Boas práticas na manutenção do cateter venoso central em tempos de COVID-19: um estudo observacional

RESUMO

Objetivos:

avaliar a adesão às boas práticas de manutenção do cateter venoso central pela equipe de enfermagem durante a pandemia de COVID-19.

Métodos:

pesquisa observacional, transversal, quantitativa com observação não participante. A coleta de dados foi orientada por instrumento desenvolvido para este estudo, constituído por cinco dimensões. Ocorreu em unidade de terapia intensiva de um hospital universitário na cidade do Rio de Janeiro.

Resultados:

foram realizadas 700 observações, que resultaram, no geral, em 402 (57,4%) procedimentos de adesão às boas práticas. Higiene das mãos (8%) e Realização de curativos (10%) foram as dimensões com menor adesão.

Conclusões:

as boas práticas de manutenção do cateter venoso central mostraram-se parcialmente presentes na rotina da equipe de enfermagem durante a pandemia de COVID-19. Em momentos críticos, intensificar a qualificação das equipes para uma melhor adaptação aos novos processos de trabalho é uma estratégia para sustentar a cultura de segurança do paciente.

Descritores:
Enfermagem de Cuidados Críticos; Segurança do Paciente; Infecções Relacionadas a Cateter; Infecções por Coronavírus; Programa de Controle de Infecção Hospitalar.

ABSTRACT

Objectives:

to assess adherence to good practices for central venous catheter maintenance by the nursing team during the COVID-19 pandemic.

Methods:

observational, cross-sectional, quantitative research with non-participant observation. Data collection was guided by an instrument developed for this study, consisting of five dimensions. It took place in the intensive care unit of a university hospital in the city of Rio de Janeiro.

Results:

a total of 700 observations were carried out, which resulted, in general, in 402 (57.4%) procedures for adherence to good practices. Hand hygiene (8%) and Performing the dressings (10%) were the dimensions with the lowest adherence.

Conclusions:

good practices for central venous catheter maintenance were partially present in the routine of the nursing team during the COVID-19 pandemic. In critical moments, intensifying the qualification of the teams for a better adaptation to the new work processes is a strategy to sustain the patient safety culture.

Descriptors:
Critical Care Nursing; Patient Safety; Catheter-Related Infections; Coronavirus Infections; Hospital Infection Control Program.

RESUMEN

Objetivos:

evaluar adhesión a buenas prácticas de manutención del catéter venoso central por grupo de enfermería en tiempos de COVID-19.

Métodos:

investigación observacional, transversal, cuantitativa con observación no participante. La recolecta de datos fue orientada por instrumento desarrollado para este estudio, constituido por cinco dimensiones. Ocurrió en unidad de terapia intensiva de un hospital universitario en Rio de Janeiro.

Resultados:

fueron realizadas 700 observaciones, que resultaron, en el general, en 402 (57,4%) procedimientos de adhesión a las buenas prácticas. Higiene de las manos (8%) y Realización de curativos (10%) fueron las dimensiones con menor adhesión.

Conclusiones:

las buenas prácticas de manutención del catéter venoso central se mostraron parcialmente presentes en la rutina del grupo de enfermería durante la pandemia de COVID-19. En momentos críticos, intensificar la calificación de los grupos para una mejor adaptación a los nuevos procesos laborales es una estrategia para sustentar la cultura de seguridad del paciente.

Descriptores:
Enfermería de Cuidados Críticos; Seguridad del Paciente; Infecciones Relacionadas con Catéteres; Infecciones por Coronavirus; Programa de Control de Infecciones Hospitalarias.

INTRODUÇÃO

A emergência em saúde pública ocasionada pela pandemia de COVID-19 trouxe inúmeros desafios e mudanças para o trabalho da equipe de enfermagem, que atua na linha de frente dos cuidados a esses pacientes. No cenário hospitalar, medidas para prevenção e controle de infecção, tais como as práticas que envolvem a manutenção segura do cateter venoso central (CVC) de curta permanência, se tornaram ainda mais complexas(¹-²).

Esse dispositivo é essencial nas unidades de terapia intensiva (UTI), principalmente para os pacientes com COVID-19 que apresentam evolução rápida, grave e internação prolongada(¹,³-⁴). O CVC viabiliza infusões rápidas de volumes e medicamentos que não podem ser administrados em acessos vasculares periféricos, fornece monitorização hemodinâmica contínua quando conectado a um monitor, possibilidade de infusão de nutrição parenteral, além de ser uma via para coleta de sangue venoso(³,⁵).

