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Desafios epistemológicos da pesquisa com indígenas: reflexões baseadas na experiência com mapa conceitual

RESUMO

Objetivos:

discutir a aplicabilidade do mapa conceitual e suas subjacentes ancoragens teóricas; e analisar os desafios e potencialidades desse método no que tange à participação dos povos indígenas.

Métodos:

relato de experiência da utilização do mapa conceitual como instrumento de coleta de dados.

Resultados:

o estudo permitiu discutir as aproximações e distanciamentos epistêmicos, assim como analisar em que medida o mapa conceitual favoreceu o processo de produção conjunta de conhecimento com os povos indígenas. A experiência com esse tipo de delineamento de pesquisa também revelou desafios epistemológicos que refletem as relações históricas estabelecidas, cuja superação implica a construção de novas formas de relações científicas igualitárias e interculturais.

Considerações Finais:

o mapa conceitual compõe, teoricamente, uma metodologia participativa estruturada, que possibilita a coleta de dados e a construção coletiva de saberes, desde que sejam levadas em consideração as diversidades culturais, epistêmicas, sociais e políticas de todos os atores sociais envolvidos.

Descritores:
Epistemologia; Saúde Indígena; Pesquisa; Adolescente; Saúde Escolar.

ABSTRACT

Objectives:

to discuss the applicability of the conceptual map and its underlying theoretical anchors and analyze the challenges and potentialities of this method concerning the participation of Indigenous Peoples.

Methods:

experience report of the use of the conceptual map as a data collection instrument.

Results:

the study allowed us to discuss the epistemic approaches and distances, as well as to analyze to what extent the conceptual map favored the process of joint production of knowledge with Indigenous Peoples. The experience with this type of research design also revealed epistemological challenges that reflect the established historical relationships, whose overcoming implies the construction of new forms of egalitarian and intercultural scientific relations.

Final Considerations:

the conceptual map theoretically composes a structured participatory methodology, which enables data collection and the collective construction of knowledge, provided that the cultural, epistemic, social, and political diversities of all the social actors involved are considered.

Descriptors:
Epidemiology; Indigenous Health; Search; Adolescent; School Health.

RESUMEN

Objetivos:

discutir aplicabilidad del mapa conceptual y sus subyacentes ancorajes teóricos; y analizar desafíos y potencialidades de ese método en lo que tange la participación de los pueblos indígenas.

Métodos:

relato de experiencia de la utilización del mapa conceptual como instrumento de recolecta de datos.

Resultados:

el estudio permitió discutir las aproximaciones y alejamientos epistemológicos, así como analizar en que medida el mapa conceptual favoreció el proceso de producción conjunta de conocimiento con los pueblos indígenas. La experiencia con ese tipo de delineamiento de investigación también reveló desafíos epistemológicos que reflejan las relaciones históricas establecidas, cuya superación implica la construcción de nuevas maneras de relaciones científicas igualitarias e interculturales.

Consideraciones Finales:

el mapa conceptual compone, teóricamente, una metodología participativa estructurada, que posibilita la recolecta de datos y la construcción colectiva de saberes, desde que tengan en cuenta las diversidades culturales, epistemológicas, sociales y políticas de todos los atores sociales involucrados.

Descriptores
Conocimiento; Medicina Tradicional; Investigación; Adolescente; Servicios de Salud Escolar.

INTRODUÇÃO

Os desafios epistemológicos no desenvolvimento de pesquisas científicas que envolvam povos indígenas, em especial aqueles originários de países sul-americanos, são inerentes e resultantes do processo histórico do colonialismo e subordinação política, epistêmica, econômica, social e cultural dos povos colonizados. A crítica aos impactos desse colonialismo desponta influenciando distintas correntes. Notadamente, há uma incorporação dos próprios participantes no processo de produção científica, o que se revela de modo muito contundente quando se trata de pesquisa social em saúde, sobretudo com povos indígenas(11 Pettres AA, Rosa MA. A determinação social da saúde e a promoção da saúde. Arqui Cat Med. 2018;47(3):183-96. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0429
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).

