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Aborto legal na infância: o discurso oficial e a realidade de um caso brasileiro

RESUMO

Objetivo:

identificar as perspectivas ideológicas dos discursos oficiais em relação à violência sexual, à gravidez na infância e ao acesso ao aborto legal a partir de um caso brasileiro.

Métodos:

estudo documental qualitativo. A coleta de dados foi realizada em documentos publicados em sites oficiais brasileiros, entre agosto e dezembro de 2020. As categorias analíticas de gênero e geração deram suporte à análise dos dados.

Resultados:

foram selecionados 39 documentos e identificadas três categorias empíricas: A proteção contra a violência na legislação e a (re)produção dos agravos na realidade; O enfrentamento da violência sexual contra a criança pelo Estado brasileiro; Ser menina brasileira: opressões de gênero e geração.

Considerações finais:

as perspectivas ideológicas dos discursos oficiais em relação ao caso mostraram falta de adesão aos avanços na legislação brasileira nos temas relativos à violência infantil e autoritarismo adultocêntrico, com imposição de subalternidade de gênero e geração.

Descritores:
Maus-tratos Infantis; Aborto Legal; Direitos Sexuais e Reprodutivos; Delitos Sexuais; Política Pública.

ABSTRACT

Objective:

to identify the ideological perspectives of official discourses in relation to sexual violence, childhood pregnancy and access to legal abortion based on a Brazilian case.

Methods:

a qualitative documentary study. Data collection was carried out in documents published on official Brazilian websites, between August and December 2020. The analytical categories of gender and generation supported data analysis.

Results:

a total of 39 documents were selected and three empirical categories were identified: Protection against violence in the legislation and the (re)production of injuries in reality; Facing sexual violence against children by the Brazilian State; Being a Brazilian girl: gender and generational oppressions.

Final considerations:

the ideological perspectives of official discourses in relation to the case showed a lack of compliance with advances in Brazilian legislation on issues related to child violence and adult-centric authoritarianism, with the imposition of gender and generation subalternity.

Descriptors:
Child Abuse; Abortion Legal; Reproductive Rights; Sex Offenses; Public Policy.

RESUMEN

Objetivo:

identificar las perspectivas ideológicas de los discursos oficiales en relación a la violencia sexual, el embarazo infantil y el acceso al aborto legal a partir de un caso brasileño.

Métodos:

estudio documental cualitativo. La recolección de datos se realizó en documentos publicados en sitios web oficiales brasileños, entre agosto y diciembre de 2020. Las categorías analíticas de género y generación apoyaron el análisis de datos.

Resultados:

se seleccionaron 39 documentos y se identificaron tres categorías empíricas: Protección contra la violencia en la legislación y la (re)producción de lesiones en la realidad; Enfrentando la violencia sexual contra los niños por parte del Estado brasileño; Ser niña brasileña: opresiones generacionales y de género.

Consideraciones finales:

las perspectivas ideológicas de los discursos oficiales en relación al caso mostraron una falta de adhesión a los avances de la legislación brasileña en temas relacionados con la violencia infantil y el autoritarismo adultocéntrico, con la imposición de la subalternidad de género y generacional.

Descriptores
Maltrato a los Niños; Aborto Legal; Derechos Sexuales y Reproductivos; Delitos Sexuales; Política Pública.

INTRODUÇÃO

As crianças são vulneráveis a diferentes tipos de violações, como a física, psicológica, sexual, institucional, estrutural, intrafamiliar e moral, além da negligência, do trabalho infantil e da negação de direitos. A violência sexual e a tentativa de impedir o aborto foram duas dentre as diversas violações impetradas por Violeta, nome fictício dado a uma vítima de violência sexual, em um caso brasileiro que será objeto de análise nesta pesquisa.

A Constituição Federal brasileira estabelece como responsabilidade da família, da sociedade e do Estado garantir às crianças os direitos fundamentais e a proteção contra diferentes formas de violações(11 Congresso Nacional (BR). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988. 496 p.). Dentre os avanços na legislação brasileira relacionados à infância, um importante marco legal foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerado o principal instrumento normativo e regulador de direitos. O ECA estabelece que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão(21 Presidência da República (BR). Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Casa Civil; 1990. 29 p.).

Apesar de os direitos das crianças estarem assegurados pela legislação brasileira, em 2020, ano em que o ECA completou 30 anos, foi registrado e amplamente discutido na mídia brasileira um caso emblemático de violência contra a criança. Violeta, 10 anos, residente em São Mateus, Espírito Santo, buscou atendimento no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo, acompanhada pela avó, com queixa de dor abdominal. Após avaliação médica, foi constatada gravidez de 22 semanas, resultado de estupros perpetrados pelo tio, desde os seis anos(31 Abreu A. A menina, o poder e o direito. Piauí [Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 30]. Available from: https://piaui.folha.uol.com.br/menina-o-poder-e-o-direito/
https://piaui.folha.uol.com.br/menina-o-...
).

Com a divulgação do caso pela mídia, Violeta foi alvo de intensa campanha contra o aborto por grupos religiosos e políticos, teve sua identidade exposta nas redes sociais, foi taxada de assassina e enfrentou dificuldade para o acesso ao aborto legal devido à recusa do estabelecimento de saúde onde foi inicialmente atendida. Finalmente, com autorização judicial, a interrupção da gravidez foi realizada por outro serviço de saúde de referência, o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros(31 Abreu A. A menina, o poder e o direito. Piauí [Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 30]. Available from: https://piaui.folha.uol.com.br/menina-o-poder-e-o-direito/
https://piaui.folha.uol.com.br/menina-o-...
), localizado em Recife, Pernambuco.

