buscam conhecimento com profissionais da saúde, amigos ou na internet e adotam hábitos saudáveis, condizentes com sua condição de saúde.

A educação cuida do novo e da singularidade que lhe é inerente(1010 Arendt H. Entre o passado e o futuro. 8. ed. São Paulo: Perspectiva; 2014. 352p.). Na IC, é um dos elementos mais relevantes no controle da doença, pois promove desenvolvimento de habilidades de cuidado, para diminuir probabilidade de hospitalização e melhorar qualidade de vida(1414 Jing W, Weiwei L. Self-care education program improves quality of life in patients with chronic heart failure: a randomized controlled study protocol. Medicine. 2020;99(50):e23621. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000023621
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). Ademais, está associada à redução dos custos de readmissão e tratamento e da mortalidade, bem como ao aumento da satisfação e melhoria de desfechos sociais e clínicos(1515 Rahmani A, Vahedian-Azimi A, Sirati-Nir M, Norouzadeh R, Rozdar H, Sahebkar A. The effect of the teach-back method on knowledge, performance, readmission, and quality of life in heart failure patients. Cardiol Res Pract. 2020;8897881. https://doi.org/10.1155/2020/8897881
https://doi.org/10.1155/2020/8897881...
).

Uma teoria de médio alcance para pessoas com IC foi desenvolvida em um estudo, no qual se evidenciou o seguinte: um dos fatores que levam ao aumento de readmissões hospitalares entre pacientes com insuficiência cardíaca é um conhecimento deficiente sobre sua doença e terapêutica. A partir do momento que o indivíduo não é convidado a participar da elaboração de seu plano de cuidados junto com a equipe, torna-se um agente passivo, de modo que sua compreensão sobre a doença fica comprometida e, por sua vez, a tomada de decisão diante de uma intercorrência é negligenciada(1616 Silva CG, Araújo SS, Morais SCRV, Frazão CMFQ. Conhecimento prejudicado em indivíduos com insuficiência cardíaca: uma teoria de enfermagem de médio alcance. Rev Bras Enferm. 2022;75(2):e20200855. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0855
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). No entanto, essas questões podem ser superadas.

Ao mesmo tempo que a IC limita o biológico, físico, social e emocional dos pacientes e seus familiares/cuidadores, nela pode-se encontrar liberdade, entendida como caráter da existência humana no mundo; está na possibilidade de (inter)romper o que está em andamento e se mostra quando as pessoas agem juntas ou se dirigem umas às outras(1010 Arendt H. Entre o passado e o futuro. 8. ed. São Paulo: Perspectiva; 2014. 352p.). Unidas, pessoas rompem com a ignorância e desinformação, em uma condição de liberdade para estabelecer nova rota.

Os sistemas interpessoais podem ser encarados como circuitos de retroalimentação, pois o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo outro(1717 Cooney TM, Proulx CM, Bekelman DB. Changes in social support and relational mutuality as modern participants in the association between heart failure patient functioning and caregiver burden. J Cardiovasc Nurs. 2020;36(3):212-20. https://doi.org/10.1097/JCN.0000000000000726
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), o que reflete um senso de dever de apoio e respeito(1818 Oliveira JF, Oliveira AMN, Barlem ELD, Lourenção LG. The vulnerability of the family: reflections about human condition. Rev Bras Enferm. 2021;74(1):e20190412. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0412
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). Existir é existir no plural, o que significa ser-em-comum e ser-com outros, ser “entre” os outros, os quais são simultaneamente singulares e irrepetíveis, pois apenas onde há pluralidade pode haver singularidade(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.). Nesse sentido, a IC se desenrola em um espaço-entre (in)tangível, no qual a pluralidade se mostra em palavras e atos, discurso e ação; em que pacientes com IC e seus familiares/cuidadores e profissionais da saúde se revelam como sujeitos do cuidado.

Sugere-se, portanto, refletir sobre esses aspectos, pois achado de pesquisa acerca do conhecimento de pessoas com IC revela que respostas vagas a questionamentos e/ou informação inadequada referentes à insuficiência cardíaca são encontradas entre pacientes que apresentam uma relação fragilizada com os profissionais de saúde(1616 Silva CG, Araújo SS, Morais SCRV, Frazão CMFQ. Conhecimento prejudicado em indivíduos com insuficiência cardíaca: uma teoria de enfermagem de médio alcance. Rev Bras Enferm. 2022;75(2):e20200855. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0855
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).

É no ser-com que a condição humana da pessoa com IC emerge e destaca a singularidade em meio à pluralidade. Para Arendt(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.), as três atividades fundamentais (trabalho, fabricação e ação) estão associadas à capacidade do indivíduo em responder às suas necessidades vitais, fabricar um mundo comum como lar e agir entre os outros. Nesse sentido, pessoas com IC devem adotar comportamentos saudáveis e de cuidado para assegurar sobrevivência e fabricar um mundo condizente com sua condição de saúde. Nessa condição de mundanidade, criam teias de relações, expressas pelo cuidado: pais cuidados por filhos, companheiros em apoio mútuo na superação das dificuldades advindas de lidar com o desconhecido, permeado de sinais/sintomas incapacitantes.

