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Formação de professores na área da Saúde sob a ótica da educação interprofissional

RESUMO

Objetivos:

refletir sobre a formação de professores em saúde sob a ótica da educação interprofissional.

Métodos:

ensaio fundamentado no diálogo entre a literatura científica, as políticas indutoras para a formação em saúde e estudos nos campos da pesquisa e da atuação docente em projetos pedagógicos fundamentados na educação interprofissional.

Resultados:

a docência em saúde desvela-se como prática social que se constrói em múltiplos movimentos de colaboração e momentos formativos. Nesse sentido, reconhece-se a presença de ecos e ressonâncias das políticas indutoras necessárias à reorientação da formação em saúde nas propostas de desenvolvimento docente. Considerações Finais: articular o desenvolvimento docente e a educação interprofissional demanda um processo dinâmico de ampliação e incorporação de práticas interprofissionais e colaborativas como campo de estudo/pesquisa e de intervenção, na perspectiva de fortalecer a educação continuada dos professores.

Descritores:
Docentes; Educação Interprofissional; Saúde; Universidades; Educação Continuada

ABSTRACT

Objectives:

to reflect on the training of teachers in the field of health from the perspective of interprofessional education.

Methods:

an essay based on the dialogue between the scientific literature, the health education inducing policies, and studies in the fields of research and teaching activities in pedagogical projects based on interprofessional education.

Results:

teaching in health is revealed as a social practice that is built on multiple collaborative movements and training moments. In this sense, the presence of echoes and resonances of the inducing policies necessary for the reorientation of health education in the proposals for teacher development is recognized.

Final Considerations:

articulating teacher development and interprofessional education demands a dynamic process of expanding and incorporating interprofessional and collaborative practices as a field of study/research and intervention, with a view to strengthening the continuing education of teachers.

Descriptors:
Teachers; Interprofessional Education; Health; Universities; Education Continuing

RESUMEN

Objetivos:

reflejar sobre la formación de profesores en salud bajo la óptica de la educación interprofesional.

Métodos:

ensayo fundamentado en el diálogo entre la literatura científica, las políticas inductoras para la formación en salud y estudios en los campos de la investigación y de la actuación docente en proyectos pedagógicos fundamentados en la educación interprofesional.

Resultados:

la docencia en salud se desvela como práctica social que se construye en múltiples movimientos de colaboración y momentos formativos. En ese sentido, se reconoce la presencia de ecos y resonancias de las políticas inductoras necesarias a la reorientación de la formación en salud en las propuestas de desarrollo docente.

Consideraciones Finales:

articular el desarrollo docente y la educación interprofesional demanda un proceso dinámico de ampliación e incorporación de prácticas interprofesionales y colaborativas como campo de estudio/investigación y de intervención, en la perspectiva de fortalecer la educación continua de los profesores.

Descriptores:
Docentes; Educación Interprofesional; Salud; Universidades; Educación Continua

INTRODUÇÃO

Os atuais desafios para formação em saúde são abrangentes e complexos, sobretudo no que se refere a mudanças significativas na formação e nas práticas profissionais(11 Silva GKF, Sousa IMC, Cabral MEGS, Bezerra AFB, Guimarães MBL. Política nacional de práticas integrativas e complementares: trajetória e desafios em 30 anos do SUS. Physis. 2020;30(1):e300110. https://doi.org/10.1590/s0103-73312020300110
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). Um deles é transpor a formação uniprofissional, conteudista e verticalizada, e formar profissionais de saúde capazes de desenvolver trabalho interprofissional e colaborativo.

Para tanto, faz-se premente pensar e promover a formação em saúde em uma perspectiva crítica e reflexiva, incorporando o cuidado como campo comum de práticas de atenção à saúde, o que demanda ampliar a compreensão sobre a docência para além da formação científica e técnica. Nesse sentido, as dimensões relativas à formação pedagógica, ético-política e relacional também se situam como fundantes no cotidiano docente, tendo ancoragens significativas nos saberes construídos ao longo da experiência prática do professor(22 Menegaz JC, Backes VMS, Cunha AP, Francisco BS. O bom professor na área da saúde: uma revisão integrativa da literatura. Saude Transform Soc [Internet]. 2013[cited 2020 Aug 12];4(4):92-9. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-70852013000400015&lng=pt&nrm=iso
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).