Esse caso evidencia a dura realidade de meninas e mulheres brasileiras, vítimas de violência sexual, muitas vezes perpetrada por pessoas conhecidas, que têm como consequência a gravidez. Considera-se gravidez infantil forçada quando uma menina menor de 14 anos engravida sem consentimento e tem o acesso ao aborto legal dificultado ou negado. Geralmente, quando a gravidez infantil se torna conhecida, observam-se diferentes opiniões sobre a conduta a ser tomada, desconsiderando a voz e a vontade da vítima. Essas opiniões comumente se reportam à continuidade da gestação, mesmo que isso represente um risco à saúde e à própria vida(41 Comité de América Latina y el Caribe para la Defensa de los Derechos de las Mujeres (CLADEM). Niñas Madres. Embarazo y maternidad infantil forzada em América Latina y el Caribe [Internet]. Asunción: CLADEM; 2016[cited 2021 Jun 30]. 89 p. Available from: https://cladem.org/publicaciones-regionales/ninas-madres-embarazo-y-maternidad-infantil-forzada-en-america-latina-y-el-caribe/
https://cladem.org/publicaciones-regiona...
).

A gravidez em meninas menores de 14 anos é considerada crime, pois, na maior parte dos casos, é resultado de violência sexual. Esse tipo de violação geralmente é acentuado por outros tipos de violência, perpetrados por meio dos estereótipos de gênero, da atenção à saúde e dos obstáculos da legislação para a interrupção da gravidez(51 Inter-American Commission of Women. Informe hemisférico sobre violência sexual y embarazo infantil em los Estados Parte de la Convención de Belém do Pará. Washington: Mecanismo de Seguimiento de la Convención de Belém do Pará (MESECVI); 2016. 74 p.).

Uma revisão de escopo sobre a responsabilidade legal dos países de baixa e média renda na saúde sexual e reprodutiva constatou que os estudos relacionados ao aborto destacaram a necessidade de implementação da legislação como orientação para a prática de atendimento. Dentre as razões para a não implementação, foram elencadas ausência de conhecimento por parte das interessadas, oposição ideológica de membros da comunidade ou profissionais e prática da objeção de consciência(61 Schaaf M, Khosla R. Necessary but not sufficient: a scoping review of legal accountability for sexual and reproductive health in low-income and middle-income countries. BMJ Global Health. 2021;6:e006033. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-006033
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-00603...
).

No Brasil, de acordo com o Sistema de Informações Hospitalares, no ano de 2020, foram registrados 86 abortos por razões médicas em meninas na faixa etária de 10 a 14 anos. Em 2021, até o mês de setembro, foram registrados 102 abortos semelhantes(71 Ministério da Saúde (BR). Morbidade Hospitalar do SUS [Dataset] [Internet]. 2021 [cited 2021 Dec 10]. Ministério da Saúde. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nruf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
). Infelizmente, esse dado revela apenas uma parcela do fenômeno, pois diz respeito àquelas meninas que conseguiram ter acesso ao aborto legal. Outra parcela dá continuidade à gestação, busca serviços clandestinos para realizar o aborto ou torna-se vítima da mortalidade materna. Cabe ressaltar que, entre os anos de 2015 e 2019, foram registrados 68 óbitos de brasileiras, na faixa etária de 10 e 14 anos, em decorrência da gravidez(81 Ministério da Saúde (BR). Óbitos de mulheres em idade fértil e óbitos maternos [Dataset] [Internet]. 2021 [cited 2021 Dec 10]. Ministério da Saúde. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/mat10uf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
).

Quantas dessas mortes seriam consequências dessa situação? Impossível afirmar. Os dados disponíveis podem ocultar a magnitude do problema em razão da complexidade e dos tabus que cercam a gravidez infantil. Além disso, busca realizada pelas autoras nas bases de dados nacionais e internacionais verificou escassez de estudos sobre a temática, pois as publicações que utilizam o termo gravidez precoce também se reportam ao período da adolescência. Todavia, é importante ponderar essa generalização, pois ser mãe aos 10 anos tem implicações desfavoráveis maiores do que aos 17 anos.

No Brasil, não se tem conhecimento do número exato de meninas menores de 14 anos que engravidam em decorrência da violência sexual. Essa ausência de informação sobre o panorama da gravidez infantil e do acesso ao aborto legal desperta a atenção sobre a maneira como o Estado, representado pelos agentes públicos, posiciona-se ideologicamente em relação ao enfrentamento do problema, o que justifica o desenvolvimento deste estudo. Com base no exposto, esta pesquisa teve como questão norteadora: quais as perspectivas ideológicas presentes nos discursos oficiais em relação ao caso de violência sexual e à interrupção da gravidez de Violeta?

Vale esclarecer que nesta pesquisa a ideologia é entendida como:

Um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção(91 Chauí M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense; 2004. 47 p.).

OBJETIVO

Identificar as perspectivas ideológicas dos discursos oficiais em relação à violência sexual, à gravidez na infância e ao acesso ao aborto legal, a partir de um caso brasileiro.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa dispensou apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, pois utilizou documentos disponibilizados publicamente e de livre acesso. O anonimato das fontes de dados foi garantido mediante a substituição do nome pela expressão “Doc”, seguida de algarismo arábico. Foi utilizado o instrumento COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ) para a descrição dos procedimentos metodológicos.

