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Dança circular: prática integrativa e complementar no quotidiano da promoção da saúde da pessoa idosa

RESUMO

Objetivos:

compreender a dança circular como uma prática integrativa e complementar para a promoção da saúde no quotidiano da pessoa idosa.

Métodos:

estudo interpretativo, qualitativo, fundamentado na Sociologia Compreensiva e do Quotidiano de Michel Maffesoli. Foram 20 participantes, 17 pessoas idosas e três focalizadoras em rodas realizadas em Unidades Básicas de Saúde de um município do Sul do Brasil. Os dados foram coletados por meio de entrevista e observação, entre setembro de 2016 e março de 2017, analisados pelos processos de análise preliminar, ordenação, ligações-chave, codificação e categorização.

Resultados:

emergiram três categorias, que expressam o quotidiano da dança circular com pessoas idosas: as rodas que giram; desafios para novas rodas girarem; o entrar, o estar e o permanecer na roda.

Considerações Finais:

a dança circular proporcionou às pessoas idosas a sensação de pertencimento a um grupo, aliada ao prazer e bem-estar, contribuindo para a promoção da saúde desta população.

Descritores:
Terapias Complementares; Promoção da Saúde; Enfermagem; Pessoa Idosa; Atividades Cotidianas.

ABSTRACT

Objectives:

to understand circle dance as an integrative and complementary practice for health promotion in older adults’ daily lives.

Methods:

an interpretive, qualitative study, based on Michel Maffesoli’s Comprehensive Sociology of Everyday Life. There were 20 participants, 17 older adults and three focalizers in circles held in Basic Health Units in a municipality in southern Brazil. Data were collected through interviews and observation, between September 2016 and March 2017, and analyzed through preliminary analysis, ordering, key links, coding and categorization.

Results:

three categories emerged that express the daily life of circle dance with older adults: circles that spin; challenges for new circles to spin; entering, being and staying in the circle.

Final Considerations:

circle dance provided older adults with a feeling of belonging to a group, combined with pleasure and well-being, contributing to promotion of older adults’ health.

Descriptors:
Complementary Therapies; Health Promotion; Nursing; Elderly; Activities of Daily Living.

RESUMEN

Objetivos:

comprender la danza circular como práctica integradora y complementaria para la promoción de la salud en el cotidiano de los ancianos.

Métodos:

estudio cualitativo, interpretativo, basado en la Sociología Integral y Cotidiana de Michel Maffesoli. Fueron 20 participantes, 17 ancianos y tres grupos focales realizados en Unidades Básicas de Salud de una ciudad del sur de Brasil. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas y observación, entre septiembre de 2016 y marzo de 2017, analizados por los procesos de análisis preliminar, ordenamiento, enlaces clave, codificación y categorización.

Resultados:

surgieron tres categorías, que expresan el cotidiano de la danza circular con ancianos: las ruecas; desafíos para que giren nuevas ruedas; entrar, estar y permanecer en el círculo.

Consideraciones Finales:

la danza circular proporcionó a los ancianos el sentimiento de pertenencia a un grupo, combinado con placer y bienestar, contribuyendo para la promoción de la salud de esta población.

Descriptores:
Terapias Complementarias; Promoción de la Salud; Enfermería; Persona Mayor; Actividades Cotidianas.

INTRODUÇÃO

As práticas integrativas e complementares (PICs) em saúde são fundamentadas como abordagem integral e dinâmica do processo saúde/doença e buscam estimular mecanismos naturais para promover, recuperar, manter a saúde e prevenir agravos, utilizando-se terapêuticas seguras, eficazes e de baixo custo, podendo ser utilizadas em nível individual e coletivo. Foram inseridas no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente a partir da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPICs), em 2006, e ampliada em 2017, estimulando o conhecimento, a formação e a disseminação destes recursos nos serviços de saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS)(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 849, de 27 de março de 2017. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares: PNPICS [Internet]. 2017 [cited 2020 May 26]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017.html#:~:text=PORTARIA%20N%C2%BA%20849%2C%20DE%2027,de%20Pr%C3%A1ticas%20Integrativas%20e%20Complementares.
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).