Esse novo paradigma busca superar as influências do método científico, ancorado originalmente nas ciências naturais, moldado por uma lógica cartesiana e ainda dominante no mainstream científico; e esses novos modos de produzir ciência implicam inúmeros desafios em termos de objetos, metodologias, fontes de financiamento, grupos de pesquisadores e regiões geográficas(22 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. São Paulo: CEBRAP; 2018. 125 p.).

Nessa linha de raciocínio, há uma intersecção de desafios sobrepostos que interagem e se amplificam. No âmbito da América Latina, autores clássicos como José Marti, Mariátegui, Aníbal Quijano e Mignollo são referências amplamente reconhecidas nessa discussão que perpassa as origens do pensamento latino-americano em busca da construção de uma epistemologia crítica. Mais recentemente, tais discussões ampliaram-se no bojo das intituladas “epistemologias do Sul”(33 Santos BS, Meneses MP. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; 2010. 106p.).

No que tange à pesquisa social em saúde com povos indígenas, há que agregar outros desafios existentes, tais como os obstáculos epistemológicos relacionados especificamente à área da saúde. A hegemonia do paradigma biomédico, inscrito até hoje na formação em saúde dos profissionais da área, se expressa evidentemente nas correntes epistemológicas dominantes e, consequentemente, nos referenciais teóricos, metodológicos e processos de desenvolvimento de pesquisas(44 Carabetta VC. A utilização de mapas conceituais como recurso didático para a construção e inter-relação de conceitos. Rev Bras Educ Méd. 2013;37(3):441-7. https://doi.org/10.1590/S0100-55022013000300017
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).

Com efeito, o paradigma biomédico imprimiu em todas as profissões da saúde o predomínio da lógica biologicista e da explicação unicausal das doenças, alienando as demais dimensões da vida e a importância do modo de organização social, cultural e político sobre a experiência humana do viver e adoecer(11 Pettres AA, Rosa MA. A determinação social da saúde e a promoção da saúde. Arqui Cat Med. 2018;47(3):183-96. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0429
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). Dessa forma, o modelo biomédico é, sobretudo, carreador da lógica da razão moderna (ocidental cartesiana) que não comporta outras racionalidades e modos de compreender o nascimento, a vida, o adoecimento e a morte.

Assim, explicações e práticas de cuidado que não sejam orientadas por essa lógica, comumente, não são aceitas. As racionalidades desenvolvidas por outras culturas distintas da cultura hegemônica, tal como a cosmovisão indígena, foram e permanecem excluídas. Desde a ascensão da Modernidade, a razão instrumental e a ciência tornaram-se símbolos do poder e da dominação sobre os povos e civilizações. Nesse sentido, a cultura e as racionalidades dos povos indígenas latino-americanos foram negadas historicamente, assim como outras formas de pensamento elaboradas por povos tradicionais em diversas regiões do mundo(55 Breihl J. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2016. 188p.).

No Brasil, tais questões também acarretaram relações adversas entre o Estado e os povos indígenas. A construção das políticas públicas de saúde no país também foi permeada por imposição de padrões e concepções de saúde orientadas pela racionalidade ocidental. Isso foi perpetrado por todas as instituições, de tal forma que a produção da ciência foi impregnada de relações desiguais entre os pesquisadores e os sujeitos da ação.

No que tange aos povos indígenas, esse fato foi talvez ainda mais presente se comparado com demais populações, considerando a unilateralidade acadêmica na definição das questões de pesquisa e desenhos metodológicos, a ausência de construções coletivas com as comunidades e populações envolvidas e, consequentemente, a utilização majoritária de instrumentos de pesquisa pouco ou nada participativos; tais características, em seu conjunto, revelaram, na história, diferentes perspectivas epistemológicas que, em grande medida, não favoreceram a promoção da autonomia e emancipação dos povos indígenas(66 Japiassu H. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Loyola; 1979. 239p.).