A longa permanência desses pacientes demanda cuidados meticulosos na manipulação dos acessos, a fim de evitar possíveis eventos adversos como as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). As IRASs são consideradas a quarta causa de complicações em países desenvolvidos e ocasionam um grande impacto epidemiológico, aumentando o custo institucional, o tempo de internação e a taxa de morbimortalidade(⁶-⁷).

Dentre as causas prevalentes das IRASs, aponta-se o uso de dispositivos invasivos como um dos principais fatores que influenciam o seu surgimento. No caso das infecções de corrente sanguínea relacionada ao cateter (ICSRC), o uso do CVC é responsável por cerca de 90% das infecções em UTI(³). Em 2018, foram notificados 27.957 casos nos hospitais brasileiros, apresentando densidade de incidência em UTI adulto de 4,1 casos por mil cateteres-dia, e o limite estimado para uma unidade crítica são valores até 0,5-1 por mil cateteres-dia(⁸-⁹).

Em 2020, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) publicou uma escala de prioridades referente ao atendimento ao paciente adulto com COVID-19 e destacou o manejo dos cateteres venosos. A classificação reforça que as medidas para prevenir as ICSRCs são de extrema importância, precisam ser executadas na rotina diária do enfermeiro e só devem ser praticadas de forma secundária quando as necessidades emergenciais do paciente forem prioridade(¹⁰).

Entende-se que lidar com o desconhecimento do novo vírus, com o medo, ansiedade, adoecimento de membros da equipe, novas rotinas e processos de trabalho, além de jornadas exaustivas utilizando os equipamentos de proteção individual, foi um enorme desafio para a equipe. Como consequência, houve desencadeamento de números altos de absenteísmo, constantes remanejamentos, sucessivas contratações temporárias e um maior risco de incidentes que pudessem prejudicar a segurança do paciente(²,¹⁰).

Além disso, a equipe precisou se reorganizar para cuidar de pacientes pronados, o que implicou maiores dificuldades para a realização de curativos do CVC e administração de medicamentos. O monitoramento do sítio de inserção do cateter se tornou dificultoso; as desconexões das linhas de infusão e contaminações do circuito com secreções do paciente poderiam não ser visualizadas; e aqueles inseridos em veias jugulares e subclávias ocasionavam maior exposição do profissional, haja vista a manipulação mais próxima das vias aéreas, que é local de maior transmissibilidade e disseminação do vírus, pela geração de gotículas e/ou aerossóis(¹).

Essa nova realidade se apresentou como fator de risco para a segurança dos profissionais de saúde e dos pacientes. Nesse sentido, emergiu a necessidade de se permanecer com a avaliação contínua das práticas adotadas para a manutenção segura do CVC, a fim de conservar a excelência nas boas práticas, reduzir incidentes e subsidiar a oferta de novos treinamentos durante a pandemia. Desse modo, o seguinte problema de pesquisa foi formulado: As boas práticas de manutenção do CVC estão presentes na rotina da equipe de enfermagem durante a pandemia de COVID-19?

OBJETIVOS

Avaliar a adesão das boas práticas de manutenção do cateter venoso central pela equipe de enfermagem durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, atendendo aos princípios éticos exigidos na Resolução 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde(¹¹).

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de uma pesquisa observacional, transversal, de natureza quantitativa com base em observação não participante desenvolvida de abril a maio de 2020. Foi realizada na UTI de um hospital universitário (na cidade do Rio de Janeiro, Brasil) que contém dez leitos de internação para adultos, direcionados, durante o momento de pandemia, ao cuidado crítico de pacientes com diagnóstico de COVID-19. Para o delineamento, condução e relato do estudo, foi adotada a iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(¹²).

População

Participaram da pesquisa enfermeiros, residentes e técnicos de enfermagem. Foram incluídos os profissionais que manipularam o CVC dos pacientes na referida unidade e excluídos os que estavam de férias ou licença durante a coleta. A população de colaboradores descrita nas escalas de trabalho foi representada por 65 profissionais que atuaram na unidade no período estudado, dentre os quais, 15 enfermeiros, 7 residentes e 43 técnicos de enfermagem, que foram observados em todos os passos da manutenção e obtiveram as mesmas oportunidades durante a observação.

