Eventos dermatoneurológicos adversos e impactos nas atividades cotidianas de pacientes com neoplasias gastrointestinais em quimioterapia

RESUMO

Objetivo:

associar a presença e a graduação de eventos dermatoneurológicos adversos (neuropatia periférica e síndrome mão-pé) e as interferências nas atividades da vida diária de pacientes com neoplasias gastrointestinais em tratamento antineoplásico sistêmico.

Método:

trata-se de um estudo longitudinal, prospectivo, com a utilização de instrumentos de avaliação da síndrome mão-pé e da neuropatia periférica.

Resultados:

foram 36 pacientes: 66,7% com diagnóstico de câncer de cólon e 83,2% em terapia combinada. A partir do ciclo 5, todos apresentaram a síndrome mão-pé, com maioria de grau 1, não relacionada com a interferência nas atividades da vida diária. Em relação à neuropatia periférica, houve a correlação de intensidade moderada a forte desde o ciclo 1 de tratamento.

Conclusão:

a neuropatia periférica afeta negativamente as atividades da vida diária. O acompanhamento dos eventos dermatoneurológicos pelo enfermeiro oncológico contribui para a prática clínica da enfermagem e subsidia o desenvolvimento da prática avançada no país.

Descritores:
Eventos Adversos; Enfermagem Oncológica; Antineoplásicos; Neoplasias Gastrointestinais; Atividades Cotidianas

ABSTRACT

Objective:

to associate the presence and grading of adverse dermatoneurological events (peripheral neuropathy and hand-foot syndrome) and the interference in the activities of daily living of patients with gastrointestinal neoplasms undergoing systemic antineoplastic treatment.

Method:

this is a longitudinal, prospective study, using instruments to assess hand-foot syndrome and peripheral neuropathy.

Results:

there were 36 patients: 66.7% diagnosed with colon cancer and 83.2% on combination therapy. From cycle 5 onwards, all of them had hand-foot syndrome, with a majority of grade 1, unrelated to interference in activities of daily living. Regarding peripheral neuropathy, there was a moderate to strong correlation from cycle 1 of treatment.

Conclusion:

peripheral neuropathy negatively affects activities of daily living. The monitoring of dermatoneurological events by oncology nurses contributes to the clinical practice of nursing and subsidizes the development of advanced practice in the country.

Descriptors:
Adverse Events; Nursing Oncology; Antineoplastic; Gastrointestinal Neoplasms; Activities of Daily Living

RESUMEN

Objetivo:

asociar la presencia y gradación de eventos dermatoneurológicos adversos (neuropatía periférica y síndrome mano-pie) y la interferencia en las actividades de la vida diaria de pacientes con neoplasias gastrointestinales en tratamiento antineoplásico sistémico.

Método:

se trata de un estudio longitudinal, prospectivo, utilizando instrumentos para evaluar el síndrome mano-pie y la neuropatía periférica.

Resultados:

hubo 36 pacientes: 66,7% con diagnóstico de cáncer de colon y el 83,2% en terapia combinada. A partir del ciclo 5, todos presentaban síndrome mano-pie, en su mayoría grado 1, no relacionado con interferencia en actividades de la vida diaria. Con respecto a la neuropatía periférica, hubo una correlación de moderada a fuerte desde el ciclo 1 de tratamiento.

Conclusión:

la neuropatía periférica afecta negativamente las actividades de la vida diaria. El seguimiento de los eventos dermatoneurológicos por parte de los enfermeros de oncología contribuye a la práctica clínica de enfermería y subsidia el desarrollo de la práctica avanzada en el país.

Descriptores:
Eventos Adversos; Enfermería Oncológica; Antineoplásicos; Neoplasias Gastrointestinales; Actividades Cotidianas

INTRODUÇÃO

As neoplasias do trato gastrointestinal (TGI) representam o segundo lugar das doenças oncológicas mais incidentes em ambos os sexos(¹). Os pacientes diagnosticados com essas neoplasias apresentam alterações biopsicossociais provocadas pelo adoecimento e pela localização da doença, as quais podem ser potencializadas devido à interferência nos processos de ingestão, digestão e absorção dos alimentos(²).