As PICs, por fazerem uso de terapêuticas, que não dependem de uma ciência rígida e dura, transcendem o modelo biomédico, hegemônico e centrado na doença, favorecendo a abertura para um outro paradigma na área da saúde. A inclusão dessas práticas no SUS favorece a possibilidade de pensar a saúde de outras maneiras, de modo que o cuidado seja pautado no processo vital, a partir do olhar para a saúde e não para a doença(22 Santos SC, Tonhom SFR, Komatsu RS. Saúde do Idoso: reflexões acerca da integralidade do cuidado. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2017 [cited 2020 May 26];29(Supl):118-27. Available from: https://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/6413/5220
https://periodicos.unifor.br/RBPS/articl...
), estando em consonância com a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS)(33 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS [Internet]. 2018 [cited 2020 May 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_promocao_saude.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Apesar de poderem ser aplicadas nos diferentes cenários de cuidado, a utilização das PICs se torna mais facilitada na APS, visto que este espaço favorece o protagonismo dos usuários, para que os mesmos exerçam sua autonomia de maneira plena, incluindo a escolha da opção terapêutica que melhor corresponda aos seus interesses(44 Alvim NAT. Práticas Integrativas e Complementares de Saúde no Cuidado. Rev Enferm UFSM. 2016;6(1):1-2. https://doi.org/10.5902/2179769221571
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). No Brasil, apesar das experiências exitosas implantadas na APS, a visão centrada na doença ainda parece persistir, principalmente em relação à população idosa(55 Castro APR, Vidal ECF, Saraiva ARB, Arnaldo SM, Borges AMM, Almeida MI. Promoção da saúde da pessoa idosa: ações realizadas na atenção primária à saúde. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(2):158-67. https://doi.org/10.1590/1981-22562018021.170133
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). Neste contexto, trabalhar as ações de promoção, prevenção e tratamento com as PICs possibilita a integralidade do cuidado, especialmente da pessoa idosa(66 Dalmolin IS, Heidemann ITSB. Integrative and complementary practices in Primary Care: unveiling health promotion. Rev Latino-Am Enfermagem. 2020;28:e3277. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3162.3277
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).

Recentemente, novos procedimentos foram incluídos às PNPICs no SUS, como a dança circular, que é caracterizada por uma atividade com o propósito de dançar junto, feita em círculo, originária da tradição folclórica de diferentes países e culturas. Ao dançar coletivamente em diversos ritmos, gestualidade e melodias, amplia-se a consciência corporal, ativando as células para uma vida saudável e mudanças de atitudes, além de favorecer a aprendizagem e interconexão harmoniosa entre os participantes, que começam a internalizar os movimentos, liberar a mente, o coração, o corpo e o espírito(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 849, de 27 de março de 2017. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares: PNPICS [Internet]. 2017 [cited 2020 May 26]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017.html#:~:text=PORTARIA%20N%C2%BA%20849%2C%20DE%2027,de%20Pr%C3%A1ticas%20Integrativas%20e%20Complementares.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
,77 Costa ALB. Circle dance, occupational therapy and wellbeing: the need for research. Br J Occup Ther. 2012;75(2):114-6. https://doi.org/10.4276/030802212x13286281651315
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-88 Dubner D. O poder terapêutico e integrativo da Dança Circular. Itu (SP): Ottoni; 2015. 201p.).

A dança circular é uma potência no quotidiano da pessoa idosa enquanto estratégia de promoção da saúde. Neste pensar, compreende-se o quotidiano como:

maneira de viver dos seres humanos que se mostra no dia a dia, expresso por suas interações, crenças, valores, símbolos, significados, imagens e imaginário, que vão delineando seu processo de viver, num movimento de ser saudável e adoecer, pontuando seu ciclo vital. Esse percurso pelo ciclo vital tem uma determinada cadência que caracteriza nossa maneira de viver, influenciada tanto pelo dever ser, como pelas necessidades e desejos do dia a dia, que se domina como ritmo de vida e do viver(99 Nitschke RG, Tholl AD, Potrich T, Silva KM, Michelin SR, Laureano DD. Contributions of Michel Maffesoli’s thinking to research in nursing and health. Texto Contexto Enferm. 2017;4(26):1-12. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003230017
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10 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina; 2010.
-1111 Maffesoli M. O tempo retorna: formas elementares do pós-modernidade. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2012.).

Neste sentido, o estudo justifica-se pela sua relevância temática e social. Ademais, agregar a dança circular em Unidades Básicas de Saúde é um caminho para a efetividade da integralidade, contribuindo para o reconhecimento das suas necessidades de cuidado e de estratégias que estimulem, especialmente, as pessoas idosas, para o enfrentamento do ritmo de vida e a autonomia. Assim, faz-se necessária a ampliação da produção do conhecimento nessa área com estudos que contemplem diferentes abordagens de cuidado.

OBJETIVOS

Compreender a dança circular como uma prática integrativa e complementar para a promoção da saúde no quotidiano da pessoa idosa.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa atendeu aos preceitos éticos estabelecidos pela Resolução no. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(1212 Ministério da Saúde (BR). Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012: Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. 2012 [cited 2020 May 26]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
), obtendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

Na apresentação dos dados, os participantes e os locais pesquisados receberam identificações por codinomes, garantindo o sigilo e anonimato dos mesmos durante todo o processo de pesquisa.

Tipo de estudo e referencial teórico

Pesquisa interpretativa, com abordagem qualitativa. Como fundamentação teórica, adotou-se a Sociologia Compreensiva e do Quotidiano, trazendo as noções e os pressupostos da sensibilidade, propostos por Michel Maffesoli(1313 Maffesoli M. Quem é Michel Maffesoli: entrevistas com Christophe Bourseiller. Petrópolis (RJ): De Petrus et Alii; 2011.

14 Maffesoli M. Homo eroticus: comunhão emocionais. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2014.
-1515 Maffesoli M. A Ordem das Coisas: pensar a pós-modernidade. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2016.), haja vista a possibilidade que este referencial proporciona para a compreensão da experiência humana, envolvendo significados, símbolos, imagens e o imaginário, bem como a razão sensível.

