Diagnóstico de enfermagem em idosos com diabetes mellitus segundo Teoria do Autocuidado de Orem

RESUMO

Objetivo:

Identificar os diagnósticos de enfermagem e os condicionantes do autocuidado em pessoas idosas com diabetes mellitus, à luz da Teoria do Autocuidado de Orem.

Métodos:

Estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa, conduzido pelo referencial teórico da Teoria do Autocuidado de Orem. Foi desenvolvido com 12 idosos com diabetes, em município do Sul do país, entre outubro e novembro de 2019. Para coleta de dados, utilizou-se entrevista individual e grupo focal. Os dados foram submetidos à análise temática e de conteúdo dirigida à taxonomia II da NANDA Internacional.

Resultados:

Identificaram-se 20 diagnósticos de enfermagem relacionados aos requisitos de autocuidado universais e desvios de saúde. Todos os diagnósticos estavam ancorados no sistema de enfermagem apoio-educação.

Considerações finais:

O desenvolvimento da doença e as consequências da hiperglicemia crônica foram pouco reconhecidos pelos idosos, interferindo na baixa adesão às práticas de autocuidado e no controle da doença.

Descritores:
Diabetes Mellitus; Autocuidado; Diagnóstico de Enfermagem; Idoso; Teoria de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify nursing diagnoses and conditioning factors of self-care in older adults with diabetes mellitus, in the light of Orem’s Theory of Self-Care.

Methods:

Exploratory, descriptive study with a qualitative approach, conducted with the theoretical framework of Orem’s Theory of Self-Care. It was developed with 12 older people with diabetes, in a country’s southern municipality, between October and November 2019. For data collection, it was used individual interviews and focus groups. The data was submitted to thematic and content analysis directed to taxonomy II of NANDA International.

Results:

Twenty nursing diagnoses related to universal self-care requirements and health deviations were identified. All diagnoses were anchored in the supportive-education nursing system.

Final considerations:

The development of the disease and the consequences of chronic hyperglycemia were poorly recognized by the elderly, interfering with low adherence to self-care practices and disease control.

Descriptors:
Diabetes Mellitus; Self-Care; Nursing Diagnosis; Elderly; Nursing Theory

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los diagnósticos de enfermería y condicionantes del autocuidado en personas ancianas con diabetes mellitus, basado en la Teoría del Autocuidado de Orem.

Métodos:

Estudio exploratorio, descriptivo, de abordaje cualitativo, conducido por la Teoría del Autocuidado de Orem. Desarrollado con 12 ancianos con diabetes, en municipio del Sur brasileño, entre octubre y noviembre de 2019. Para recolecta de datos, se utilizó entrevista individual y grupo focal. Los datos sometidos al análisis temático y de contenido dirigida a la taxonomía II de la NANDA Internacional.

Resultados:

Identificaron 20 diagnósticos de enfermería relacionados a los requisitos de autocuidado universales y desvíos de salud. Todos los diagnósticos estaban ancorados en el sistema de enfermería apoyo-educación.

Consideraciones finales:

El desarrollo de la enfermedad y las consecuencias de la hiperglucemia crónica fueron poco reconocidos por los ancianos, interfiriendo en la baja adhesión a las prácticas de autocuidado y en el control de la enfermedad.

Descriptores:
Diabetes Mellitus; Autocuidado; Diagnóstico de Enfermería; Anciano; Teoría de Enfermería

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é considerado uma epidemia de ordem mundial. É causador de 71% de todos os óbitos no mundo; e, no Brasil, de cerca de 5% de todas as mortes por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)(¹). O DM tipo 2 (DM2) responde por 90% a 95% de todos os casos de DM, e o mau hábito alimentar e a inatividade física são os principais fatores de risco modificáveis para o desenvolvimento da doença(²). A mudança de estilo de vida e o aumento da obesidade foram fatores que contribuíram para a crescente prevalência mundial do DM2(³).

A crescente importância dessa doença como uma das principais causas de óbitos na população acima de 60 anos(²) destaca a longitudinalidade no cuidado ao idoso como uma estratégia fundamental em Saúde Pública para o acompanhamento das condições crônicas presentes nessa população. As complicações agudas e crônicas do DM2, como a doença arterial coronariana, doença arterial periférica e doença cerebrovascular, ocorrem devido a hiperglicemia persistente e controle metabólico descompensado nos idosos com DM2(²,⁴). O exame considerado padrão-ouro para determinar o controle metabólico é a hemoglobina glicada (HbA1c), cujos valores considerados adequados para o idoso estão entre 7% e 8%(²), porém as metas devem ser individualizadas tendo em vista fatores de risco e presença de comorbidades(²).

