Violência autoprovocada e suicídio em pessoas que vivem com HIV/AIDS: revisão sistemática

RESUMO

Objetivos:

analisar as produções intelectuais sobre a violência autoprovocada e suicídio em pessoas que vivem com HIV/AIDS.

Métodos:

revisão sistemática, realizada entre março e abril de 2021, nas bases PubMed®/MEDLINE®, Web of Science e LILACS, subsidiada no instrumento Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology. O período delineado foi de 2011 a 2020.

Resultados:

identificaram-se 199 estudos, e 16 compuseram a amostra final, sendo agrupados nas categorias: Características sociodemográficas das vítimas de violência autoprovocada/suicídio e seus fatores intervenientes (apontando adultos jovens, especialmente homossexuais, com baixo suporte social e histórico de doenças mentais ou abuso de substâncias como as vítimas usuais); Medidas exitosas para prevenção/controle de suicídio em pessoas vivendo com HIV/AIDS (sugerindo acompanhamento psicossocial e clínico mais frequente daqueles em início de tratamento antirretroviral e imunodeprimidos).

Conclusões:

acompanhamento biopsicossocial, análise do perfil sociodemográfico e dos fatores intervenientes devem ser frequentes nesta população, para prevenção/controle do agravo.

Descritores:
HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Violência; Suicídio; Revisão Sistemática

ABSTRACT

Objectives:

to analyze intellectual productions on self-inflicted violence and suicide in people living with HIV/AIDS.

Methods:

a systematic review, carried out between March and April 2021, in the PubMed®/MEDLINE®, Web of Science and LILACS databases, subsidized in the Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology. The period outlined was from 2011 to 2020.

Results:

a total of 199 studies were identified, and 16 composed the final sample, grouped into the categories: Sociodemographic characteristics of victims of self-inflicted violence/suicide and their intervening factors (pointing to young adults, especially homosexuals, with low social support and a history of mental illness or substance abuse as usual victims); Successful measures for suicide prevention/control in people living with HIV/AIDS (suggesting more frequent psychosocial and clinical follow-up of those starting antiretroviral and immunocompromised treatment).

Conclusions:

biopsychosocial follow-up, analysis of sociodemographic profile and intervening factors should be frequent in this population for disease prevention/control.

Descriptors:
HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Violence; Suicide; Systematic Review

RESUMEN

Objetivos:

analizar las producciones intelectuales sobre la violencia autoinfligida y el suicidio en personas viviendo con VIH/SIDA.

Métodos:

revisión sistemática, realizada entre marzo y abril de 2021, utilizando las bases de datos PubMed®/MEDLINE®, Web of Science y LILACS, apoyada en el instrumento Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology. El período planteado fue del 2011 al 2020.

Resultados:

se identificaron 199 estudios, de los cuales 16 conformaron la muestra final, siendo agrupados en las categorías: Características sociodemográficas de las víctimas de violencia autoinfligida/suicidio y sus factores intervinientes (señalando adultos jóvenes, especialmente homosexuales, con bajo apoyo social y antecedentes de enfermedad mental o abuso de sustancias como víctimas habituales); Medidas exitosas para la prevención/control del suicidio en personas que viven con VIH/SIDA (lo que sugiere un seguimiento psicosocial y clínico más frecuente para quienes comienzan el tratamiento antirretroviral y las personas inmunodeprimidas).

Conclusiones:

el seguimiento biopsicosocial, el análisis del perfil sociodemográfico y los factores intervinientes deben ser frecuentes en esta población, para la prevención/control de la enfermedad.

Descriptores:
VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Violencia; Suicidio; Revisión Sistemática

INTRODUÇÃO

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) representa uma das condições mais delicadas enfrentadas pela humanidade nas últimas quatro décadas. Pessoas que vivem com o HIV e/ou com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) deparam-se com aspectos biológicos importantes, como a possibilidade de aquisição de doenças oportunistas, o uso contínuo de medicamentos antirretrovirais com potenciais eventos adversos e o acompanhamento médico frequente(¹-³). Além disso, aspectos psicossociais também permeiam a infecção pelo HIV, sendo que sentimentos como medo, vergonha, preconceito e rejeição costumam ser relatados(⁴-⁵).

Não raramente algumas condições psíquicas são enfrentadas diante da somatória desses fatores, tais como depressão, ansiedade, transtorno bipolar e fobias. Até psicoses podem ser enfermidades frequentes que surgem em pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA) previamente hígidas mentalmente(⁴-⁶).