A estrutura do artigo explicita os passos metodológicos com base nos Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(1616 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Cenário do estudo e fonte de dados

A pesquisa foi realizada em três Unidades Básicas de Saúde (UBS) de um município do Sul do Brasil, selecionadas de forma intencional, por desenvolverem rodas de dança circular. Tais práticas ocorriam semanalmente e contavam com enfermeiras, educadora física, psicóloga, além de duas voluntárias da comunidade, para coordenar as atividades.

Participaram do estudo as pessoas idosas que praticavam dança circular e as focalizadoras das rodas nas unidades de saúde. Os critérios de inclusão para as pessoas idosas foram praticar dança circular regularmente, no mínimo, uma vez na semana, há pelo menos 3 meses e ter idade igual ou superior a 60 anos. Os critérios de exclusão foram possuir dificuldade de se comunicar verbalmente com a pesquisadora. A inclusão das focalizadoras como participantes do estudo ocorreu ao longo do processo de coleta e análise de dados, devido à percepção das pesquisadoras quanto às características pessoais de cada uma que poderiam influenciar tanto a condução quanto a própria característica da roda de dança. Assim, um focalizador de cada roda de dança foi intencionalmente convidado a participar da pesquisa.

Coleta e organização dos dados

O período de coleta de dados ocorreu entre os meses de setembro de 2016 e março de 2017, utilizando as técnicas de entrevista em profundidade e observação participante. As entrevistas foram guiadas por roteiros semiestruturados, que abordaram questões acerca do quotidiano dos participantes, o significado da dança circular e aspectos relacionados à saúde dos mesmos, com duração, em média, de 50 minutos cada. Foram realizadas em horário e local agendados de acordo com a preferência de cada participante. Assim, 10 entrevistas ocorreram no espaço de realização da roda, e outras 10 entrevistas foram feitas no domicílio das pessoas. As entrevistas foram gravadas digitalmente e, posteriormente, transcritas.

A observação participante foi utilizada com caráter complementar às entrevistas, seguindo também um roteiro, que contemplava elementos a serem observados, como o número de participantes, a interação entre eles, bem como as reações verbais e não verbais após cada dança. Registraram-se essas informações detalhadamente em um diário de campo envolvendo notas de interação, notas metodológicas, notas teóricas e notas reflexivas. Ao total, foram realizadas 10 sessões de observações, em dias alternados, nas três rodas, com duração média de 1 hora e 40 minutos cada.

Análise dos dados

Como método de análise de dados tanto para entrevistas quanto para observação, utilizou-se o modelo sugerido por Schatzman e Strauss(1717 Schatzman L, Strauss A. Field research: strategies for a natural sociology. New Jersey: Prentice-Hall; 1973. 149 p.), que envolveu processos de análise preliminar, ordenação, ligações-chave, codificação e categorização.

RESULTADOS

Caracterização dos participantes

De um total de 20 participantes do estudo, 17 eram pessoas idosas e três eram focalizadoras de dança circular. Quanto às características das pessoas idosas, 16 eram do sexo feminino e apenas um era do sexo masculino. Tinham idades entre 64 e 82 anos. Quanto ao grau de escolaridade, nove possuíam ensino fundamental incompleto, três possuíam ensino fundamental completo, três possuíam ensino médio e duas possuíam ensino superior. Com relação ao estado civil, 13 participantes eram casados, e quatro, viúvas. Todos tinham filhos. Considerando a ocupação, oito referiram que sempre foram donas de casa, oito estavam aposentadas e uma era artesã.

Referindo-se às focalizadoras, três participantes integraram o estudo, uma de cada roda de dança. Todas eram do sexo feminino e tinham idades de 71, 57 e 29 anos. Quanto ao grau de escolaridade, duas possuíam ensino superior completo, e uma, ensino superior incompleto. Com relação à ocupação, uma referiu ser enfermeira e estar aposentada, outra exercia atividades como autônoma e a última era educadora física. Considerando o vínculo com a instituição onde as rodas de dança eram desenvolvidas, apenas uma era servidora pública, as outras duas eram voluntárias.

Abaixo são descritas as três categorias que expressam o quotidiano da dança circular com pessoas idosas: as rodas que giram; desafios para novas rodas girarem; o entrar, o estar e o permanecer na roda.

As rodas que giram

O espaço para a atividade foi preparado de maneira muito similar nas três rodas: o centro da roda é delimitado com toalhas redondas e objetos, como arranjo de flores, pequenas bonecas, as cartas dos anjos, entre outros, que são dispostos sobre a toalha. As rodas são abertas, podendo a cada semana novas pessoas serem incluídas, com duração de 1 hora e 30 minutos cada, aproximadamente.