Todavia, tanto no Brasil como no mundo, diversas perspectivas epistemológicas têm contribuído para a superação dessas relações desiguais e cartesianas, com diferentes grupos sociais e também com os povos indígenas. Cabe dizer que, há muitas décadas, os movimentos sociais e as organizações indígenas empreendem esforços para afirmar a democratização. Sendo assim, resgatam pressupostos inscritos na epistemologia crítica e na educação popular(77 Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987. 92p.).

Importa ressaltar que, a despeito do histórico negativo em relação ao modo como a ciência e as pesquisas com povos indígenas e demais classes populares foram desenvolvidas ao longo dos tempos, grupos contra-hegemônicos também sempre existiram no meio científico, especialmente na América Latina; muitos se ancoram nos referenciais supracitados e demais correntes teóricas críticas. Assim, diversas outras vertentes epistemológicas, teorias e instrumentos foram incorporados em pesquisas com povos indígenas com intuito de concretizar a participação ativa dos sujeitos nos processos de produção do conhecimento(88 Walsh C. Interculturalidade e decolonialidade do poder um pensamento e posicionamento "outro" a partir da diferença colonial. Rev Eletr FD-UFP. 2019;05(1):06-39. https://doi.org/10.15210/RFDP.V5I1.15002
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). Nesse sentido, um dos instrumentos possíveis de serem adotados em pesquisas científicas realizadas com povos indígenas é o mapa conceitual.

Embora seja amplamente adotado por grupos em distintos países, ele é incomum dentro da pesquisa em saúde indígena realizada no Brasil. As pesquisas que o incorporaram estão mais ligadas aos processos de ensino(44 Carabetta VC. A utilização de mapas conceituais como recurso didático para a construção e inter-relação de conceitos. Rev Bras Educ Méd. 2013;37(3):441-7. https://doi.org/10.1590/S0100-55022013000300017
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). Portanto, nos propomos a realizar um estudo utilizando o mapa conceitual, que, neste artigo, será apresentado em forma de relato de experiência.

OBJETIVOS

Discutir a aplicabilidade do mapa conceitual e suas subjacentes ancoragens teóricas; e analisar os desafios e potencialidades desse método no que tange à participação dos povos indígenas.

MÉTODOS

O relato de experiência tem a finalidade de descrever uma experiência vivida que pode contribuir com a construção de conhecimento na área de atuação. Nessa linha, o presente artigo relata a experiência de utilizar o mapa conceitual como instrumento de coleta de dados numa pesquisa no campo da saúde indígena.

A redação do relatório do estudo seguiu o roteiro COREQ (Critérios consolidados para relatos de pesquisa qualitativa), que é um checklist de 32 itens específicos para descrever estudos qualitativos, excluindo critérios genéricos que são aplicáveis a todos os tipos de pesquisa. Esse checklist é abrangente e cobre todos os componentes que devem ser descritos.

A referida pesquisa, aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) foi intitulada “Fortalecimento do sistema de Atenção Primária à Saúde dos adolescentes indígenas, no Brasil: integrando os agentes comunitários de saúde no ambiente escolar”. Foi financiada pelo Medical Research Council (MRC) e pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) por meio de Cooperação Internacional estabelecida entre o Brasil e o Reino Unido. O Brasil foi representado pela Universidade do Estado do Mato Grosso do Sul e Universidade de Brasília; e o Reino Unido, pela Kings College London.

As recentes orientações do Medical Research Council (MRC) informam que, para a avaliação de um processo de intervenções complexas, é imprescindível compreender: o que funciona, em que condições e para quem. Além disso, é preciso identificar os mecanismos de mudança que explicam como a intervenção pode levar a um resultado positivo(99 Angell BJ, Muhunthan J, Irving M. Global systematic review of the cost-effectiveness of indigenous health interventions. PloS One. 2018;9(11):112-49. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0111249.t002
https://doi.org/10.1371/journal.pone.011...
). Este foi, justamente, o fio condutor do estudo, realizado no Polo Base de Sidrolândia, no município de Sidrolândia, estado do Mato Grosso do Sul (MS), Brasil. Esse Polo Base atende a população indígena de dois municípios: Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti.

