Clusters de sintomas oncológicos: da bancada do laboratório à prática clínica

RESUMO

Objetivo:

apresentar e discutir sobre o avanço da ciência no manejo de sintomas por meio da pesquisa envolvendo os clusters de sintomas oncológicos (CSO).

Método:

estudo reflexivo, sustentado na literatura científica sobre os CSO.

Resultados:

cinco pontos-chave são cruciais para o avanço da ciência no manejo de sintomas por meio da pesquisa envolvendo os CSO: definição de características dos CSO; mecanismos subjacentes e grupos de sintomas prioritários; mensuração dos CSO; intervenções direcionadas e personalizadas; novas estratégias analíticas.

Considerações finais:

uma melhor compreensão das complexas conexões entre os diversos sistemas e aspectos biocomportamentais em pacientes, especialmente no campo da enfermagem oncológica, é premente. O estudo dessas interações vem se tornando cada vez mais promissor e emergente para a enfermagem oncológica, pois as intervenções terapêuticas, cujo alvo é o eixo neuroimunoendócrino, são relevantes para o cuidado personalizado, traduzindo em maior cientificidade e autonomia do enfermeiro para cuidar dos pacientes.

Descritores:
Sintomas Concomitantes; Enfermagem Oncológica; Neoplasias; Sinais e Sintomas; Oncologia

ABSTRACT

Objective:

to present and discuss the advancement of science in symptom management through research involving oncological symptom clusters (OSC).

Method:

a reflective study, supported by the scientific literature on OSC.

Results:

five key points are crucial to advancing the science of symptom management through research involving OSC: definition of OSC characteristics; underlying mechanisms and priority symptom clusters; OSC measurement; targeted and personalized interventions; new analytical strategies.

Final considerations:

a better understanding of the complex connections between different systems and biobehavioral aspects in patients, especially in the field of oncology nursing, is urgent. The study of these interactions has become increasingly promising and emerging for oncology nursing, since therapeutic interventions, whose target is the neuroimmunoendocrine axis, are relevant for personalized care, translating into greater scientific and nurse autonomy to care for patients.

Descriptors:
Concurrent Symptoms; Oncology Nursing; Neoplasms; Signs and Symptoms; Medical Oncology

RESUMEN

Objetivo:

presentar y discutir el avance de la ciencia en el manejo de síntomas a través de investigaciones que involucran clusters de síntomas oncológicos (CSO).

Método:

estudio reflexivo, sustentado en la literatura científica sobre las OSC.

Resultados:

cinco puntos clave son cruciales para avanzar en la ciencia del manejo de los síntomas a través de la investigación que involucra a las CSO: definición de las características de las CSO; mecanismos subyacentes y grupos de síntomas prioritarios; medición de las CSO; intervenciones dirigidas y personalizadas; nuevas estrategias analíticas.

Consideraciones finales:

es urgente una mejor comprensión de las complejas conexiones entre los diferentes sistemas y aspectos bioconductuales en los pacientes, especialmente en el campo de la enfermería oncológica. El estudio de estas interacciones se vuelve cada vez más promisorio y emergente para la enfermería oncológica, ya que las intervenciones terapéuticas, cuyo objetivo es el eje neuroinmunoendocrino, son relevantes para la atención personalizada, traduciéndose en una mayor autonomía científica y de enfermería para cuidar a los pacientes.

Descriptores:
Síntomas Concomitantes; Enfermería Oncológica; Neoplasias; Signos y Síntomas; Oncología Médica

Para a enfermagem oncológica, uma das temáticas emergentes é o manejo oportuno dos clusters de sintomas oncológicos associados ao câncer e ao seu tratamento(¹-²). De modo geral, as pesquisas na área de oncologia, predominantemente, abarcam a prevalência de sintomas relacionados ao câncer e/ou ao seu tratamento, analisando-os de forma isolada ao invés de considerá-los como sintomas concomitantes. Contudo, no cotidiano da prática profissional, nota-se que raramente os sintomas ocorrem isoladamente. De fato, inúmeros e complexos sintomas de pacientes com câncer cursam em clusters compartilhando mecanismos moleculares comuns em termos de frequência, intensidade e severidade(¹-³).

Os clusters de sintomas oncológicos (do inglês, cancer symptom clusters), compreendem um conjunto de sintomas que se relacionam entre si, podendo criar um efeito sinérgico entre os mesmos e serem previsíveis(¹). Tanto o processo de carcinogênese e progressão tumoral quanto a terapêutica antineoplásica podem levar os pacientes a experienciarem inúmeros sintomas desagradáveis, incluindo fadiga relacionada ao câncer (FRC), dor oncológica, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, entre outros. Diferentes sintomas oncológicos, os quais podem ocorrer isoladamente ou em conjunto (constituindo clusters), ao se manifestarem, causam um impacto negativo sobre o estado funcional do paciente, culminando em uma diminuição da qualidade de vida relacionada à saúde(¹-⁴).

