Tendência temporal dos acidentes por exposição percutânea em um hospital público no Brasil, 2007-2019

RESUMO

Objetivos:

analisar a tendência temporal dos acidentes por exposição percutânea em um hospital público no Brasil, entre 2007 e 2019, segundo características sociodemográficas e profissionais.

Métodos:

análise de séries temporais dos acidentes por exposição percutânea ocorridos em trabalhadores de saúde. Foram avaliadas as variáveis sociodemográficas, profissionais, perfil dos acidentes, condutas pós-acidentes e as taxas de incidência dos acidentes. A regressão de Prais Winsten foi empregada para análise de tendência e cálculo da variação percentual anual, com nível de significância de 5%.

Resultados:

foram registrados 761 acidentes ocupacionais. Houve tendência decrescente da taxa de acidente percutâneo nos trabalhadores do sexo feminino (-0,012%; p=0,009), que possuíam ensino médio (-0,011%; p=0,035) e entre todas as categorias profissionais de saúde (-0,010%; p=0,019). Observou-se tendência crescente (0,018%; p= 0,050) entre trabalhadores com tempo ≥ 61 meses de experiência profissional.

Conclusões:

a análise evidenciou incidência decrescente de acidentes percutâneos, que pode ser explicada por múltiplos fatores.

Descritores:
Pessoal de Saúde; Acidentes de Trabalho; Ferimentos Penetrantes Produzidos por Agulha; Hospitais; Estudos de Séries Temporais.

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the temporal trend of accidents due to percutaneous exposure in a public hospital in Brazil, between 2007 and 2019, according to sociodemographic and professional characteristics.

Methods:

analysis of time series of accidents due to percutaneous exposure that occurred in health workers. Sociodemographic and professional variables, accident profile, post-accident behavior and accident incidence rates were evaluated. The Prais Winsten regression was used for trend analysis and calculation of the annual percentage change, with a significance level of 5%.

Results:

761 occupational accidents were recorded. There was a downward trend in the rate of percutaneous injuries among female workers (-0.012%; p=0.009), who had secondary education (-0.011%; p=0.035) and among all health professional categories (-0.010%; p =0.019). There was an increasing trend (0.018%; p= 0.050) among workers with ≥ 61 months of professional experience.

Conclusions:

the analysis showed a decreasing incidence of percutaneous accidents, which can be explained by multiple factors.

Descriptors:
Health Personnel; Accidents; Occupational; Needlestick Injuries; Hospitals; Interrupted Time Series Analysis.

RESUMEN

Objetivos:

analizar tendencia temporal de accidentes por exposición percutánea en un hospital público brasileño, entre 2007 y 2019, segundo características sociodemográficas y profesionales.

Métodos:

análisis de series temporales de los accidentes por exposición percutánea ocurridos en trabajadores de salud. Fueron evaluadas las variables sociodemográficas, profesionales, perfil de los accidentes, conductas post-accidentes y tasas de incidencia de los accidentes. La regresión de Prais-Winsten fue empleada para análisis de tendencia y cálculo de la variación porcentual anual, con nivel de significación de 5%.

Resultados:

fueron registrados 761 accidentes ocupacionales. Hubo tendencia decreciente de la tasa de accidente percutáneo en trabajadores del sexo femenino (-0,012%; p=0,009), que poseían enseñanza media (-0,011%; p=0,035) y entre todas categorías profesionales de salud (-0,010%; p=0,019). Observado tendencia creciente (0,018%; p= 0,050) entre trabajadores con tiempo ≥ 61 meses de experiencia profesional.

Conclusiones:

el análisis evidenció incidencia decreciente de accidentes percutáneos, que puede ser explicada por múltiples factores.

Descriptores:
Personal de Salud; Accidentes de Trabajo; Lesiones por Pinchazo de Aguja; Hospitales; Estudios de Series Temporales.

INTRODUÇÃO

É alta a prevalência mundial de acidentes do trabalho com exposição a material biológico (ATEMB) potencialmente contaminado, por via percutânea (32,4%; IC 95%: 22,0 a 44,8) e em trabalhadores de saúde (56,2%; IC 95%: 47,1 a 64,9)(¹). A inadequação das estratégias de gestão e a falta de adesão às precauções-padrão são os principais fatores associados à alta prevalência(²).