A pesquisa iniciou-se em abril de 2018, com a avaliação da prontidão dos participantes por meio da aplicação de um instrumento próprio. Os participantes foram indígenas do povo Guarani-Terena, e a coleta de dados propriamente dita foi realizada no segundo semestre de 2019, com a construção do mapa conceitual. Os participantes do estudo foram separados em dois grupos de participantes: um grupo com 15 adultos (líderes indígenas, professores, profissionais de saúde e pais) e outro com 40 estudantes, intitulado “grupo dos adultos” e “grupo dos adolescentes”, respectivamente. O mapeamento conceitual seguiu os passos sugeridos por Trochim(1010 Trochim WM. The research methods knowledge base. 2ª ed. Nova York: Cornell University; 1985. 243p.).

As perguntas norteadoras para o primeiro grupo foram: “Para desenvolver a saúde dos jovens na aldeia e na escola, é necessário que…” e “Para incorporar o agente de saúde indígena na escola, é necessário…”. As seguintes questões foram apresentadas ao grupo dos adolescentes: “Para ser feliz, é importante…” e “Para ter um corpo saudável, é necessário…”.

Nas oficinas, os participantes faziam discussões balizadas pelo moderador; após o brainstorm (tempestade de ideias), sistematizou-se a classificação das declarações, culminando na construção de temas. Por fim, as sentenças foram hierarquizadas e classificadas por cada participante. Portanto, o foco dessas oficinas foi gerar declarações relacionadas aos objetivos da intervenção; ordenar as declarações em categorias com base na similaridade; e, finalmente, classificar cada declaração de acordo com a importância e viabilidade.

RESULTADOS

Os resultados da experiência foram divididos em duas secções: a primeira trata dos desafios no processo de construção metodológica e debates epistêmicos no desenvolvimento da pesquisa; a segunda seção discute os aspectos teóricos do mapa conceitual.

Desafios epistemológicos no desenvolvimento de pesquisas com povos indígenas

Quanto aos desafios epistemológicos e culturais que se revelaram no desenvolvimento da pesquisa, é interessante notar que eles não se restringem às relações entre os povos indígenas e os não indígenas. Isso pode ser afirmado porque o conjunto dos atores sociais envolvidos estão imersos em culturas distintas, com trajetórias diversas, papéis sociais e políticos próprios, além de todo o histórico de cada instituição, país e povo, cujas expressões emergem de modo muito contundente no percurso de um trabalho científico.

As tensões epistemológicas decorrentes do passado histórico e da forma como a ciência se reproduziu não podem ser desconsideradas em uma iniciativa como a que significou este empreendimento de pesquisa. Todavia, é preciso ter em mente a complexidade que envolve esses processos, pois, na presente pesquisa, havia simbolicamente quatro povos, quatro regiões geográficas, quatro instituições, possivelmente quatro expectativas.

Inicialmente foi realizada a aplicação-piloto do método proposto para a coleta de dados, utilizando-se do software Concept System, socializado pela King’s College London. A vivência do instrumento evidenciou potencialidades e sinalizou características inscritas na literatura, tal como a possibilidade de propiciar a imersão de temas, situações e concepções oriundas dos participantes, bem como viabilidade de elencar prioridades e delinear focos de ação alinhados com as percepções emanadas.

O objetivo do software Concept System é processar dados para entender como os grupos pensam, usando uma metodologia quantitativa e qualitativa, com foco na resolução de problemas de grupo. Ele produz mapas visuais, gera relatórios, fornece visibilidade estratégica e suporte ao planejamento e avaliação das atividades em grupo.

A experiência revelou a necessidade de desenvolver ajustes metodológicos para sua utilização com povos indígenas, tendo em vista as características culturais, as particularidades das concepções, modos de existência e cosmovisão indígena, elementos que sinalizavam possíveis obstáculos aos requisitos previamente previstos no referido método de coleta.