Oriundo de experimentações com animais de laboratório submetidos à indução de quadros infecciosos e à inoculação de citocinas pró-inflamatórias, a história dos clusters de sintomas oncológicos tem evoluído do ponto de vista conceitual e com aplicabilidade na prática clínica(¹,⁵). Inicialmente, foi observado um padrão de cluster de sintomas oncológicos a partir do momento em que murinos exibiram um fenômeno que foi denominado de “comportamento doentio” (do inglês, sickness behavior), após indução de quadros infecciosos e inflamatórios(¹-⁵).

O comportamento doentio foi inicialmente estabelecido pelo estudo dos efeitos de lipopolissacarídeo (LPS) de parede de bactérias Gram-negativas bastante utilizado para mimetizar inflamação sistêmica, ou por meio da inoculação de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β, IL-6 e TNF-α) nas patas desses animais(⁵). O comportamento doentio estava relacionado a uma gama de mudanças comportamentais que acompanhavam processos patológicos em murinos, como distúrbios do sono, perda do interesse por atividades cotidianas, como a busca por alimento, diminuição do contato social e do interesse sexual(⁵).

Citocinas são proteínas de sinalização liberadas por uma variedade de células (as principais são as células de defesa, como macrófago, NK, linfócitos, mastócitos, basófilos, fibroblastos). Citocinas são liberadas por essas células em resposta aos diferentes eventos estressores e são consideradas cruciais para a interação entre o sistema imunológico e o sistema nervoso central (SNC)(⁶-⁷). Didaticamente, citocinas são classificadas em duas categorias gerais: pró-inflamatórias e anti-inflamatórias. As citocinas pró-inflamatórias estão envolvidas direta ou indiretamente nos processos inflamatórios, e a IL-1β (Interleucina 1), a IL-6, IL-12, IL 17, INF-y e a TNF-α (Tumor Necrosis Factor) compõem esse grupo(⁶-⁷). As citocinas anti-inflamatórias regulam a resposta imune pela diminuição da ativação celular, bem como pela produção de mediadores, como a IL-4, IL-10, IL-13 e a TGF-β (Fator de transformação de crescimento)(⁶-⁷).

Estudos pré-clínicos e clínicos apontaram que citocinas pró-inflamatórias modulam os efeitos de estressores físicos e psicológicos, uma vez que sua expressão aumentada está associada ao surgimento de diversos clusters de sintomas oncológicos e à ocorrência de uma piora da qualidade de vida dos pacientes(⁵,⁸-¹¹). É estabelecido que tão relevante quanto o conteúdo de leucócitos produzidos pelas células do microambiente tumoral é o perfil de mediadores imunomoduladores solúveis, como as citocinas e quimiocinas(⁶-⁷). São esses fatores que medeiam a comunicação entre todos os elementos do microambiente em que o tumor está inserido, visto que podem ser produzidos por todos os tipos celulares ali presentes(⁶-⁷).

Por exemplo, as citocinas IFN-γ e IL-12 apresentam um importante papel na imunidade antitumoral. Enquanto a IFN-γ exerce efeito tóxico direto sobre células tumorais e possui atividade anti-angiogênica, o papel antitumoral da IL-12 se dá em grande parte pela indução e ativação de respostas Th1 (T helper 1) e mediadas por linfócitos T citotóxicos (CTL). TGF-β e IL-10, por outro lado, são importantes citocinas na supressão das funções efetoras de CTL e na indução da diferenciação de células T reguladoras (Tregs) no microambiente tumoral. Adicionalmente, citocinas, como IL-6 e TNF- α, estimulam os processos de angiogênese e metástase(⁶-⁷,¹²).

Similarmente, em relação ao comportamento doentio apresentado por murinos naqueles experimentos, sintomas como FRC, distúrbios do sono, dor, depressão e distúrbios cognitivos foram verificados em pacientes com câncer e que também exibiram altos níveis de citocinas pró-inflamatórias(¹,⁸,¹³). A manifestação do comportamento doentio em pacientes com câncer resultou no conceito de cluster de sintomas neuropsicológicos: “conjunto de sintomas emocionais e/ou comportamentais que pode estar relacionado com a disfunção psicológica e/ou neurológica e que tem uma tendência para ocorrer em pacientes com câncer”(¹).

Mecanismos moleculares comuns podem estar subjacentes à interação entre os sistemas imunológico, endócrino e SNC, os quais orquestram um conjunto de respostas capazes de instalar alterações fisiológicas e biocomportamentais tanto no organismo animal quanto no ser humano(³-⁴). Destarte, pesquisas que abarquem o comportamento doentio, via avaliação dos clusters de sintomas neuropsicológicos em pacientes com câncer, sustentam a hipótese de que citocinas pró-inflamatórias estão intimamente ligadas aos mecanismos moleculares dos clusters de sintomas oncológicos(¹,⁵,⁸).