Na tentativa de enfrentar os desafios à formação em saúde e formar profissionais de saúde aptos a produzir trabalho em saúde que efetivamente responda às reais necessidades da população, diversos países têm investido na Educação Interprofissional em Saúde(EIP)(33 Nuin JJB, Francisco EIF. Manual de educação interprofissional em saúde. Rio de Janeiro: GEN Guanabara Koogan; 2018.). Para isto, é necessário que os professores estejam engajados em projetos de estudo, investigação e extensão sobre e na educação interprofissional, construindo mediações junto com os estudantes, no intuito de estimular práticas interprofissionais e colaborativas em saúde.

Em relação à formação de professores para educação interprofissional, a experiência europeia evidencia o desenvolvimento de um plano baseado na formação por projetos, no qual todos os professores conhecem a EIP e atuam como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem, o que inclui a participação em atividades de planejamento, elaboração, implantação e avaliação de projetos da EIP nos cursos em que estão inseridos(33 Nuin JJB, Francisco EIF. Manual de educação interprofissional em saúde. Rio de Janeiro: GEN Guanabara Koogan; 2018.). Dessa forma, à medida que desenvolvem o projeto, os professores vão aprendendo e compartilhando conteúdos, modelagens e propostas de EIP, em um movimento que promove a difusão e a troca de conhecimentos sobre as teorias, práticas e reflexões acerca dessa vivência.

A formação de professores na vertente da EIP privilegia a aprendizagem colaborativa, significativa e reflexiva e, dessa forma, promove o desenvolvimento de habilidades para a comunicação interprofissional, o trabalho em equipe, a liderança colaborativa, a capacidade de resolução de conflitos e o compartilhamento das ações. Assim, refletir sobre o potencial formativo de docentes na área de saúde na perspectiva da educação interprofissional inscreve-se como fundamental, capaz de favorecer aprendizagens que privilegiem o cuidado integral e o posicionamento das pessoas no centro das práticas de atenção à saúde. Ademais, tal reflexão contribui, gradativamente, para a construção de uma cultura articuladora de diferentes saberes dos diversos atores envolvidos no processo de ensinar e aprender em saúde(44 Steinert Y. Learning together to teach together: interprofessional education and faculty development. J Interprof Care. 2005;19(suppl 1):60-75. https://doi.org/10.1080/13561820500081778
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).

O reconhecimento da relevância da formação docente em saúde para a educação interprofissional, assim como das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos em saúde ao longo das duas últimas décadas, sinaliza aproximações com as práticas de atenção à saúde da população e tem contribuído para a consolidação e sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, favorece a defesa da educação pública e a ampliação das garantias de direitos a todas as pessoas e processos formativos que dialoguem com as condições sociais, políticas, epidemiológicas, culturais e econômicas existentes(55 Costa MV, Freire Filho JR, Brandão C, Silva JAM. Education and interprofessional practice in line with the historical commitment to strengthen and consolidate the Brazilian national health system (SUS). Interface (Botucatu). 2018;22(suppl 2):1507-10. https://doi.org/10.1590/1807-57622018.0636
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).