A percepção de que a roda é uma atividade aberta foi mencionada por uma pessoa idosa que valorizava essa característica, comparando com exigências que alguns grupos de idosos impõem e dificultando a adesão dos participantes, conforme o relato que se segue:

Teve aquela senhora que ficou um tempo sem ir e depois voltou, ali é permitido. É por isso que eu gostei, a roda é aberta. Por exemplo, se tu vais no grupo dos idosos, aí tu tens que ir, na outra vez é bingo, tens que levar dinheiro e nem todos podem. Ali não pedem nada, é para a pessoa só fazer a vontade, pode conversar, dançar, brincar. (Força)

As focalizadoras recebem as participantes de maneira carinhosa e palavras de boas-vindas. A maneira afetuosa com que as pessoas são acolhidas favorece para que se sintam pertencentes ao grupo desde o primeiro momento. As participantes da roda reproduzem esses gestos e tendem a ser muito receptivas às novas pessoas que se incorporam ao grupo, de acordo com a falas a seguir:

Eu me senti bem feliz do jeito que me receberam. No primeiro dia, eu me lembro, falaram: “Vamos dar as boas-vindas para a Entrega, que chegou hoje”. Eu fiquei com as atenções, achei tão legal. Me senti bem acolhida. (Entrega)

Todas as três rodas iniciaram com uma música de abertura, já conhecida pela maioria das participantes. Após a primeira dança, cada pessoa foi convidada a ler uma palavra, simbolizando energia, retirada de um recipiente que circulava de mão em mão. Em seguida, cada uma verbalizou seu nome, de modo a trazer presença e intenção para o momento vivido. As rodas foram finalizadas com músicas tranquilas, com um ritual de abraços e beijos, a fim de demonstrar amorosidade e afeto. Este rito presente na prática da dança circular foi percebido e significado pelas participantes, de acordo com o relato:

Aquelas palavras, as energias, sempre vêm na minha cabeça, principalmente quando a Roda está encerrando, parece que eu sinto que aquilo ali circula mesmo, que a gente está recebendo alguma coisa boa. É muito bom! (Diversão)

Embora houvesse muitas semelhanças no desenvolver da atividade nos três espaços, observaram-se algumas peculiaridades em cada roda. Nas rodas nascimento e fraternidade, havia predominância de pessoas idosas participando, já na roda expansão, apenas uma idosa estava entre as participantes.

A maioria das danças realizadas na roda expansão tinha coreografias mais elaboradas que apresentavam um grau de dificuldade, principalmente para a idosa. A participante sentia dificuldade de acompanhar o grupo em algumas danças, tendo a percepção de que seu erro atrapalhava as demais. Entretanto, tinha consciência de que não é uma dança de performance, sendo permitido errar e, a partir disso, ampliar suas capacidades.

Eu sinto dificuldade, mas eu faço como eu posso. Não acho um problema não conseguir, só que às vezes a gente atrapalha as outras, às vezes é para ir para um lado e acabo indo para o outro, quem está dançando certinho se atrapalha, mas ela [Focalizadora] não liga para essas coisas. Desta última vez, consegui acompanhar melhor. Acho que aos poucos vai se ajeitando. (Celebração)

Na roda nascimento, as coreografias eram simples e o repertório contemplava muitas músicas meditativas. Da mesma forma, na roda fraternidade, as danças eram fáceis de executar, já no repertório, destacavam-se as danças expansivas e alegres. Percebeu-se que a escolha das danças estava ligada a características do grupo e preferências pessoais das focalizadoras.

Eu percebo que cada focalizador tem um perfil. Por eu ter uma característica brincalhona e lúdica, faço coisas mais extrovertidas. (Focalizadora Alegria)

As rodas nascimento e expansão são realizadas em espaços bastante parecidos devido à mesma arquitetura das UBS, porém, na roda nascimento, a atividade era realizada com a porta do auditório aberta, diferente da roda expansão, em que a porta permanecia fechada e o volume do som, baixo. Durante entrevista, a focalizadora da roda expansão justificou o fato de a porta estar fechada e o volume do som baixo como sendo uma solicitação da equipe:

Vieram falar que o som estava ficando muito alto, que a gente falava e ria. Solicitaram, no começo do ano, baixar mais o som. As pessoas poderiam ficar olhando se a porta ficasse aberta, por isso demos uma cortada. Estamos mais contidas devido a isso. (Focalizadora Responsabilidade)

Na outra unidade de saúde, a postura da equipe pareceu ser diferente, uma vez que a porta do auditório ficava aberta, o som da música chamava a atenção dos usuários que circulavam na unidade de saúde e os profissionais costumavam incentivar a participação dos mesmos.

No auditório, com a porta aberta, as pessoas vendo a roda e os próprios profissionais vindo até a porta e mostrando, é outra coisa, a adesão se torna maior. (Focalizadora Alegria)

Outro fato que diferia a roda expansão das outras duas era a ausência do envolvimento dos profissionais de saúde na atividade, ficando toda a responsabilidade pelo planejamento, organização do espaço e execução da prática para a focalizadora, que é voluntária.

Várias pessoas do posto já dançaram, dizem que adoram, mas como estão no trabalho não podem ficar junto. A coordenadora do posto nunca foi nem olhar. Nenhum agente de saúde, ninguém. Às vezes, eu sinto assim, que bom que tem a sala, esse espaço da comunidade que podemos aproveitar, mas não tem essa integração com o pessoal do posto. (Focalizadora Responsabilidade)

A divulgação da roda expansão ficava a cargo da focalizadora. De acordo com sua percepção, se houvesse um envolvimento maior dos profissionais de saúde encaminhando e estimulando os usuários para a participação, haveria mais pessoas praticando a dança circular naquela comunidade.