A World Health Organization aponta que, a cada ano, cerca de 2 milhões de trabalhadores de saúde são expostos aos patógenos de transmissão sanguínea (PTS) devido a ferimentos causados por agulhas e demais materiais perfurocortantes (MP)(³). A exposição provocada por esses tipos de materiais sujeita o trabalhador a dezenas de PTSs, tais como o vírus da hepatite B (HBV), da hepatite C (HCV) e da imunodeficiência humana (HIV)(⁴).

Além da possibilidade de infecção pós-acidente, os acidentes percutâneos podem resultar em distúrbios mentais, transtornos de estresse pós-traumático, mal-estar devido à profilaxia pós exposição, absenteísmo e, por fim, custo com o tratamento para o serviço de saúde(⁵-⁶). Estima se que cada caso de acidente gere gastos entre 175 a 350 dólares americanos (USD) para os sistemas de saúde(⁶).

A última estimativa realizada pelo Centers for Disease Control and Prevention aponta a ocorrência anual de 385 mil casos de acidentes com MP em hospitais americanos, com média de mil casos por dia. Dentro de instituições hospitalares, a ocorrência dos acidentes está associada à categoria profissional, tempo de experiência profissional, status de treinamento e condições de trabalho(⁷).

No Brasil, dos 53.524 acidentes registrados no setor hospitalar em 2017, 9.846 foram por contato com exposição a doença transmissível, categoria, esta, que inclui os ATEMBs por via percutânea(⁸). Embora relevantes, esses números podem ser imprecisos. Sabe-se que há subnotificação das estatísticas sobre os acidentes de trabalho, restringindo o conhecimento da magnitude global do problema e dificultando a avaliação dos efeitos das medidas de prevenção(⁹).

Ao considerar a significância epidemiológica dos acidentes com MP em profissionais de saúde da área hospitalar, verifica-se a realização de pesquisas com a finalidade de conhecer a magnitude dos acidentes nesses locais(¹). Entretanto, grande parte desses trabalhos se restringem aos estudos transversais, com período curto de análise de taxas dos acidentes. Além disso, observa-se a utilização de informações do Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação (SINAN), que apresenta elevado percentual de dados incompletos(¹⁰). Nesse aspecto, até o presente momento, são escassos na literatura estudos sobre a análise de série histórica dos acidentes percutâneos e com um seguimento longitudinal da incidência com mais de dez anos, em hospitais.

OBJETIVOS

Analisar a tendência temporal dos acidentes por exposição percutânea em um hospital público no Brasil, entre 2007 e 2019, segundo características sociodemográficas e profissionais.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos e atendeu às normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de uma análise de séries temporais dos ATEMBs por via percutânea ocorridos em trabalhadores de saúde de um hospital público, entre 2007 e 2019. A redação do presente estudo foi norteada pelo checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(¹¹).

O estudo foi desenvolvido em um hospital de grande porte, referência para atendimento de urgência e emergência, que realiza atividades de pesquisa, ensino e assistência. A instituição localiza se no município de São José dos Campos, estado de São Paulo, (SP), Brasil. Entre outras características, desde 2016, o hospital é acreditado pela Organização Nacional de Acreditação (ONA).

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população foi composta por todos os trabalhadores de saúde que prestaram assistência direta aos indivíduos hospitalizados e que possuíam vínculo empregatício com o hospital; e por estudantes do programa de residência médica. Foram excluídos aqueles que realizavam, exclusivamente, atividades administrativas e os que estavam de licença/afastados do trabalho.

Protocolo do estudo

As informações dos trabalhadores foram extraídas do banco de dados do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), localizado nas dependências do hospital. As variáveis de interesse foram coletadas por um pesquisador, no período de fevereiro a agosto de 2020, com o preenchimento de um formulário semiestruturado, elaborado com base na literatura(¹²). O formulário continha as seguintes informações: dados sociodemográficos (sexo, idade e escolaridade); dados profissionais (categoria profissional e tempo na instituição); perfil dos acidentes (local de ocorrência do acidente, turno de ocorrência, tipo de material perfurocortante, presença de dispositivo de segurança, região do corpo atingida, circunstância do acidente, uso de equipamento de proteção individual - EPI); dados de condutas pós-acidente (notificação do acidente de trabalho, emissão da comunicação do acidente de trabalho, avaliação médica especializada, tempo de afastamento do trabalho, status sorológico da fonte e do profissional, tipo da fonte, resultado do exame Anti-HBs, número de doses recebida da vacina contra hepatite B, indicação de profilaxia pós exposição - PPE para HIV, HBV, HCV, evolução do caso); número de acidente por exposição percutânea registrado; e número de trabalhadores expostos ao risco de acidente por exposição percutânea.