Tipo de estudo e referencial teórico-metodológico

Trata-se de pesquisa documental, de abordagem qualitativa, que teve como referencial teórico-metodológico a Teoria de Intervenção Práxica de Enfermagem em Saúde Coletiva (TIPESC). Fundada na concepção do processo de saúde socialmente determinado, a TIPESC é uma teoria de enfermagem que visa à intervenção na realidade objetiva, tomando por base a visão de mundo materialista histórica e dialética para análise e compreensão dos fenômenos nas suas dimensões: singular (dos indivíduos e suas famílias), particular (de grupos e estratos sociais) e estrutural (mais geral da sociedade)(101 Egry EY. Saúde Coletiva: construindo um novo método em enfermagem. São Paulo: Ícone; 1996. 144 p.).

Fonte de dados

O material empírico foi constituído por documentos divulgados em sites oficiais brasileiros que abordaram a violência sexual, a gravidez infantil e o acesso ao aborto legal, no caso específico de Violeta.

Foram incluídos pronunciamentos, decretos, normas e legislações de autoria ou emanados de representantes federais, estaduais e locais (hospitais), veiculados por páginas oficiais online, relacionados às temáticas da violência sexual, da gravidez infantil e do aborto legal, referentes à Violeta.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados entre 7 de agosto e 1 de dezembro de 2020. A data de início da coleta coincide com o dia no qual a gravidez foi diagnosticada pelo serviço de saúde. O encerramento foi determinado quando as buscas não encontraram novas publicações relacionadas ao caso, em um período de 30 dias.

Para a busca dos documentos nos sites oficiais, foram utilizados os termos violência sexual, estupro, gravidez e aborto. Foram acessados sites do governo federal, de conselhos nacionais e de instituições que prestaram atendimento direto a Violeta: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH); Ministério da Saúde (MS); Casa Civil; Conselho Nacional de Saúde (CNS); Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA); Governo do Estado do Espírito Santo; Governo do Estado de Pernambuco; Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes; e Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros.

Foram selecionados 25 documentos publicados pelo CONANDA, 11 pelo MMFDH, cinco pelo CNS, três pelo MS, dois pelo Governo do Estado do Espírito Santo e documentos publicados pela Casa Civil, Governo do Estado de Pernambuco, Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes e Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (um de cada). Também foram incluídas duas referências identificadas nos documentos selecionados, totalizando 52 publicações.

Análise dos dados

Após a leitura na íntegra e aplicação dos critérios de inclusão, foram selecionadas para análise 39 publicações. Os textos foram salvos como Portable Document Format (pdf). Os dados foram extraídos com auxílio de um instrumento adaptado a uma planilha Excel, desenvolvido pelas autoras, para uso exclusivo desta pesquisa, com o objetivo de apreender local e ano de publicação, tipo de documento e discursos sobre gênero, geração, violência sexual, gravidez infantil e aborto.

Os textos foram submetidos à análise de conteúdo temática, constituída pelas etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, interpretação e inferência(111 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Almedina; 2011. 280 p.), com o apoio do software webQDA(121 Costa A, Moreira A, Souza F. WebQDA - Qualitative Data Analysis [Internet]. Aveiro- Portugal: Aveiro University and MicroIO; 2021[cited 2021 Jul 28]. Available from: https://www.webqda.net/
https://www.webqda.net...
). No software, a planilha Excel foi inserida no sistema de fontes internas por meio da importação automática. No sistema de codificação, os dados relacionados à caracterização dos documentos (local de publicação, ano e tipo de documento) foram codificados automaticamente por meio dos descritores. As categorias empíricas decorrentes da análise foram construídas por meio dos códigos árvores.

A construção das categorias empíricas foi realizada à luz das categorias analíticas gênero e geração. A categoria gênero considera as desigualdades advindas das diferenças existentes entre homens e mulheres na sociedade, constituindo relações de poder, e os significados atribuídos às diferentes maneiras de expressão da masculinidade e da feminilidade(131 Scott J. A Useful Category of Historical Analysis. Educ Real. 1995;20(2):71-99. https://doi.org/10.2307/1864376
https://doi.org/10.2307/1864376...
). A categoria geração é uma construção social criada a partir de diversos parâmetros da sociedade, sejam eles históricos, econômicos, políticos, culturais e outros. Nesta compreensão de categoria geracional, a infância se refere ao lugar ocupado pelas crianças na estrutura da sociedade, que tem a categoria adulta como hegemônica e dominante(141 Qvortrup J. Nine theses about “childhood as a social phenomenon”. 2011;22(1):199-211. https://doi.org/10.1590/S0103-73072011000100015
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).

RESULTADOS

Dos 39 documentos analisados, 24 foram publicados no ano de 2020. Os demais foram publicados em anos anteriores, uma vez que ampararam legalmente e influenciaram o desfecho do caso; o primeiro foi o ECA, de 1990. Quanto aos tipos de publicações, destacaram-se notas (8), notícias (6), resoluções (6), leis (3), manifestos (2), recomendações (2), decretos (2), cartas (2) e relatórios (2). Foram ainda encontrados um ofício, uma decisão da Corregedoria Nacional de Justiça, uma política nacional, um plano nacional, uma portaria e um documento base da XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A análise dos dados permitiu identificar três categorias empíricas: A proteção contra a violência na legislação e a (re)produção de agravos na realidade; O enfrentamento da violência sexual contra a criança pelo Estado brasileiro; e Ser menina brasileira: opressões de gênero e geração.