Todos os participantes convidados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram orientados com relação aos objetivos da pesquisa, seu caráter voluntário, além de terem a oportunidade de tirar dúvidas existentes. Após o aceite e assinatura do participante, uma cópia do impresso era entregue a ele, sendo possível o início das observações.

Protocolo do estudo

A coleta de dados foi realizada por amostragem de conveniência dos procedimentos relacionados à manutenção do CVC, sem predeterminação ou escolha do profissional. Foi desenvolvida no período de abril a maio de 2020 e conduzida pela autora principal do estudo.

Considerando o déficit de estudos que abordem o resultado da adesão dos profissionais de saúde às recomendações das boas práticas de prevenção de infecção e a necessidade de escolha de estratégias para o seu desenvolvimento(¹³), foi selecionada a observação como técnica para o desenvolvimento da coleta de dados.

As observações foram guiadas por um formulário estruturado, não validado, desenvolvido para este estudo e construído com base nas Medidas de Prevenção de Infecção de Corrente Sanguínea(¹⁴) e do Guideline for the Prevention of Intravascular Catheter-Related Infections(¹⁵). A versão final continha 5 dimensões e 14 itens, conforme descrito no Quadro 1.

Quadro 1
Instrumento de coleta de dados sobre adesão da equipe de enfermagem às boas práticas na manutenção do cateter venoso central, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

Dimensão 1: Higiene das mãos
1. Higienizar as mãos corretamente com água e sabão de 40 a 60 segundos ou com preparação alcoólica de 20 a 30 segundos antes de manipular o cateter.
Dimensão 2: Equipamento de proteção individual
2. Utilizar equipamento de proteção individual (máscara, touca, óculos e luvas) sempre que manipular o cateter.
Dimensão 3: Scrub the hub
3. Realizar scrub the hub com movimentos de forma a gerar fricção mecânica, de 5 a 15 segundos antes de acessar os cateteres, conectores e ejetores laterais.
4. Realizar scrub the hub com solução de clorexidina 0,5% ou álcool a 70%, aguardando a secagem.
Dimensão 4: Realização de curativos
5. Utilizar luva estéril.
6. Utilizar a solução de clorexidina alcóolica 0,5% para antissepsia.
7. Realizar apenas movimentos unidirecionais; sempre do óstio para a parte distal.
8. Esperar a solução aplicada secar espontaneamente.
9. Utilizar gaze estéril ou curativo transparente estéril como cobertura.
10. Realizar troca do curativo a cada 24 horas quando utilizada a gaze estéril, ou a cada sete dias quando instalado o curativo transparente estéril.
Dimensão 5: Registros
11. Registrar a data de troca de equipos (em prontuário, impresso de enfermagem ou no dispositivo, com validade de até 96 horas).
12. Registrar a data de troca de conectores (em prontuário, impresso de enfermagem ou no dispositivo, com validade de até 96 horas).
13. Registrar a troca dos curativos (data e assinatura do profissional que a realizou) no prontuário, impresso de enfermagem ou na cobertura do curativo.
14. Registrar a presença de sinais flogísticos (data e assinatura do profissional que fez a observação) no prontuário ou impresso de enfermagem.

Levantamentos realizados no lócus do estudo estimam que são realizados por dia, em média, cem procedimentos para manutenção do cateter venoso central dos pacientes internados, incluindo todo o rol de práticas analisadas nesta pesquisa. Uma vez que o período de sete dias contempla o rodízio de trabalho de todos os profissionais de saúde participantes do estudo, estabeleceu-se como necessária a observação da realização de 700 procedimentos. Considerando a inclusão de 14 itens no instrumento, tem-se 50 observações quanto à realização de cada um.

Para amenizar mudanças na prática e comportamento dos profissionais durante a observação e manter a sua espontaneidade, foram traçadas algumas estratégias como a entrega prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o cuidado com o posicionamento da observadora mantendo-se no posto de enfermagem - isso permitiu visão ampla de todos os leitos e certo distanciamento dos profissionais, a fim de que o colaborador não associasse a presença do observador a uma avaliação. Essa estratégia foi viabilizada, pois a pesquisadora era parte integrante da equipe, o que justificava sua presença no recinto para além da observação dos profissionais.