Inicialmente, a caracterização dos acidentes percutâneos nos grupos de trabalhadores de saúde foi realizada com a análise descritiva por meio do cálculo das frequências absolutas e relativas. Em seguida, foram calculadas as taxas de incidência mensais dos ATEMBs por via percutânea, segundo os dados sociodemográficos e categoria profissional. A taxa foi obtida dividindo-se o número mensal de casos de “acidente ocupacional por exposição percutânea” - com base no diagnóstico de acidente de trabalho com exposição a material biológico, Z20.9 na 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) -, pelo número de profissionais de saúde expostos ao risco de ATEMB que prestaram assistência direta aos indivíduos hospitalizados no mês de ocorrência, multiplicando-se o resultado por 100. Por fim, calculou-se a média das taxas mensais para cada ano-calendário.

Análise dos resultados e estatística

A regressão linear generalizada de Prais-Winsten(¹³-¹⁴) foi empregada para análise de tendência temporal e cálculo da variação percentual anual de taxas de acidentes. Esse método é recomendado para estudos de tendência temporal, uma vez que o procedimento considera a autocorrelação serial(¹³).

Quanto à avaliação das variações anuais das taxas obtidas pelos coeficientes da regressão, todas as estimativas indicaram: (crescente) aumento na tendência quando a mudança anual das taxas foi positiva e (decrescente) redução na tendência quando a mudança anual foi negativa.

Todas as análises foram realizadas no software STATA® (versão 14.0.) a um nível de significância estatística fixado em 5%.

RESULTADOS

No período de 2007 a 2019, foram registrados 761 ATEMBs por via percutânea entre profissionais de saúde.

A maior proporção dos registros ocorreu com trabalhadoras do sexo feminino (74,2%), na faixa de 30 a 39 anos (42,2%), com escolaridade no nível médio (53,7%). Ao serem consideradas as categorias profissionais, observaram-se maiores registros entre os técnicos e auxiliares de enfermagem (53,9%), seguidos pela categoria médica (31,8%). A maioria (83,4%) possuía até 60 meses de experiência profissional na instituição hospitalar (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição absoluta e relativa dos acidentes ocupacionais com exposição a material biológico potencialmente contaminado, por via percutânea, ocorridos em um hospital público, segundo os dados sociodemográficos e profissionais, São José dos Campos, São Paulo, Brasil, 2007-2019 (N = 761)

Variável	Total
	n	%
Sexo
Masculino	196	25,8
Feminino	565	74,2
Idade (anos)
18-29	286	37,6
30-39	321	42,2
40-49	112	14,7
≥ 50	42	5,5
Escolaridade (níveis)
Ensino médio	409	53,7
Ensino superior	352	46,3
Categoria profissional
Enfermeiro	91	12,0
Técnico e Aux. de enfermagem	410	53,9
Médico	242	31,8
Outros profissionais técnicos*	8	1,1
Outros profissionais de nível superior**	10	1,3
Tempo na instituição (meses)
≤ 60	635	83,4
≥ 61	126	16,6

• ^*
  Técnico e auxiliar de laboratório; técnico em patologia; técnico em radiologia; auxiliar de odontologia.
• ^*
  ^*

Tabela 2
Distribuição absoluta e relativa dos acidentes ocupacionais com exposição a material biológico potencialmente contaminado, por via percutânea, ocorridos em um hospital público, segundo os dados de perfil dos acidentes, São José dos Campos, São Paulo, Brasil, 2007-2019 (N = 761)