A proteção contra a violência na legislação e a (re)produção de agravos na realidade

No Brasil, os direitos da criança são assegurados pela Constituição Federal, pelo Código Penal e pelo ECA, documentos nos quais são responsabilizados pela garantia desses direitos à família, à sociedade e ao Estado, representado pela União, Distrito Federal, estados e municípios.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Doc 8)

Nos documentos oficiais, também foram citados os serviços responsáveis pelo acolhimento e atendimento da criança, com destaque para a rede de proteção familiar, o sistema de justiça, a segurança pública, o sistema de saúde e os conselhos. No entanto, no caso de Violeta, foi evidenciada a falta de responsabilização do Conselho Tutelar no acompanhamento junto à rede intersetorial.

(...) foi constatada a necessidade de maior atuação do Conselho Tutelar frente às ações de proteção à criança, inclusive quanto à interlocução entre ela e sua família com o Judiciário e o Ministério Público. Tal função é precipuamente do Conselho Tutelar. (Doc 7)

Além da atuação deficitária, o caso revela o cerceamento de direitos garantidos legalmente, identificado pela ausência de proteção contra a violência sexual e pelo atendimento conduzido conforme o desejo dos adultos, representados por agentes governamentais e profissionais da rede intersetorial.

Preocupa-nos e indigna a peregrinação de uma criança de 10 anos de idade, vítima de estupro desde os 6 anos, que precisou viajar de um estado a outro em busca deste serviço de saúde pública, que lhe foi negado num primeiro momento. O abortamento legal, garantido pela legislação brasileira, em casos de estupro, deve ser acessado por todas as mulheres que dele necessitarem, no tempo e local adequados. (Doc 19)

A criança foi acolhida pela equipe multidisciplinar do Programa de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual, que funciona no Hospital Universitário, desde 1998. Após exames, a equipe constatou que as condições de desenvolvimento da gravidez (22 semanas e quatro dias e um peso fetal de 537 gramas) indicavam um procedimento que não se encaixa no protocolo adotado pelo hospital. (Doc 13)

A violência vivida por Violeta não ocorreu apenas na esfera singular, quando sofreu as sucessivas violações pelo tio, mas, também, quando buscou amparo da rede intersetorial, pois uma parcela dos profissionais se manifestou veementemente contrária ao aborto.

Utilizaram, de forma irresponsável, a dor de uma criança e de uma família em prol de bandeiras ideológicas que em nada contribuem para aperfeiçoar os mecanismos de proteção da infância. (Doc 2)

Mais revoltante ainda é presenciar o envolvimento de agentes públicos, responsáveis pela execução de leis de proteção, defesa e acolhimento, atuando de forma contrária ao que lhes é imputado por ofício. O fundamentalismo religioso é incabível em um Estado democrático de direito, que em sua Constituição Cidadã expressa que o Brasil é um Estado laico. (Doc 19)

O posicionamento contrário ao aborto manifestado por uma parcela dos profissionais da rede intersetorial e dos agentes públicos foi influenciado por uma perspectiva ideológica alicerçada no fundamentalismo religioso. Isso revela que, na prática, as conjecturas pessoais foram sobrepostas aos direitos previstos pela legislação brasileira.

O enfrentamento da violência sexual contra a criança pelo Estado brasileiro

Os documentos oficiais consideram a violência sexual um fenômeno complexo fundamentado nas iniquidades de gênero e geração, sem apresentar de que maneira compreendem essas duas categorias sociais. Reconhecem que esse tipo de violência desencadeia reflexos para o desenvolvimento infantil e consequências traumáticas na vida adulta. A ocorrência da gestação é um agravante da violência vivida, conforme pode ser constatado nos excertos a seguir.

Tal forma de violência [sexual] se revela nas relações desiguais de poder entre crianças, adolescentes e adultos, e está permeada pelas desigualdades socioeconômicas e de gênero presentes na sociedade. Além disso, demonstra a permissividade da sociedade em relação à objetificação do corpo feminino, à erotização precoce de meninas e ao que vem sendo chamado de cultura do estupro. (Doc 35)

A violência cria marcas e gera graves consequências no desenvolvimento biopsicossocial das vítimas, podendo produzir traumas que interferem ao longo de toda vida, sendo que o sofrimento causado pelo abuso sexual de crianças e adolescentes ainda se torna mais intenso e grave quando a vítima engravida do agressor, especialmente em situações de incesto, sendo uma situação que revela uma dupla violência e agressão aos direitos das crianças e adolescentes. (Doc 14)

Os documentos oficiais destacam a necessidade de envolver os diferentes segmentos de gestão de políticas públicas da sociedade no enfrentamento da violência sexual contra a criança. Salientam que os três níveis de governo são responsáveis pela promoção de ações direcionadas para a identificação da violência e o oferecimento de condições adequadas para os profissionais que atuam nos serviços de atendimento, contribuindo para o combate à violência institucional.

A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão promover, periodicamente, campanhas de conscientização da sociedade, promovendo a identificação das violações de direitos e garantias de crianças e adolescentes, e a divulgação dos serviços de proteção e dos fluxos de atendimento como forma de evitar a violência institucional. (Doc 27)

Devido à complexidade da violência sexual, reforçam a necessidade de integração entre os serviços de atendimento à criança, visto que o enfrentamento do problema depende de uma rede estruturada para redução dos danos, acompanhamento das vítimas e avaliação periódica das ações implementadas.