Eu fiz um cartaz divulgando a roda para colocar na porta do auditório e outro para colocar na frente do posto, cheguei hoje e vi que o cartaz da frente já não está. Eu queria que tivesse mais gente na roda. Eu acho que, se a equipe se empenhasse mais, mostrasse a dança, teríamos mais pessoas. (Focalizadora Responsabilidade)

Uma pessoa idosa que estava participando da roda expansão ficou sabendo da existência desta prática na unidade de saúde por meio do cartaz confeccionado pela focalizadora. Referiu que se afastou da unidade de saúde devido à insatisfação com o atendimento realizado no passado e que, devido a problemas de saúde, voltou a frequentar o serviço, inserindo-se também no grupo de dança circular.

Eu fiquei um tempo sem ir no posto. Fazia uns 7 ou 8 anos que eu não ia lá, porque não achava o atendimento muito bom, mas agora eu tive uns problemas com a pressão alta e comecei a frequentar novamente, foi quando vi o cartaz e descobri as coisas. (Celebração)

As pessoas idosas participantes das rodas nascimento e fraternidade referiram terem sido estimulados a praticar a dança circular pelos profissionais da equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF), demonstrando envolvimento destes com a prática e vinculação com a comunidade.

A doutora sempre me dizia: “Tem a dança circular aqui, é bom tu participar”. Eu estava muito para baixo, muito deprimida. Um dia, eu fui no consultório dela e ela ficou uma hora conversando comigo, gosto muito desta médica. (Entrega)

Eu fiquei sabendo da roda por aquela menina que vem aqui, a agente de saúde. Ela me disse: “Agora no posto tem roda de dança, é tão bom!”. Aí eu fui. (Simplicidade)

Com vistas à abordagem que se faz, o desenvolvimento das três rodas de dança circular se apresenta como uma possibilidade de esta prática estar presente na oferta de serviços disponíveis à população no SUS.

Desafios para novas rodas girarem

As atividades coletivas que eram realizadas no auditório da unidade de saúde favoreciam o desenvolvimento das rodas de dança circular. As que não tinham este espaço, realizavam no salão paroquial da comunidade, que foi o caso da roda fraternidade. Porém, nem sempre espaços comunitários estão disponíveis e locais públicos, como praças e parques, que poderiam ser utilizados, em algumas comunidades, nem sempre é possível, devido à falta de segurança pública. De acordo com a fala de uma das focalizadoras, que é educadora física do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), ela gostaria de implantar a dança circular em outras unidades de saúde, mas não encontrou espaço físico adequado.

Eu gostaria de desenvolver a dança circular nos demais centros de saúde onde eu trabalho, mas a gente tem dificuldade no espaço físico. Eu acho importante pensarmos em espaços de lazer, que são pouco utilizados, como praças. Mas, às vezes, a segurança ainda está complicada. Vejo nos espaços físicos algumas limitações para a ampliação das rodas. (Focalizadora Alegria)

A prática da dança circular é conduzida por um focalizador. Entre as entrevistadas, todas referiram ter realizado cursos específicos de formação em dança circular. Apenas uma das focalizadoras era membro da equipe de saúde, as demais desenvolviam a atividade como voluntárias.

Assim, ter profissionais de saúde habilitados para desenvolver a dança circular no SUS torna-se um grande desafio, do mesmo modo que acontece com o envolvimento de equipes multiprofissionais com as PICs. Na percepção da educadora física, sua profissão favorece a condução de grupos de promoção de saúde, já outras categorias profissionais sofrem resistências das chefias e do modelo de atenção à saúde, dificultando sua inserção nesse tipo de atividade.

A minha profissão favorece essa questão de promover grupos de atividade física, grupos de promoção da saúde. Já a liberação dos outros profissionais para esse tipo de prática é muito restrita. Isso é uma limitação que eu vejo. Não liberam pela demanda de trabalho e consequentemente pelas chefias. (Focalizadora Alegria)

O entrar, o estar e o permanecer na roda

Algumas pessoas idosas iniciaram nas rodas de dança circular atraídos pela dança. Relataram o resgate de um prazer em dançar vivido na juventude, outros, o simples desejo de realizá-lo. O fato de este tipo de dança não necessitar de par se tornou uma oportunidade, conforme os relatos:

Eu adoro dançar, mas casei com um homem que não gosta. Estou me realizando agora. Eu comecei a fazer a dança de salão, mas não pude, pois tinha que ter par. Então, com a dança circular, eu estou me realizando. (Diversão)

Meu marido e eu íamos para bailes, eu gostava e ele gostava de dançar. Depois que ele morreu, eu passei quatro anos sem ir, depois comecei a ir novamente, mas tive um AVC e não deu mais para dançar de par, pois tenho fraqueza nas pernas. A dança de roda não danço direito, mas pelo menos dá para tapear. (Beleza)

Outras relataram que foram profissionais de saúde, familiares ou amigas que as estimularam a participar da atividade.