Para o acompanhamento dos idosos com DM2, destaca-se o papel do enfermeiro na identificação de problemas, na orientação sobre a doença e na educação em saúde para que essas pessoas consigam assumir com responsabilidade o seu autocuidado(⁵). O compartilhamento de responsabilidades entre profissionais de saúde e idosos com condições crônicas sintetiza o papel ativo que esses atores sociais devem desempenhar para alcançar resultados positivos, capazes de estabilizar e controlar a doença por meio da adesão ao tratamento(⁶). O autocuidado no tratamento do DM2, além da adesão à terapia medicamentosa e do monitoramento glicêmico, envolve alimentação saudável, atividade física regular, cuidados adequados com os pés, capacidade de resolver conflitos e lidar positivamente com a presença de uma condição crônica(⁴).

Um marco teórico de referência para o autocuidado na prática profissional do enfermeiro é a Teoria do Autocuidado de Orem, a qual envolve os constructos teóricos do Autocuidado, dos Déficits de Autocuidado e dos Sistemas de Enfermagem, todos inter-relacionados proporcionando respaldo e fundamentos à prática da enfermagem(⁷). Orem conceitua “enfermagem” como um serviço humano para a ajuda de pessoas na obtenção e recuperação de habilidades e declara que os aspectos físicos, psicológicos, interpessoais e sociais da saúde são inseparáveis no indivíduo(⁵,⁸).

Nesse contexto, o enfermeiro precisa avaliar a capacidade de autocuidado individualizado e realizar o processo de enfermagem (PE) em cinco etapas: 1) coleta, análise sistemática e organizada dos dados; 2) identificação das necessidades das pessoas; 3) planejamento; 4) implementação; e 5) avaliação da assistência(⁹). A segunda etapa deve ser respaldada por documentos próprios de classificação taxonômica, como a classificação de Diagnósticos de Enfermagem (DE) da NANDA I(¹⁰).

A Teoria do Autocuidado de Orem para pessoas idosas com DM torna-se aplicável, sobretudo, pelo processo da cronicidade dessa morbidade e pela necessidade contínua de autocuidado efetivo. Por esse motivo, é relevante a realização deste estudo considerando a necessidade e o incentivo para o enfermeiro desenvolver a Sistematização da Assistência de Enfermagem e implementar o PE — neste caso, destacando os DEs, base para a implementação das demais etapas do processo de cuidado.

OBJETIVO

Identificar os diagnósticos de enfermagem e os condicionantes do autocuidado em pessoas idosas com diabetes mellitus, à luz da Teoria do Autocuidado de Orem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Destaca-se que foram respeitados todos os preceitos éticos e legais regulamentados pelas Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Obteve-se aprovação da Comissão Permanente de Avaliação de Projetos e do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); e, para preservar o sigilo e o anonimato, os participantes foram designados pela letra “P”, seguida dos números de 1 a 12 para classificar a ordem das falas (P1, P2… P12).

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa(¹¹). Foi utilizado o protocolo COREQ (Consolidated criteria for reporting qualitative research) com o propósito de aperfeiçoar a apresentação dos resultados desta pesquisa.

Procedimentos metodológicos

Cenário de estudo

O estudo foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) — na Região Sul do país — que participava do processo da tutoria regional para selo bronze e contava com equipe de saúde engajada para o atendimento de pessoas com DM2.

Fonte de dados

Participaram do estudo 12 pessoas com DM2, de qualquer estrato de risco, que atenderam aos critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 60 anos, não apresentar condições físicas ou psicológicas que os impossibilitassem de participar da entrevista e do grupo focal, estar em tratamento há pelo menos 12 meses frequentando assiduamente os atendimentos individuais e em grupo oferecidos pela equipe da UBS. Foram excluídas pessoas com idades inferiores a 60 anos e com incapacidade de expressar-se oralmente. Nenhuma pessoa convidada se recusou a participar da pesquisa.

Coleta e organização de dados

A coleta de dados ocorreu entre outubro e novembro de 2019. Para esse procedimento, foi cedido um salão ao lado da UBS, local rotineiramente utilizado pela equipe quando há a necessidade de reuniões/capacitações/trabalhos grupais. O local para realização da pesquisa e agendamento com os participantes contou com o apoio da enfermeira da UBS.