Foi adotado o termo “adesão” quando todos os itens referentes à dimensão foram atendidos; e o termo “sem adesão” na situação em que ao menos um item da dimensão não estivesse em conformidade. Calcularam-se, então, as frequências de conformidade e não conformidade para todas as dimensões e itens do instrumento de coleta de dados.

Análise dos resultados e estatística

Para a coleta e armazenamento dos dados, foi utilizada a plataforma do Formulários Google, com posterior transferência e processamento no Microsoft Excel 2010. Em seguida, os dados foram exportados para o software Stata v.15 para análise descritiva e inferencial. Na análise inferencial, os testes exato de Fisher e qui-quadrado foram aplicados para verificar a presença de associação entre o desempenho de conformidade e a categoria profissional (enfermeiro, residente e técnico em enfermagem).

Posteriormente, com o intuito de correlacionar o desempenho nas dimensões, foram atribuídas pontuações aos itens e às dimensões. Os itens com adesão receberam 1 ponto, e aqueles sem adesão receberam escore 0. A pontuação final da dimensão foi representada pelo somatório de seus itens. Testes de correlação de Spearman foram usados para verificar relação entre pontuações das dimensões sobre manutenção do CVC. Determinou-se: correlação nula, 0,00; muito fraca, 0,01 a 0,29; moderada, 0,30 a 0,59; muito alta, 0,80 a 0,99; e perfeita, 1,00. O nível de significância adotado em todo o estudo foi de 5%.

RESULTADOS

Foram realizadas 50 observações de cada um dos 14 itens do instrumento, o que totalizou 700 procedimentos observados relacionados às práticas de manutenção do CVC. Constatou-se, de um modo geral, que 402 (57,4%) procedimentos obtiveram adesão da equipe, e 298 (42,6%) apresentavam-se sem adesão. Na Tabela 1, podem-se observar as taxas de adesão às práticas de manutenção de CVC conforme as dimensões e itens observados.

Tabela 1
Adesão às boas práticas de manutenção do cateter venoso central por membros da equipe de enfermagem, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020 (n = 50)

Dimensões	n	%
Higiene das mãos	4	8
Água e sabão (40 a 60 s) ou preparação alcoólica (20 a 30 s)	4	8
Equipamento de proteção individual	47	94
Uso de máscara, touca, óculos e luvas	47	94
Scrub the hub	23	46
Desinfecção com álcool a 70% de 5 a 15 segundos, aguardando secagem	11	22
Desinfecção com clorexidina 0,5% de 5 a 15 segundos, aguardando secagem	12	24
Realização de curativos*
Utilizar luva estéril	44	88
Antissepsia do sítio de punção com clorexidina 0,5%	43	86
Realizar antissepsia com movimentos unidirecionais	22	44
Deixar solução aplicada secar espontaneamente	10	20
Manter cobertura estéril com gaze ou filme transparente	49	98
Realizar troca conforme a rotina	50	100
Registros*
Troca de conectores	0	0
Troca de equipos	19	38
Sinais flogísticos	32	64
Troca de curativo	36	72

• ^*
  Na dimensão “Registros” e “Realização de curativos”, não foi apresentado o seu somatório final, pois os itens foram avaliados separadamente por não serem excludentes entre si.

A Higiene das mãos foi a dimensão com menor adesão às boas práticas (8%), ou seja, em 92% das observações, os profissionais não a realizaram ou não atenderam às suas fases e tempo de forma eficaz. Não incorporaram alguma das partes como as palmas das mãos, entre os dedos, dorso dos dedos, polegar, digitais e punhos, com prejuízos ao tempo adequado.

A maioria (94%) dos profissionais utilizou todos os equipamentos de proteção individual como máscara, touca, óculos e luvas durante as manipulações do cateter. Além destes, todos os colaboradores aderiram, durante o período de coleta, ao uso de avental impermeável, máscara N95/PFF2 e protetor facial do tipo face shield, equipamentos indicados para precauções por aerossóis.

A adesão à dimensão da realização do scrub the hub foi de 46%, ou seja, em sua maioria, a equipe não realizou a desinfecção dos dispositivos antes de acessar a linha venosa. Quando executado, houve um equilíbrio na escolha da solução entre o álcool (22%) e a clorexidina alcoólica (24%).