A minha irmã que disse que era muito bom, que ela já tinha começado. Eu fui lá, as gurias aceitaram e eu fiquei. (Propósito)

Quando eu vim na médica, eu estava com muita dor, aí ela me indicou a dança, me falou que era muita boa. (Bondade)

Eu fui um dia no posto ver minha pressão. Encontrei uma amiga, ela me chamou para participar da dança. (Apoio)

A vontade de realizar uma atividade física que envolvesse mais pessoas e a própria curiosidade acerca do tipo de dança ainda desconhecido, para alguns, também surgiu entres os motivos que fizeram as pessoas idosas entrarem na roda.

Eu tinha necessidade de fazer um exercício, mas queria fazer com outras pessoas. Já tem o trabalho de casa, que eu faço só. (Força)

Quando eu vi o cartaz divulgando a dança, tive uma curiosidade. (Celebração)

Percebeu-se que muitos foram os motivos que levaram as pessoas idosas a entrarem na roda, no entanto, ao investigar as motivações que as faziam permanecer, destacam-se as relações estabelecidas no grupo, a sensação de pertencimento e acolhimento e o prazer de estar entre pessoas que a prática proporciona, conforme os relatos que se seguem:

O que me faz permanecer na dança é essa relação com as pessoas que me faz muito bem. (Diversão)

A amizade! A gente tem amizade com as professoras, com as meninas que estão lá fazendo. Somos todas amigas. (Força)

Não só porque é bom para a saúde. Eu sempre quis participar de alguma coisa para ter contato com outras pessoas, naquele grupo me senti acolhida. (Entrega)

Ao vivenciarem a prática da dança circular como uma experiência positiva em suas vidas, as participantes convidavam outras pessoas para entrar na roda, ressaltando que:

Como eu estou me sentindo bem, eu gosto de chamar outras pessoas. Eu sempre convido. Já convidei diversas pessoas. Eu passo o recadinho, digo que é para todas as idades, tem criança e velhos, faço aquela propaganda. (Transformação)

DISCUSSÃO

O reconhecimento pelo Ministério da Saúde da dança circular como uma PIC torna-se um grande avanço para a expansão desta atividade na área da saúde. No entanto, o município cenário desta pesquisa, em sua estrutura de serviços de saúde, conta com 49 UBS; destas, apenas três oferecem a prática da dança circular à população. Para isso, necessita contar com auxílio de pessoas voluntárias, pois apenas uma profissional da rede possuía habilidade para conduzir as rodas(1818 Prefeitura Municipal de Florianópolis (SC). Secretaria Municipal de Saúde. Capital é a melhor do país em atenção básica à saúde [Internet]. 2014 [cited 06 Jun 2020]. Available from: http://www.pmf.sc.gov.br/mobile/index.php?pagina=notpagina¬i=12986
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).

A falta de recursos humanos para atuação nas PICs no SUS é uma grande fragilidade, possivelmente relacionada à ausência de apoio das gestões e de espaços de formação. Para superar essa dificuldade, um estudo, que investigou a inserção das PICs grupais nos serviços de saúde da atenção básica, identificou que os profissionais que são facilitadores das práticas tecem redes de apoio e trocas solidárias de cuidado, possibilitando que as ações possam ser ofertadas em outras comunidades(1919 Nascimento MVN, Oliveira IF. As práticas integrativas e complementares grupais e sua inserção nos serviços de saúde da atenção básica. Estud Psicol. 2016;21(3):272-81. https://doi.org/10.5935/1678-4669.20160026
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). Esse movimento, bem como a participação de pessoas voluntárias nas rodas de dança circular, é da ordem da solidariedade orgânica, aquela ligada à ordem do querer e do ter prazer em estar junto. Uma solidariedade dos pactos emocionais que se opõe à solidariedade mecânica, própria a uma ordem racional(1414 Maffesoli M. Homo eroticus: comunhão emocionais. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2014.).

A dança circular no quotidiano da pessoa idosa transita pela razão sensível e nos remete à socialidade, uma potência social que reside em um misto de sentimentos, imagens, diferenças que incitam a relativizar as certezas estabelecidas a uma multiplicidade de experiências coletivas(2020 Maffesoli M. Quem é Michel Maffesoli. Rio de Janeiro: De Petrus et Alii; 2011.). Neste pensar, a dança circular configura-se um fenômeno contemporâneo de retorno das tradições e ancestralidades, por meio da dança, da música, dos gestos e dos símbolos vividos no momento presente e no prazer de estar aqui e agora, dançando e sentindo juntos.