A formação de docentes na área de saúde traz como propósito a reflexão sobre o que está sendo desenvolvido em propostas curriculares fundamentadas na EIP. Nesse sentido, este artigo constitui uma reflexão que trata de constructos teóricos privilegiados na Educação Interprofissional em Saúde, os quais colaboram para criação de um eixo estruturante que envolva estudantes e profissionais de diferentes profissões da saúde na proposta de aprender junto para trabalhar junto(66 Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst Rev. 2013;(3):CD002213. https://doi.org/10.1002/14651858.CD002213.pub3
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). Inflexiona-se a formação docente constituída dos saberes da prática pedagógica (construídos nas experiências de ensino-aprendizagem)(22 Menegaz JC, Backes VMS, Cunha AP, Francisco BS. O bom professor na área da saúde: uma revisão integrativa da literatura. Saude Transform Soc [Internet]. 2013[cited 2020 Aug 12];4(4):92-9. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-70852013000400015&lng=pt&nrm=iso
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), das trajetórias e aprendizagens, bem como de suas motivações, projetos e práticas. Diante do exposto, eis a questão que apresenta importância acadêmica e significativa potência interventiva: Como tem sido desenvolvida a formação de professores em saúde diante dos constructos teóricos da Educação Interprofissional em Saúde?

OBJETIVOS

Refletir sobre a formação de professores na área da Saúde sob a ótica da educação interprofissional.

MÉTODOS

O itinerário metodológico orientou-se pela compreensão de que a formação de docentes em saúde é um eixo estruturante para a transformação de propostas curriculares em saúde, na medida em que problematiza a formação em saúde a partir da EIP nas políticas indutoras nacionais e internacionais.

O presente artigo parte de inúmeras discussões realizadas ao longo do projeto de doutoramento de uma das autoras, de conferência proferida na Organización Colegial de Enfermería da Colômbia e do debate deste tema durante o II Encontro de Saúde Coletiva na Fundação Universidade Federal de Rondônia.

A essas “origens”, agregam-se interlocuções com produções científicas (publicadas em periódicos indexados nas bases Scielo e PubMed até setembro 2021) a respeito da formação docente em saúde sob a ótica da educação interprofissional, além de indicações de expertises na área, busca assistemática de informações em bases de dados on-line (a base central de busca foi a Scielo) e ideias apresentadas pelos autores do presente estudo em outras produções acadêmicas. Assim, pode-se afirmar que este ensaio parte de um diálogo entre a literatura científica, as políticas indutoras para a formação em saúde e estudos nos campos da pesquisa e da atuação docente a respeito da elaboração de propostas curriculares fundamentadas na educação interprofissional.

RESULTADOS

Políticas indutoras da reorientação da formação em saúde e a educação interprofissional no Brasil

Nos últimos anos, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) têm impulsionado a implementação de políticas voltadas para Educação Interprofissional e Práticas Colaborativas em Saúde em diversos países(77 World Health Organization. Global strategy on human resources for health: workforce 2030 [Internet]. Geneva: WHO; 2016[cited 2020 Aug 12]. Available from: https://www.who.int/hrh/resources/global_strategy_workforce2030_14_print.pdf?ua=1
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). O alcance desse objetivo tem sido possível mediante a implementação de estratégias que envolvem a criação ou a instituição de programas, cursos e currículos de EIP(33 Nuin JJB, Francisco EIF. Manual de educação interprofissional em saúde. Rio de Janeiro: GEN Guanabara Koogan; 2018.).

O movimento das políticas de saúde e educação voltado para mudança na formação dos profissionais de saúde sob a tríade trabalho-ensino-serviço impulsionou, ao longo dos últimos anos, um processo de reorientação curricular que qualificou a prestação do cuidado em saúde. Tal processo enfatiza o trabalho em equipe e a comunicação dialógica e é desenvolvido em articulação com as instituições de ensino e os serviços de saúde, além de favorecer o desenvolvimento de práticas de saúde centradas na integralidade do cuidado ao usuário, sua família e território.