Dependendo do estado de sofrimento psicossocial, aumentam-se as condições de vulnerabilidade às situações de violências autoprovocadas, que são agressões contra si de formas variadas, que podem comprometer a integridade e o bem-estar, levando a graves danos à vida, inclusive com a possibilidade de morte(⁵). Nesse grupo de violências, incluem-se condições intencionais de mutilação, queimadura, corte ou perfuração, promoção de dificuldade de cicatrização, contusão, intoxicação exógena (com substâncias lícitas ou ilícitas) e tentativa de suicídio (ou sua consumação)(⁵,⁷).

As pessoas lidam com situações de tensão e sofrimento de modo particular, mas são amplamente influenciadas pela coletividade e período histórico que vivenciam. Assim, o estilo de vida contemporâneo, as escolhas adotadas ao longo da trajetória de vida e mesmo as relações interpessoais podem afetar a forma como as pessoas buscam soluções aos problemas, principalmente aqueles mais complexos e com enfrentamento que exige múltiplos recursos pessoais e sociais. Desta forma, o comportamento autolesivo, muitas vezes, ocorre como uma forma de alívio do sofrimento prolongado ou muito intenso em que outros esforços não foram resolutivos(⁷-⁸). Algumas condições crônicas de saúde, como a infecção pelo HIV, podem gerar formas de difícil enfrentamento, predispondo ao risco de condições de violência autoprovocada.

Pesquisas evidenciaram que PVHA sofrem tensões sociais e emocionais muito fortes, podendo lidar de forma negativa com elas, mesmo quando assistidas por profissionais habilitados(⁴-⁸). Estudos abordaram diferentes prismas sobre o tema(⁵-⁹), porém sem elencar claramente o perfil sociodemográfico, os fatores associados e as medidas de saúde exitosas para controle das práticas de violência autoprovocada nessa população, favorecendo a permanência de lacunas sobre o fenômeno e no planejamento de cuidados mais seguros e eficientes. Destaca-se que não foram encontradas revisões descritas na plataforma internacional de registro de revisões sistemáticas PROSPERO sobre o assunto. Acredita-se que os achados desta investigação podem contribuir para boas práticas do cuidado na compreensão do fenômeno da violência contra si e em estratégias de promoção da saúde.

OBJETIVOS

Analisar as produções intelectuais sobre a violência autoprovocada e o suicídio em pessoas que vivem com HIV/AIDS.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Por se tratar de uma revisão sistemática, não houve a necessidade de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa, conforme premissas da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n^o 466/2012.

Desenho e locais de busca

Trata-se de uma revisão submetida no Sistema de Registro Prospectivo de Revisões Sistemática (PROSPERO), pautada nos protocolos de revisão sistemática criados pela colaboração Cochrane, cujo propósito final é obter as evidências mais seguras disponíveis para o assunto definido(¹⁰).

O percurso incluiu as seguintes fases: (1) elaboração da pergunta norteadora da pesquisa; (2) levantamento das palavras-chave ou descritores, das formas de busca e escolha das bases de dados; (3) eleição dos critérios de inclusão e exclusão dos materiais; (4) pesquisa nas bases de dados com dois investigadores independentes; (5) confronto dos materiais obtidos pelos investigadores com seleção previa dos estudos; (6) utilização dos critérios de inclusão e exclusão por meio da análise crítica das publicações incluídas; (7) execução de resumo estruturado contendo dados e informações mais relevantes extraídas nos estudos inclusos(¹⁰).

A pergunta norteadora foi elaborada com auxílio da estratégia Patient-Intervention-Comparison-Outcomes (PICO)(¹¹), em que o acrônimo P se referiu às pessoas vivendo com HIV/AIDS, I, à violência autoprovocada, C, às situações de suicídio ou tentativas, O, às medidas de prevenção ou controle do agravo. Assim, a questão norteadora elaborada foi: quais são as características das principais produções intelectuais sobre prevenção ou controle da violência autoprovocada e do suicídio em pessoas vivendo com HIV/AIDS?

As bases de dados elencadas para a busca foram PubMed®/MEDLINE®, Web of Science (WoS) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Foram utilizados descritores oficiais contidos no Medical Subjects Heading (MeSH), exceto na base LILACS, em que foram utilizados os Descritores de Ciências da Saúde (DeCS). A combinação dos descritores foi feita por meio dos operadores booleanos AND (combinação restritiva) e OR (combinação aditiva). Entre as palavras-chave do mesmo acrônimo da estratégia PICO, foi usado o OR; já para a combinação entre acrônimos diferentes, o AND, conforme síntese do quadro.