Quanto à realização do curativo do CVC, 88% das observações foram realizadas utilizando luvas estéreis, e os 12% que não aderiram a essa prática foram aqueles que, ao realizarem o curativo em outro sítio de punção do mesmo paciente, não efetuavam a troca das luvas. A antissepsia do sítio de punção com clorexidina 0,5% foi atendida na maior parte das observações (86%), entretanto a adesão à antissepsia com movimentos unidirecionais foi baixa (44%) e menor ainda a secagem espontânea (20%). O procedimento da rotina de troca de curativos foi atendido (100%), e o uso de cobertura com gaze ou filme foi de 98%.

No tocante à comunicação escrita das informações de enfermagem pertinentes ao cliente e aos cuidados recebidos pela equipe, os registros dos sinais flogísticos (64%) e a troca de curativos (72%) foram os apontamentos com maior adesão nas observações, ao passo que a troca de equipos teve baixa adesão (38%) dos profissionais, e não foi encontrado qualquer registro de troca de conectores.

Conforme a Tabela 2, os enfermeiros apresentaram maior adesão no conjunto das dimensões relacionadas à manutenção do CVC, enquanto os técnicos de enfermagem tiveram a menor adesão em todos os itens das boas práticas em que foram observados. Identificou-se que a categoria do profissional está associada (p < 0,05) ao desempenho em três dimensões das boas práticas de manutenção do acesso venoso central.

Tabela 2
Associação entre adesão às boas práticas na manutenção do acesso venoso central e categoria profissional, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

Dimensões	Enfermeiros%	Residentes%	Técnicos%	Valor de p
Higiene das mãos	40	6,6	3,3	< 0,019†
Equipamento de proteção individual	100	100	89,6	0,315‖
Scrub the hub	100	55,2	26,3	0,043‖
Realização de curativos	60	10	2,8	< 0,001†

^† Teste Exato de Fisher; ^‖ Teste qui-quadrado de Pearson. Não incluída a dimensão “Registros”, pois não foi possível identificar, em todos os registros, a categoria do profissional.

Na análise de correlação de Spearman, demonstrada na Tabela 3, houve resultado estatisticamente significante nas dimensões Scrub the hub (3) e Registros (5), com coeficiente de correlação negativo (-0,359), ou seja, quando o escore de uma aumenta o da outra diminui. Ademais, Equipamento de proteção individual (2) e Scrub the hub (3) apresentaram coeficiente de correlação significante, entretanto de magnitude fraca (0,233).

Tabela 3
Correlação entre pontuação das dimensões sobre manutenção do acesso venoso central, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

	Dimensão 1	Dimensão 2	Dimensão 3	Dimensão 4	Dimensão 5
Dimensão 1	1,00
Dimensão 2	0,074 (0,60)	1,00
Dimensão 3	0,023 (0,87)	0,233 (0,01)	1,00
Dimensão 4	-0,098 (0,49)	0,084 (0,56)	-0,173 (0,22)	1,00
Dimensão 5	0,121 (0,48)	-0,097 (0,57)	-0,359 (0,03)	-0,071 (0,68)	1,00

Correlação de Spearman. Coeficiente de correlação (valor de p); negrito = p < 0,05; Dimensão 1 - Higiene das mãos; Dimensão 2 - Equipamento de proteção individual; Dimensão 3 - Scrub the hub; Dimensão 4 - Realização de curativos; Dimensão 5 - Registros.

DISCUSSÃO

A ICSRC é um evento adverso potencialmente evitável, pois representa a ocorrência de dano ao paciente e está associado a uma falha ativa ou a uma condição latente, ou mesmo a uma violação de normas e padrões. O monitoramento desse evento é considerado um indicador de qualidade da assistência que reflete a condição do cuidado prestado e indica conformidades ou não com critérios relacionados à segurança do paciente(¹³-¹⁴).

Diante da pandemia pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2, os hospitais precisaram reorganizar seus processos de trabalho para atender a essa demanda, e os profissionais se adaptaram a um novo modelo de cuidado diante de uma doença ainda desconhecida. Este estudo buscou monitorar a adesão às boas práticas de manutenção do cateter venoso central de uma unidade de terapia intensiva de um hospital universitário que alterou o seu perfil para atender pacientes com COVID-19.

