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Guia de Enfermagem Escolar para promoção da saúde de jovens estudantes: construção e validação

RESUMO

Objetivos:

descrever o processo de construção e validação do Guia de Enfermagem Escolar para promoção da saúde de jovens estudantes.

Métodos:

estudo metodológico, realizado de fevereiro a dezembro de 2021, composto por Pesquisa Convergente-Assistencial fundamentada no Modelo de Promoção da Saúde de Pender. A partir da literatura e diálogo com 11 enfermeiros nos sete grupos focais online, foram construídas ações. Posteriormente, 24 juízes avaliaram o conteúdo e a aparência.

Resultados:

o guia propõe estratégias para o desenvolvimento das práticas de enfermagem escolar enfocando a promoção da saúde. O Índice de Validade de Aparência variou de 0,63 a 1,0, e o total foi de 0,84. O Índice de Validade de Conteúdo variou de 0,95 a 1,0, e o total foi de 0,997.

Conclusões:

o guia incorporou as necessidades dos jovens reconhecidas pelos profissionais, e a fase de avaliação confirma sua validação, podendo ser utilizado no contexto da prática com jovens.

Descritores:
Guia de Prática Clínica; Serviços de Enfermagem Escolar; Promoção da Saúde; Tecnologia Educacional; Saúde do Adolescente.

ABSTRACT

Objectives:

to describe the process of construction and validity of a School Nursing Guide for student health promotion.

Methods:

a methodological study, carried out from February to December 2021, composed of Convergent Care Research based on Pender’s Health Promotion Model. Based on the literature and dialogue with 11 nurses in the seven online focus groups, actions were constructed. Subsequently, 24 judges assessed content and appearance.

Results:

the guide proposes strategies for developing school nursing practices focusing on health promotion. The Appearance Validity Index ranged from 0.63 to 1.0, and the total was 0.84. The Content Validity Index ranged from 0.95 to 1.0, and the total was 0.997.

Conclusions:

the guide incorporated the needs of young people recognized by professionals, and the assessment phase confirms its validity, and can be used in the context of practice with young people.

Descriptors:
Practice Guideline; School Nursing; Health Promotion; Educational Technology; Adolescent Health.

RESUMEN

Objetivos:

describir el proceso de construcción y validación de la Guía Escolar de Enfermería para la promoción de la salud de los jóvenes estudiantes.

Métodos:

estudio metodológico, realizado de febrero a diciembre de 2021, compuesto por Investigación de Atención Convergente basada en el Modelo de Promoción de la Salud de Pender. Con base en la literatura y el diálogo con 11 enfermeras en los siete grupos focales en línea, se construyeron acciones. Posteriormente, 24 jueces evaluaron el contenido y la apariencia.

Resultados:

la guía propone estrategias para el desarrollo de prácticas escolares de enfermería con foco en la promoción de la salud. El índice de validez de apariencia osciló entre 0,63 y 1,0 y el total fue de 0,84. El índice de validez de contenido osciló entre 0,95 y 1,0 y el total fue de 0,997.

Conclusiones:

la guía incorporó las necesidades de los jóvenes reconocidas por los profesionales, y la fase de evaluación confirma su validación, pudiendo ser utilizada en el contexto de la práctica con jóvenes.

Descriptores:
Guía de Práctica Clínica; Servicios de Enfermería Escolar; Promoción de la Salud; Tecnología Educacional; Salud del Adolescente.

INTRODUÇÃO

A enfermagem escolar é uma prática especializada responsável por intervir nas necessidades sociais, físicas e emocionais dos alunos e desenvolver um cuidado integral, o que favorece o sucesso acadêmico, realização ao longo da vida e a saúde dos estudantes(11 Maughan ED, Jameson BE. Celebrating 21st-Century School Nursing Practice. NASN Sch Nurse. 2020;35(3):133-5. https://doi.org/10.1177/1942602x20913908
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). A atenção à saúde na escola é um mecanismo relevante para alcançar populações vulneráveis, especialmente os jovens, e tem demonstrado resultados positivos de saúde. Os desafios para essas práticas incluem o desenvolvimento da força de trabalho, integração de tecnologias, financiamento e sustentabilidade, além do alinhamento de objetivos dos setores saúde e educação(22 North S, Dooley DG. School-Based Health Care. Prim Care Clin Office Pract. 2020;47(2):231-40. https://doi.org/10.1016/j.pop.2020.02.003
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).

Pesquisas realizadas internacionalmente mostram que enfermeiros escolares intervêm junto aos estudantes, pais/responsáveis e funcionários da escola, estando associadas ao aumento da frequência, melhoria da qualidade das escolas e economia de custos(33 Best NC, Oppewal S, Travers D. Exploring school nurse interventions and health and education outcomes: an integrative review. J Sch Nurs. 2018;34(1):14-27. https://doi.org/10.1177/1059840517745359
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). As suas atividades foram classificadas em quatro áreas principais: (a) promoção da saúde e prevenção de doenças; (b) triagem e tratamento de questões agudas; (c) manejo das condições crônicas; e (d) apoio/suporte psicossocial(44 Lineberry MJ, Ickes MJ. The role and impact of nurses in American elementary schools: a systematic review of the research. J Sch Nurs. 2015;31(1):22-33. https://doi.org/10.1177/1059840514540940
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).