Protocolo do estudo

Na base PubMed®/MEDLINE®, foram usados como estratégia de busca os seguintes descritores e combinações: “self-injurious behavior”[MeSH Terms] OR (“self-injurious”[All Fields] AND “behavior”[All Fields]) OR “self-injurious behavior”[All Fields] OR (“self”[All Fields] AND “injurious”[All Fields] AND “behavior”[All Fields]) OR “self-injurious behavior”[All Fields]) AND (“suicide”[MeSH Terms] OR “suicide”[All Fields]) AND (“suicide, attempted”[MeSH Terms] OR (“suicide”[All Fields] AND “attempted”[All Fields]) OR “attempted suicide”[All Fields] OR (“attempted”[All Fields] AND “suicide”[All Fields])) AND (“HIV”[MeSH Terms] OR “HIV”[All Fields]) AND (“acquired immunodeficiency syndrome”[MeSH Terms] OR (“acquired”[All Fields] AND “immunodeficiency”[All Fields] AND “syndrome”[All Fields]) OR “acquired immunodeficiency syndrome”[All Fields] OR “aids”[All Fields]). A estratégia de busca adotada na base WoS foi composta por: “self-injurious” AND “HIV” AND “aids” AND “suicide” AND “treatment” AND “suicide prevention”. Já na LILACS, foram utilizados termos do DeCS “HIV”, “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida”, “Suicídio”, “Comportamento Autodestrutivo”, “Terapêutica” e suas versões em inglês e espanhol: (“HIV”) AND (“Acquired Immunodeficiency Syndrome”) AND (“Suicide”) AND (“Self-Injurious Behavior”) AND (“Therapeutics”); (“VIH”) AND (“Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida”) AND (“Suicidio”) AND (“Conducta Autodestructiva”) AND (“Terapéutica”).

Amostra, critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos estudos observacionais primários publicados no período de 2011 a 2020, disponibilizados na íntegra, de forma gratuita ou não, nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola. Optou-se pelo recorte temporal de dez anos, tendo em virtude de contemplar informações mais atualizadas e compatíveis com o perfil epidemiológico mais recente. Foram descartados estudos cuja população pesquisada apresentava comprometimento neurológico prévio, pessoas com menos de 18 anos e casos suspeitos de violência interpessoal. A busca ocorreu em março e abril de 2021.

Dois pesquisadores independentes e devidamente treinados para avaliar títulos e resumos procederam o processo de seleção dos artigos. Os materiais selecionados foram confrontados e, em quatro casos, houve divergência, sendo esses artigos encaminhados a um terceiro pesquisador, especialista no tema, convidado a decidir pela inclusão ou exclusão do material.

Análise dos resultados

Para garantir a qualidade metodológica dos desenhos e dos relatórios dos estudos selecionados, foi utilizado o instrumento Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), que permitiu a estratificação das publicações nos níveis A (estudos que preencheram valor igual ou superior a 80% dos critérios), B (estudos que preencheram valor entre 50 e 79% dos critérios) e C (estudos que preencheram menos de 49% dos critérios)(¹²), o que aumentou o nível de segurança e diminuiu os riscos de vieses. Estudos classificados no nível C foram excluídos, devido ao risco de não oferecerem boas evidências.

A seleção dos artigos com uso do agrupamento de descritores nas bases de dados, os resultados das buscas e a quantidade de textos incluídos no estudo estão detalhados na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos estudos conforme o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)(¹³), São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

RESULTADOS

Um total de 199 registros foi avaliado, conforme critérios de busca; destes, 102 estavam duplicados. Após a leitura dos títulos e resumos, 32 artigos foram elegíveis, e 65 foram excluídos, por não atenderem o objetivo do estudo. Os motivos das exclusões foram os seguintes: 28 incluíam participantes com algum comprometimento neurológico; 25 possuíam em sua amostra pessoas menores de 18 anos; e oito reportaram casos de violência interpessoal. Além desses, foram excluídos três estudos que receberam classificação C no STROBE, e um estudo apresentava redação do método com dúbia interpretação. Ao final, 16 artigos foram incluídos na pesquisa (Quadro 1).