Em um estudo sobre avaliação de adesão da equipe multiprofissional para as medidas de prevenção da infecção da corrente sanguínea relacionada ao CVC, foi observado que os profissionais de enfermagem negligenciaram medidas básicas que influenciaram diretamente a prevenção dessas infecções, expondo tanto os pacientes quanto os profissionais ao risco de contaminação(¹⁶). Ao correlacionar esses achados com os resultados apresentados nesta pesquisa, foi possível evidenciar que a equipe de enfermagem, por não aderir na sua totalidade ao protocolo de manutenção de cateter venoso central, colocou em risco a sua segurança e a do paciente no que tange à prevenção de infecções.

Apesar de ações simples, conhecidas e comprovadas mundialmente como eficazes, percebe se que o conhecimento e o comportamento dos profissionais ainda possuem divergências, prejudicando a adesão às boas práticas(⁵). Daí, a importância de estudos que apontem esses resultados e tragam subsídios para a construção de estratégias visando à superação dessas barreiras.

Embora a maioria dos procedimentos estivesse de acordo com as recomendações, o número de não conformidades, mesmo quando pequenas, deve ser levado em consideração, pois impacta o controle de infecções, a qualidade da assistência e a segurança do paciente. Defende-se, neste estudo, a cultura de tolerância zero às infecções; e, para tal, deve-se trabalhar com metas de adesão das equipes que se aproximem cada vez mais de 100% de aderência. Para que os bundles tenham eficácia na sua proposta, estudos defendem a necessidade de uma elevada taxa de adesão da equipe; e, mesmo com um resultado global satisfatório, são necessárias intervenções educativas e de monitoramento de taxas de adesão que promovam uma adequação entre conhecimento e melhoria da prática(³,¹⁶).

Dentre os procedimentos, os que apresentaram menor adesão pela equipe foram higiene das mãos e realização do curativo, considerados indicadores potenciais para o surgimento da ICSRC. Ao associar as categorias profissionais da enfermagem, observou-se que os enfermeiros aderiram mais às boas práticas em todos os procedimentos observados. Os técnicos de enfermagem assim como os residentes demonstraram baixa conformidade em todas as dimensões e em especial na higiene das mãos, o que impactou o resultado reduzido referente à adesão a essa dimensão.

Estabelecida pela Organização Mundial de Saúde como a meta internacional número 5 de segurança do paciente, a higienização das mãos é uma das principais medidas para prevenir as IRASs. É uma prática reconhecida como primeira escolha no controle de infecções por ser simples, eficaz e de baixo custo; entretanto a sua adesão ainda é considerada uma dificuldade e um desafio para gestores e instituições de saúde, em especial nos países em desenvolvimento, cuja taxa de infecção pode ser até 20 vezes maior que em países desenvolvidos(¹⁷).

Tem sido evidenciado que o uso da luva tem uma relação direta com a baixa frequência da higienização das mãos entre os profissionais de saúde(¹⁶). No caso específico deste estudo, tal relação se confirmou, pois, como os profissionais necessitavam de paramentação contínua dentro da UTI COVID e as luvas eram uma das principais barreiras protetoras utilizadas para evitar o contato direto com o paciente, a higienização das mãos foi menos frequente. Foi observado que muitos profissionais calçavam várias luvas e retiravam uma por vez após cada procedimento efetuado, ou realizavam a higienização das luvas com álcool a 70%. Essa prática não é recomendada para a assistência em saúde, sendo preconizado que a higiene das mãos seja executada antes de qualquer contato ou procedimento com o paciente, e só depois as luvas devem ser calçadas. Sua remoção deve ser imediata e descartada como resíduo infectante, seguido de nova higienização das mãos(¹⁸).

Associado à higienização das mãos e com a finalidade de criar barreira para a propagação de infecções relacionadas ao uso de CVC, destaca-se o cuidado com o hub, considerando que microrganismos nele presentes podem migrar para o lúmen interno do cateter e provocar infecção de corrente sanguínea. Assim, recomenda-se a desinfecção com álcool a 70% ou clorexidina alcoólica à 0,5% por 5 a 15 segundos, antes da administração de medicamentos(¹⁴). A adesão à dimensão Scrub the hub não atendeu plenamente à recomendação de boas práticas. O resultado tem consonância com outras pesquisas, o que determinou a criação da campanha “Scrub the Hub” pela Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology, com o objetivo de inserir essa recomendação nos treinamentos e protocolos de manutenção de CVC e consequentemente reduzir as IRASs(¹⁵).