Uma revisão sistemática analisou os benefícios do papel da enfermagem na saúde escolar do ponto de vista político e social nos países onde tem sido legalmente implementado a nível internacional. As linhas temáticas encontradas foram as políticas públicas em saúde escolar, destacando-se países como Estados Unidos, Espanha e México, com regulamentação sobre o enfermeiro escolar; por outro lado, na América Latina, há uma regulamentação parcial ou inexistente(55 Pérez MFC, Castillo NIC, Vergara CFS, Saavedra AFB, Flores RIV. Beneficios del rol de enfermería en salud escolar, implementación a nivel internacional: revisión sistemática. Horizonte Enferm. 2021;32(2):192-211. https://doi.org/10.7764/Horiz_Enferm.32.2.192-211
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).

No Brasil, existem diretrizes políticas que incluem ações de saúde no ambiente escolar. Desde 2007, destacam-se o Programa Saúde na Escola (PSE) e o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), a partir de 2010. Esses programas vêm propiciando aos profissionais de enfermagem assumir mais diretamente ações de proteção e promoção à saúde em ambientes educacionais. Apesar de esses programas incluírem diretrizes que articulam as políticas de saúde e educação, identificam-se fragilidades nas ações intersetoriais e, notadamente, na atuação do enfermeiro nesse cenário; por conseguinte, é necessário ampliar as práticas de enfermagem escolar no contexto nacional(66 Muniz EA, Queiroz MVO, Dutra FCS, Araújo AF, Silva LMS, Torres RAM. Políticas de saúde e educação para a juventude no brasil: intersetorialidade e atuação do enfermeiro. Sanare (Sobral, Online). 2021;20(1):73-80. https://doi.org/10.36925/sanare.v20i1.1552
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).

Uma diretriz da Organização Mundial de Saúde (OMS) recentemente publicada sobre Serviços de Saúde Escolar (SSE) recomenda que eles devem ser abrangentemente implementados, porque evidências rigorosas sugerem que são eficazes e aceitáveis. Ela oferece um menu de 87 intervenções, que foram categorizadas em sete áreas: promoção da saúde; educação em saúde; triagem; intervenções preventivas; avaliação clínica; gestão de serviços de saúde; e suporte para outros pilares de uma Escola Promotora de Saúde(77 World Health Organization (WHO). United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. WHO Guideline on School Health Services. Geneva: World Health Organization; 2021.).

Nessa perspectiva, os enfermeiros escolares precisam de Guias de Prática Clínica baseadas em evidências, para fornecer atendimento sistemático e de qualidade aos alunos. No entanto, observa-se escassez de guias de enfermagem escolar(88 Shannon RA, Maughan ED. A model for developing evidence-based clinical practice guidelines for school nursing. J Sch Nurs. 2020;36(6):415-22. https://doi.org/10.1177/1059840519880938
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), apesar de existirem alguns protocolos e diretrizes terapêuticas para orientar as práticas dos enfermeiros no atendimento de estudantes com necessidades e em situações clínicas específicas, como administração de medicamentos(99 Bergren MD. NASN’s Medication Administration Clinical Guideline. NASN Sch Nurse. 2022 May 13:1942602X221098735. https://doi.org/10.1177/1942602X221098735
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), uso de epinefrina(1010 Tanner A, Clarke C. Epinephrine Policies and Protocols Guidance for Schools: Equipping School Nurses to Save Lives. NASN Sch Nurse. 2016;31(1):13-22. https://doi.org/10.1177/1942602X15607604
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), convulsão, epilepsia(1111 Lepkowski AM, Maughan ED. Introducing NASN’s New Evidence-based Clinical Guideline: students with seizures and epilepsy. NASN Sch Nurse. 2018;33(6):345-50. https://doi.org/10.1177/1942602X18806824
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) e asma(1212 Maughan ED, Schantz S. NASN’s first evidence-based clinical guidelines: asthma. NASN Sch Nurse. 2014;29(5):221-3. https://doi.org/10.1177/1942602X14545227
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). Identificamos somente uma diretriz para aumentar a atividade física nas escolas de educação infantil até a 8ª série, que teve a participação de enfermeira escolar(1313 Bagby K, Adams S. Evidence-based practice guideline: increasing physical activity in schools--kindergarten through 8th grade. J Sch Nurs. 2007;23(3):137-43. https://doi.org/10.1177/10598405070230030301
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). Destaca-se também que todos os guias/diretrizes de enfermagem escolar encontrados foram produzidos nos Estados Unidos.