Nesse contexto, uma das modalidades de tratamento das neoplasias gastrointestinais é a quimioterapia antineoplásica sistêmica, na qual utiliza substâncias químicas, isoladas ou em combinação(³). Essas substâncias atuam em diferentes fases do ciclo celular, podendo atingir células normais, provocando diversos eventos adversos, como as alterações dermatoneurológicas (neuropatia periférica (NP) e síndrome mão-pé (SMP))(³), principalmente em antineoplásicos à base de oxaliplatina e fluopirimidina, muito utilizados nos protocolos terapêuticos dessas neoplasias(⁴).

Tais eventos adversos estão presentes na maioria dos pacientes em tratamento oncológico e estão presentes na rotina dos enfermeiros oncológicos. Assim, a especialidade de oncologia é um grande desafio aos enfermeiros, pois, além do conhecimento da fisiopatológica da doença oncológica, deve desenvolver habilidades para realizar a assistência ao paciente que minimize sua sintomatologia e preserve a qualidade de vida.

Um grande desafio aos profissionais é a Neuropatia Periférica Induzida pela Quimioterapia (NPIC), pois, apesar de bem frequente como evento adverso relacionado ao tratamento antineoplásico em agente citotóxico, não tem sua patogênese completamente definida. Estudos inferem que os medicamentos quimioterápicos antineoplásicos são capazes de, gradativamente, danificar os neurônios sensitivos e, posteriormente, degenerar sua estrutura de maneira irreversível(⁵). A sintomatologia da NP está relacionada com o tipo de fibra nervosa acometida, resultando em sinais e sintomas sensitivos e motores. As alterações sensoriais, como as parestesias e disestesias, são as mais frequentes devido à lesão das fibras sensitivas, enquanto que a lesão de fibras motoras promove a alteração da força muscular(⁶).

Quando comparada à NP, que também faz parte da rotina de uma central de infusão de medicamentos antineoplásico, a SMP é também conhecida como eritrodisestesia palmo-plantar, eritema acral ou reação de Burgdorf. É uma reação cutânea tóxica relacionada à alta sensibilidade dos tecidos cutâneos à ação dos medicamentos antineoplásicos(⁷), os quais podem mediar um efeito tóxico sobre os queratinócitos basais, podendo levar à degeneração vacuolar basal e à necrose completa da camada epidérmica(⁸). É caracterizada por dormência palmo-plantar, formigamento ou dor com queimação associados à eritema com ou sem edema e rachaduras ou descamação. Outros achados histológicos encontrados foram inflamação na junção dermoepidérmica e dilatação dos vasos sanguíneos(⁹).

Os eventos dermatoneurológicos adversos, como a NP e a SMP, na maioria das vezes, são acompanhados de dor e podem limitar as atividades da vida diária (AVD)(¹⁰), como caminhar, pegar objetos, dirigir, trabalhar, dormir, participar de atividades de lazer, praticar exercícios físicos, relacionar-se com as pessoas, escrever, realizar atividades domésticas, atividades que envolvam a destreza manual e atividade sexual(¹¹).

Ademais, considerando as possíveis interferências de tais eventos adveros nas AVD, o tratamento do paciente se torna foco dos cuidados médicos e de informações e interação contínua da equipe de enfermagem, incluindo o convívio do paciente, desde o diagnóstico, com a possibilidade de recidiva ou progressão de doença(¹²-¹³). Portanto, as intervenções de enfermagem têm como finalidade melhorar o bem-estar, podendo ser destinadas ao controle de dor, fadiga e outros eventos adversos relacionados à terapia antineoplásica. E a eficácia dessas ações pode contribuir, além do alívio dos sinais e sintomas, para a melhora da resposta terapêutica e segurança na administração dos medicamentos(¹²-¹³).