A cronicidade da doença pode levar à perda de autonomia e autocuidado, produzir sentimentos desconfortáveis, como constrangimento, sensação de inutilidade e sobrecarga e tristeza, tanto dos pacientes como de seus familiares ou cuidadores(1313 Souza TCTOA, Correia DMS, Nascimento DC, Christovam BP, Batista DCS, Cavalcanti ACD. The difficult daily life of heart failure bearing patients. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2019;11(5):1340-6. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i5.1340-1346
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). Tais sentimentos são agravados ao serem observadas atitudes displicentes no que tange à relação com a equipe de saúde, tantas vezes referidas pelos autores. O agir juntos, enaltecido por Arendt(99 Arendt H. A condição humana. 13. ed. São Paulo: Forense Universitária; 2020. 474p.), deve abranger uma realidade que deveria envolver os profissionais que cuidam. Dessa forma, são estimulados à criação e implantação de programas de suporte social supervisionados por equipe multidisciplinar, monitoramento à distância e visitas domiciliares, que fornecem tanto educação quanto apoio e podem aprimorar conhecimento e comportamentos saudáveis(1919 Soofi MA, Jafery Z, AlSamadi F. Impact of social support program supervised by a multidisciplinar team on psychosocial distress and knowledge about heart failure among heart failure patients. J Saudi Heart Assoc. 2020;32(3):456-63. https://doi.org/10.37616/2212-5043.1046
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).

A transformação da realidade estabelecida aos pacientes com IC e seus familiares/cuidadores pode ser alcançada por meio do cuidado ético e integral, com respeito e preservação da liberdade daqueles que adoecem(2020 Sousa SM, Bernardino E, Crozeta K, Peres AM, Lacerda MR. Integrality of care: challenges for the nurse practice. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):504-10. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0380
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). Autores afirmam que pacientes e seus cuidadores têm grande necessidade de serem ouvidos(2121 Testa M, Cappuccio A, Latella M, Napolitano S, Milli M, Volpe M, et al. The emotional and social burden of heart failure: integrating physicians’, patients’, and caregivers’ perspectives through narrative medicine. BMC Cardiovasc Disord. 2020;20:522. https://doi.org/10.1186/s12872-020-01809-2
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). Aos profissionais de saúde, devem ser oportunizadas experiências capacitadoras, para que se reconheçam ativamente no papel de educador de ambos(77 Mattina K, Dabney BW, Linton M. The impact of nurse education on heart failure readmissions and patient education. J Dr Nurs Pract. 2021. https://doi.org/10.1891/JDNP-D-19-00076
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).

O incentivo à transformação do modo de ser no mundo vinculada à postura reativa de tomada de decisão diante de uma experiência desafiadora precisa ser cada vez mais apreendido por profissionais de saúde e posto em prática dentro de intervenções educativas com base nas necessidades de saúde. Em estudo sobre essa questão, destacou-se a necessidade da autogestão, cuidados paliativos, cuidados de suporte clínico, suporte social e, especialmente, necessidade de um cuidado dinâmico e interativo centrado na pessoa(2222 Kyriakou M, Samara A, Philippou K, Lakatamitou I, Lambrinou E. A qualitative meta-synthesis of patients with heart failure perceived needs. Rev Cardiovasc Med. 2021;22(3):853-64. https://doi.org/10.31083/j.rcm2203091
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).

Considerando a complexidade da IC, todos os investimentos, avanços tecnológicos, pesquisas e terapêuticas de apoio para melhoria da vida cotidiana e assistência são válidos. Contudo, aumento progressivo de pacientes e sobrecarga do sistema de saúde abrem espaço para tecnologias inclusivas, como apps(2323 Aamodt IT, Strömberg A, Helleso R, Jaarsma T, Lie I. Tools to support self-care monitoring at home: perspectives of patients with heart failure. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(23):8916. https://doi.org/10.3390/ijerph17238916
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). A crescente busca pela qualidade do cuidado via app para pessoas com IC demonstra a relevância de novas modalidades terapêuticas, que favoreçam usuários, familiares e profissionais, potencializando resultados positivos de saúde, com maior flexibilidade.

A grande maioria dos participantes usava o celular para acessar redes sociais, blogs e sites de pesquisa e tinha o hábito de utilizar aplicativos gerais. Entretanto, poucos referiram uso de aplicativos para saúde. Visando produzir algo significativo e transformador, o homem deve manter a relação de finalidade com o objeto criado, de forma a produzir algo significativo para si(1010 Arendt H. Entre o passado e o futuro. 8. ed. São Paulo: Perspectiva; 2014. 352p.). Nessa perspectiva, a construção do app deve ter como objetivo reafirmar o homem como ser de ação; capacitá-lo e incentivá-lo, privilegiando a vida ativa.