Quadro 1
Características dos estudos incluídos na revisão

Autor, ano	País	Periódico	Objetivo(s)	Desfechos
Wonde M(14), 2019	Etiópia	PLoS One	Avaliar a magnitude e os fatores associados à ideação e tentativa de suicídio entre jovens positivos para o HIV em acompanhamento de terapia antirretroviral.	A ideação suicida e as tentativas foram estatisticamente significativas com o sexo feminino. História de morte familiar e o estigma do HIV percebido foram significativamente associados à ideação suicida. A presença de infecções oportunistas e baixo suporte social foram associados às tentativas de suicídio e à violência autoprovocada.
Wang W(15), 2019	China	Psychol Life Sci	Testar uma modelagem de catástrofe de cúspide não linear sobre comportamento suicida em PVHA*.	Comportamentos suicidas e violência autoprovocada são prevalentes entre PVHA* na China. Aspectos psicossociais como renda e estigma da AIDS foram associados o risco aumentado de suicídio.
Mandell LN(16), 2019	Argentina	AIDS Behav	Analisar os fatores de risco para ideação suicida em PVHA*.	Idade mais jovem, aumento da sintomatologia depressiva e abuso de drogas, a diminuição da motivação para adesão ao tratamento e menos meses desde o início da terapia antirretroviral foram identificados como fatores de risco.
Lu HF(17), 2019	Taiwan	J Adv Nurs	Analisar as mudanças e os preditores de ideação/autolesão e tentativa de suicídio e os efeitos moderadores de fatores psicossociais em PVHA* entre 6 e 12 meses após o diagnóstico.	A história de transtornos ou sintomas depressivos e apoio social de amigos previu significativamente a tentativa de suicídio e autoviolência.
Bengtson AM(18), 2017	EUA	J Acquir Immune Defic Syndr	Analisar o efeito do medicamento Efavirenz® sobre a ideação suicida ou violência autoprovocada.	Não houve evidências de que o início da TARV** contendo Efavirenz® aumentasse o risco de pensamentos suicidas e violência contra si.
Kalungi A(19), 2017	Uganda	BMC Genet	Investigar os fatores de risco genéticos associados a determinados fenótipos de comportamento suicida.	O alelo SA no locus 5-HTTLPR/rs 25531 esteve associado ao aumento do risco de suicídio entre as PVHA*.
Liu Y(20), 2017	China	AIDS Care	Avaliar a prevalência de comportamentos suicidas e autolesivos entre PVHA* e explorar as relações entre o estresse relacionado ao HIV, depressão, ansiedade e apoio social e ideação suicida após o diagnóstico de infecção pelo HIV.	A prevalência de comportamentos suicidas é alta entre PVHA*. A ideação suicida foi estatisticamente associada ao início dos sintomas de AIDS, ao estresse do diagnóstico, à presença de sintomas depressivos e de ansiedade prévios, além de baixo suporte social.
Egbe CO(21), 2017	Nigéria	BMC Public Health	Verificar a prevalência e os fatores associados a episódios depressivos maiores, suicídio e transtorno por uso de álcool entre pessoas que vivem com HIV/AIDS.	Episódios depressivos maiores foram significativamente associados a ter planejado suicídio ou violência autoprovocada. A ideação suicida foi significativamente associada a episódios depressivos maiores, estado civil (casado) e religião (cristã). As mulheres eram menos propensas a serem diagnosticadas com transtornos do álcool.
Carrieri MP(22), 2017	França	PLoS One	Identificar os principais fatores de risco de suicídio em PVHA*, para subsidiar classificação de riscos de suicídio, violência contra si e cuidados psiquiátricos.	Mulheres e homens que fazem sexo com homens (HSH) tiveram maior risco. Relatos de contextos sociais relacionados à discriminação, falta de moradia e sentimento de solidão foram os principais preditores de risco.
Kang CR(23), 2016	Coréia do Sul	AIDS Care	Identificar diferenças nos fatores de risco entre ideação suicida e tentativas de suicídio entre adultos infectados pelo HIV.	Ser jovem e adulto de meia-idade, morar com alguém, ter histórico de doença oportunista definidora de AIDS, ter histórico de tratamento para depressão, ter baixo suporte social e estado psicológico frágil foram fatores de risco para ideação suicida encontrado. Ser beneficiário da Assistência Médica Nacional da Coréia do Sul, relatar barreiras econômicas ao tratamento, ter histórico de tratamento para depressão e ruim estado psicológico foram fatores para a tentativa de suicídio.
Mollan KR(24), 2014	EUA	Ann Intern Med	Comparar o tempo de ideação, tentativa ou consumação de suicídio com regimes antirretrovirais contendo Efavirenz® versus sem Efavirenz® para o tratamento inicial do HIV.	O tratamento inicial com um regime antirretroviral contendo Efavirenz® foi associado a um risco 2 vezes maior de ideação, tentativa ou consumação de suicídio, em comparação com um regime sem Efavirenz®.
Chikezie UE(25), 2012	Nigéria	AIDS Care	Comparar a prevalência de ideação suicida e autolesão em PVHA* com trabalhadores de um governo local.	Mais de um terço (34,7%) das PVHA* contra 4% dos controles expressaram ideação suicida no mês anterior, com 9,3% tentando suicídio nos seis meses anteriores ao estudo. O tipo mais comum de tentativa foi uma overdose de drogas. Sexo feminino, desemprego, comorbidades, morar sozinho e ter companheiro com a doença estiveram associados à ideação suicida ou autolesão. Sugerem-se que médicos questionem rotineiramente sobre o tema às PVHA* para reduzir a mortalidade.
McManus H(26), 2014	Austrália	PLoS One	Identificar associações entre suicídio e morte acidental ou morte violenta em PVHA*.	O estado imunológico de pessoas com HIV contribuiu para o risco de suicídio e morte acidental ou violenta (CD4<500 cel/mm3). O número de diagnósticos psiquiátricos/cognitivos contribuiu para o nível de risco, mas muitos fatores psicossociais não foram individualmente significativos.
Almeida SM(27), 2016	Brasil	J Neurovirol	Examinar a frequência e a gravidade (incluindo o suicídio) de transtorno depressivo maior entre PVHA* e comparar com pessoas sem o vírus. Identificar se há diferenças em entre pessoas vivendo com os subtipos B e C do HIV.	O risco de suicídio atual, definido como durante o último mês, foi encontrado em 18% dos participantes no grupo de PVHA* e nenhum no grupo sem HIV. Não houve diferenças entre os subtipos B e C do HIV.
López JD(28), 2018	EUA	AIDS Behav	Avaliar a ideação suicida persistente em PVHA* na era da terapia antirretroviral.	A ideação suicida foi relatada em 13% da amostra. Sugerem-se que as necessidades básicas devem ser atendidas e melhorar a compreensão de como os sintomas de sofrimento psicológico e violência contra si são expressos podem melhorar as barreiras na gestão do cuidado de PVHA*.
Alderete-Aguilar C(29), 2017	México	Salud Ment	Avaliar a presença de ansiedade, depressão, desesperança e risco de suicídio em pacientes HIV + internados na admissão e alta.	Na admissão, 10,4% dos pacientes tiveram pontuação acima do ponto de corte para risco de suicídio; 1,7% apresentaram altos níveis de desesperança; 5,2% tinham depressão clínica; e 7% tinham ansiedade clínica. A comparação dos escores na admissão e alta mostrou reduções significativas em todos os níveis de sintomas.