As intervenções de enfermagem, inclusive na tomada de decisões para melhor opção de tratamento, são ainda mais valorizadas quando é considerado o aumento contínuo de novas opções terapêuticas oncológicas, tornando-se necessário o envolvimento contínuo desses profissionais com o conhecimento sobre o manejo dos sinais e sintomas e consequente melhora da qualidade de vida do paciente (¹³-¹⁴).

Tendo em vista que os eventos adversos do tratamento antineoplásico sistêmico podem causar prejuízos nas AVD, e que, muitas vezes, em sua prática diária, o enfermeiro oncológico tem dificuldade de mensurar tais eventos como a SMP e NPIQ, este estudo visa associar a presença e a graduação de eventos dermatoneurológicos adversos (neuropatia periférica e síndrome mão-pé) e as interferências nas AVD de pacientes com neoplasias gastrointestinais em tratamento antineoplásico sistêmico.

OBJETIVO

Associar a presença e a graduação de eventos dermatoneurológicos adversos (neuropatia periférica e síndrome mão-pé) e as interferências nas AVD de pacientes com neoplasias gastrointestinais em tratamento antineoplásico sistêmico.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP. Todos os procedimentos do estudo respeitaram os preceitos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Desenho e local do estudo

Trata-se de um estudo observacional, longitudinal e prospectivo, norteado pela ferramenta STROBE, e que teve como cenário a Unidade de Quimioterapia (UQ) de um hospital universitário, de abrangência quaternária, no interior do estado de São Paulo, Brasil.

Critérios de inclusão e exclusão

Os possíveis candidatos ao estudo foram selecionados através do relatório de dispensação de medicamentos, emitido pelo sistema hospitalar. Foram incluídos para o estudo os pacientes portadores de neoplasias gastrointestinais, de ambos os sexos, com idade mínima de 18 anos, iniciantes tanto em tratamentos monoterápicos quanto em terapias combinadas, inseridos nos protocolos CAP (Capecitabina), CAPOX (Capecitabina e Oxaliplatina), EOX (Epirrubicina, Oxaliplatina e Capecitabina), CAP + BEV (Capecitabina e Bevacizumabe) e CAP + GENC (Capecitabina e Gencitabina), indicados pelos oncologistas e administrados na rotina do serviço de oncologia. Foram excluídos os casos em que a monoterapia com capecitabina dispensada não foi entregue diretamente ao paciente, em que houve óbitos, mudança terapêutica e descontinuação do tratamento logo no primeiro ciclo.

Os dados foram coletados pelo mesmo pesquisador, para redução de risco de viés de coleta de dados, por meio de entrevista no momento da consulta de enfermagem (consulta de triagem antes da infusão medicamentosa), por um período de oito meses, de julho de 2016 a março de 2017. A amostra foi composta por pacientes que puderam ter, no mínimo, dois ciclos monitorados e/ou acompanhados, e o número de ciclos foi definido pela finalidade terapêutica e pelo protocolo de tratamento antineoplásico. Os participantes responderam ao formulário sociodemográfico e aos questionários de SMP e NPIC antes do início do tratamento e antes da liberação dos ciclos subsequentes, sendo o intervalo dos ciclos de tratamento realizados a cada 21 dias.

E, para essa coleta de dados, foram utilizados: (i) formulário de características sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, religião, situação de trabalho, comorbidades, uso de bebida alcoólica e uso de fumo/tabaco, além de data da biopsia para a confirmação diagnóstica, localização das neoplasias, finalidade terapêutica e protocolo de tratamento antineoplásico); (ii) instrumento de análise visual para classificar a SMP, baseado nos sinais e sintomas apresentados; e (iii) ferramenta de avaliação/agravamento de NPIC e que não distingue a neuropatia periférica sensitiva da motora(¹⁵). Na versão adaptada da ferramenta, foram avaliados nove sintomas neuropáticos específicos (dormência e formigamento nas mãos, dormência e formigamento nos pés, sensibilidade ao frio, neuralgia, dores musculares/articulares, fraqueza nos braços/mãos/pernas/pés e problemas de equilíbrio) e o quanto esses sintomas interferem nos 13 itens de AVD (vestir-se, caminhar, pegar e segurar objetos, dirigir, trabalhar, dormir, participar de atividades de lazer, praticar exercícios físicos, relacionar-se com as pessoas, escrever, realizar atividades domésticas e aproveitar a vida), por meio de escala numérica, com pontuação elevada (quanto maior a pontuação, maior a frequência e maior interferência nas AVD).