Um estudo determinou que pacientes com altos níveis de FRC e distúrbios do sono apresentaram mais sintomas depressivos e mudanças no comportamento(¹⁴) e que alterações no padrão de sono estão fortemente correlacionadas a um aumento da fadiga e consequente piora na qualidade de vida. Dessa forma, alterações nos níveis de citocinas, dentre outros processos neuroimunoendócrinos, podem ser críticos para o surgimento de sintomas e, potencialmente, alvo para a prevenção e tratamento dos mesmos(¹-⁴).

Evidências sugerem que os indivíduos que apresentam FRC têm desregulados ritmos circadianos de atividade/repouso e sono/vigília (¹,⁸,¹⁰,¹²,¹⁵-¹⁶). Além disso, interrupção ou ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é um mecanismo potencial para a fadiga, o que é sustentado por desregulação das concentrações de cortisol(⁸,¹²-¹⁶). Durante a exposição crônica a citocinas pró-inflamatórias, a sensibilidade do eixo HHA é provavelmente anulada e esta diminuição da produção de cortisol tem sido associada com FRC(¹⁰-¹¹,¹⁶). Além disso, durante a exposição crônica ao estresse, a rede de citocinas é modulada, sensibilizando o eixo HHA (feedback negativo)(⁸,¹⁶). De fato, interrupções circadianas no câncer são mediadas tanto por fatores biológicos quanto comportamentais. Estudos apontam que os fatores psicossociais podem levar à interrupção do eixo neuroimunoendócrino e ritmos circadianos, podendo contribuir para a resposta imune pró-tumoral e progressão do tumor(¹⁶-¹⁷).

De acordo com o Expert Panel Proceedings and Recommendations, para o avanço da ciência no manejo de sintomas por meio da pesquisa envolvendo os clusters de sintomas(¹⁸), cinco pontos-chave são cruciais neste campo: definição de características dos clusters de sintomas (estabelecer uma estrutura conceitual comum e abordagem para a avaliação da mensuração de clusters de sintomas; avaliar as relações entre sinais e sintomas dentro de um cluster; replicar estudos de subgrupos de pacientes com experiências comuns ou diferentes para um agrupamento de sintomas pré-especificado; avaliar, intervir e mensurar os resultados de agrupamentos de sintomas ao longo da trajetória da doença; determinar os preditores fenotípicos e moleculares e/ou fatores de risco para o desenvolvimento de agrupamento de sintomas pré-especificados em pacientes); mecanismos subjacentes e grupos de sintomas prioritários (avaliar os mecanismos subjacentes aos grupos de sintomas, incluindo inflamação sistema imunológico, ativação do sistema nervoso simpático, ativação do eixo HHA e alterações no SNC; determinar as melhores abordagens para avaliar os mecanismos genéticos e epigenéticos subjacentes para grupos de sintomas; determinar os melhores métodos para avaliar os mecanismos biocomportamentais para grupos de sintomas); mensuração de grupos de sintomas (utilizar métodos qualitativos para identificar grupos de sintomas genéricos e específicos da doença; utilizar abordagens de métodos mistos para identificar grupos de sintomas genéricos e específicos da doença; comparar e contrastar mudanças ao longo do tempo quanto a frequência e tipos de clusters de sintomas; construir um conjunto de dados de núcleo comum para reunir dados e avaliar a comparabilidade estudos de cluster de sintomas); intervenções direcionadas (avaliar o uso de novos delineamentos de ensaios clínicos para determinar se eles podem ser usados para adaptar intervenções para tratar sintomas únicos ou múltiplos dentro de um cluster de sintomas; determinar as intervenções mais eficazes para vários grupos de sintomas; determinar os desfechos mais apropriados para estudos envolvendo intervenção sobre os clusters de sintomas); e novas estratégias analíticas (aplicar novas técnicas analíticas avançadas à pesquisa de clusters de sintomas; estabelecer diretrizes para a escolha das estratégias analíticas ideais para pesquisa envolvendo clusters de sintomas)(¹⁸).

Uma melhor compreensão das complexas conexões entre os diversos sistemas e aspectos biocomportamentais em pacientes, especialmente na oncologia, é premente. O estudo dessas interações vem se tornando cada vez mais promissor e emergente para a enfermagem oncológica, uma vez que as intervenções terapêuticas, cujo alvo é o eixo neuroimunoendócrino, são relevantes para o cuidado personalizado(¹⁹-²⁰), traduzindo em maior cientificidade e autonomia do profissional enfermeiro para cuidar dos pacientes.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Antonio José de Almeida Filho

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Out 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  27 Jul 2022
• Aceito
  16 Ago 2022