Formular diretrizes e parâmetros para estruturação de redes integradas de atenção a crianças e adolescentes em situação de violência, com base nos princípios de celeridade, humanização e continuidade no atendimento. (Doc 31)

O atendimento deverá ser uma prática ética e profissional, de acordo com a regulamentação dos respectivos órgãos profissionais, não podendo agravar o sofrimento psíquico de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes, devendo-se respeitar o tempo e o silêncio de quem é ouvido, prevalecendo as medidas emergenciais de proteção. (Doc 30)

Além da responsabilidade do Estado e dos serviços que compõem a rede intersetorial, é citada a participação da família para a proteção integral da criança.

(...) fortalecer as competências familiares em relação à proteção integral e educação em direitos humanos de crianças e adolescentes no espaço de convivência familiar e comunitária. (Doc 31)

Essa categoria empírica revela que o Estado brasileiro reconhece o problema da violência sexual contra a criança e propõe ações para o seu enfrentamento. Entretanto, o que se verifica na realidade concreta é a omissão da gestão pública na implementação dessas ações, uma vez que Violeta relatou ter sofrido violência sexual durante quatro anos consecutivos.

Ser menina brasileira: opressões de gênero e geração

Parte dos documentos abordou, ainda que superficialmente, questões de gênero e geração, reconhecendo as consequências deletérias da omissão do Estado na defesa dos direitos da criança como consequência do machismo e da visão androcêntrica vigentes na sociedade capitalista. Considerou-se a abordagem de gênero e geração como superficial, devido à utilização dos termos sem descrever de maneira suficiente o seu conceito ou sustentá-los teoricamente nos referenciais pertinentes.

A Declaração Internacional dos Direitos Sexuais reconhece que os direitos das mulheres e das meninas são parte integrante dos direitos humanos universais, que os direitos sexuais são patrimônio inalienável de todos os seres humanos e que sua promoção e proteção é de responsabilidade primordial dos governos. (Doc 20)

A dificuldade de acesso ao direito e sua quase obstaculização contribuiu para prolongar o sofrimento e reforçar a violência já sofrida por esta criança e sua família. Trata-se de um processo que explicita a força do patriarcado e da opressão sobre as mulheres na sociedade capitalista e machista em que vivemos. Tal situação não pode ser invisibilizada, tampouco naturalizada. (Doc 19)

Alguns discursos destacaram que a desigualdade de gênero condiciona as mulheres, desde a infância, à posição de subalternidade na hierarquia social, o que aumenta o risco de exposição a diferentes tipos de violência. Assim, destacam-se como fundamentais as ações do Estado que visem à garantia dos direitos humanos de meninas e mulheres. Os documentos também salientam a necessidade de enfrentar a desigualdade de gênero desde a infância, dado que a violência é uma construção social.

(...) considerando que as desigualdades entre meninas e meninos são construídas social e culturalmente desde a infância e a adolescência, moldando concepções e comportamentos que, muitas vezes, desfavorecem as meninas e acarretam violações e violências em suas trajetórias de vida relacionadas ao fato de serem mulheres. (Doc 19)

Ressaltam a urgência de que a desigualdade de gênero seja reconhecida e enfrentada, desde a infância e a adolescência, especialmente por meio de políticas, orçamento e serviços públicos que incluam educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não [ter de] abortar e aborto legal para não morrer. (Doc 14)

No que tange à categoria geração, os documentos dão visibilidade aos avanços no âmbito dos direitos das crianças, a partir da aprovação do ECA, com destaque para a necessária priorização das ações para que crianças e adolescentes sejam reconhecidos como sujeitos sociais e de direitos.

A visão da “criança-objeto”, da “criança menor”, ou seja, a visão higienista e correcional é substituída pela visão da criança como sujeito de direitos. O mais importante nesse movimento, inaugurado pela Criança Constituinte, e que culminou com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em 1990, é a afirmação da universalidade dos direitos da criança. (Doc 31)

(...) considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/1990 (ECA) reconhece crianças e adolescentes como pessoas em peculiar condição de desenvolvimento e como sujeitos de direitos, dignas de receber proteção integral e de ter garantido seu melhor interesse e, por isso, estabelece que seus direitos devem ser promovidos e protegidos em primeiro lugar, de forma absolutamente prioritária. (Doc 14)

Nos documentos analisados, observa-se uma mudança na concepção de criança, pois, a partir do ECA, passaram a ser entendidas como sujeitos sociais de direitos. Contudo, verifica-se que Violeta não foi tratada, de fato, como portadora de direitos, na maior parte do caso. Identifica-se, por meio do seu silenciamento, as ameaças do agressor, a revitimização pelos profissionais e agentes públicos, a desvalorização inicial do seu desejo de interromper a gestação e a culpabilização pelo aborto.

A menina teria contado que era vítima do crime desde os 6 anos de idade e que não denunciou por medo porque sofria ameaças. (Doc 7)

(...) que se condene o estupro e se puna o estuprador e, principalmente, fique entendido, de uma vez por todas, que é preciso PARAR de culpar meninas e mulheres, vítimas de um crime hediondo, que representa a expressão mais perversa do patriarcado e do machismo. (Doc 12)

Os documentos oficiais selecionados nesta pesquisa não abordaram especificamente a gravidez infantil, somente questões gerais relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos de meninas e adolescentes. A discussão sobre o aborto legal foi pautada exclusivamente pelo Código Penal, considerando o procedimento na perspectiva da criminalização.