No Brasil, observa-se investimento governamental com o propósito de mobilizar políticas indutoras de formação de pessoas para trabalhar na saúde ancoradas na Lei Orgânica da Saúde, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de saúde, na flexibilidade nos currículos, na formação crítica, reflexiva e generalista, bem como no trabalho em equipe e nas práticas de cuidado integral. O objetivo principal é promover uma melhor contextualização da realidade social do indivíduo e de sua comunidade. Além disso, a Atenção Básica ancora-se no atendimento, na integralidade dos serviços e no cuidado em rede, no sentido de equacionar agravos, direcionar os usuários para outros serviços de saúde e construir espaços coletivos de cuidado que incluam equipe, usuários e comunidade(88 Silva JAM, Peduzzi M, Orchard C, Leonello VM. Educação interprofissional e prática colaborativa na atenção primária à saúde. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(spe 2):16-24. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000800003
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).

Cabe destacar que as DCN do curso de medicina foram pioneiras em adotar a expressão EIP, sendo esta posteriormente incorporada a todas as formações na saúde. Entretanto, tais Diretrizes ainda carecem de maior especificidade quantos aos saberes e práticas interprofissionais que integram esta modalidade.

Paralelamente à instituição das DCN, destaca-se um movimento de mobilização nacional em prol da criação de uma rede de políticas indutoras à formação profissional na primeira década do século XXI. Tal rede abrange o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde), ambos voltados para a implementação de políticas de saúde e/ou educação para mudança da formação dos profissionais do ensino superior.

O PET-Saúde destaca-se por ter sido o programa que, durante nove edições, ampliou progressivamente o número de instituições de ensino superior envolvidas no processo de indução de mudanças voltadas ao trabalho em equipe e, recentemente, à formação interprofissional. Estudo com participantes do PET-Saúde evidenciou avanços na formação dos graduandos em saúde após o início deste projeto(88 Silva JAM, Peduzzi M, Orchard C, Leonello VM. Educação interprofissional e prática colaborativa na atenção primária à saúde. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(spe 2):16-24. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000800003
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). Além disso, o PET-Saúde é atualmente reconhecido como uma iniciativa que potencializa a APS como cenário para prática, melhora os serviços de saúde e estimula a formação de professores.

A edição do PET-Saúde Interprofissionalidade distingue-se das demais pela composição dos grupos de aprendizagem, envolvimento dos cursos de graduação, indução da educação interprofissional e desenvolvimento das práticas colaborativas na rede de atenção à saúde, com ênfase na atenção básica. Além disso, integra as atividades previstas no Plano de Ação para o fortalecimento da EIP no Brasil, elaborado em 2017 pelo Departamento de Gestão da Educação em Saúde (DEGES) da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde, em parceria com a Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde (DDES) da Secretaria de Educação Superior (SESu) do MEC, universidades e pesquisadores que compõem a Rede Brasileira de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde (ReBETIS). Tal Plano, vale ressaltar, também conta com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS)(99 Regional Network for Interprofessional Education in the Americas. Brazil initiated the work education for health program (PET-Health) [Internet]. [place unknown]: REIP; 2019[cited 2020 Jul 8]. Available from: https://www.educacioninterprofesional.org/en/brazil-starts-interprofessional-education-program-more-6000-participants
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).

A transformação da realidade da formação em saúde na perspectiva interprofissional exige investimento permanente em políticas de saúde e de educação, bem como protagonismo político e social do cidadão/cidadã nos espaços de discussões e deliberações políticas. Ademais, contextos formativos e de trabalho em saúde colaborativos e interprofissionais situam-se como favorecedores de uma formação crítica, transformadora, capaz de contribuir com o desenvolvimento de uma prática de cuidado que se coadune com o sistema de saúde universal, integral e equânime.

Os processos de reorientação da formação em saúde no Brasil, perpassados cada vez mais pela intencionalidade do desenvolvimento de propostas formativas fundamentadas na educação interprofissional, têm fomentado um potente movimento no campo do desenvolvimento docente, reforçando o compromisso com a formação de profissionais da saúde que atuem no sistema saúde orientados pelos princípios da universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social. Este compromisso demanda uma docência que extrapole a formação para além da expertise técnica e científica e, portanto, focada na condução de um processo formativo voltado para a reflexão, respeito, parceria, conhecimento compartilhado e aprendizado significativo. Neste processo, os estudantes precisam ser inseridos e atuar como protagonistas do próprio aprendizado.