Assim, ao nosso conhecimento, ainda não há um Guia de Enfermagem Escolar elaborado em um país da América Latina com foco na promoção da saúde de jovens e também fundamentado em uma teoria de enfermagem. Em particular, o Modelo de Promoção da Saúde (MPS) de Pender propõe uma estrutura para integrar as perspectivas da enfermagem a da ciência comportamental com fatores que predizem comportamentos de saúde(1414 Murdaugh CL, Parsons MA, Pender NJ. Health Promotion in Nursing Practice. 8 ed. New York: Pearson; 2019.). O modelo orienta como explorar processos biopsicossociais que motivam os indivíduos a se engajarem em comportamentos que melhoram a saúde e o bem-estar, com foco em quatro eixos principais: atividade física, nutrição, gerenciamento do estresse e suporte social(1414 Murdaugh CL, Parsons MA, Pender NJ. Health Promotion in Nursing Practice. 8 ed. New York: Pearson; 2019.).

Nessa perspectiva, é importante envolver os jovens na melhoria da sua condição de saúde, estimulando a autonomia na escolha de comportamentos saudáveis. Para o guia, adotou-se a definição de jovens proposta pela OMS, que utiliza o termo para os sujeitos que estão na faixa etária de 15 a 24 anos de idade(1515 World Health Organization (WHO). Young People´s Health: a Challenge for Society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All. Technical Report Series 731. Geneva: WHO; 1986.). Assim, compreendendo que a enfermagem escolar é campo de atuação ainda em fortalecimento em países da América Latina, como o Brasil, há necessidade de instrumentos e tecnologias de apoio ao desenvolvimento de ações nessa área. Portanto, torna-se relevante produzi-los com base em conhecimentos científicos, de modo a contribuir com a ciência da enfermagem e seu protagonismo na temática promoção da saúde na escola, fortalecendo o cuidado a adolescentes e jovens.

OBJETIVOS

Descrever o processo de construção e validação do Guia de Enfermagem Escolar para promoção da saúde de jovens estudantes.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Cumpriram-se todos os preceitos éticos no desenvolvimento da pesquisa, e a anuência da participação dos sujeitos do estudo foi documentada através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) online.

Desenho, etapas e período do estudo

O presente estudo trata do desenvolvimento, testagem de evidências de validade de conteúdo e aparência, e avaliação de ferramentas ou estratégias metodológicas(1616 Polit DE, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.). A pesquisa foi realizada em duas etapas: construção participativa do Guia de Enfermagem Escolar e testagem das evidências de validade da aparência, do conteúdo e da confiabilidade do guia com juízes. A coleta de dados ocorreu de fevereiro a dezembro de 2021.

Etapa 1 - Construção participativa do Guia de Enfermagem Escolar

Inicialmente, realizaram-se uma leitura aprofundada do MPS de Pender(1414 Murdaugh CL, Parsons MA, Pender NJ. Health Promotion in Nursing Practice. 8 ed. New York: Pearson; 2019.) e um levantamento de estudos de intervenções de enfermagem no contexto escolar, oriundos de uma revisão sistemática em andamento registrada na International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO), sob nº CRD42020178617. Esses estudos foram considerados para extrair as estratégias implementadas e recomendadas de enfermagem escolar focadas na promoção da saúde de jovens estudantes. As estratégias foram pensadas e avaliadas nas fases seguintes do processo de construção do Guia de Enfermagem Escolar.

Na construção do guia, adotaram-se os pressupostos da Pesquisa Convergente-Assistencial (PCA), método teorizante sobre os problemas que se apresentam à prática, com vistas à sua resolução, ou mesmo provocando mudanças que contribuam para qualificar a assistência e introduzir inovações para o cuidado de enfermagem e saúde(1717 Trentini M, Paim L, Silva DMG. Pesquisa convergente-assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Ed Moriá; 2014.). A operacionalização da PCA é composta por 4 fases: concepção, instrumentação, perscrutação e análise(1717 Trentini M, Paim L, Silva DMG. Pesquisa convergente-assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Ed Moriá; 2014.). A princípio, partiu-se da formulação do problema de pesquisa (concepção), decisões sobre a construção do conteúdo do guia (instrumentação) e realização de grupos focais (GF), como momentos de aprendizagem, sensibilização, leitura, reflexão, discussão, além dos acordos para mudanças compartilhadas com os participantes (perscrutação e análise)(1717 Trentini M, Paim L, Silva DMG. Pesquisa convergente-assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Ed Moriá; 2014.).

Para esta etapa, os enfermeiros do IFCE foram convidados para participar da elaboração do Guia de Enfermagem Escolar. Nesta instituição, os profissionais atuam em 33 campi em todo o estado do Ceará, com estudantes técnicos, integrados ao ensino médio, concomitante e subsequente, e ensino superior, com cursos de graduação e pós-graduação, além de cursos de formação inicial e continuada(1818 Instituto Federal do Ceará. Pró-reitoria de Ensino. Plano Estratégico para Permanência e Êxito dos Estudantes do IFCE. 2017.). Portanto, a pesquisa foi desenvolvida com profissionais desta instituição, pelos seguintes motivos: 1) abrangência da assistência a jovens estudantes de diferentes níveis de escolaridade, contextos socioculturais e econômicos do estado; 2) política institucional de assistência estudantil envolvendo a atuação do enfermeiro em equipes multiprofissionais dentro da escola; 3) possibilidade dos profissionais se envolverem em um processo colaborativo, ou seja, participação ativa na discussão e construção do guia, que seria de interesse do grupo.