Para o processo de investigação, foram utilizadas as técnicas de entrevista individual e grupo focal. A escolha pelo grupo focal se deu pela possibilidade de facilitar o diálogo, a interação e a troca de experiências entre os participantes, fatores fundamentais para compreender as percepções, práticas e atitudes vivenciadas pelos participantes do grupo. As entrevistas foram conduzidas por um guia de questões elaborado pelas pesquisadoras, o qual versava sobre características sociodemográficas e história clínica (classificação do controle metabólico, tempo de diagnóstico do DM2 e presença de polifarmácia), com validação aparente e de conteúdo(¹²) efetuada por oito integrantes do Grupo de Estudo e Pesquisas em Condições Crônicas (GEPECRON). Para proceder à validação, foram realizadas as seguintes etapas: aprofundamento da temática; análise aparente, relacionado à semântica e clareza das questões; e análise teórica de cada item quanto ao conteúdo e pertinência(¹²).

Foram agendadas duas datas para realização das entrevistas individuais, seguidas do grupo focal, participando seis pessoas em cada data. Em ambos os dias, participaram da coleta de dados duas pesquisadoras graduadas em enfermagem, mestrandas e com experiência nas técnicas utilizadas, que realizaram uma apresentação pessoal e explicaram a importância e os motivos de participarem da pesquisa. Individualmente, estabeleceram uma relação com cada participante e realizaram a entrevista, com duração média de 20 minutos. Após a finalização das entrevistas individuais, os participantes se reuniram em semicírculo para início do grupo focal, com duração aproximada de 70 minutos. A questão disparadora dos grupos focais visava entender o conhecimento sobre as práticas de autocuidado relacionadas ao DM2: “Como você pratica o autocuidado em relação ao diabetes?” Os participantes foram incentivados a responder um a um. Com base nas falas do grupo, novos questionamentos foram realizados até que se esgotasse a apresentação de novos condicionantes do autocuidado ou houvesse redundância nas informações, atingindo a saturação dos dados.

Todas as entrevistas e o conteúdo audiogravado obtido nos dois grupos focais foram transcritos em um documento no software Microsoft Word, no qual foram organizados individualmente, atribuindo cada transcrição ao participante correspondente para que os condicionantes do autocuidado referidos fossem identificados de forma individual(¹¹). Em seguida, essas informações foram apresentadas aos participantes, identificando para cada pessoa seus respectivos condicionantes do autocuidado, com a finalidade de revelar as descobertas e confirmar a veracidade das informações obtidas(¹¹).

Análise dos dados

Para organização e sistematização dos dados, adotou-se a técnica de análise temática(¹¹), que consiste nas etapas de pré-análise, análise e interpretação; e a análise de conteúdo dirigida(¹³), pautando-se em estudos consolidados sobre um fenômeno para subsidiar as escolhas e decisões dos códigos e categorias do estudo, para o que se utilizou a taxonomia II da NANDA-I(¹⁰). Na pré análise(¹¹), foi realizada leitura flutuante do material transcrito identificando condições de saúde, processo ou vulnerabilidade autorreferidas, resultando nos principais recortes que compuseram as unidades de registro.

Na etapa de análise(¹¹), os recortes obtidos foram codificados de acordo com trechos convergentes e divergentes, dando origem às unidades de sentido, categorizadas em problemas, riscos potenciais e estado de promoção à saúde. Na etapa de interpretação(¹¹), foram identificados os DEs, que correspondem ao julgamento clínico do enfermeiro sobre uma condição de saúde, processo ou vulnerabilidade de um indivíduo, família, grupo ou comunidade para respaldar as futuras intervenções de enfermagem(¹⁰). Para a análise de conteúdo dirigida(¹³), que utilizou a taxonomia II da NANDA-I(¹⁰), o processo de identificação dos DEs foi estabelecido pelo raciocínio clínico(¹⁴).

O conhecimento científico e as vivências das pesquisadoras junto com as inferências obtidas por meio das entrevistas e grupos focais permitiram a realização do raciocínio clínico(¹⁴) com solidez na avaliação de cada pessoa. Os problemas, riscos potenciais ou estado de promoção da saúde identificados foram agrupados por similaridade, considerando os componentes (título, domínio e características definidoras). Na sequência, os DEs foram correlacionados com o referencial teórico(⁷-⁸), interpretados com base em inferências críticas e reflexivas(¹¹).