Variável	Total
	n	%
Local de ocorrência do acidente (setor)
UTIs	129	17,0
Centro Cirúrgico	217	28,5
Emergência/pronto-socorro	205	26,9
Enfermaria clínico-cirúrgica	123	16,2
Outros*	87	11,4
Turno de ocorrência do acidente (período)
Diurno matutino	253	33,3
Diurno vespertino	313	41,1
Noturno	195	25,6
Tipo de material perfurocortante
Agulha com lúmen	510	67,0
Agulha de sutura	119	15,6
Lâmina de bisturi	61	8,0
Instrumental cirúrgico	46	6,0
Outros†	25	3,3
Presença de dispositivo de segurança
Não	383	50,3
Sim	135	17,7
Não se aplica	243	31,9
Região do corpo atingida
Dedos das mãos	621	81,6
Mãos	121	15,9
Outros‡	19	2,5
Circunstância do acidente
Descarte inadequado de perfurocortante	160	21,0
Adm. de medicamentos/acesso vascular/coleta de sangue	322	42,3
Procedimento cirúrgico/odontológico	176	23,1
Na descontaminação/organização/processamento materiais	43	5,7
Outros#	60	7,9
Uso de equipamento de proteção individual
Sim	663	87,1
Não	98	12,9

• ^*
  Outros: banco de sangue; PHD; ambulatório; NHE; pediatria; CME; maternidade; laboratório de análises clínicas. †Outros: vidro; tesoura; lanceta; fragmento de osso; lâmina de barbear; dreno; madeira lascada; frasco de cola; agulha de marca-passo. ‡Outras: perna; coxa; braço; antebraço.
Outros: reencape de agulha; retirada de pontos; debridamento; tricotomia; assistência a necessidade de movimentação; restrição; preparo de material.

Os acidentes ocorreram em vários setores do hospital público, sendo os mais frequentes: centro cirúrgico (28,5%), emergência/pronto-socorro (26,9%) e unidades de tratamento intensivo (17,0%). Nesses locais, a maior proporção dos acidentes se deu no turno vespertino (41,1%). O principal tipo de MP envolvido nos acidentes foi a agulha com lúmen (67,0%), sem dispositivo de segurança (50,3%). A região do corpo mais afetada foram os dedos das mãos (81,6%). Dentre as principais tarefas e/ou circunstâncias que causaram os acidentes, destacaram-se a administração de medicamentos, acesso vascular, coleta de amostra de sangue (42,3%) e o procedimento cirúrgico/odontológico (23,1%). Cabe ressaltar que a maioria dos trabalhadores (87,1%) fazia uso de EPI no momento do acidente (Tabela 1).

Em relação à conduta realizada com o trabalhador acidentado, foi feita a notificação do acidente com o preenchimento da ficha do SINAN (CID Z20.9) e a avaliação médica especializada pós-acidente em todos os 761 casos; e, consequentemente, foi emitida a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) em 98,2% dos acidentes. Dentre os acidentados, apenas 16,1% necessitaram de afastamento do trabalho (dados não apresentados).

Para se determinar a conduta pós-exposição, exames clínico-laboratoriais foram realizados tanto no paciente-fonte quanto no profissional de saúde acidentado (83,7%). A maioria dos resultados de exames sorológicos (76,7%) da pessoa/paciente-fonte foram negativos para o HIV, hepatites B e C. Entretanto, uma parte apresentou resultado positivo (5,9%) e/ou indeterminado (1,3%), indicando, assim, a necessidade de introduzir a profilaxia pós-exposição (PEP) para HIV (4,5%), PPE para HBV (4,9%). Além dos exames sorológicos, uma preocupação foi a situação vacinal contra hepatite B e a sorologia contra o vírus, que indicam eficácia da vacina: a maioria dos acidentados possuía o registro de três doses (91,7%) e anticorpos (94,1%) (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição absoluta e relativa da proporção dos acidentes ocupacionais com exposição a material biológico potencialmente contaminado, por via percutânea, ocorridos em um hospital público, segundo os dados de condutas pós-acidente, situação vacinal e acompanhamento sorológico, São José dos Campos, São Paulo, Brasil, 2007-2019 (N = 761)