A graduação da SMP foi baseada na Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE), versão 5.0, que é classificada com grau 1, caracterizado por alterações cutâneas mínimas ou dermatite não dolorosa (eritema, edema ou hiperqueratose); grau 2, alterações cutâneas com dor (bolhas, descamação leve, feridas, edema ou hiperqueratose), limitando as atividades diárias; e grau 3, alterações cutâneas severas, como descamação grave, dor constante e limitação severa de autocuidado(¹⁶).

Os participantes do estudo, assim como estabelecido pela prática clínica, receberam as orientações educativas sobre o tratamento realizado, sendo elas: i - uso de calçados e que sejam confortáveis; ii - atenção e cuidado ao manusear objetivos pontiagudos; iii - uso de luvas ao manusear produtos de limpeza ou químicos; iv - não abrir a geladeira sem luvas protetoras; v - evitar extremos de temperatura e manter mãos e pés aquecidos; vi - hidratar mãos e pés ao menos três vezes ao dia (equipe médica geralmente indica creme hidratante a base de ureia); vii - usar corrimãos ou andadores ao caminhar, cômodos e passagens da casa devem ser bem iluminados e livre de tapetes e realizar repouso em lugar confortável em caso de dores de maior intensidade.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram recebidos e cadastrados no Microsoft Excel. Posteriormente, foram importados para o software IBM-SPSS Statistics, versão 27 (IBM Corporation, NY, USA), para análise exploratória dos dados e análise comparativa entre grupos. A análise exploratória dos dados incluiu as estatísticas descritivas, as médias, medianas, desvio padrão, quartis, o valor mínimo e máximo para variáveis numéricas e, por fim, número e proporção para variáveis categóricas. Para análise do comportamento das variáveis contínuas, consideraram-se as estatísticas descritivas, gráficos de histograma e boxplot e o teste específico para o pressuposto teórico de normalidade Kolmogorov-Smirnov. A análise comparativa das AVD entre os grupos com e sem SMP foi realizada pelo Teste de Mann-Whitney para os ciclos com número suficiente de casos.

A análise de correlação entre AVD e NPIC foi feita pelo coeficiente de correlação de Pearson para todos os ciclos de tratamento. Admitiram-se os valores do coeficiente de correlação de Pearson por meio da escala de valores +1 a -1. Quando o valor está próximo de +1, assume-se a correlação linear positiva perfeita; já quando o valor está próximo de -1, assume-se a correlação linear negativa perfeita; os valores próximos de zero indicam a ausência de correlação. Mais do que o valor de p, sugere-se levar em conta o valor do coeficiente. Inclusive, podem-se assumir os seguintes valores: |≤0,25| = ausência de correlação; |0,26 - 0,50| = correlação fraca; |0,51 - 0,75| = correlação moderada; e |>0,75| = correlação forte(¹⁷). Todos os testes foram bicaudais e os valores de p < 0,05 foram considerados significantes.

RESULTADOS

Foram selecionados 144 possíveis candidatos ao estudo, e, desses, 108 foram excluídos (100 pacientes que não eram iniciantes, dois por óbitos, dois por mudança terapêutica, dois por descontinuação do tratamento e dois em que a medicação foi dispensada ao familiar), e a amostra final foi de 36 pacientes. A idade dos participantes variou de 30 a 85 anos, com média de 59 ± 12,7 anos. Houve predomínio do sexo masculino (58,3%). A maioria possuía ensino fundamental (52,8%). Em relação ao estado civil, 75% eram casados, e o catolicismo foi a religião prevalente (61,1%). A situação de trabalho dos participantes foi classificada como aposentados (41,7%), trabalhadores domésticos (22,2%), com licença saúde (19,4%), autônomos (13,9%) e empregados (2,8%). A maioria não possuía comorbidades (52,8 %), e 88,9% disseram não fazer uso de bebida alcoólica.