Uma vez obtido o produto da análise, foi verificada a acurácia dos DEs encontrados. A acurácia do DE é validada quando o enfermeiro consegue, com clareza, identificar e ligar as características definidoras aos fatores relacionados e/ou aos fatores de risco encontrados com a avaliação do indivíduo, família, grupo ou comunidade(¹⁰). Dessa forma, foi aplicada a técnica de validação por consenso(¹⁵), a fim de estabelecer uma opinião por unanimidade sobre a pertinência e relevância de determinado DE. Para a validação(¹⁵), foram selecionadas três especialistas que atenderam os seguintes critérios: estar vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, integrar o GEPECRON, ter experiência com atuação assistencial em UBS e ter experiência na aplicação do DE e classificações ou taxonomias de enfermagem. A discordância de um ou mais especialistas condicionou a não validação dos respectivos DEs(¹⁵).

Os DEs, portanto, derivaram dos dados obtidos pelas duas técnicas de coleta, não havendo indicação prévia dos temas apresentados nos resultados. A pré-análise, análise e interpretação(¹¹) foram realizadas com o auxílio do software MAXQDA^®, versão 20.0.8, referência 230594870. Após a validação dos DEs, foi elaborada a árvore com as condições de saúde, processo ou vulnerabilidade autorreferidos e apontadas as relações com as características definidoras expressas por cada DE.

RESULTADOS

Participaram do estudo 12 pessoas com DM2, sendo 8 mulheres e 4 homens; na faixa etária entre 60 a 79 anos; a maioria, com menos de cinco anos de diagnóstico da doença e com classificação do controle metabólico ruim; e metade delas fazia uso de polifarmácia, com consumo diário de cinco ou mais medicamentos. No Quadro 1, foram descritos os DEs identificados, sendo apresentadas apenas as principais condições de saúde, processo ou vulnerabilidade para corroborar o respectivo DE.

Quadro 1
Diagnósticos de enfermagem, segundo a taxonomia II da NANDA-I, em pessoas idosas com diabetes mellitus tipo 2 de acordo com as características definidoras, com base nas condições, processo ou vulnerabilidade de saúde autorreferidas, Maringá, Paraná, Brasil, 2019

Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade autorreferidos pelos idosos com diabetes mellitus tipo 2	Características definidoras	Domínio	Diagnóstico de enfermagem
Meu pé antes cabia um dedo nas rachaduras […] depois que eu aprendi a me cuidar, sarou. (P12) Eu estou caminhando. (P11) Eu fui de chinelo fazer o exame de prevenção, e a enfermeira já me falou que não era para eu usar esse tipo de calçado, aí já tento não usar mais. (P7)	Expressa desejo de melhorar o autocuidado. Expressa desejo de aumentar o conhecimento sobre estratégias de autocuidado.	4. Atividade/repouso	Disposição para melhora do autocuidado
Eu fiz o grupo de tabagismo. Não parei, mas reduzi. (P4)	Expressa desejo de melhorar o estabelecimento de metas.	9. Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Disposição para resiliência melhorada
Eu aprendi que a minha [hemoglobina] glicada tem que estar abaixo de 7. (P3) Minha [hemoglobina] glicada estava 9,5… o normal é entre 6 e 5. (P11) Eu aprendi a olhar sempre os meus pés. Eu olho todos os dias. (P3)	Expressa desejo de aumentar a compreensão de informações de saúde para fazer escolhas de cuidados de saúde.	1. Promoção da saúde	Disposição para letramento em saúde melhorado
Andar de calçado fechado, que eu mudei desde que me orientaram. Usava chinelo. (P1) Depois que eu voltei a tomar o remédio, minha quentura nas pernas diminuiu. (P10)	Expressa desejo de melhorar as escolhas da vida diária para alcançar metas.	1. Promoção da saúde	Disposição para controle da saúde melhorado
Preciso comer de 3 em 3 horas. (P7)	Expressa desejo de melhorar a nutrição.	2. Nutrição	Disposição para nutrição melhorada
A gente sabe, mas não se cuida. (P11) Eu fumo. Mas eu não fumo na frente dos outros. (P5)	Falta de adesão a atividades de saúde	4. Atividade/repouso	Autonegligência
Eu estava fazendo na academia, mas parei porque tá muito apurado lá na chácara. (P10)	Motivação insuficiente para a atividade física. Conhecimento insuficiente sobre os benefícios do exercício físico	1. Promoção da saúde	Estilo de vida sedentário
Eles [os profissionais de saúde] já me falaram para eu não fazer mais isso [fumar], mas nunca tive problema por isso. (P1) Eles [profissionais de saúde] falaram que eu não posso comer doce de leite, mas eu como. (P12)	Percepção negativa da estratégia recomendada de cuidados de saúde	1. Promoção da saúde	Comportamento de saúde propenso a risco
Não adianta eu cuidar da alimentação, porque, quanto mais eu me cuido, mais ela [glicemia] sobe. Então deixo pra lá. (P5)	Ausência de interesse em melhorar comportamentos de saúde	1. Promoção da saúde	Manutenção ineficaz da saúde
Meu diabetes de manhã está baixo; e de noite, alto. (P2)	Falta de adesão ao plano de controle do diabetes	2. Nutrição	Risco de glicemia instável
Eu levanto a noite inteira pra fazer xixi. (P10)	Nictúria	3. Eliminação e troca	Eliminação urinária prejudicada
Eu ando segurando no cabo de vassoura. (P1)	Suscetibilidade aumentada a quedas	11. Segurança/proteção	Risco de quedas
Parece que tem fogo na perna e queimadura nos pés. (P8) Às vezes não consigo cobrir o pé de tanto que queima. (P3)	Conhecimento insuficiente sobre o processo da doença	4. Atividade/repouso	Risco de perfusão tissular periférica ineficaz
Eu ouvi falar que o adoçante pode fazer mais mal que o açúcar, então cada dia eu uso um. (P6) Quem tem diabete não pode sair sozinho na rua. (P7) [Quem tem diabetes] Não pode fazer nada. (P9)	Informações incorretas ou apresentadas por outros	5. Percepção/cognição	Conhecimento deficiente
Minha irmã infartou por causa do diabetes. Tenho medo de morrer cedo que nem ela. (P4)	Medo de morte prematura	9. Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Ansiedade relacionada à morte
Quando eu quiser parar de fumar, eu paro. (P5)	Negação de fraquezas	9. Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Enfrentamento defensivo
Tem gente que acha que a gente é metido, porque só usa sapato na rua, não usa chinelo. Por isso às vezes a gente tem que sair de chinelo. (P6)	Percepção de vulnerabilidade da comunidade	9. Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Enfrentamento ineficaz da comunidade
Não gosto de falar sobre isso [complicações]. (P1)	Não admite o impacto da doença na vida	9. Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Negação ineficaz
Meu calcanhar é todo rachado. (P5) O meu pé é seco, racha o calcanhar daí pode formar ferida, tenho medo. (P6)	Alteração na integridade da pele	11. Segurança/proteção	Risco de infecção
Quando meu pé está muito rachado, eu passo ele no ladrilho. (P8)	Conhecimento insuficiente sobre proteção da integridade tissular	11. Segurança/proteção	Risco de integridade tissular prejudicada

Quanto aos requisitos de autocuidado, os DEs foram relacionados aos universais e de desvios de saúde, conforme Quadro 2. Somente os requisitos de desenvolvimento não foram associados aos DEs, por não serem identificados aspectos específicos aos processos de ciclo vital nos participantes da pesquisa, e sim correlacionados à condição crônica pesquisada.

Quadro 2
Diagnósticos de enfermagem, conforme a taxonomia II da NANDA-I, segundo Teoria do Autocuidado de Orem, Maringá, Paraná, Brasil, 2019

Diagnósticos de enfermagem com base nos requisitos universais
Autonegligência
Estilo de vida sedentário
Comportamento de saúde propenso a risco
Ansiedade relacionada à morte
Manutenção ineficaz da saúde
Eliminação urinária prejudicada
Disposição para melhora do autocuidado
Disposição para resiliência melhorada
Disposição para letramento em saúde melhorado
Disposição para controle da saúde melhorado
Disposição para nutrição melhorada
Diagnósticos de enfermagem com base nos requisitos de desvio da saúde
Risco de perfusão tissular periférica ineficaz
Conhecimento deficiente
Risco de glicemia instável
Enfrentamento defensivo
Enfrentamento ineficaz da comunidade
Negação ineficaz
Risco de infecção
Risco de quedas
Risco de integridade tissular prejudicada

Todos os DEs nos idosos com DM2 corresponderam ao sistema de enfermagem de apoio educação. Quanto ao foco dos DEs, 11 relacionaram-se aos problemas de saúde; 4, ao risco potencial; e 5, à promoção da saúde (Quadro 3). O fato de a maioria dos DEs indicarem falhas nas ações ressalta o papel do enfermeiro em promover intervenções com o intuito de fomentar a prática do autocuidado.