Os participantes referiram não receber informações suficientes. Logo, a busca para aquisição de conhecimentos em sites e redes sociais foi comum. Contudo, mostraram-se desconfiados quanto à veracidade das informações disponibilizadas. Assim, revelaram interesse no uso de app com interface interativa, personalizado e que tivesse informações confiáveis. Informações precisas e abrangentes — como tratamento, resposta adequada a sintomas, periodicidade de consultas e reconhecimento de emergências — devem estar presentes na tecnologia a ser desenvolvida(2424 Son YJ, Oh S, Kim EY. Patients’ needs and perspectives for using mobile phone interventions to improve heart failure self-care: a qualitative study. J Adv Nurs. 2020;76(9):2380-90. https://doi.org/10.1111/jan.14455
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).

Observou-se interesse dos participantes em reduzir a carga dos múltiplos cuidados diários via funções como alarmes/lembretes de medicamentos e consultas/exames, inserção de ingesta hídrica, alimentação, atividade física, rastreamento de sintomas e bem-estar e comunicação com profissionais da saúde. Os recursos elencados podem aliviar o fardo da IC e influenciar positivamente a disposição de cuidar de si sem ajuda de outro(2424 Son YJ, Oh S, Kim EY. Patients’ needs and perspectives for using mobile phone interventions to improve heart failure self-care: a qualitative study. J Adv Nurs. 2020;76(9):2380-90. https://doi.org/10.1111/jan.14455
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). Ainda, possibilita curso informativo multidirecional, pois comunicar-se com a equipe reduz ansiedade de participantes com a doença(2525 Sohn A, Speier W, Lan E, Aoki K, Fonarow G, Ong M, et al. Assessment of heart failure patients' Interest in mobile health apps for self-care: survey study. JMIR Cardiol. 2019;3(2):1-11. https://doi.org/10.2196/14332
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).

A sugestão para disponibilização do app nos mais variados meios de comunicação foi válida. As redes sociais influenciam positivamente o cuidado de pessoas com doenças crônicas, por articularem de maneira flexível e dinâmica inúmeros participantes, incentivarem a participação da comunidade no acesso a informações sobre doença e tratamento, compartilhamento de experiências e suporte social(2626 Fernandes LS, Calado C, Araújo CAS. Social networks and health practices: influence of a diabetes online community on adherence to treatment. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(10):3357-68. https://doi.org/10.1590/1413-812320182310.14122018
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). Contudo, a participação da equipe de saúde é essencial na validação do conteúdo e recursos do app bem como na indicação para seu uso. Inclusive, os participantes sugeriram desenvolver um manual para orientação no manuseio do app. Dessa forma, haverá maior liberdade no seu uso.

Esse processo é corroborado com outro estudo, que ratifica a necessidade de um olhar atento ao paciente no contexto da construção de uma educação singular tanto na ideação quanto na utilização de tecnologias, pois o paciente solicita educação a depender de suas necessidades, preferências e habilidades especiais. As pessoas com IC relatam, por exemplo, que necessitam de um site em que possam pesquisar diferentes sintomas e ter alguém com quem conversar; precisam de tecnologias com espaço para as opiniões ou experiências individuais. Ainda, precisam ser informados sobre o funcionamento dessa tecnologia e seus benefícios. Solicitam também que os materiais sejam mais fáceis de entender, de acesso a todos os públicos e com diagramação/tamanho de fonte textual adequados em razão de problemas oftalmológicos(2222 Kyriakou M, Samara A, Philippou K, Lakatamitou I, Lambrinou E. A qualitative meta-synthesis of patients with heart failure perceived needs. Rev Cardiovasc Med. 2021;22(3):853-64. https://doi.org/10.31083/j.rcm2203091
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).

Com base nos resultados, reitera-se que os participantes se mostraram favoráveis ao desenvolvimento de um app educativo e de follow up.

Limitações do estudo

Uma limitação foi a realização do estudo em período pandêmico, o que dificultou a obtenção dos dados. Devido à pandemia de COVID-19, algumas entrevistas foram efetuadas em locais não privativos e tiveram tempo limitado, o que pode ter impactado os discursos dos participantes.

Contribuições para a Enfermagem e Saúde

Os resultados apresentados contribuem para o avanço da área da enfermagem e saúde por fomentarem a construção de uma tecnologia que possa favorecer a equidade e acessibilidade no cuidado, baseando-se em requisitos propostos por pacientes e familiares que convivem com a IC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os participantes revelaram que os cuidados tradicionais são efetivos, porém limitados em aspectos como informações e orientações para gerenciamento da IC. Por isso, almejam tecnologias que permitam apoio às atividades diárias de cuidado e maior comunicação com equipe de saúde. Ponderar sobre essas expectativas na perspectiva filosófica de Hannah Arendt permitiu maior compreensão da condição humana das pessoas com IC e seus familiares/cuidadores, além da concepção da tecnologia a ser criada (app) como ferramenta potencialmente inclusiva e libertadora.

São necessárias pesquisas futuras para incluir as expectativas de outros envolvidos no processo de cuidar, como a equipe multidisciplinar de saúde, para tornar possível o desenvolvimento de tecnologia educativa e cuidativa dotada de validade, confiabilidade e usabilidade.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2021
  • Aceito
    30 Jan 2022
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