Identificou-se que, das neoplasias gastrointestinais, a predominante foi a de cólon (66,7%), e a maior parte classificada como tratamento adjuvante (47,2%) ou paliativo (47,2%). A terapia combinada com CAPOX (Capecitabina + Oxaliplatina) (83,2%) representou o protocolo terapêutico mais utilizado, conforme a Tabela 1.

Tabela 1
Localização das neoplasias do trato gastrointestinal, finalidade do tratamento e protocolo antineoplásico, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2016

	n (%)
Localização
Cólon	24 (66,7)
Estômago	7 (19,4)
Reto	3 (8,3)
Esôfago	2 (5,6)
Finalidade do tratamento
Adjuvante	17 (47,2)
Paliativo	17 (47,2)
Neoadjuvante	2 (5,6)
Protocolo antineoplásico
Capecitabina + Oxaliplatina	30 (83,2)
Capecitabina + Bevacizumabe	2 (5,6)
Capecitabina	2 (5,6)
Capecitabina + Gencitabina	1 (2,8)
Capecitabina + Epirrubicina + Oxaliplatina	1 (2,8)

Observou-se que, a partir do ciclo 5, todos os pacientes apresentaram a SMP, com predomínio de grau 1 (Tabela 2).

Tabela 2
Proporção de pacientes com presença de síndrome mão-pé e sua graduação durante os oito ciclos de tratamento entre os pacientes analisados em cada ciclo, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2016

		SMP
Ciclos	n	Ausente	Presente	Grau 1	Grau 2	Grau 3
Ciclo 1	36	35 (97,2)	1 (2,8)	1 (2,8)	0 (0,0)	0 (0,0)
Ciclo 2	31	22 (71,0)	9 (29,0)	8 (25,8)	1 (3,2)	0 (0,0)
Ciclo 3	30	8 (26,7)	22 (73,3)	22 (73,3)	0 (0,0)	0 (0,0)
Ciclo 4	30	3 (10,0)	27 (90,0)	25 (86,2)	2 (2,7)	0 (0,0)
Ciclo 5	26	0 (0,0)	26(100,0)	24 (92,3)	1 (3,8)	1 (3,8)
Ciclo 6	22	0 (0,0)	22 (100,0)	19 (86,4)	2 (9,1)	1 (4,5)
Ciclo 7	13	0 (0,0)	13 (100,0)	12 (92,3)	0 (0,0)	1 (7,7)
Ciclo 8	5	0 (0,0)	5 (100,0)	4 (80,0)	0 (0,0)	1 (20,0)

SMP: síndrome mão-pé.

A análise comparativa entre as AVD e a presença de SMP mostrou que, dentre os ciclos analisados (ciclos dois, três e quatro), não houve relação significativa entre a presença da SMP e a interferência nas AVD em cada ciclo de tratamento, de acordo com a Tabela 3. Vale ressaltar que não foi possível obter a estatística inferencial nos ciclos 1, 5, 6, 7 e 8, devido ao número de pacientes que estavam iniciando o respectivo ciclo de tratamento com a presença de SMP; ou seja, para comparação no ciclo 1, apenas um paciente com SMP, e para comparação nos ciclos 5, 6, 7 e 8, todos os pacientes com SMP. Portanto, não houve variabilidade entre a presença da SMP e pontuação AVD.

Tabela 3
Análise comparativa das atividades da vida diária, de acordo com a presença da síndrome mão-pé, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2016

Ciclo	SMP ausente				SMP presente			Valor de p
	Pontuação AVD				Pontuação AVD
	n	Mediana Mín ; Máx	DP		n	Mediana Mín ; Máx	DP
Dois	22	13,0	14,2		9	21,0	27,9	0,176
		0,0 ; 62,0				11,0 ; 95,0
Três	8	21,0	12,29		21	24,0	11,64	0,864
		0,0 ; 38,0				10,0 ; 58,0
Quatro	3	19,0	7,02		27	22,0	15,41	0,406
		11,0 ; 25,0				0,0 ; 78,0

AVD: - atividade da vida diária; SMP: síndrome mão-pé; DP: desvio padrão; Mín - mínimo; Máx - máximo.