No que se refere à mobilização institucional para a formação docente, o Ministério da Saúde e a OPAS têm organizado e financiado uma rede de cooperação técnica para qualificação de professores e trabalhadores de saúde. Tal rede contempla dispositivos como cursos on-line de Atualização em Desenvolvimento Docente para a Educação Interprofissional em Saúde, Metodologias Ativas, Modalidades de Avaliação e Preceptoria em Saúde. Nesses cursos, também são desenvolvidas atividades de autoaprendizagem ou orientação tutorial em ambientes virtuais de aprendizagem, nos quais docentes e preceptores podem investir nas suas formações.

Formação docente em saúde

A formação docente para a interprofissionalidade necessita ser pensada e valorizada para além do aprofundamento técnico-científico, centrado em um campo de saber hegemônico sobre outros campos. No processo formativo, faz-se necessário construir uma identidade e aprender a ser professor, ao longo de suas experiências, formação pedagógica e mediação das práticas de atenção à saúde(99 Regional Network for Interprofessional Education in the Americas. Brazil initiated the work education for health program (PET-Health) [Internet]. [place unknown]: REIP; 2019[cited 2020 Jul 8]. Available from: https://www.educacioninterprofesional.org/en/brazil-starts-interprofessional-education-program-more-6000-participants
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).

Investir na formação docente situa-se, portanto, como uma necessidade e oportunidade para as Instituições de Ensino Superior (IES) que desenvolvem proposta curricular interprofissional e interdisciplinar. A demanda por este tipo de formação está evidente no cotidiano dos espaços acadêmicos e nos discursos dos próprios docentes e gestores das IES, embora muitos ainda trilhem o processo formativo de modo intuitivo, ocasional, na especificidade de sua formação e, ainda, descontinuado.

Para mediar o processo de ensino e aprendizagem fundamentado na educação interprofissional, professoras e professores precisam se envolver na construção de situações de aprendizagem favorecedoras de trabalho em equipe e do aprendizado conjunto e colaborativo. Todavia, permanecem algumas dúvidas: existem programas institucionais de educação permanente para docentes? As instituições de ensino superior e os serviços de saúde têm investido em seus projetos de desenvolvimento institucional ou em projetos de educação continuada para promover a formação do docente e do preceptor do SUS? Os programas de pós-graduação lato ou stricto sensu têm formado pessoas para a docência sob a perspectiva de trabalho em equipe, comunicação interprofissional e compartilhamento entre os campos de saber? A essas questões, agrega-se outra: será que, apesar da expansão dos programas de mestrados/doutorados profissionais e residências multiprofissionais, eles têm se configurado como caminhos formativos que produzem reflexões e conjecturas acerca da formação do professor universitário em saúde?

A reflexão sobre essas questões é extensa e mostra que o processo de desenvolvimento docente vai exigir condições e políticas institucionais quanto a programas e espaços de formação docente. Todavia, os/as docentes não podem ser eximidos dos seus movimentos intersubjetivos de participação, envolvimento, valorização e coconstrução das propostas e projetos de formação que sejam problematizadores da hierarquia das profissões, das interseções entre os núcleos de saber, da educação e do trabalho interprofissional.

Nota-se, então, que o caminho da formação docente também perpassa pelo interesse pessoal e pela política institucional, o que foi evidenciado com bastante nitidez mais recentemente, durante a pandemia da COVID-19. Neste período, em que as aulas passaram a ser ministradas remotamente, ficou evidente o empenho institucional e pessoal para formação docente no quesito manuseio das tecnologias digitais de informação e comunicação. Observou-se também uma reinvenção das práticas pedagógicas por iniciativa do próprio docente, com auxílio das redes sociais, dos nativos digitais e da produção científica auxiliada por dispositivos tecnológicos.