No período do estudo, havia 28 enfermeiros lotados e atuantes nas Coordenadorias de Assuntos Estudantis (CAE) dos campi do IFCE, responsáveis pela assistência a jovens estudantes. Foram incluídos enfermeiros lotados e em efetivo exercício nas unidades de CAE do IFCE, atuando há pelo menos um ano, tempo adequado para ambientação com as práticas e estabelecimento de uma rotina de trabalho, com interesse e disponibilidade para participar da pesquisa colaborando ativamente na construção do guia. Os enfermeiros que estavam de licença ou afastados não foram incluídos. Finalmente, onze enfermeiros participaram desta etapa da pesquisa. Eles receberam um formulário online com questões sobre aspectos sociodemográficos, formação e trabalho, para caracterização destes participantes, além do TCLE.

O GF foi a técnica utilizada para a construção participativa do conteúdo do guia. Em virtude da pandemia de COVID-19, realizaram-se sete GF online síncronos(1919 Salvador PTCO, Alves KYA, Rodrigues CCFM, Oliveira LV. Online data collection strategies used in qualitative research of the health field: a scoping review. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190297. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190297
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). Assim, a comunicação entre os participantes foi simultânea, no período de fevereiro a outubro de 2021, através da plataforma Google Meet, que permite a realização/gravação de conferências virtuais, bem como a troca de mensagens através de chat. A escolha pelo formato virtual se deu em virtude de os profissionais se encontrarem em trabalho remoto.

Os enfermeiros foram convidados antecipadamente para participarem dos GF, definirem o melhor dia, horário e periodicidade dos encontros. O pesquisador principal foi o moderador, e teve a presença de convidados especialistas no assunto para colaborar com uma apresentação dialogada e discussão sobre as temáticas planejadas seguindo o MPS. Os encontros tiveram duração média de 2 horas, periodicidade quinzenal, em sua maioria, e contaram com 4 a 10 participantes. As gravações dos GF foram analisadas pelo pesquisador principal, que transcreveu e extraiu as principais informações. Para preservar a identidade dos participantes, eles foram identificados com algarismos arábicos por ordem alfabética dos nomes, como Enf. 1, Enf. 2, e assim por diante.

Vale salientar que no último encontro ocorreu a apresentação e aprovação da versão preliminar do Guia de Enfermagem Escolar, construído previamente pelo pesquisador principal a partir das discussões dos GF anteriores. O material foi enviado por e-mail aos participantes para leitura, avaliação e possíveis sugestões e comentários com 1 mês de antecedência, e foram feitos 2 lembretes reforçando a importância da leitura do guia antes do GF. Neste momento, ocorreu a confirmação das informações para compor o guia e ajustes necessários. Na fase de análise, ocorreu o processo de categorização(2020 Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009.), que se constituiu conforme organização das temáticas do guia, trazendo conteúdos e definições das ações emergentes nas discussões dos GF.

O conteúdo do guia foi elaborado a partir da análise dos GF, dos pressupostos do MPS e da consulta à literatura. Foram também incluídas recomendações da diretriz da OMS para SSE(77 World Health Organization (WHO). United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. WHO Guideline on School Health Services. Geneva: World Health Organization; 2021.) e de outros guias relacionados à promoção da saúde já publicados no Brasil(2121 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia de Atividade Física para a População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.-2222 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed., Brasília: Ministério da Saúde; 2014.), além de intervenções da Classificação das Intervenções em Enfermagem (NIC)(2323 Bulechek GM, Butcher HK, Dochterman JM, Wagner CM. Classificação das Intervenções em Enfermagem (NIC). 6 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) e da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE)(2424 International Council of Nurses. Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) -Português do Brasil [Internet]. 2017 [cited 2021 Jul 23]. Available from: https://www.icn.ch/sites/default/files/inlinefiles/icnp-brazil-portuguese-translation-2017.pdf
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).

Etapa 2 - Testagem das evidências de validade da aparência, do conteúdo e confiabilidade do guia

Após a saturação teórica da tecnologia, foi testada a validade da aparência e do conteúdo do guia, a sua confiabilidade foi avaliada. A validação de aparência é a representação estética constituída por linhas, formas, cores e movimento das imagens, que devem se harmonizar ao conteúdo das informações(2525 Souza ACC, Moreira TMM, Borges JWP. Development of an appearance validity instrument for educational technology in health. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl-6):e20190559. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0559
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). E a validade do conteúdo constitui uma representação de uma amostra relevante do universo do conteúdo que a tecnologia educacional necessita conter(2626 Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construction and validation of an Educational Content Validation Instrument in Health. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl):1635-41. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
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).

Para a avaliação do guia, foi composto um comitê de juízes especialistas. Esses são profissionais atuantes nas áreas de saúde e/ou educação e com expertise na área de cuidados e/ou educação em saúde com adolescentes e jovens no contexto escolar e/ou desenvolvimento e testagem das evidências de validade de tecnologias em saúde, preferencialmente em protocolos e guias de prática clínica.