• ^*
  PVHA - pessoa vivendo com HIV/AIDS;
• ^**
  TARV - terapia antirretroviral.

Os artigos analisados foram publicados entre 2012 e 2019, desenvolvidos nos seguintes países: Estados Unidos (três estudos)(¹⁸,²⁴,²⁸), México (um estudo)(²⁹), Brasil (um estudo)(²⁷), Argentina (um estudo)(¹⁶), França (um estudo)(²²), Taiwan (um estudo)(¹⁷), Coreia do Sul (um estudo)(²³), China (dois estudos)(¹⁵,²⁰), Nigéria (dois estudos)(²¹,²⁵), Etiópia (um estudo)(¹⁴), Uganda (um estudo)(¹⁹) e Austrália (um estudo)(²⁶). Todos os artigos foram publicados na língua inglesa.

Em relação ao objetivo dos estudos, quatro estudos avaliaram a magnitude e os fatores associados à ideação suicida e tentativa em PVHA durante terapia antirretroviral (TARV)(¹⁴,¹⁶,¹⁸,²⁴); um testou uma teoria matemática para o risco de suicídios em PVHA(¹⁵); dez estudos identificaram fatores que contribuem para o suicídio e suscitaram oportunidades de prevenção(¹⁷,²⁰-²³,²⁵-²⁹); e um estudo identificou variáveis genéticas que predispõem ao risco de suicídio em pessoas com HIV(¹⁹).