Variável	Total
	n	%
Status da fonte e do profissional*
Apenas do profissional	124	16,3
Da fonte e do profissional	637	83,7
Tipo da fonte (resultado sorológico)
Desconhecida	122	16,0
Negativa (paciente-fonte não infectado)	584	76,7
Indeterminada (indeterminado - falso positivo/negativo)	10	1,3
Positiva para HIV/hepatite B ou C	45	5,9
Resultado do exame Anti-HBs
Respondedor† (reagente)	716	94,1
Não respondedor‡	43	5,7
Sem resultado	2	0,3
N° de doses recebida da vacina contra hepatite B
Sem registro de doses	4	0,5
< 3 doses	14	1,8
Três doses (esquema completo)	698	91,7
4-6 doses	45	5,9
Indicação de profilaxia pós-exposição (PPE) para HIV
Sim	34	4,5
Não	727	95,5
Indicação de PPE para HBV
Sim	37	4,9
Não	724	95,1
Condutas diante do acidente com exposição ao HCV
Sim (acompanhamento clínico laboratorial)#	176	23,1
Não	585	76,9
Evolução do caso
Alta sem conversão sorológica	747	98,2
Alta com conversão sorológica	0	0,0
Abandono do acompanhamento clínico laboratorial	2	0,3
Evolução desconhecida# #	12	1,6

• ^*
  Situação sorológica com base no exame/teste de detecção dos antígenos de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg), anticorpos contra o antígeno core do vírus da hepatite B (anti-HBc), anticorpos contra vírus da hepatite C (anti-HCV) e anticorpos contra o antígeno do vírus da imunodeficiência humana (anti-HIV). †Respondedor: é definido como a pessoa que tem nível adequado de anticorpos ao antígeno de superfície da hepatite B (anti-HBs) ≥ 10 UI/L. ‡Não respondedor/não Reagente: vacinação inadequada é definida como Anti-HBs < 10 UI/L.
Refere-se ao acompanhamento dos trabalhadores expostos ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite C (HCV) e vírus da hepatite B (HBV). ##Evolução desconhecida: caso em andamento/encaminhado para acompanhar em outra instituição.

A conduta diante da exposição ao HCV conduziu uma parte dos trabalhadores ao acompanhamento clínico laboratorial específico (23,1%). Quanto à evolução dos casos, a maioria (98,2%) obteve alta sem conversão sorológica para os patógenos de exposição sanguínea. Foram poucos os registros de abandono do acompanhamento clínico laboratorial (0,3%) (Tabela 3).

No geral, foi observada a tendência de declínio nas taxas de acidentes ao longo do período analisado (-0,010; p=0,019), com pico de incidência registrada em 2008 (aproximadamente 0,6 acidentes por 100 trabalhadores de saúde/ano) (Figura 1).

Figura 1
Tendência temporal da média das taxas de incidência mensais dos acidentes ocupacionais com exposição a material biológico potencialmente contaminado, por via percutânea, ocorridos em um hospital público, segundo todas as categorias profissionais, São José dos Campos, São Paulo, Brasil, 2007-2019

Em relação à análise de tendência dos dados sociodemográficos e profissionais, no período de 2007 a 2019, houve aumento na mudança percentual anual negativa das taxas de ATEMB por via percutânea entre trabalhadores do sexo feminino (-0,012%; p=0,009) e aqueles que possuíam apenas ensino médio (-0,011%; p=0,035). O aumento na mudança percentual anual positiva para a categoria de trabalhadores com tempo igual ou superior a 61 meses de serviço na instituição ficou no limiar da significância estatística (0,018%; p=0,050) (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição da média das taxas de incidência mensais dos acidentes ocupacionais com exposição a material biológico potencialmente contaminado, por via percutânea, ocorridos em um hospital público, segundo categoria profissional, São José dos Campos, São Paulo, Brasil, 2007-2019