O desenvolvimento da dança circular nas unidades de saúde, antes mesmo de sua implantação oficial pelo Ministério da Saúde e pelo município, bem como da iniciativa dos profissionais em desenvolver outras formas de cuidado que possam inovar o modelo de atenção, sinalizam uma equipe atenta às necessidades da sua população, sobretudo das pessoas idosas. Percebem-se. aqui, os pressupostos de Michel Maffesoli(2020 Maffesoli M. Quem é Michel Maffesoli. Rio de Janeiro: De Petrus et Alii; 2011.) no processo de cuidado: Crítica ao dualismo esquemático, ao desenvolverem o movimento pendular entre o farejador social atento ao instituinte, ao subterrâneo e ao taxinômico, que classifica as formas ou as situações instituídas e sociais. Forma, entendendo que a dança circular poderia descrever os contornos de dentro (as necessidades das pessoas idosas), os limites e a necessidade das situações e das representações constitutivas da vida quotidiana, temperando-se, assim, a rigidez do estruturalismo (modelo biomédico). A sensibilidade relativista, ao mostrarem um relativismo metodológico no processo de cuidado às pessoas idosas. Há um retorno que, no entanto, integra a mudança, os desenvolvimentos, as novidades, ou seja, um retorno com “algo mais”. A clássica instrumentalização já não basta, trazendo à tona a potência da promoção da saúde no processo de cuidado. A pesquisa estilística, ao propor uma ciência/cuidado que se mostre por meio de um feedback constante entre a empatia e a forma, com uma escrita mais aberta, polifônica, que, simultaneamente, reflita sobre si mesmo, sem perder o seu rigor científico e o interesse nos protagonistas sociais. O pensamento libertário, que, ao propor as rodas de dança circular, mostra-se parte integrada (e interessada) daquilo que se deseja falar - a equipe também é ator e participante.

Em relação ao comportamento dos profissionais da ESF, pode ser compreendido através do mito de Prometeu, permeado por regras em um ambiente instituído técnico e burocrático. Já a prática da dança circular acompanha o mito dionisíaco, deus barulhento, que perturbava a ordem e atrapalhava a rotina do instituído. Dionísio é figura emblemática pertinente para compreender o retorno do emocional, característica essencial da pós-modernidade(1313 Maffesoli M. Quem é Michel Maffesoli: entrevistas com Christophe Bourseiller. Petrópolis (RJ): De Petrus et Alii; 2011.). Todavia, as PICs no SUS instauram a possibilidade de inserção de outras maneiras de olhar para a saúde, e a convivência do divergente no mesmo espaço físico aponta para outras e novas normas do viver e do cuidar, congruentes com a pluralidade dos valores pós-modernos(2121 Santos MA. Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde no Brasil: inusitadas mediações. Pesqui Prát Psicossoc [Internet]. 2016 [cited 2020 May 22];11(1):176-84. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-89082016000100014
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).

Outro aspecto que se revelou refere-se à questão de algumas profissões da área da saúde terem maior oportunidade institucional para desenvolver práticas de promoção da saúde, enquanto que outras categorias profissionais precisam dar conta do modelo de saúde vigente, muito arraigado no modelo curativista. No contexto da enfermagem, a literatura mostra um certo distanciamento do trabalho do enfermeiro da Atenção Básica das práticas efetivas de promoção da saúde(2222 Sartori ID, Heidemann ITSB. Integrative and complementary practices and the interface with the health promotion: integrative review. Cienc Cuid Saude. 2017;16(3):1-8. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i3.33035
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).

Um estudo, que investigou a práxis do enfermeiro da ESF relacionada às ações de cuidados dirigidas às pessoas idosas, identificou que o cuidado de enfermagem, de maneira programada, é focado nas condições crônicas de saúde. Já os atendimentos à demanda espontânea, para essa população, eram feitos a partir do acolhimento, porém descreveram este atendimento como rápido, pontual e centrado na queixa(2323 Silva KM, Santos SMA. The nursing process in family health strategy and the care for the elderly. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):105-11. https://doi.org/10.1590/0104-07072015000680013
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). Tal motivo pode ser justificado pelo fato de que, na prática dos serviços de saúde na Atenção Básica, os enfermeiros encontram-se sobrecarregados de tarefas, com superposição de atribuições, o que contribui com o distanciamento de atividades assistenciais e de promoção da saúde(2424 Moreno CA, Ferraz LR, Rodrigues TS, Lopes AOS. Atribuições do Profissionais de Enfermagem na Estratégia de Saúde da Família, uma revisão das normas e práticas. R bras ci Saúde. 2015; 19(3):233-240. https://doi.org/10.4034/RBCS.2015.19.03.10
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).

Cabe destacar que o trabalho com as PICs deve ser desenvolvido em uma lógica transdisciplinar, em que os profissionais, especialmente o enfermeiro, busquem dar respostas às demandas de cuidado da população de acordo com a complexidade da condição humana e ampliem a sua formação profissional(2525 Santiago MECF. Práticas integrativas e complementares: a enfermagem fortalecendo essa proposta. Uniciências. 2017; 21(1): 50-54. https://doi.org/10.17921/1415-5141.2017v21n1p50-54
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).