Quadro 3
Diagnósticos de enfermagem, segundo a taxonomia II da NANDA-I, relacionados ao problema de saúde, risco potencial e promoção da saúde, Maringá, Paraná, Brasil, 2019

Diagnósticos de enfermagem relacionados aos problemas de saúde
Autonegligência
Estilo de vida sedentário
Comportamento de saúde propenso a risco
Manutenção ineficaz da saúde
Eliminação urinária prejudicada
Conhecimento deficiente
Ansiedade relacionada à morte
Enfrentamento defensivo
Enfrentamento ineficaz da comunidade
Negação ineficaz
Diagnósticos de enfermagem relacionados ao risco potencial
Risco de glicemia instável
Risco de perfusão tissular periférica ineficaz
Risco de infecção
Risco de quedas
Risco de integridade tissular prejudicada
Diagnósticos de enfermagem relacionados à promoção da saúde
Disposição para melhora do autocuidado
Disposição para resiliência melhorada
Disposição para letramento em saúde melhorado
Disposição para controle da saúde melhorado
Disposição para nutrição melhorada

DISCUSSÃO

A habilidade de diagnosticar em enfermagem envolve processos de raciocínio e julgamentos contínuos que sustentam as condutas de enfermagem a serem adotadas. O raciocínio clínico é uma habilidade a ser construída e lapidada por meio da prática diária, para que o enfermeiro possa realizar o julgamento das inferências diagnósticas na prática clínica(¹⁴). Por isso, estudos sobre DE visam aprimorar a acurácia do pensamento crítico do enfermeiro e o planejamento do cuidado, aproximando as pesquisas científicas às necessidades apontadas pelos serviços assistenciais e fomentando o pensamento crítico em enfermagem(¹⁴). A autonomia do enfermeiro em realizar os DEs contribui para assistir à pessoa/família/comunidade com elementos críticos suficientes para propor intervenções aos problemas identificados, além de reconhecer a Enfermagem como a ciência do cuidar(¹⁶).

A utilização da Teoria do Autocuidado de Orem como um guia para conduzir as ações do enfermeiro na realização do PE tem-se destacado como um campo estratégico para implementação das intervenções com vistas à promoção do autocuidado às pessoas com DM2(¹⁷). Neste trabalho, foram identificados 20 DEs que foram respaldados pela Teoria do Autocuidado de Orem no que concerne ao papel do enfermeiro como orientador e apoiador para a prática do autocuidado aos idosos com DM2.

Os DEs de “Autonegligência”, “Comportamento de saúde propenso à risco” e “Manutenção ineficaz da saúde” foram relacionados à falta de adesão terapêutica. Esse resultado corrobora achados em estudo(¹⁸) no qual predominaram pessoas idosas com condições crônicas, evidenciando um conhecimento deficiente acerca de seus fatores de risco, com destaque para o papel do profissional de saúde em fornecer informações completas e esclarecedoras.

Em idosos, como é o caso do objeto deste estudo, o “Estilo de vida sedentário” é um DE frequente. Rigidez articular, presença de dor, falta de apoio familiar e falta de condicionamento físico foram alguns dos motivos atribuídos pelos idosos para não praticarem atividade física em estudos semelhantes(¹⁹-²¹).

Estudos(¹⁹,²²-²³) revelaram que o DE “Risco de glicemia instável” tem melhora significativa quando associado ao cuidado apoiado pela enfermagem. O conhecimento insuficiente sobre DM2 foi o responsável pela baixa adesão ao plano terapêutico, resultando na descompensação glicêmica(¹⁷).

A “Eliminação urinária prejudicada”, exemplificada pelos sintomas de poliúria e nictúria, também é achado frequente em pessoas com DM2(²²) como consequência do aumento da glicose sanguínea e diminuição na reabsorção renal e desidratação(⁴).