Variável						%								Mudança anual (%)	Valor de p*
	2007	2008	2009	2010	2011	2012	2013	2014	2015	2016	2017	2018	2019
Sexo
Masculino	0,4	0,6	0,2	0,5	0,4	0,4	0,2	0,3	0,2	0,4	0,3	0,4	0,3	-0,010	0,061
Feminino	0,5	0,6	0,5	0,4	0,5	0,4	0,4	0,4	0,4	0,4	0,4	0,4	0,4	-0,012	0,009
Idade (anos)
18-29	0,9	0,8	0,8	0,7	0,8	0,8	0,7	0,7	0,6	1,0	0,7	0,9	1,0	0,008	0,377
30-39	0,4	0,5	0,4	0,4	0,5	0,4	0,3	0,3	0,4	0,4	0,4	0,5	0,4	-0,004	0,398
40-49	0,2	0,4	0,2	0,3	0,2	0,2	0,3	0,2	0,2	0,2	0,3	0,2	0,2	-0,007	0,083
≥ 50	0,3	0,5	0,2	0,2	0,2	0,1	0,0	0,1	0,2	0,0	0,0	0,3	0,2	-0,016	0,160
Escolaridade (níveis)
Ensino médio	0,4	0,6	0,5	0,4	0,4	0,4	0,3	0,4	0,4	0,4	0,4	0,3	0,3	-0,011	0,035
Ensino superior	0,5	0,6	0,3	0,4	0,5	0,5	0,4	0,3	0,3	0,4	0,3	0,5	0,4	-0,009	0,167
Categoria profissional
Enfermeiro	0,9	1,1	0,7	0,2	0,5	0,4	0,5	0,4	0,3	0,2	0,2	0,7	0,5	-0,036	0,122
Técnico e aux. de enfermagem	0,5	0,6	0,5	0,4	0,5	0,4	0,4	0,4	0,5	0,4	0,5	0,4	0,4	-0,009	0,096
Médico	0,3	0,5	0,3	0,5	0,5	0,5	0,3	0,4	0,2	0,5	0,3	0,5	0,4	-0,001	0,923
Outros profissionais técnicos†	0,2	0,0	0,6	0,0	0,0	0,0	0,0	0,0	0,0	0,3	0,0	0,0	0,1	-0,011	0,303
Outros profissionais de nível sup.‡	0,9	0,0	0,0	0,7	0,0	0,1	0,0	0,0	0,0	0,0	0,0	0,2	0,0	-0,031	0,062
Tempo na instituição (meses)
≤ 60	0,5	0,6	0,4	0,4	0,5	0,5	0,4	0,3	0,4	0,6	0,4	0,5	0,5	-0,001	0,895
≥ 61	0,0	0,0	0,1	0,2	0,2	0,2	0,2	0,3	0,2	0,1	0,2	0,3	0,2	0,018	0,050

• ^*
  Teste de Waldman de tendência linear obtido pela regressão de Prais-Winsten. Valores em negrito denotam diferenças significantes.
• ^**
  Fisioterapeuta; biólogo; biomédico; bioquímico; cirurgião-dentista; nutricionista; fonoaudiólogo; psicólogo; técnico de laboratório; terapeuta ocupacional; auxiliar de laboratório; auxiliar de odontologia; técnico em patologia; técnico em radiologia. †Auxiliar de laboratório; auxiliar de odontologia; técnico em patologia; técnico em radiologia. ‡Fisioterapeuta; biólogo; biomédico; bioquímico; cirurgião-dentista; nutricionista; fonoaudiólogo; psicólogo; técnico de laboratório; terapeuta ocupacional.

DISCUSSÃO

A série temporal do coeficiente de incidência dos ATEMBs por via percutânea em trabalhadores de saúde do hospital público, de 2007 a 2019, configurou-se como tendência decrescente no geral e entre profissionais do sexo feminino e que possuíam ensino médio. Também evidenciou uma tendência crescente entre os trabalhadores com tempo igual ou superior a 61 meses de experiência profissional na instituição hospitalar. A maior taxa de incidência foi registrada no segundo ano da série histórica (2008). Como hipótese, acreditam-se que as tendências evidenciadas podem ser explicadas em consequência das legislações brasileiras, fatores biológicos, sociais, comportamentais e das características do processo de trabalho.

O pico de incidência de acidentes percutâneos observado em todas as categorias profissionais em 2008 é inferior às taxas de incidência reportadas em hospitais brasileiros (7,5 casos por pessoa/ano) e superior àquelas encontradas em hospitais colombianos (3,5 casos por pessoa/ano)(¹⁵). Esse resultado é importante para os trabalhadores e instituição de saúde em estudo. No entanto, é necessário alcançar resultados melhores, haja vista as consequências dos acidentes. Estratégias de países com melhores coeficientes de incidência de acidentes percutâneos precisam ser analisadas quanto à viabilidade para posterior implantação nos hospitais brasileiros.