Ademais, outras incertezas foram identificadas como potenciais desafios na aplicação do instrumento da forma prescrita, tal como alguns conceitos implícitos em perguntas norteadoras que poderiam ser dissonantes de concepções indígenas. Isso se aplica, sobretudo, à concepção de saúde, que, no caso dos povos indígenas, é muito mais holística e indissociável das relações com o território, ancestralidade, natureza, espiritualidade, cosmovisão e todos os demais elementos inseparáveis do corpo das entidades simbólicas materiais e imateriais do ambiente, tal como é entendido na perspectiva da razão moderna.

Também a concepção de adolescência parece constituir-se em uma espécie de nó conceitual, já que, embora seja variável clássica do ponto de vista epidemiológico, apresenta uma diversidade de concepções em termos de marcadores sociais, como classe, grupo étnico, gênero e o contexto histórico específico. Isto posto, é necessária a identificação de riscos à saúde sob a ótica não indígena. Ademais “adolescência” não parece ser um conceito que encontre significação simbólica entre a maioria dos povos indígenas, uma vez que as etapas da vida e os ritos de passagens vivenciados por eles não apresentam os mesmos significados que possuem para a sociedade não indígena.

Essas inquietações permitiram refletir e aperfeiçoar o instrumento a fim de torná-lo adaptável à realidade sociocultural dos povos indígenas participantes da pesquisa e, sobretudo, viabilizar a participação efetiva dos sujeitos na construção coletiva do conhecimento. Com isso, a finalidade foi contemplar melhor as diversidades socioculturais e a promoção da participação dos respectivos povos indígenas e propiciar os resultados esperados quanto à construção de soluções efetivas capazes de promover a saúde de adolescentes indígenas mediante a inclusão dos agentes indígenas de saúde (AIS) nas escolas.

Aspectos teóricos do mapa conceitual

A execução de programas de saúde e educação requer um conceito inicial. Este pode referir-se a ideias, pensamentos, reflexões que tomam forma como metas e objetivos. A metodologia de pesquisa parte de dados qualitativos, obtidos de forma participativa, que, ao serem trabalhados com o grupo de forma quantitativa e alimentados em um software, irão resultar num mapeamento conceitual. Esse mapeamento representa como determinado grupo ou sociedade “enxerga” o tema em estudo(1010 Trochim WM. The research methods knowledge base. 2ª ed. Nova York: Cornell University; 1985. 243p.).

Tal instrumento usa a obtenção de dados de um grupo, por meio de um processo induzido e estruturado, que permite a extração de ideias dos participantes e a aplicação de ferramentas quantitativas analíticas sobre esses dados subjetivos. A categorização e priorização das ideias e pontos de vista dos participantes permitem a tomada de decisões e elaboração de metodologias adequadas para que as necessidades daquela população específica sejam atendidas(1010 Trochim WM. The research methods knowledge base. 2ª ed. Nova York: Cornell University; 1985. 243p.).

Essa modalidade de mapeamento resulta de uma metodologia mista, qualiquantitativa, na medida em que os dados subjetivos, obtidos dos participantes, são tratados de forma quantitativa, servindo para embasar a tomada de decisão. Tal abordagem de pesquisa é chamada de “pesquisa participativa”, tem potencial de promover o engajamento e colaboração dos participantes e permite a produção de um instrumento baseado na percepção do grupo que receberá a intervenção. Isso quer dizer que o mapa conceitual produzido representará as ideias e sugestões de ações eleitas como mais importantes e factíveis por aqueles indivíduos.

É na intersecção desses dois valores, ou seja, nos tópicos considerados como os mais importantes e mais viáveis, que a metodologia de ação deve se pautar. Espera-se que, com essa metodologia, seja possível aumentar as chances de êxito das ações de promoção de saúde, já que elas são elaboradas com a comunidade e para a comunidade específica. Em outras palavras, trata-se de ações delineadas e customizadas dentro daquilo que o próprio grupo/sociedade identificou como fundamental.

O passo a passo da elaboração do mapa conceitual consiste nas etapas descritas no Quadro 1(1010 Trochim WM. The research methods knowledge base. 2ª ed. Nova York: Cornell University; 1985. 243p.).