O “Risco de quedas” deve ser uma preocupação do enfermeiro na população idosa, pois a queda reflete a fragilidade com consequentes prejuízos em cascata que potencializam o surgimento de incapacidades geriátricas(¹⁹-²⁰). Entretanto, não se pode excluir a associação do risco de quedas com as complicações agudas ou crônicas do DM2, como a hipoglicemia, a sarcopenia devido à resistência insulínica, o desequilíbrio por alteração da propriocepção ou a perda da sensibilidade protetora ocasionada pela polineuropatia diabética(²). Os DEs “Risco de perfusão tissular periférica ineficaz”, “Risco de integridade tissular prejudicada” e “Risco de infecção”, na pessoa com DM2, podem se relacionar a sinais e sintomas compatíveis com complicações decorrentes da neuropatia diabética periférica(²). Nesse sentido, a educação em saúde do idoso durante as consultas de enfermagem tem um papel esclarecedor nos cuidados preventivos com os pés, na orientação do exame físico rotineiro no domicílio e no uso de calçados adequados(²⁴). Em revisão sistemática(²⁵) sobre a efetividade e eficácia das ações educativas diante das complicações relacionadas ao DM2, mostrou-se que as intervenções realizadas por enfermeiros acarretaram redução das úlceras nos pés, bem como da vasculopatia e da neuropatia periféricas.

O “Conhecimento deficiente” da pessoa idosa com DM2 esteve relacionado às complicações e à falta de adesão ao tratamento medicamentoso e não medicamentoso encontrados neste estudo. O empoderamento da pessoa com condição crônica sobre seu tratamento é primordial para o equilíbrio do processo saúde-doença(¹⁸-²²).

O DE “Ansiedade relacionada à morte” normalmente está vinculado ao quadro de pessoas com alguma condição crônica. Nesse caso, a característica definidora foi o medo relacionado a morte prematura, denotando conhecimento prévio do informante sobre o risco de mortalidade precoce do DM(²).

Os DEs “Enfrentamento defensivo” e “Enfrentamento ineficaz da comunidade” ocorrem quando as pessoas não tem uma compreensão clara da sua condição de saúde ou sofrem com a estigmatização perante a sociedade(²⁶). A “Negação ineficaz” é parte de um estágio quando a pessoa ainda se recusa a aceitar o processo da doença e, muitas vezes, se relaciona à falta de apoio emocional(²⁷).

Neste estudo, os DEs associados ao requisito de autocuidado universal ratificaram resultados de pesquisas(¹⁸,²⁸-³⁰) semelhantes, que relacionaram os DEs ao aporte de água e alimentos, aos processos de eliminação fisiológica, à mobilidade prejudicada, à manutenção do equilíbrio entre atividade física e repouso, referentes aos perigos para vida, funcionamento e bem-estar(²¹). Outros estudos(¹⁷,²⁸,³⁰-³¹) também relacionaram os DEs ao requisito de autocuidado de desvios de saúde referentes à falta de participação da pessoa sobre o seu processo de adoecimento, inadaptação da realidade às necessidades da pessoa e desconhecimento sobre o tratamento e evolução da doença(⁵,⁸).

As ações do enfermeiro de promover o apoio e a educação em saúde ressaltam a importância da responsabilização mútua entre profissionais e usuários como forma de contemplar uma assistência apropriada, ampliar o conhecimento das pessoas sobre os aspectos da doença e contribuir para o autogerenciamento do DM2(³²). A Teoria dos Sistemas de Enfermagem destaca essa relação de reciprocidade e de corresponsabilidade para o cuidado, especialmente para pessoas com condições crônicas que demandam uma rotina de cuidados diários para manutenção de sua saúde(³³).

Orem descreve os Sistemas de Enfermagem e identifica-os em “totalmente compensatório”, quando a pessoa encontra-se incapacitada para desempenhar ações de autocuidado; “parcialmente compensatório”, situação em que tanto a pessoa quanto o enfermeiro executam ações de autocuidado; e “apoio-educação”, quando o indivíduo consegue, por meio das orientações do enfermeiro, executar e aprender(⁵,⁸). Nesse campo, os resultados do presente estudo são ancorados no sistema de apoio-educação(²⁸), ressaltando o papel do enfermeiro no processo de educação em saúde.