Os principais desfechos apontam a falta de acompanhamento psicossocial e a integração de serviços de saúde mental durante o tratamento corroborando para a tentativa de suicídio(¹⁴-¹⁸,²⁰-²³,²⁵-²⁷,²⁹). Além disso, um estudo(²⁴) apontou que o tratamento com antirretroviral (Efavirenz®) esteve associado a duas vezes mais chances de suicídio ou violência autoprovocada, ao contrário de outro(²⁸), que não obteve resultados conclusivos quanto à associação dos antirretrovirais à violência autoprovocada. Já o estudo com análise genética evidenciou que um alelo esteve associado ao aumento de risco de violência autoprovocada e suicídio(¹⁹).

Em relação aos desenhos, dez estudos foram transversais(¹⁴-¹⁶,¹⁹-²³,²⁷-²⁸), quatro, coortes(¹⁷-¹⁸,²⁴,²⁹) e dois, casos-controle(²⁵-²⁶). A soma de participantes foi de 14.366 (média=897,9; M_d=490). Foram classificados cinco estudos com escore A(¹⁷-¹⁸,²¹-²²,²⁴) no instrumento STROBE e 11 com escore B(¹⁴-¹⁶,¹⁹-²⁰,²³,²⁵-²⁹) (Quadro 2).

Quadro 2
Desenho, amostra e classificação dos estudos

Autor, ano	Desenho do estudo	Amostra	Escore STROBE
Wonde M(14), 2019	Transversal	413	B
Wang W(15), 2019	Transversal	523	B
Mandell LN(16), 2019	Transversal	360	B
Lu HF(17), 2019	Coorte (de junho de 2015 a outubro de 2016)	113	A
Bengtson AM(18), 2017	Coorte (entre 2011 e 2014)	597	A
Kalungi A(19), 2017	Transversal	600	B
Liu Y(20), 2017	Transversal	557	B
Egbe CO(21), 2017	Transversal	1.187	A
Carrieri MP(22), 2017	Transversal	3.022	A
Kang CR(23), 2016	Transversal	457	B
Mollan KR(24), 2014	Coorte (de 2001 a 2010)	5.332	A
Chikezie UE(25), 2012	Caso-controle (de março a maio de 2008)	300 (caso n=150, controle n=150)	B
McManus H(26), 2014	Caso-controle (entre janeiro de 1999 e março de 2012)	81 (caso n=27, controle n=54)	B
Almeida SM(27), 2016	Transversal	61	B
López JD(28), 2018	Transversal	648	B
Alderete-Aguilar C(29), 2017	Coorte (de fevereiro a novembro de 2013)	115	B

DISCUSSÃO

Mesmos após quatro décadas da descoberta do HIV/AIDS e de inúmeras pesquisas voltadas para a saúde mental e qualidade de vida de PVHA, a busca de materiais aponta ainda uma dispersão sobre a abordagem sobre a violência autoprovocada na produção intelectual. Desta forma, durante a interpretação dos achados, foram evidenciadas duas categorias temáticas, que permitiram aprofundamento da análise: Características sociodemográficas de pessoas vivendo com HIV/AIDS vítimas de violência autoprovocada e seus fatores intervenientes; Medidas exitosas para a prevenção e/ou controle de violência autoprovocada em pessoas vivendo com HIV/AIDS.

Na categoria 1, Características sociodemográficas de pessoas vivendo com HIV/AIDS vítimas de violência autoprovocada e seus fatores intervenientes, a maioria dos estudos(¹⁵-¹⁸,²⁰,²²-²⁴,²⁶-²⁹) apontou a população masculina como a mais prevalente, com exceção dos países africanos, em que mulheres foram as vítimas usuais. Em relação à idade, houve variação de 18 a 77 anos, sendo a média de 35. Todavia, parte considerável dos estudos(¹⁵-¹⁷,²⁰-²¹,²³,²⁵-²⁹) aponta maior vulnerabilidade dos jovens adultos, especialmente solteiros(¹⁶-¹⁸,²⁰,²⁹), fato que pode ser compreendido como uma ação de desespero diante do diagnóstico recente da doença ou status sorológico sem a devida compreensão das possibilidades terapêuticas existentes e dos avanços na TARV(³⁰).