Além disso, a inexistência de espaço propício para realização da roda apareceu como um limitador da expansão da atividade para outras unidades de saúde. Apesar de a Política Nacional de Atenção Básica orientar a infraestrutura necessária à realização de atividades coletivas, observa-se que, na prática, muitas UBS não contam com ambiente físico adequado, comprometendo o desempenho das ações de promoção da saúde(2626 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2020 Jun 07]. Available from: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19308123/do1-2017-09-22-portaria-n-2-436-de-21-de-setembro-de-2017-19308031
http://www.in.gov.br/materia/-/asset_pub...
). No entanto, cabe destacar que a prática da dança circular pode ser realizada em espaços públicos, como praças, parques, praias, entre outros. A promoção da saúde, por meio da dança circular, precisa extrapolar as barreiras das unidades de saúde e permear os espaços comunitários. Desta maneira, reporta uma ordem simbólica que leva em conta a inteireza da pessoa em seu espaço comunitário, uma vez que, no território que lhe serve de fundações, o lugar faz o elo(1414 Maffesoli M. Homo eroticus: comunhão emocionais. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2014.).

O vínculo entre usuário e profissional se estabelece na construção de uma relação de confiança que possibilita a corresponsabilização pela saúde. Permite maior compreensão das necessidades de cuidado, estimula a efetividade das ações assistenciais, qualificando, assim, a assistência oferecida, bem como favorece a participação mais ativa das pessoas no processo saúde-doença(2727 Santos SC, Tonhom SFR, Komatsu RS. Saúde do idoso: reflexões acerca da integralidade do cuidado. Rev Bras Promoç Saúde. 2016;29(Supl):118-27. https://doi.org/10.5020/18061230.2016.sup.p118
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). O sentimento de pertença mencionado pelas pessoas idosas mostra que o permanecer na roda foi sustentado pelo estar junto, pela partilha das emoções, das paixões e diversos humores comuns, onde se vive uma verdadeira “ética da estética” em que os afetos são causas e efeitos da reunião(1515 Maffesoli M. A Ordem das Coisas: pensar a pós-modernidade. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2016.).

Assim, a dança circular como uma PIC possibilita um estar junto por estar junto, sem necessidade de racionalizar essa atitude gregária, mostrando a necessidade irrefutável de estar em contato com o outro, de tocar o outro, de estar em comunhão com o outro como elementos essenciais para a promoção do ser saudável. De modo que “o relacionismo como estrutura antropológica que, conforme as épocas, pode sofrer eclipses, mas que está aí, constante, sempre pronto a ressurgir com um novo vigor”(1414 Maffesoli M. Homo eroticus: comunhão emocionais. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2014.).

Limitações do estudo

Este estudo apresenta como limitação a não generalização dos dados, por se tratar de uma realidade local de um município de Santa Catarina, e de pessoas idosas ativas e independentes que possuem um contexto sociodemográfico específico. Com isso, é imprescindível atentar para as características dessa população em estudos futuros.

Outra limitação do estudo é apropriação do conhecimento da PICs por parte dos profissionais da enfermagem, em virtude da organização do processo de trabalho na APS, especialmente os enfermeiros que se encontram sobrecarregados, excesso de demanda, distanciando-os de atividades promotoras da saúde.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O desvelar dos dados mostra que o envolvimento dos profissionais de saúde na divulgação, planejamento e execução da roda de dança proporciona maior adesão dos usuários, provavelmente devido ao vínculo que esses desenvolvem junto à população assistida na APS. Desse modo, torna-se relevante que a enfermagem se aproprie de estratégias de cuidado com vistas à promoção de saúde, para que possa contribuir de maneira efetiva com a melhoria da assistência prestada à população, bem como com a consolidação das PICs no SUS.

Conforme a temática debatida neste estudo, estimula-se a adoção das PICs por parte dos gestores e formuladores das políticas para inclusão no processo de trabalho dos profissionais, especialmente da enfermagem na APS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão da dança circular às PICs disponíveis à população no SUS amplia as ações de cuidado para além da biomedicina e racionalidade médica, promovendo a vida das pessoas idosas em um quotidiano mais integral, amoroso e solidário.

Para ser ofertada à população como uma modalidade de PIC no SUS, muitos desafios precisam ser superados. Dentre eles, os resultados desta pesquisa apontam a necessidade de cursos de formação em dança circular para profissionais, em especial da APS, para que esta prática promotora esteja presente no quotidiano do trabalho da saúde de forma interdisciplinar, tornando o cuidado sensível, afetivo e efetivo.

As pessoas idosas que vivenciaram a prática da dança circular manifestaram aspectos positivos, com melhora de sua saúde para além do físico, vivenciando a solidariedade orgânica a partir do estabelecimento de vínculo, da partilha de sentimentos e sensação de pertença a um grupo, de prazer e bem-estar. Como um recurso disponível para o cuidado nas UBS, proporcionou uma experiência favorável para promover a saúde da população idosa, empoderando-os para a melhoria da sua qualidade de vida e produzindo benefícios em seu quotidiano.

Essa prática possibilita a criação de rede de apoio e integração entre as pessoas, reestruturando os serviços, com vistas a atender às suas necessidades de cuidado. Recomenda-se que se ampliem estudos sobre a dança circular e sua integração às PICs.

  • FOMENTO
    A Secretaria de Educação do Governo do Estado de Santa Catarina financiou o estudo por meio de concessão de Bolsa de Doutorado através do Programa de Bolsas UNIEDU/FUMDES.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2021
  • Aceito
    11 Maio 2022
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