DISCUSSÃO

As políticas públicas brasileiras de atenção à criança são elementos importantes para a estruturação de um sistema de garantias legais de direitos. Esse sistema envolve sujeitos e serviços que constituem a rede de apoio responsável pela prevenção, responsabilização e pelo atendimento das situações de violência(151 Faraj SP, Siqueira AC, Arpini DM. Rede de proteção: o olhar de profissionais do sistema de garantia de direitos. Temas em Psicol. 2016;24(2):727-41. https://doi.org/10.9788/TP2016.2-18
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).

A despeito dos resultados desta pesquisa, evidenciarem avanços na garantia dos direitos à criança no Brasil, também desvelam retrocessos, especialmente na implementação das ações para tal concretização. Diante da diversidade de violações às quais Violeta foi exposta, questiona-se: em que medida o Brasil protege e garante os direitos das suas crianças? Os dados deste estudo evidenciam que os desafios relacionados ao enfrentamento da violência sexual e ao acesso ao aborto legal ainda estão presentes na sociedade brasileira. Eles estão associados à concepção predominante de sociedade como androcêntrica e patriarcal, que estabelece uma relação de poder unilateral adulto-criança, na qual a criança é tida como propriedade e controlada por meio do silenciamento e da subalternização.

Depois de muita discussão e mobilização, especialmente dos movimentos de mulheres, responsáveis por ocupar os espaços onde se concentravam os grupos conservadores para a defesa dos direitos da criança, conseguiu-se que a decisão de Violeta fosse respeitada. Historicamente, os movimentos feministas são os principais responsáveis pela discussão a respeito do aborto, no sentido de que as mulheres tenham autonomia sobre os seus corpos e destinos, assim como para que as políticas públicas sobre a temática tenham avanços legais e institucionais(161 Evangelista MB. Aborto, militância e subjetividade. Rev Estud Fem. 2020;28(2):e58758. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n258758
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).

As violações vividas por Violeta ultrapassaram a esfera singular e foram reproduzidas, em âmbito particular, pelos profissionais do serviço hospitalar responsável pelo primeiro atendimento e pelos grupos conservadores que se manifestaram contra o aborto e expuseram a privacidade da criança e da sua família nas redes sociais.

Uma pesquisa africana, realizada com 86 profissionais de saúde que atuavam em serviço de atendimento pós-aborto, verificou que 27% dos participantes consideravam a interrupção da gestação um pecado. Também sugeriram o aconselhamento como medida de cuidado para a continuidade da gestação, mesmo quando o aborto era garantido legalmente(171 Håkansson M, Oguttu M, Gemzell-Danielsson K, Makenzius M. Human rights versus societal norms: a mixed methods study among healthcare providers on social stigma related to adolescent abortion and contraceptive use in Kisumu, Kenya. BMJ Glob Heal. 2018;3(2):e000608. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2017-000608
https://doi.org/10.1136/bmjgh-2017-00060...
). Outra pesquisa, realizada com duas vítimas de estupro na Índia, indicou que elas precisaram recorrer ao sistema de justiça após a recusa do procedimento pelos profissionais de saúde. Esse dado revelou a necessidade de formação dos profissionais de saúde para o desenvolvimento de boas práticas sensíveis às questões de gênero, a fim de reduzir as barreiras de acesso, as atitudes de preconceito e negligência(181 Bhate-Deosthali P, Rege S. Denial of safe abortion to survivors of rape in India. Health Hum Rights [Internet]. 2019 [cited 2022 Feb 09];21(2):189-98. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31885448
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31885...
).

Na dimensão estrutural, observou-se a influência de representantes políticos e religiosos para a não interrupção da gravidez, mesmo que amparada por lei, o que revela a seguinte contradição: ao mesmo tempo em que a legislação dava amparo a Violeta para realizar o aborto, agentes públicos expressavam sua contrariedade e objeção, unicamente com base em crenças pessoais, de cunho majoritariamente religioso.

No Brasil, desde 2014, tem-se evidenciado uma polarização política, na qual têm se destacado os movimentos políticos conservadores de extrema direita. Esses movimentos se situam na convergência entre o neoliberalismo, o neoconservadorismo e o fundamentalismo religioso. Consideram que a ideologia de gênero é uma ameaça aos valores morais da sociedade, portanto, precisa ser combatida. Neste contexto, predominam discursos que naturalizam e justificam a violência de gênero como forma de manter a ordem social vigente(191 Miguel LF. O mito da “ideologia de gênero” no discurso da extrema direita brasileira. Cad Pagu. 2021;62:e216216. https://doi.org/10.1590/18094449202100620016
https://doi.org/10.1590/1809444920210062...
).

A ideologia conservadora estruturada politicamente tem influência sobre as instituições de poder que conformam a sociedade brasileira, como o sistema de justiça e saúde. No mundo ocidental, o poder se materializa em uma linguagem jurídica própria, utilizando estratégias para se arraigar e ser exercido nas microrrelações de poder. O uso de normas legais por médicos e juristas para negar a assistência às mulheres que buscam o aborto previsto em lei é resultado de uma relação desigual de poder, ancorada na relevância crescente de normativas e ações reguladoras(201 Foucault M. Microfísica do poder. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2017. 432 p.).