A maioria desses jovens adultos era homossexual ou HSH(¹⁷,²⁰,²²-²⁷). Outros estudos nacionais e internacionais corroboram que a violência, inclusive a interpessoal, é frequentemente comum em homossexuais e bissexuais, podendo causar grandes danos em seu bem-estar social e na sua compreensão de mundo(³¹-³²). Aqui, aponta-se que a violência autoprovocada também pode ter sido originária de formas de violência interpessoal, como a discriminação, agressões psicológicas e morais, carecendo de maior aprofundamento como fator interveniente(³²-³³).

Há situações em que os níveis socioeconômico e cultural baixos podem ser fatores predisponentes para a violência contra si(¹⁶,¹⁹,²⁸). Todavia, isso não se apresenta como maioria nos achados. O nível de escolaridade foi considerado alto, tendo significativa parte de pessoas com nível superior(¹⁷-¹⁸,²⁰-²¹,²⁶,²⁸). Além disso, a maioria possuía ocupação, estava empregada e com renda para suas necessidades habituais(¹⁵,¹⁷,²⁰-²¹,²³,²⁶). Pesquisadores citam que nem sempre os problemas financeiros e a baixa escolaridade estão associados à violência autoprovocada(³³-³⁴). Porém, isso não significa que tais condições sejam consideradas fatores de proteção às situações, como a ideação suicida, sendo muito variável de acordo com o agravo sob investigação. A crença espiritual mais citada foi a cristã, especialmente nos estudos realizados em países em desenvolvimento(¹⁶,¹⁹,²¹) . Já a raça/cor não pode ser generalizada, tendo em vista a diversidade dos locais dos estudos.

Os principais fatores intervenientes citados podem ser agrupados em aspectos psicossociais (baixo suporte social e familiar, estigma da doença, vivência de discriminação ou preconceito)(¹⁴-¹⁵,¹⁷,²²,²⁵,²⁸) e condições de saúde mental (presença de doenças mentais prévias ou concomitantes, como a ansiedade ou depressão, abuso de substâncias e álcool)(¹⁶-¹⁷,²⁰-²¹,²³,²⁹). Os aspectos psicossociais afetam substancialmente a qualidade de vida e o bem-estar da PVHA, pois provocam sentimentos negativos, potenciais agravantes à violência autoprovocada, afetando a valorização de si em relação aos outros e ao mundo, gerando sofrimento psíquico, com tendências à cronificação, cujos mecanismos pessoais de enfrentamento podem não estar claros, necessitando de auxílio de profissionais sensíveis e com grande empatia(³¹-³³). A ausência de suporte familiar, por exemplo, faz com que muitas pessoas tenham que lidar sozinhas com demandas cotidianas que poderiam ser mais facilmente resolvidas com a presença de uma rede de apoio(³⁵-³⁶).

As condições de saúde mental, como o abuso de substâncias, depressão e ansiedade, foram apontadas como altamente associadas ao risco de ideação, planejamento ou mesmo de consumação do suicídio(¹⁶,²¹,²⁶-²⁹). A depressão, por exemplo, pode afetar o interesse nas atividades sociais, irritabilidade, sentimento de culpa e baixa autoestima, que podem desencadear pensamentos de morte e suicídio com frequência. Somado a isso, o abuso de substâncias, dentre elas ao álcool, pode fragilizar ainda mais a condição de saúde integral da PVHA, pois reduz potencialmente o senso crítico, intensifica a baixa autoestima, induz a comportamentos violentos, além de afetar o tratamento medicamentoso, seja a TARV ou de outras doenças, como da depressão ou ansiedade(²⁰,²⁷-²⁹).

A categoria 2, Medidas exitosas para a prevenção e/ou controle de violência autoprovocada em pessoas vivendo com HIV/AIDS, sinaliza algumas estratégias potenciais para prevenção e controle no agravo, sendo algumas delas de implementação ágil aos profissionais de saúde.