No que tange à realização de curativos do CVC, a equipe de enfermagem demonstrou não aderir na sua totalidade às boas práticas nessa dimensão. Isso ocorreu porque, apesar de a maioria dos profissionais ter realizado o curativo conforme as recomendações, houve baixa adesão ao tempo de secagem espontânea da solução e à realização de antissepsia com movimentos unidirecionais. A insegurança ao lidar com uma doença ainda desconhecida, o temor de se contaminar com secreções orais e traqueais do paciente durante a realização dos curativos nos acessos próximos a essa região, como nas veias subclávia e jugular, e as dificuldades inerentes ao cuidado com o paciente pronado por até 16 horas podem ter afetado o resultado desse item. Essas novas condições geraram dificuldades para a equipe desenvolver a técnica correta durante tal procedimento; entretanto, ressalta-se que é obrigatória, em qualquer condição, a realização de curativo com técnica asséptica nos acessos venosos profundos, além da troca em presença de sujidade, soltura ou umidade(¹⁴).

Constatou-se que o uso dos equipamentos de proteção individual foi a dimensão que obteve maior adesão dos profissionais. Essa realidade está associada à exigência da paramentação para o cuidado a todo paciente acometido pelo novo coronavírus; e foi plenamente atendida pela equipe como barreira de segurança na oferta do cuidado ao paciente acometido por uma doença grave e ainda não totalmente conhecida.

Quanto ao registro, os itens relacionados à troca de conectores e equipos obtiveram os menores escores de adesão. Embora o cenário do estudo possuísse normas de troca conforme os padrões recomendados pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar e essa rotina tenha sido atendida durante a observação, não havia a anotação desse procedimento no dispositivo do paciente, no prontuário ou no impresso de enfermagem.

Um dos processos de trabalho alterados durante o momento pandêmico foi a reorganização do acesso ao prontuário para realização do registro, a fim de minimizar os riscos de contaminação dos profissionais com fômites; desse modo, os impressos e prontuários físicos foram retirados do cenário de cuidado direto ao paciente, o que dificultou ainda mais a concretização dos registros. As condutas e procedimentos realizados sempre deve estar registrados em prontuário ou impressos de enfermagem, condição essencial para garantir a excelência do processo de cuidar, pois a comunicação eficaz entre as equipes assegura a qualidade e segurança do paciente, serve de evidência legal e atende aos processos de auditorias, que geram tomadas de decisão(¹⁹).

A ICSRC possui grande potencial preventivo: estima-se que 70% dos casos poderiam ser evitados apenas com a adesão aos bundles de boas práticas(¹²). Acredita-se que a pandemia pode ter sido um fator preponderante de risco para o número de não conformidades aumentadas nas dimensões observadas neste estudo.

Torna-se indispensável a padronização e o desenvolvimento de estratégias que permitam incrementar a adesão a protocolos para a manutenção do CVC, a fim de guiarem as decisões e condutas dos profissionais durante a assistência(⁹). Esse processo deve ser utilizado não somente para correção das não conformidades, mas, em especial, durante momentos de mudanças nas rotinas e processos de trabalho, visando manter a qualidade na assistência e na segurança do paciente.

Estratégias como a implantação de bundles de cuidados, a oferta de educação continuada, a transparência das comunicações e o monitoramento das equipes são medidas que vêm sendo discutidas como importantes para a redução de ICSRC nas instituições de saúde, considerando o seu impacto na adesão de trabalhadores a medidas de boas práticas do cuidado(¹⁶,²⁰).

Os resultados apresentados nesta pesquisa não são suficientes para avaliar o surgimento de ICSRC, entretanto o estudo foi importante para o monitoramento da adesão às boas práticas de manutenção de CVC, considerando a reorganização das equipes diante da variabilidade dos processos de trabalho. Para o controle das ICSRCs, é necessário a associação de indicadores de processos, auditorias e vigilância epidemiológica realizados pela instituição. Além disso, os resultados de hemocultura, escolha do sítio e técnicas utilizadas durante a inserção do CVC e preparo antisséptico de medicamentos são necessários para o diagnóstico final das avaliações.