A tendência decrescente da incidência observada entre todos os trabalhadores de saúde pode não ter sido em consequência do acaso ou da subnotificação. Essa tendência de redução pode estar associada à adequação do hospital às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que preconizam as medidas de controle preventivas (MCP) e seguem as diretrizes da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, instituída em 2012(¹⁶). Essas diretrizes deram subsídios para aperfeiçoar as estratégias de vigilância em saúde do trabalhador.

A Norma Regulamentadora 32, direcionada para a proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, implantada em 2005(¹⁷), em alguns estudos mostrou-se correlacionada com a tendência de queda da incidência de acidentes percutâneos em determinados hospitais brasileiros por efeito das MCPs(¹⁵,¹⁸). Estudos internacionais(¹⁹-²⁰) com legislações semelhantes também identificaram tendência de declínio do coeficientes de acidentes por exposição percutânea entre profissionais de saúde da área hospitalar, após a adoção de MCP. As MCPs incluem: a gestão do uso de controle de engenharia, os controles de práticas de trabalho, os controles administrativos, o uso de EPI e os treinamentos(¹⁷,²¹). Tais medidas têm sido apontadas como o principal fator responsável pelo efeito de redução dos acidentes dentro dos hospitais(⁷,⁹,²¹-²⁴).

Ainda, cabe ressaltar que o declínio das taxas ocorreu em um período que houve a melhoria dos registros dos acidentes no Brasil(²⁰), e esse fato pode ter atuado como um redutor de efeito das MCPs. Um estudo que avaliou as tendências temporais de todas as categorias de ATEMB nos estados brasileiros, no período de 2010 a 2016, revelou uma tendência no aumento das taxas de acidentes em trabalhadores de saúde, como consequência das ações de combate à subnotificação e número de profissionais de saúde cadastrados em cada estado(²⁵).

As intervenções de educação e treinamento têm sido amplamente utilizadas dentro dos hospitais para prevenir ferimentos com MP entre os profissionais de saúde(²⁶), principalmente no Brasil, após implementação da NR 32(¹⁷). Com base nessa informação, as intervenções de educação e treinamento podem ter produzido um efeito redutor da incidência dos acidentes no grupo de trabalhadores do sexo feminino e no grupo que possuía ensino médio. O treinamento permite ao trabalhador adquirir uma melhor cultura de segurança, que possibilita identificar situações de risco, agir de forma segura e manusear equipamentos de maneira correta(²⁷-²⁸).

Ademais, não se pode descartar, como hipótese explicativa, a possibilidade de haver influência de características biológicas, sociais, comportamentais e aquelas ligadas às especificidades do processo de trabalho. As mulheres cuidam mais da saúde do que os homens, devido à sua condição fisiológica e social. A demanda fisiológica do corpo feminino habitua as mulheres a adotarem um comportamento de redução de risco à saúde. Esse comportamento preventivo é estimulado pela preocupação em adoecer e, por consequência, comprometer o cuidado com os filhos. O padrão de gênero feminino torna as mulheres mais aderentes às intervenções em saúde do que quando comparadas aos homens(²⁹).

Dentre os profissionais de saúde, os técnicos que possuem apenas o ensino médio são os que mais manuseiam MP em procedimentos invasivos. Essa característica confere maior risco de exposição percutânea(²,⁷,³⁰). Conforme preconizada pela legislação brasileira(¹⁷), a substituição de MP por aqueles que possuem dispositivos de segurança combinada com o treinamento para o uso correto tornou os profissionais de nível médio menos expostos ao risco de ATEMB por via percutânea durante o processo de trabalho. Isso pode ser uma hipótese aceitável para explicar a tendência decrescente entre os profissionais de nível médio. Um estudo que analisou a tendência temporal da taxa de lesões percutâneas em um hospital durante a implantação progressiva de MP com dispositivos de segurança para substituir MP convencionais observou uma tendência de queda entre profissionais (auxiliares de enfermagem) que possuem ensino médio(³¹).

A tendência temporal crescente da incidência de acidentes percutâneos entre os trabalhadores com tempo igual ou superior a 61 meses de experiência profissional na instituição hospitalar pode ser explicada pelos fatores comportamentais, como a dificuldade de adesão aos treinamentos(³²) e excesso de confiança para realizar procedimentos invasivos(¹⁵,²⁸). Apesar de existirem as MCPs e recursos necessários para a realização de um trabalho seguro, observa-se com frequência profissionais da saúde mais experientes se colocando em situação de risco de acidente ocupacional, mesmo na possibilidade de contaminação(³³-³⁴).