Os estudos sugerem que as pessoas recém diagnosticadas com HIV/AIDS recebam maior atenção da equipe de saúde(¹⁶,²⁰,²⁴-²⁵), pois trata-se de uma fase em que muitos ainda não processaram adequadamente as informações, possibilidades de tratamento e potencialidades, em termos de qualidade de vida, inclusive a longo prazo. São sugeridas avaliações psicológicas frequentes para diagnóstico precoce de transtornos mentais, auxílio no gerenciamento do estresse e gestão compartilhada do cuidado(¹⁶-¹⁷,²⁰,²⁵,²⁸), especialmente em pessoas com o perfil sociodemográfico citado, com histórico prévio de depressão, ansiedade e abuso de substâncias. A criação de redes de apoio psicossocial com familiares e amigos também reduz as chances de tentativas de suicídio(¹⁷,²²), pois reduzem a solidão e ajudam no enfrentamento de preconceitos ou estigmas sociais. Um estudo(²⁵) sugere que médicos e profissionais de saúde questionem rotineiramente sobre violência autoprovocada e ideação suicida durante consultas de PVHA, pois pode reduzir a mortalidade.

Além dessas medidas, é apontada a manutenção otimizada do sistema imunológico (células TCD4 >500/mm³) e a prevenção de doenças oportunistas, especialmente as neurológicas, como medida de diligência(¹⁴,²³,²⁶). Ressalta-se que a TARV deve ser monitorada com maior atenção nos primeiros meses de tratamento(¹⁶,¹⁸,²⁴-²⁵). O uso do medicamento Efavirenz® apresentou contradições, sendo identificado em um estudo(²⁴) risco de ideação suicida duas vezes maior em pessoas que utilizavam o medicamento do que no grupo controle. Apesar de outro estudo(¹⁸) não encontrar associação direta entre o medicamento e o aumento da taxa de tentativa de suicídio, sua introdução deve ser estudada cautelosamente, em especial em pessoas com o perfil sociodemográfico mais vulnerável. Sugere-se acompanhamento mais atento às condições mentais naqueles em que o medicamento foi implementado(²⁴).

A internação hospitalar também pode ser uma medida de controle do agravo em casos com elevada probabilidade de suicídio, cabendo incluir no plano de tratamento o atendimento às necessidades emocionais da pessoa como medida protetiva, pois houve redução da incidência de quadros de ansiedade, desesperança, depressão e risco de suicídio após a alta hospitalar(²⁹). Outra medida apontada foi a análise genética de PVHA, pois um dos estudos apontou que o alelo S_A no locus 5-HTTLPR/ rs 25531 esteve associado ao aumento do risco de suicídio nesta população(¹⁹). Todavia, por se tratar de apenas um estudo, sugerem-se replicações em outros cenários e maiores amostras.

Limitações do estudo

São apontadas como limitações do estudo as bases de dados selecionadas e a não utilização de estudos qualitativos que, em virtude da sensibilidade do tema, poderiam apontar outros dados relevantes. Todavia, as limitações não inviabilizam a pesquisa, tendo em vista que a síntese dos achados aponta para a delimitação do perfil das vítimas e de potenciais boas práticas nos cuidados de PVHA.

Contribuições para as áreas da saúde e enfermagem

A escassez de estudos latino-americanos sinaliza a lacuna ainda existente sobre a violência autoprovocada em PVHA. Assim, este estudo contribui para as áreas da saúde e enfermagem à medida que sinaliza as principais características sociodemográficas e os fatores intervenientes do agravo nesta população, o que permite o planejamento de ações e políticas mais assertivas. Outrossim, aponta práticas baseadas em evidências que podem ser replicadas, reduzindo a morbimortalidade relacionada ao tema.

CONCLUSÕES

Identificaram-se 16 estudos que apontam que violência autoprovocada é um fenômeno complexo e frequente entre PVHA. Adultos jovens, homossexuais masculinos e bissexuais, solteiros, com crença espiritual cristã, com nível superior de escolaridade e em exercício de atividades remuneradas são as vítimas mais frequentes deste agravo. Adicionalmente, o baixo suporte social e familiar e a vivência do preconceito ou discriminação, abuso de substâncias, antecedentes de depressão e ansiedade são importantes sinalizadores das condições de risco, especialmente de suicídio.

Dentre medidas potencialmente redutoras da violência autoprovocada, aponta-se o acompanhamento psicossocial e clínico mais atento e frequente dessas pessoas, especialmente aquelas com diagnóstico de HIV/AIDS recente, em início de TARV (especialmente com o medicamento Efavirenz®), com baixa imunidade e presença de doenças oportunistas. A pesquisa genética do Alelo S_A pode ser um recurso de mapeamento de risco e merece maior estudo ou aprofundamento.

MATERIAL SUPLEMENTAR

https://doi.org/10.48331/scielodata.758QQ2, SciELO Data, DRAFT VERSION.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Jun 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  11 Out 2021
• Aceito
  03 Fev 2022