Quadro 1
Passo a passo da elaboração do mapa conceitual

Após os ajustes metodológicos, o instrumento de pesquisa foi aplicado, e o resultado foi a construção de um mapa conceitual, elaborado em consonância com o contexto sociocultural e da Atenção Primária à Saúde. Ele é capaz de instrumentalizar um painel de implementação a ser desenhado com o intuito de ajudar a interpretar as descobertas, sugerindo a melhor forma de maximizar sinergias potenciais entre o Polo Base, escola e pesquisadores.

Esse diagrama hierárquico permitiu identificar problemas de saúde, inclusive no âmbito da saúde mental, aumentando a eficiência e eficácia da prestação de cuidados. Da mesma forma, mostrou-se útil para a escola, pois propiciou o desenvolvimento de uma intervenção sistêmica com agentes comunitários de saúde indígena, constituindo-se como um componente-chave que favoreceu uma intervenção conjunta entre o sistema de educação e o sistema de saúde.

As potencialidades e perspectivas epistemológicas e teóricas do mapa conceitual, em consonância com suas subjacentes ancoragens teóricas, contribuem para o desenvolvimento de processos participativos de aprendizagem conjunta e desenvolvimento de capacidade de análise crítica da realidade.

Com efeito, o mapa conceitual apresentou evidências de como e onde aproveitar os benefícios do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena existente. Assim, permitiu a identificação de áreas de necessidades e gerou um perfil da juventude indígena daquela comunidade, o que favorece os adolescentes, as famílias, a escola e o subsistema de saúde. O referido instrumento também promoveu maior interface entre a escola e o Polo, fato, este, que conduziu à ampliação da conscientização sobre a importância da promoção da saúde.

Limitações do estudo

as limitações desta pesquisa centraram-se em algumas diferenças culturais, não somente com a população indígena, mas também entre os pesquisadores, sendo necessário um constante ajustamento. Houve também a limitação de bibliografia relacionada ao emprego do mapa conceitual em pesquisas de saúde, diferentemente do que ocorre na área de educação, em que é bastante usado.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Esta pesquisa contribui para a saúde na medida em que a utilização do mapa conceitual como ferramenta de coleta de dados se mostrou potente na construção do conhecimento. No âmbito acadêmico, tendo em vista suas bases epistemológicas e teóricas, apresenta-se como uma possibilidade para a realização de novas pesquisas nos cursos de graduação e de pós-graduação, tanto da Enfermagem como da Saúde Pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo abordou os mapas conceituais e suas bases epistemológicas e teóricas, por meio do compartilhamento de uma experiência. Observando essas bases e refletindo sobre o presente estudo, percebe-se a importância de atentar para o fato de que todo instrumento de pesquisa é indissociável das bases epistêmicas que o fundamentam e norteiam as respectivas pesquisas científicas. Isso significa dizer que não se pode analisar um instrumento de forma isolada, visto que suas potencialidades e limites dependerão tanto de seus pressupostos teóricos quanto das concepções e relações existentes em torno da produção do conhecimento.

Indubitavelmente a ferramenta proporcionou a identificação de fatores que influenciam a implementação de uma ação de promoção de saúde e o desenvolvimento de modelos conceituais, além da comunicação e colaboração entre os grupos. Portanto, à guisa de conclusão, é possível dizer que o mapa conceitual compõe, teoricamente, uma metodologia participativa estruturada, que possibilita a coleta de dados e a construção coletiva de saberes, desde que sejam levadas em consideração as diversidades culturais, epistêmicas, sociais e políticas de todos os atores sociais envolvidos.

  • FOMENTO
    Este trabalho foi financiado pelo Medical Research Council (MRC), número de concessão MR/R022739/1; pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento de Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT), bolsa número 71/700070/2018; e pela Fundação de Apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF).

REFERENCES

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  • 10
    Trochim WM. The research methods knowledge base. 2ª ed. Nova York: Cornell University; 1985. 243p.

Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa
EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2021
  • Aceito
    08 Jul 2022
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