Selecionaram-se aqueles que atingiram uma pontuação mínima de cinco pontos nos critérios pré-definidos: possuir mestrado e/ou doutorado com dissertação/tese na área de interesse; possuir especialização em saúde pública/coletiva, saúde da criança e do adolescente ou enfermagem pediátrica; possuir artigo publicado em periódico indexado nos últimos 5 anos sobre o tema; participar ou coordenar projetos de pesquisa nos últimos 5 anos sobre o tema; e/ou possuir prática clínica recente de, no mínimo, cinco anos na área de interesse. A busca por juízes se iniciou com a identificação de autores de publicações sobre o tema saúde/enfermagem escolar no Brasil, além de busca na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (https://lattes.cnpq.br/).

Para os juízes, foi enviado por e-mail em dezembro de 2021 um convite explicando os objetivos e procedimentos para avaliar a aparência e o conteúdo da tecnologia, além de uma via do TCLE, uma cópia do guia, um formulário para uma breve caracterização desses juízes, o Instrumento de Validação de Aparência de Tecnologia Educacional em Saúde (IVATES)(2525 Souza ACC, Moreira TMM, Borges JWP. Development of an appearance validity instrument for educational technology in health. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl-6):e20190559. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0559
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) e o Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde (IVCES)(2626 Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construction and validation of an Educational Content Validation Instrument in Health. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl):1635-41. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
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).

O IVATES é composto por 12 itens sobre o estilo das ilustrações, as cores, formas e distribuição das figuras em uma escala Likert de 5 pontos(2525 Souza ACC, Moreira TMM, Borges JWP. Development of an appearance validity instrument for educational technology in health. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl-6):e20190559. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0559
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). O IVCES é composto por 18 itens, divididos em três domínios: objetivos (cinco), estrutura/apresentação (dez) e relevância (três). Cada item foi avaliado por meio de escala Likert de três pontos(2626 Leite SS, Áfio ACE, Carvalho LV, Silva JM, Almeida PC, Pagliuca LMF. Construction and validation of an Educational Content Validation Instrument in Health. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl):1635-41. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0648
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). No final dos instrumentos, foi incluída uma questão aberta para que os juízes fizessem possíveis sugestões/críticas para aprimorar a aparência e/ou o conteúdo do guia. As sugestões foram acatadas, respeitando sua pertinência e viabilidade.

Figura 1
Capa e sumário do Guia de Enfermagem Escolar

Para realizar a avaliação da aparência, foi utilizado o Índice de Validade de Aparência (IVA). Em uma escala adjetival de 5 pontos, o IVA para cada item (IVA-I) foi computado pelo número de especialistas, que responderam 4 ou 5, dividido pelo total de especialistas. Para o IVA total (IVA-T), foi realizada a soma dos IVA-I, sendo dividido pelo total de itens. O item com IVA > 0,78 é considerado excelente. O item com IVA entre 0,60 e 0,77 indica necessidade de adequação. O item com IVA < 0,60 é classificado como ruim, e o material deve ser refeito a partir do ponto-chave do item(2525 Souza ACC, Moreira TMM, Borges JWP. Development of an appearance validity instrument for educational technology in health. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl-6):e20190559. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0559
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).

O IVC foi calculado por meio do Índice de Validade de Conteúdo do Item (IVC-I) por especialistas em conteúdo, que conferiram ao item uma classificação de relevância. O Índice de Validade de Conteúdo total (IVC-total) foi calculado pelo IVC-total/Ave (average) - média dos IVC-I e IVC-total/UA (universal agreement), que representa a proporção de itens que atingiram uma classificação de relevância por todos os especialistas(1616 Polit DE, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.). Foi sugerido que um IVC com valor igual a 0,90 ou superior fornece evidência de satisfatória validade do conteúdo(1616 Polit DE, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.).

A confiabilidade na dimensão equivalência da tecnologia foi avaliada pelo Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI). Quanto mais próximo de 1,0 estiver o valor, mais forte é a evidência de boa confiabilidade(1616 Polit DE, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 9 ed. Porto Alegre: Artmed; 2019.). Utilizou-se o Teste Exato Binomial para estimar a confiabilidade estatística do IVA e do IVC para cada item, com nível de significância de 5% (p>0,05).

RESULTADOS

Elaboração do Guia de Enfermagem Escolar

O guia foi construído com a participação de onze enfermeiros do IFCE. A idade deles variou de 29 a 45 anos (média 34,2); 10 eram do sexo feminino; 9 se declararam brancos; 7 estavam casado(a)s; a renda bruta mensal familiar variou de R$ 5.300,00 a R$ 18.000,00 (média de R$ 10.344,00); 10 não trabalham no seu município de origem; 7 possuem mais de 10 anos de formados; e todos possuem pós-graduação (4 especialização, 6 mestrado e 1 doutorado). Ocorreram consultas à literatura científica, discussões e reflexões sobre a prática. Partiu-se da questão norteadora: quais aspectos teóricos e metodológicos devem compor um guia para a prática do enfermeiro na promoção da saúde no contexto escolar com jovens?