Assim, a defesa de concepções conservadoras, fundamentadas em crenças religiosas e manifestadas por agentes públicos, em detrimento dos direitos da criança, revela claramente a ausência de laicidade do Estado brasileiro. Além disso, tem destaque a criminalização do aborto, a despeito da circunstância em que se deu a gravidez(211 Lopes SDN, Oliveira MHB. My body, my rules: women’s struggle for access to public health services for the accomplishment of safe abortion. Saúde Debate. 2019;43(esp 4):20-33. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S403
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). De acordo com a legislação brasileira, o aborto é permitido quando a gravidez representa risco à vida da gestante ou é resultado de violência sexual(221 Presidência da República (BR). Código Penal. Brasília: Casa Civil; 1940. 138 p.). A gravidez de Violeta se enquadrava nos dois requisitos, mas o direito de a interromper não lhe foi imediatamente assegurado após sua decisão.

A valorização da vida do nascituro em oposição à vida da criança gestante pelos grupos conservadores que se manifestaram contrários à decisão pelo aborto legal revela a interseccionalidade das questões de gênero e geração. No tocante ao gênero, a sacralidade da maternidade foi considerada mais relevante que a situação de violência sexual contra uma criança. Em contraposição, a sacralidade do corpo de Violeta, que foi violada, não foi objeto de debate igualmente intenso pelos mesmos agentes que pregavam a salvação do concepto. Em termos de geração, a autonomia da criança na tomada de decisão foi completamente anulada, prevalecendo a vontade dos adultos, mesmo Violeta tendo afirmado reiteradas vezes seu desejo de interromper a gravidez.

O respeito aos desejos da criança, na tomada de decisão sobre seu corpo, está relacionado com o cuidado e a atenção dispensada para ouvi-la em uma escuta qualificada, o que não é apenas correto, mas necessário. Apenas ouvindo-a será possível compreender a natureza, a escala e o impacto da violência na sua vida. O direito de participar, manifestar e ter suas vontades respeitadas não é apenas fundamental para a dignidade da criança e sua autonomia, mas como uma dimensão vital de proteção contra o abuso e a exploração dos portadores de menor poder(231 Lansdown G. Strengthening child agency to prevent and overcome maltreatment. Child Abuse Negl. 2020;110:104398. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2020.104398
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2020.10...
).

Os discursos analisados revelam a dominação do agressor e dos diferentes sujeitos sociais sobre a infância e o corpo feminino, ao silenciar seus direitos, desejos e autonomia. Diante disso, as políticas públicas de proteção à criança se mostraram insuficientes. Para assegurar o direito da menina ao aborto, foi necessário romper com as diversas concepções que reforçam o caráter desigual e opressor das relações homem-mulher e criança-adulto(241 Vieira MS. Sexual violence against girls: from silence to confrontation. Libertas. 2018;18(2):1-16. https://doi.org/10.34019/1980-8518.2018.v18.18596
https://doi.org/10.34019/1980-8518.2018....
).

A abordagem superficial dos conteúdos de gênero e geração nos documentos oficiais analisados se mostrou um obstáculo importante, pois não foi possível saber de que maneira foram considerados. A desigualdade de gênero é responsável pela subalternidade do sexo feminino, e expressa-se por meio de diferentes tipos de violações(251 Klein AM, Torres JC, Galindo MA. Direitos humanos, mulheres e gênero nas escolas. Educ Rev. 2019;20:9-22. https://doi.org/10.36311/2236-5192.2019.v20esp.02.p9
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). Somada a isso, as meninas também são consideradas propriedade da família e sem direitos(261 Llobet V. Tensiones entre derechos de las mujeres y protección de la niñez. Rev Estud Fem. 2020;28(3):1-14. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n365412
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).

O reconhecimento da criança como sujeito de direitos avançou nos últimos 40 anos, principalmente por meio da Convenção dos Direitos da Criança, realizada em 1989(231 Lansdown G. Strengthening child agency to prevent and overcome maltreatment. Child Abuse Negl. 2020;110:104398. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2020.104398
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2020.10...
), que teve impacto na legislação de diferentes países. No Brasil, apesar de parte dos documentos oficiais refletir essa mudança de concepção, isso não se confirmou no caso analisado.

A situação de violência sexual se tornou evidente quando Violeta já se encontrava grávida. O medo das ameaças do tio a impediu de buscar apoio junto à rede de apoio formal e informal. Seu silêncio também pode estar vinculado à culpabilização e à responsabilização pelas situações de violência, pois as meninas são continuamente julgadas por seus comportamentos, modos de falar, vestir e brincar(271 Bonfanti AL, Gomes AR. A quem protegemos quando não falamos de gênero na escola? Rev Periódicus. 2018;1(9):105-21. https://doi.org/10.9771/peri.v1i9.2568
https://doi.org/10.9771/peri.v1i9.2568...
), o que reforça a cultura do estupro, bastante difundida na sociedade.

A compreensão da violência como produto das relações de poder estabelecidas entre adultos e crianças contribui para a desconstrução da cultura do estupro que reifica e erotiza os corpos das meninas para a satisfação sexual de homens adultos(281 Sousa RF. Rape Culture: the implicit practice of the incitement of sexual violence against women. Rev Estud Fem. 2017;25(1):9-29. https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p9
https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v2...
). O reconhecimento da violência contra a criança como resultado de uma construção histórica e social é primordial para prevenir, identificar e enfrentar o problema.

Os achados desta pesquisa confirmam que as crianças, em especial as meninas, conformam um grupo social vulnerável, sujeito a diferentes tipos de violações que ultrapassam o âmbito familiar e reproduzem-se nos espaços públicos da sociedade. Diante disso, o investimento em uma rede de apoio eficiente e efetiva é fundamental para a garantia dos direitos das crianças.