O docente, ao buscar conhecimentos sobre bases conceituais, pedagógicas e metodológicas da educação interprofissional, enfrenta e confronta-se com a necessidade de estimular ações que favoreçam o desenvolvimento das habilidades de comunicação e resolução de conflitos. Nesse sentido, ele precisa se arriscar no processo de ensinar e aprender na perspectiva dialógica e crítica, em que ouve os julgamentos dos seus pares (alunos, outros docentes, da instituição de ensino e de saúde) ao mesmo tempo em que ressignifica a crítica para a produção de reflexão capaz de transformar as práticas.

A reflexão sobre a prática docente com base nas experiências e vivências é uma construção social, acadêmica e de trajetória de vida. Da mesma forma, refletir sobre a prática docente mediante a contextualização dos processos de vivências e práticas pode favorecer uma melhor compreensão e crítica da sua postura atitudinal em direção à educação interprofissional.

No processo de formação docente, a experiência prévia de trabalho interdisciplinar e interprofissional é um agente facilitador para o desenvolvimento de relações de interdependência, de pertencimento, de confiança mútua entre trabalhadores e docentes de saúde no desenvolvimento das práticas colaborativas(1010 Silva JAM, Costa MV, Mininel VA, Rossit RAS, Xyrichis A. The effectiveness of faculty development activities for interprofessional education: a systematic review protocol. J Interprof Care. 2021:1-4. https://doi.org/10.1080/13561820.2021.1929105 Online ahead of print.
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).

O docente, ao realizar movimentos de metacognição a partir de um ambiente colaborativo, com cultura do trabalho em saúde voltada para a conectividade, troca de informação e trabalho em equipe, poderá delinear um caminho formativo que seja fecundo para uma formação interprofissional, dialógica, geradora de reflexões e indutora de práticas de cuidado adequadas às necessidades de saúde de forma individualizada e comunitária. Desse modo, é preciso que os investimentos na formação docente sejam robustos, para que fortaleçam os caminhos percorridos para formação pessoal e profissional do professor. Infere-se que investimentos em fóruns que aprofundem o debate sobre a institucionalização da educação interprofissional e o compromisso ético e político de formar trabalhadores para atuar em sistema de saúde também possam abrir caminhos para uma formação docente ainda mais excelente, com respeito à dignidade da vida humana(1010 Silva JAM, Costa MV, Mininel VA, Rossit RAS, Xyrichis A. The effectiveness of faculty development activities for interprofessional education: a systematic review protocol. J Interprof Care. 2021:1-4. https://doi.org/10.1080/13561820.2021.1929105 Online ahead of print.
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).

Limitação do estudo

A limitação do estudo reside em concentrar a reflexão sob a perspectiva de docentes e, nesse sentido, sugere-se a realização de outros estudos para investigar a percepção dos responsáveis pelas instituições de ensino, dos estudantes, dos trabalhadores e dos gestores dos SUS a respeito de tal formação.

Contribuições para enfermagem, saúde e políticas de formação em saúde

A principal contribuição deste estudo para a enfermagem, saúde e políticas de formação em saúde consiste em propor uma reflexão sustentada em evidências científicas sobre a formação docente em saúde na perspectiva da educação interprofissional, a fim de subsidiar debates sobre o desenvolvimento de práticas interprofissionais e colaborativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio evidenciou a necessidade de fortalecer as discussões sobre a formação docente na vertente do desenvolvimento de habilidades colaborativas e interprofissionais, bem como de fornecer apoio institucional ao longo de todo o processo formal e informal de educação dos professores. Além disso, considera-se que outros investimentos são necessários para valorização docente, tais como apoio financeiro, formalização das práticas colaborativas e redução da resistência à formação continuada de professores, e devem ser aprofundados em futuras pesquisas.

  • FOMENTO
    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa no processo N° 307977/2018-8.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Como também ao Programa de Apoio a Publicação Cientifica da Pró-Reitoria de Ensino de Pós-Graduação, a Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação da Universidade Federal da Bahia e ao Programa de Capacitação Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2020
  • Aceito
    25 Nov 2021
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