Uma síntese dos temas dos GF, das falas dos enfermeiros e das decisões sobre o conteúdo do guia são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese dos grupos focais realizados com os enfermeiros para construção do Guia de Enfermagem Escolar

O guia tem por objetivo orientar as práticas dos profissionais de enfermagem do IFCE focando em estratégias de promoção da saúde e cuidados com jovens; contudo, também pode ser utilizado por outros profissionais de enfermagem e saúde que atuam na assistência direta aos jovens, seja em instituições educacionais ou na Atenção Primária à Saúde. Ele foi organizado contemplando aspectos teóricos e práticos apresentados na sequência: introdução sobre a enfermagem escolar, suas potencialidades e desafios na promoção da saúde de jovens estudantes e o objetivo do guia. Em seguida, foram apresentados o contexto institucional do IFCE, a Política de Assistência Estudantil e a atuação da enfermagem na referida política. Acrescentou-se o retrato dos aspectos socioeconômicos e situação de saúde dos jovens estudantes do IFCE, obtido por meio de estudo transversal.

Adiante, foram trazidos elementos essenciais do MPS de Pender. Apresentou-se brevemente a consulta de enfermagem, realizada com jovens estudantes no IFCE, indicando propostas de promoção da saúde a serem inseridas na assistência aos estudantes. Destacam-se as estratégias e respectivas ações de promoção da saúde propostas no desenvolvimento das práticas de enfermagem escolar. Para promoção da atividade física, constam de 25 propostas de ações. Na promoção da alimentação saudável, somam-se 19 propostas de ações. Na promoção da saúde mental e controle do estresse, propõem-se 22 ações, e nas estratégias de suporte social para promoção da saúde, são 17 propostas de ações. Finalmente, apresentam-se alguns fatores que podem surgir como facilitadores ou barreiras para a utilização do guia na prática clínica e educativa, bem como algumas ações para difusão e disseminação do conhecimento produzido pelo guia, além de experiências exitosas em práticas de promoção da saúde desenvolvidas pelas equipes de enfermagem e assistência estudantil do IFCE.

O guia foi enviado uma única vez para os enfermeiros participantes e juízes especialistas antes da aprovação da versão final, e três pesquisadores estiveram envolvidos mais diretamente na elaboração e organização da aparência e conteúdo do guia.

Evidências de validade da aparência, do conteúdo e da confiabilidade do guia

Os 24 juízes que avaliaram o guia possuíam de 29 a 57 anos de idade (média 39,2 anos), sendo 83,3% do sexo feminino. Assim, 19 eram enfermeiros, 2 eram psicólogos, 1 era profissional de educação física, 1 era pedagogo e 1 era designer. Esses profissionais eram vinculados a 15 instituições de 9 estados das 5 regiões do Brasil e 50% possuíam doutorado; desses, 58,3% tinham tese na área de interesse. Todos possuíam mestrado, 50% com dissertação na área de interesse; 25% possuíam especialização em saúde pública/coletiva, saúde da criança e do adolescente e/ou enfermagem pediátrica; 54,2% possuíam artigo publicado nos últimos 5 anos sobre o tema; 83,3 % participaram ou coordenaram projetos de pesquisa nos últimos 5 anos sobre a temática; e 50% possuíam prática clínica recente de, no mínimo, cinco anos como enfermeiros escolares.

Os juízes especialistas responderam ao IVATES. A Tabela 1 mostra as respostas para cada pergunta realizada, além do IVA para cada item.

Tabela 1
Avaliação dos juízes especialistas (n=24) da aparência do Guia de Enfermagem Escolar por meio do Instrumento de Validação de Aparência de Tecnologia Educacional em Saúde, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2022

O IVA-I variou de 0,62 a 1,0, e o IVA-T foi de 0,84, que pode ser considerado bom. Apenas 2 itens (10 e 12) apresentaram IVA <0,78 e foram considerados para melhorar a aparência do guia. O CCI obtido foi de 0,91, evidenciando excelente confiabilidade na avaliação da aparência do guia pelos juízes. De acordo com o Teste Exato Binomial, houve discordância significativa (p<0,05) entre os juízes na pontuação dos itens 4 e 12, os quais referem-se às cores das ilustrações e ao apoio dessas ilustrações na mudança de comportamento.

Os juízes sugeriram aumentar a quantidade de figuras que representem o conteúdo do texto e que, preferencialmente, fossem autorais. Além de melhorar a representatividade de estudantes de raça negra e adolescentes com uniforme escolar, incluir a imagem de uma enfermeira na capa do guia e rever alguns elementos gráficos que remetiam ao contexto hospitalar, considerando ser desnecessário.

Os juízes especialistas também responderam ao IVCES. Na Tabela 2 abaixo mostra-se as respostas para cada pergunta realizada, os domínios, além do IVC-I e do IVC-total/Ave obtidos.