É função do enfermeiro identificar os déficits e definir as modalidades de suporte para que a assistência esteja em consonância com as necessidades de autocuidado e com a capacidade das pessoas para executar as ações(¹⁹). A construção de um DE pode ter o foco no problema, na promoção da saúde ou em um risco potencial(¹⁰). Os DEs “Autonegligência”(¹⁸,²⁹), “Estilo de vida sedentário”(¹⁸,²⁸-²⁹), “Comportamento de saúde propenso a risco”(¹⁸,²⁸), “Manutenção ineficaz da saúde”(²⁸), “Eliminação urinária prejudicada”(²¹), “Conhecimento deficiente”(²⁸-²⁹), “Ansiedade relacionada à morte”, “Enfrentamento defensivo”(²⁶), “Enfrentamento ineficaz da comunidade” e “Negação ineficaz”(³¹) são denominados DEs com foco no problema(¹⁰) por apresentarem uma resposta humana indesejável a determinada condição. Os DEs “Risco de glicemia instável”(²³), “Risco de perfusão tissular periférica ineficaz”(²¹), “Risco de infecção”(²⁹), “Risco de integridade tissular prejudicada”(²¹,²⁶) e “Risco de quedas”^(20,28) são denominados como risco potencial(¹⁰), pois representam situações de suscetibilidade para o desenvolvimento de uma resposta indesejável às condições de saúde. E os DEs “Disposição para melhora do autocuidado”(²⁸), “Disposição para resiliência melhorada”(³³), “Disposição para letramento em saúde melhorado”, “Disposição para controle da saúde melhorado”(²⁸) e “Disposição para nutrição melhorada”(³⁴) representam o domínio de Promoção da saúde e expressam desejos motivacionais(¹⁰).

Nota-se que o fato de a maioria dos estudos sobre DE serem realizados em pessoas atendidas no ambiente ambulatorial ou hospitalar faz com que se concentrem no problema e nos riscos potenciais. Sendo a APS um ponto de atenção cuja essência está na prevenção e na promoção da saúde, o baixo número de pesquisas sobre DE nesse nível de contato dificultou, no presente estudo, a discussão com os DEs contidos no domínio de Promoção da saúde.

Entende-se que a Teoria do Autocuidado de Orem como apoio teórico para sistematizar a assistência do enfermeiro permite prestar um cuidado integral e individualizado ao idoso com DM. As ações de autocuidado ocorrem por meio do suporte educacional, não apenas com orientação e aconselhamento, mas também construção do relacionamento interpessoal entre enfermeiro, idoso e família(³⁵).

Limitações do estudo

Constituem limitação do estudo: a construção dos resultados em um único contexto; e o fato de estes serem influenciados pelas características das pessoas participantes. Portanto, recomenda-se a realização de estudos em cenários diversos envolvendo outras condições do processo saúde/doença.

Contribuições para a área da enfermagem e saúde pública

O estudo enaltece uma das etapas que compõe o PE: o diagnóstico de enfermagem. Baseando-se nessa etapa, toda a implementação dos cuidados de enfermagem é realizada. Dirigir a pesquisa aos idosos com DM2 foi uma escolha que reflete a preocupação com a problemática envolvendo a saúde pública. A pertinência e relevância deste estudo está na busca em consolidar a prática do enfermeiro com assistência sistematizada, visando à integralidade e proporcionando o apoio às pessoas para o desenvolvimento do autocuidado, conforme a Teoria do Autocuidado de Orem, que segue atemporal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foram identificados 20 diagnósticos de enfermagem, predominando os relacionados ao desvio de saúde, centrados no problema e pertencentes ao sistema apoio-educação. Constatou-se que muitos idosos com DM2 desconhecem o processo de desenvolvimento da doença e as consequências da hiperglicemia crônica. Esse fato tem resultado na pouca adesão às práticas de autocuidado, dificultando assim o controle da doença, que é considerada um grave problema de saúde pública.

Destaca-se que o uso da Teoria do Autocuidado de Orem possibilitou conhecer os condicionantes ou déficits de autocuidado dos idosos com DM2, tornando esse referencial contemporâneo ao conceito de promover e prevenir complicações à saúde da população. Isso permite refletir que o autocuidado é apreendido por meio da interação humana, ou seja, resulta da relação entre profissional de saúde e pessoas com DM2.

Com este estudo, espera-se que as ações sistematizadas de enfermagem sejam encorajadas. Ao elaborar diagnósticos de enfermagem, o enfermeiro intervém de maneira direcionada, segura e eficaz. Espera-se ainda fomentar a aplicação das teorias de enfermagem — em especial, a Teoria do Autocuidado de Orem — nas práticas assistenciais, sobretudo com associação do uso dos diagnósticos de enfermagem na APS.

• FOMENTO
  Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Marcos Brandão

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  16 Out 2020
• Aceito
  03 Nov 2021