Limitações do estudo

O estudo foi realizado em um hospital de grande porte e com selo de acreditação pela ONA fornecido nos anos de 2016 a 2019; portanto, é necessário ter cautela com a validade externa dos nossos resultados. Estudos multicêntricos podem ser conduzidos para verificar se os resultados deste trabalho refletem as tendências nacionais. Ademais, embora fossem apontadas algumas hipóteses sobre os fatores responsáveis pela mudança percentual anual das taxas de incidência dos acidentes percutâneos no referido hospital estudado, futuras análises de regressão segmentada para séries temporais interrompidas devem ser feitas, a fim de atestar o efeito de cada intervenção em saúde. Em contrapartida, como ponto positivo, este estudo utilizou 11 pontos de tempo (2007-2019), já que, para identificar tendências estatisticamente significantes em séries temporais, é recomendado o uso de sete ou mais pontos de análise(¹⁴).

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Pautando-se na análise de série histórica proposta neste estudo, gestores podem reestruturar as ações de enfrentamento dos acidentes percutâneos previstos no serviço de saúde ocupacional. Além disso, os resultados são úteis para ampliar o conhecimento de pesquisadores e enfermeiros que atuam na área de gestão e buscam métodos estatísticos alternativos para avaliar a tendência temporal dos acidentes em serviços de saúde.

CONCLUSÕES

O presente estudo analisou a série temporal do coeficiente de incidência dos ATEMBs por via percutânea em trabalhadores de saúde do hospital público, de 2007 a 2019; e evidenciou uma tendência temporal decrescente no geral e entre profissionais do sexo feminino e aqueles que possuíam ensino médio. A tendência crescente em trabalhadores com tempo igual ou superior a 61 meses de experiência profissional ficou no limiar da significância estatística.

As intervenções em saúde, determinadas pelas políticas públicas voltadas para a saúde do trabalhador, adotadas no âmbito hospitalar e somadas às MCPs, podem justificar a tendência de declínio observada. Por outro lado, é possível que fatores comportamentais tenham sido responsáveis pela tendência secular crescente entre os trabalhadores com maior tempo de serviço na instituição. Estratégias de intervenção em saúde e prevenção de acidentes envolvendo materiais perfurocortantes devem ser desenvolvidas e implantadas em curto prazo, de forma a reduzir os impactos dos acidentes percutâneos

Os resultados deste estudo fornecem informações que possibilitam planejar e formular estratégias preventivas para reduzir a taxa de ATEMB por via percutânea no âmbito hospitalar. Sugere-se aos gestores observar as seguintes propostas de intervenção: aperfeiçoar as estratégias organizacionais adotadas em programas existentes na instituição que tratam de redução dos riscos e estabelecimento de medidas de proteção ao trabalhador contra os riscos ocupacionais; realizar contínua capacitação dos trabalhadores sobre a utilização correta e descarte de MP; testar periodicamente o conhecimento teórico e a habilidade técnica dos profissionais que fazem uso de MP; estimular o desenvolvimento de cultura de segurança e organização entre os trabalhadores de saúde para identificar riscos e notificar os casos de acidentes; reestruturar a organização do processo de trabalho nos setores que apresentam registro de acidente; monitorar regularmente a implementação das diretrizes de precaução-padrão e a adesão dos trabalhadores a elas; uniformizar as políticas de promoção e prevenção de acidentes e demais agravos à saúde do trabalhador em todos os setores do ambiente hospitalar; investir em controle de engenharia nos ambientes de trabalho e na melhoria das condições de trabalho; e manter a qualidade do registro de informações dos acidentes para melhor análise dos indicadores pelos serviço de saúde e segurança ocupacional.

• FOMENTO
  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) - Bolsa de Doutorado do Programa de Formação Doutoral Docente - Processo: 88882.466164/2019-01; Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da UFMG, pelo apoio financeiro - Processo: 23072.227549/2022-15; Adriano Marçal Pimenta, bolsista produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasil.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Jules Teixeira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  08 Fev 2022
• Aceito
  15 Abr 2022