Tabela 2
Avaliação dos juízes especialistas (n=24) do conteúdo do Guia de Enfermagem Escolar por meio do Instrumento de Validação de Conteúdo Educativo em Saúde, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2021

Os resultados do IVCES apresentaram um IVC-I variando de 0,96 a 1,0. O IVC-total/Ave de 0,998 e o IVC-total/UA de 0,94. Não houve discordância significativa entre os juízes (p>0,05) na pontuação dos itens e o CCI obtido foi de 0,73 que representa moderada confiabilidade na avaliação do conteúdo. Esses dados demonstram que o guia possui excelentes evidências de validade de conteúdo.

Considerando as sugestões dos juízes para aprimorar a aparência e o conteúdo do guia, na versão final, as ilustrações que não estavam com uma boa resolução foram substituídas, aumentando-se o número de ilustrações, principalmente autorais, que retratam o cotidiano dos estudantes e profissionais. Com relação ao conteúdo, alguns trechos foram reduzidos, principalmente do referencial teórico, relacionando-se à consulta de enfermagem e às estratégias de promoção da saúde. Inclui-se uma breve discussão sobre as práticas interprofissionais e os problemas de saúde mental mais comuns entre os jovens estudantes.

DISCUSSÃO

O presente estudo elaborou e testou evidências de validade de um Guia de Enfermagem Escolar que oferece informações estruturadas sobre estratégias de promoção da saúde que poderão ser desenvolvidas com jovens estudantes. Nesse sentido, o uso de tecnologias educacionais para o desenvolvimento profissional de enfermagem é um componente importante na criação de uma educação eficaz, conveniente e acessível para profissionais, gestores e usuários em diferentes sistemas de saúde e localizações geográficas(2727 Weinschreider J, Sabourin KM, Smith CM. Preparing Nurse Leaders in Nursing Professional Development. J Nurses Prof Dev. 2019;35(5):281-5. https://doi.org/10.1097/nnd.0000000000000567
https://doi.org/10.1097/nnd.000000000000...
).

Como campo de atuação, a enfermagem escolar é fortalecida com a produção de tecnologia educacional, utilizando-se rigor metodológico, orientada pela PCA e outros fundamentos teóricos que são essenciais na prática de enfermagem. Ademais, a criação de conteúdo e testagem da validade de um guia de práticas contribui para a introdução de uma inovação tecnológica no processo de trabalho de profissionais de uma área específica de atuação(2828 Zanon BP, Paula CC, Ribeiro AC, Padoin SMM. Content validation to support the monitoring of disclosure of HIV diagnosis in childhood. Rev Bras Enferm. 2022;75(Suppl-2):e20210027. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0027
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).

No cuidado em saúde, as teorias de enfermagem são capazes de trazer benefícios diante de sua capacidade de produzir consistentes explicações, descrições, predições e prescrições, que amparam a profissão na atuação em contextos complexos(2929 Brandão MAG, Barros ALBL, Primo CC, Bispo GS, Lopes ROP. Nursing theories in the conceptual expansion of nursing practices. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):577-81. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0395
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). Nesse sentido, o MPS e a PCA possibilitaram uma (re)leitura da realidade e melhor compreensão dos fatores relacionados aos comportamentos de saúde dos jovens estudantes (barreiras e benefícios percebidos), bem como a construção de intervenções de forma compartilhada.

Destaca-se que o processo de mudanças e/ou inovações na assistência de enfermagem e saúde é caracterizado como um trabalho coletivo. Desse modo, o pesquisador precisa negociar o projeto de mudança/inovação com os atores sociais atuantes no contexto, buscando seu comprometimento. Esta negociação requer tempo, paciência, persistência e, sobretudo, uma proposta viável, bem elaborada e com uma linguagem acessível(1717 Trentini M, Paim L, Silva DMG. Pesquisa convergente-assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Ed Moriá; 2014.). Assim, o envolvimento dos enfermeiros como parte interessada no desenvolvimento e difusão do guia na prática assistencial ocorreu tanto na negociação para a realização da pesquisa quanto na definição do seu objeto e discussão das estratégias de promoção da saúde propostas.

O guia como ferramenta orientativa oferece informações estruturadas sobre estratégias de promoção da saúde que poderão ser desenvolvidas com jovens estudantes. Assim, o enfermeiro pode buscar informações para tomada de decisão, conforme a demanda da sua prática assistencial, em uma ou mais dessas estratégias, considerando sua expertise, as condições da instituição de ensino e as necessidades dos estudantes, para que esses assumam um papel ativo na busca da saúde e do autocuidado. É importante serem consideradas as especificidades na abordagem dos jovens, como faixa etária (adolescentes de 15 a 19 anos ou jovens mais velhos de 20 a 24 anos), além das diferenças socioculturais, de gênero, orientação sexual, entre outras, para direcionar e individualizar o cuidado.