Limitações do estudo

Em face da especificidade do momento pandêmico, percebeu-se que não houve tempo suficiente para publicações que envolvessem o monitoramento de boas práticas na manutenção da CVC em pacientes com COVID-19, o que determinou uma escassez de referencial sobre a temática específica deste estudo. Houve, ainda, limitação referente à disponibilidade de estudos que permitissem estabelecer estratos constituídos por percentuais de adesão baseados na realização adequada das práticas de manutenção do CVC.

Além disso, limitou-se também pelo fato de a pesquisa ter sido realizada em uma única unidade da instituição, em razão das normas institucionais do momento, que exigiam a redução da movimentação dos funcionários entre os setores e a alocação dos profissionais unicamente em sua unidade de origem, o que impediu a pesquisadora de estar presente em outras UTIs.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Por ter sido desenvolvido quando a instituição se reorganizava para atender a demanda de pacientes acometidos pela COVID-19, a pesquisa subsidiou gerentes de enfermagem das UTIs da instituição para tomada de decisões na manutenção da cultura de segurança do paciente durante alterações profundas dos processos de trabalho.

O estudo permitiu a continuidade por meio do desenvolvimento de outras pesquisas específicas nas UTIs do cenário do estudo, com a oferta de educação continuada e de uma prática reflexiva para a equipe com objetivo de melhor adesão aos bundles de manutenção de CVC.

Por estar inserido no Grupo de Pesquisas - Tecnologia em Saúde e Enfermagem no Contexto da Segurança do Paciente em Ambiente Hospitalar, o estudo contribuiu para o avanço da produção de conhecimentos na área de segurança do paciente e fortalecimento de um grupo que envolve docentes, enfermeiros e alunos de graduação e pós-graduação lato e strictu sensu.

Encorajamos, a fim de complementar esta pesquisa, a elaboração de novos trabalhos que contemplem o controle de infecção e sua relação com as boas práticas durante a inserção do CVC; a oferta e validação de estratégias educativas para maior adesão ao bundle de manutenção de CVC; o monitoramento relacionado ao preparo antisséptico de medicamentos durante a assistência ao paciente acometido pelo novo coronavírus; assim como pesquisas que permitam uma análise das lacunas entre conhecimento teórico e sua aplicabilidade na prática do cuidado.

CONCLUSÕES

As boas práticas de manutenção do CVC mostraram-se parcialmente presentes na rotina da equipe de enfermagem durante a pandemia de COVID-19. O estudo apontou boa aderência na utilização de EPI, enquanto a higiene das mãos, a realização de curativos, o scrub the hub e os registros revelaram-se como práticas que precisam de intervenção para uma melhor adesão.

A busca pela adesão total às boas práticas na manutenção do CVC deve ser uma meta para os enfermeiros líderes de equipe e gerentes de unidades de alta complexidade, sobretudo em momentos de necessidade de ajustes de processos de trabalho, como foi durante a pandemia de COVID-19. O monitoramento dessas práticas possibilita a identificação da necessidade de implementação de estratégias, incluindo políticas de educação profissional, que podem ser ampliadas a outros contextos de saúde.

Durante momentos de crise como o enfrentamento de uma pandemia, qualificar a equipe para a adesão às boas práticas tem o propósito de prevenir o surgimento de agravos gerados pela ICSRC e de melhorar o conforto e segurança dos pacientes e profissionais, quando todos os procedimentos são realizados de forma correta, contínua e simultânea.

Além disso, apontam-se outras estratégias permanentes de melhoria de adesão para atender à segurança do paciente. Podem ser citados o maior envolvimento da alta direção para consolidar a segurança do paciente como uma política institucional e a formação de lideres capazes de atuar sobre qualquer mudança necessária nos processos de trabalho de modo a não ter impacto negativo na reorganização da assistência à saúde.

Ressalta-se também o incentivo a uma cultura de trabalho em grupo e formação de equipes multidisciplinares e de líderes que ajudem a manter um clima de colaboração de tal maneira que todos possam refletir juntos sobre mudanças necessárias e sugerir melhorias.

Finalmente, estimula-se a manutenção da estratégia de observação das práticas ou a implantação de auditorias clínicas periódicas com levantamento de indicadores de qualidade que balizam a tomada de decisões de gestores e contribuem para o desenvolvimento de melhores práticas no cuidado em saúde.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Mitzy Danski

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Out 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  09 Ago 2021
• Aceito
  15 Abr 2022