A seguir, na Figura 1, está representada a proporção de NPIC durante os ciclos de tratamento. Observou-se um aumento gradativo da intensidade dos sintomas neuropáticos no decorrer dos ciclos realizados pelo paciente.

Figura 1
Proporção de pacientes com presença de neuropatia periférica induzida por quimioterapia durante os oito ciclos de tratamento, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2016

Abaixo, na Tabela 4, de acordo com a análise de Pearson, foi identificado que os sintomas neuropáticos se correlacionam com as AVD de intensidade moderada (0,51 - 0,75) a forte (>0,75) já no primeiro ciclo de tratamento, sendo que nos ciclos 7 e 8 se observa uma maior ocorrência da correlação de intensidade forte, sugerindo, assim, a toxicidade acumulativa do tratamento proposto.

Tabela 4
Análise de correlação de Pearson entre atividade da vida diária e neuropatia periférica induzida por quimioterapia em cada ciclo, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2016

NPIC		Atividades da vida diária nos ciclos
		AVD Ciclo 1	AVD Ciclo 2	AVD Ciclo 3	AVD Ciclo 4	AVD Ciclo 5	AVD Ciclo 6	AVD Ciclo 7	AVD Ciclo 8
Ciclo 1	Coeficiente r	0,801**	0,633*	0,571*	0,602*	0,636*	0,541*	0,674*	0,846**
	Valor de p	< 0,001	< 0,001	0,001	< 0,001	0,001	0,011	0,023	0,071
	n	35	30	29	30	24	21	11	5
Ciclo 2	Coeficiente r	0,576*	0,69*	0,618*	0,743*	0,662*	0,749*	0,93**	0,985**
	Valor de p	0,001	< 0,001	0,001	< 0,001	0,001	0,001	0,001	0,112
	n	31	31	26	25	20	16	8	3
Ciclo 3	Coeficiente r	0,538*	0,53*	0,692*	0,719*	0,667*	0,761**	0,746*	0,971**
	Valor de p	0,002	0,005	< 0,001	< 0,001	0,001	< 0,001	0,034	0,029
	n	30	26	29	26	21	19	8	4
Ciclo 4	Coeficiente r	0,412	0,534*	0,785**	0,721*	0,640*	0,588*	0,675*	0,911**
	Valor de p	0,024	0,006	< 0,001	< 0,001	0,001	0,006	0,023	0,031
	n	30	25	25	30	23	20	11	5
Ciclo 5	Coeficiente r	0,629*	0,697*	0,737*	0,686*	0,744*	0,705*	0,770**	0,879**
	Valor de p	0,001	0,001	< 0,001	< 0,001	< 0,001	0,002	0,015	0,121
	n	23	18	19	22	22	17	9	4
Ciclo 6	Coeficiente r	0,585*	0,721*	0,714*	0,670*	0,583*	0,609*	0,731*	0,804**
	Valor de p	0,004	0,001	0,001	0,001	0,009	0,003	0,016	0,101
	n	22	17	19	20	19	21	10	5
Ciclo 7	Coeficiente r	0,677*	0,651*	0,770**	0,663*	0,632*	0,760**	0,763**	0,914**
	Valor de p	0,011	0,042	0,015	0,014	0,037	0,004	0,006	0,030
	n	13	10	9	13	11	12	11	5
Ciclo 8	Coeficiente r	0,738*	0,890**	0,968**	0,752**	0,879**	0,825**	0,745	0,909**
	Valor de p	0,155	0,301	0,032	0,143	0,121	0,085	0,255	0,032
	n	5	3	4	5	4	5	4	5

^***

DISCUSSÃO

Na literatura, os estudos propõem avaliar a interferência nas AVD utilizando questionários sobre qualidade de vida (QV). Já no presente estudo, optou-se por associar a graduação dos eventos adversos e a interferência nas AVD por meio de ferramentas específicas para a análise desses eventos, além de relacioná-las com as interferências nos hábitos diários dos pacientes oncológicos e estudar como essas informações podem contribuir para a qualificação do trabalho da equipe de enfermagem em oncologia.