Assim, o entendimento sobre os vários fatores que envolvem a vida do jovem faz o termo “juventude” exigir a pluralização, utilizando assim “juventudes” para determinar diversas realidades que se encontram nesses grupos juvenis. Ao se referir às juventudes, o conhecer destes jovens em seus distintos cenários de existência permite ao enfermeiro traçar diagnósticos e intervenções voltados às necessidades próprias dessa faixa etária, levando em conta sua realidade e proporcionando o cuidado clínico(3030 Castro Júnior AR, Santos MAP, Ribeiro FCS, Santos IC, Felício JR, Silva MRF. Habitando territórios: construções e desconstruções na educação em saúde sobre a sexualidade junto a adolescentes. Braz J Health Rev. 2019;2(5):4710-8. https://doi.org/10.34119/bjhrv2n5-070
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).

Sobre o processo de avaliação da aparência e conteúdo do guia, acredita-se que o olhar dos especialistas motivou a revisão desses aspectos, incorporando as sugestões para tornar o material mais interativo e adequado às necessidades e práticas dos enfermeiros no contexto escolar. Foi também de suma importância a colaboração de profissionais de designer gráfico na diagramação do guia e elaboração de ilustrações. De acordo com os resultados, confirma-se a validade interna da tecnologia, o que sugere a possibilidade de avançar para etapas seguintes com pesquisas de intervenção sobre a efetividade de sua implementação no campo de prática.

As sugestões apontadas por juízes especialistas nas etapas de validação de conteúdo e aparência indicam a importância de se submeter dispositivos educacionais a processos de validação(3131 Gigante VCG, Oliveira RC, Ferreira DS, Teixeira E, Monteiro WF, Martins ALO, et al. Construction and validation of educational technology about alcohol consumption among university students. Cogitare Enferm. 2021;26:71208. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v26i0.71208
http://dx.doi.org/10.5380/ce.v26i0.71208...
). Destaca-se também a incorporação de materiais educativos baseados em teorias de enfermagem, submetidos a processos de validação para mediar práticas de educação em saúde, e a sensibilização de estudantes, com vistas à aproximação e diálogo com a juventude.

Diante do exposto, destaca-se como um dos pontos fortes do guia ter sido construído a partir da PCA, considerando as experiências dos pesquisadores em seu local de trabalho, o que enriquece seu conteúdo e sua factibilidade, apresentando o que de fato funciona naquele ambiente educacional. O guia é uma forma de translação do conhecimento científico para a prática. No entanto, vários desafios estão envolvidos na sua implementação. É crucial ter uma estratégia adequada, para garantir que as estruturas, recursos materiais e humanos necessários estejam disponíveis. Incluir enfermeiros escolares no desenvolvimento e implementação de estratégias de promoção da saúde é vital para a melhoria das condições de vida e saúde dos jovens estudantes.

Limitações do estudo

No guia, foram abordados somente os quatro domínios de promoção da saúde propostos pelo MPS, que são atividade física, alimentação saudável, gerenciamento do estresse e suporte social. No entanto, há outras temáticas relacionadas à promoção da saúde que podem ser desenvolvidas pelos enfermeiros no contexto escolar, como a saúde sexual e reprodutiva, uso de substâncias, doenças crônicas, dentre outras, por serem necessárias a esta população. Considera-se outra limitação do estudo o fato de não ter retornado a versão do guia validado com as sugestões dos juízes aos profissionais que colaboraram na construção, por se tratar do desenvolvimento de uma tecnologia de forma participativa, com recomendações para que seja realizada em momento posterior.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O guia foi construído no contexto da prática de enfermeiros do IFCE; no entanto, acredita-se que as estratégias propostas possam ser adaptadas e serem utilizadas em outras instituições educacionais e por enfermeiros da Estratégia Saúde da Família nas ações do PSE. Por meio desta tecnologia, é possível planejar e desenvolver ações que contribuam com a mudança de comportamentos de saúde dos jovens estudantes, fortalecendo a sua autonomia e responsabilidade, colaborando na promoção da saúde.

CONCLUSÕES

O Guia de Enfermagem Escolar foi construído a partir de necessidades dos estudantes, reconhecidas em outros estudos e nas experiências dos enfermeiros do IFCE, tendo o MPS como referencial. Considera-se que o guia possui evidências de validade, trazendo contribuições para as boas práticas de enfermagem escolar, estimulando inovação no cuidado ao envolver a prática educativa do enfermeiro. O desenvolvimento e/ou aprimoramento das estratégias de promoção da saúde com jovens estudantes, propostas pelo guia, vislumbram, portanto, transformações nas práticas, reverberando com o fortalecimento da autonomia e do empoderamento dos jovens na promoção da sua saúde.

MATERIAL SUPLEMENTAR

https://ifce.edu.br/noticias/noticias-de-destaque/201cguia-de-enfermagem-escolar201d-trazdiagnostico-e-estrategias/guia-de-enfermagem-escolar-1.pdf/view.

AGRADECIMENTO

Agradecemos aos enfermeiros do IFCE e juízes especialistas que participaram desta pesquisa e colaboraram ativamente para a construção e refinamento do Guia de Enfermagem Escolar.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2022
  • Aceito
    02 Ago 2022
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