A responsabilidade da família, da sociedade civil e do Estado na proteção das crianças e no enfrentamento da violência de que são vítimas revela a complexidade do fenômeno e a urgência de ações concretas em defesa da proteção da infância. A proteção integral das crianças depende de uma rede integrada, constituída por profissionais qualificados e com condições adequadas de atendimento, para identificar e intervir nas situações de violência(291 Hino P, Takahashi RF, Nichiata LYI, Apostólico MR, Taminato M, Fernandes H. Interfaces of vulnerability dimensions in violence against children. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 3):343-7. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0463
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
). Além disso, as crianças precisam ter voz e espaço de escuta para que suas demandas sejam transformadas em políticas públicas efetivas.

É preciso desnaturalizar a violência na sociedade e transpor as barreiras que impedem a educação para emancipação. Estudo realizado no Vietnã com crianças em idade escolar identificou que elas não recebiam informações suficientes sobre sexualidade por parte dos pais e da escola, resultando em percepções distorcidas sobre o abuso sexual, como a de que os perpetradores não seriam parentes ou que a escola e a casa eram lugares seguros(301 Do HN, Nguyen HQT, Nguyen LTT, Nguyen HD, Bui TP, Phan NT, et al. Perception and Attitude about Child Sexual Abuse among Vietnamese School-Age Children. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(20):3973. https://doi.org/10.3390/ijerph16203973
https://doi.org/10.3390/ijerph16203973...
).

Casos de violência contra crianças e adolescentes requerem o fortalecimento de serviços e ações de atendimento às suas necessidades, o que deve incluir desde o tratamento adequado por sistemas de justiça e segurança pública até o apoio físico, emocional e psicossocial oferecido pelos sistemas de saúde, assistência social e educação(311 United Nations Children’s Fund (UNICEF). A familiar face: violence in the lives of children and adolescents. New York: UNICEF; 2017. p. 1-11.). Entretanto, a forma de estruturação dos serviços de proteção às crianças, a falta de investimentos e posicionamentos político-ideológicos conservadores em relação ao tema dificultam a aplicação da legislação protetiva.

Portanto, além da reestruturação dos serviços de saúde e do acolhimento, é preciso também combater a interferência de grupos religiosos e de interesses particulares no Estado brasileiro. É fundamental que os governos deixem de invocar costumes, tradições ou influências religiosas, para evitar o cumprimento de suas obrigações na proteção de direitos, e firmem compromisso com a condenação da violência contra as mulheres e crianças(321 Yilmaz O. Female autonomy, social norms, and intimate partner violence against women in Turkey. J Dev Stud. 2018;54(8):1321-37. https://doi.org/10.1080/00220388.2017.1414185
https://doi.org/10.1080/00220388.2017.14...
).

Limitações do estudo

O presente estudo teve como limitação o acesso somente a documentos oficiais publicados online e disponíveis publicamente. O período da coleta de dados, abrangendo somente os meses em que houve divulgação do caso, também foi uma limitação devido ao ingresso de Violeta no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas, devido à repercussão do caso e às ameaças que lhe foram feitas. Contudo, essas limitações não invalidam os resultados, pois os dados foram suficientes para evidenciar as contradições e subsidiar a análise do fenômeno.

Contribuições para a área das políticas públicas

Os resultados do estudo acrescentam novos conhecimentos sobre a violência sexual, a gravidez infantil e o aborto legal, chamando atenção para um fenômeno ainda pouco explorado nas políticas públicas, assim como na literatura científica. Além disso, suscitam reflexões sobre o sistema brasileiro de garantia de direitos a implementação de políticas públicas e o fortalecimento da atenção às meninas vítimas de violência sexual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo das perspectivas ideológicas contidas em documentos e discursos oficiais a respeito do tema revelou que, embora contivessem concepções vinculadas ao respeito aos direitos e à proteção da criança, estas não foram suficientes para o reconhecimento e o enfrentamento da violência sexual, da gravidez infantil e do acesso ao aborto legal, neste caso específico.

Os documentos oficiais analisados revelaram como principal barreira para a garantia dos direitos da criança as concepções conservadoras, fundamentadas principalmente na religião e na criminalização principialista do aborto. Essas concepções, quando expressas por representantes políticos, também colocam em xeque a laicidade do Estado brasileiro, em que pese ter-se assim declarado, desde a Constituição Federal de 1988.

Além disso, a superficialidade com que os conteúdos de gênero e geração foram abordados nos documentos oficiais revela a necessidade de aprofundamento e espraiamento desses conceitos, bem como sua contextualização, a fim de que o fenômeno da violência possa ser entendido e enfrentado a partir de uma perspectiva crítica e emancipadora.

Por fim, há que combater e superar o androcentrismo e o patriarcado dentro das instâncias governamentais, permitindo que mulheres e crianças também ocupem os espaços de debates e decisões. Além disso, urge reconhecer que a rede de apoio aos direitos das crianças requer investimentos financeiros dos gestores das três esferas de governo, para viabilizar o aprimoramento de ferramentas, estratégias e posicionamentos críticos para o enfrentamento da violência. O subfinanciamento das ações, que ora se evidencia, revela uma faceta perversa do atual cenário de retrocesso e desmonte de programas e políticas públicas vigentes.

O estudo mostrou também a força dos movimentos populares - especialmente de mulheres - na busca pela garantia dos direitos da criança envolvida. Assim, há que reconhecer e potencializar esta atuação, com o setor saúde se aliando ao controle social em prol da defesa dos direitos sexuais e reprodutivos de pessoas de todas as gerações.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Também é resultado de projeto financiado por Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2021
  • Aceito
    21 Mar 2022
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