Observa-se, na presente pesquisa, que tanto no tratamento adjuvante quanto no paliativo a maioria das neoplasias intestinais é tratada com análogos da platina, especificamente a oxaliplatina, conforme informações de estudo internacional(¹⁸). Destacam-se os prováveis eventos dermatoneurológicos relacionados a essa terapêutica e uso de ferramenta para as intervenções de enfermagem, valorizando- suas ações relacionadas à manutenção e à melhora da QV do paciente oncológico. Este estudo mostra que os eventos adversos dermatoneurológicos se intensificam quando ocorre a combinação de dois medicamentos neurotóxicos, como no protocolo medicamentoso, CAPOX, corroborando com os achados de outras análises científicas (¹⁹), e adicionando-se ainda a importância da temática para os enfermeiros oncológicos.

A vulnerabilidade ao tratamento quimioterápico é diferente entre as linhas de quimioterapia antineoplásica. Quando se trata de uma terapia com a finalidade paliativa, o risco de toxicidade relacionada ao medicamento se torna mais frequente(²⁰), o que contradiz com os achados deste estudo, pois identificou-se semelhança entre a toxicidade na finalidade de tratamento adjuvante e paliativo. Esse resultado contribui para fortalecer nos enfermeiros o conceito de que os cuidados e a atenção ao paciente oncológico em tratamento devem ser intensificados desde o início do processo e independe da presença de doença metastática.

Quanto à graduação da SMP e à interferência nas AVD, pesquisa realizada com oncologistas holandeses evidencia que a maioria dos entrevistados relatou que o grau 2 (85%) e o grau 3 (97%) são os que têm impactos relevantes na QV dos pacientes(⁸). Em contrapartida, no atual estudo, evidenciamos as atividades da assistência de enfermagem como coadjuvante do tratamento oncológico, e a SMP, grau 1, foi o mais frequente e não diretamente relacionado às interferências nos hábitos diários do paciente.

Por outro lado, em relação ao tempo de tratamento e NP, estudo multicêntrico em pacientes com neoplasia colorretal, em tratamento com terapia combinada, aponta que o grau 2 foi mais comum em pacientes tratados por 6 meses do que em pacientes tratados por 3 meses(¹⁸). A presente pesquisa corrobora com essas informações e acrescenta ainda que, de acordo com a classificação de intensidade da NP, este evento pode se manifestar precocemente de forma moderada a forte, interferindo nas AVD dos pacientes que, além dessa toxicidade, também podem apresentar sintomas relacionados ao comprometimento neoplásico do sítio primário da doença oncológica. Portanto, cabe ao enfermeiro oncológico identificar a presença da NP, intensificar suas atividades educativas a esses pacientes e acompanhar a intensidade desse evento, contribuindo para a manutenção dos hábitos de vida de seus clientes.

Uma provável explicação para esses dados identificados é que a intensidade da NP geralmente é proporcional à dose cumulativa do antineoplásico e aos sintomas sensoriais, acompanhados da dor, podendo ser observados por um longo tempo após o término do tratamento(⁴). E ainda, de acordo com a ferramenta utilizada, as influências negativas nas AVD são definidas por dificuldades no andar, alteração de equilíbrio, comprometimento em movimentos motores finos (digitar, dirigir, escrever, trabalhar), dificuldade em sentir objetos minúsculos e abotoar as roupas(²¹-²²).

O resultado do nosso estudo, que deve ser ressaltado, refere-se às intervenções de enfermagem, que visam identificar os possíveis eventos adversos e, consequentemente, propor ações: i - uso de ferramentas específicas para avaliação de eventos adversos relacionados à terapia antineoplásica; ii - intervenções de enfermagem que impeçam que haja o ajuste de dose ou interrupção do tratamento antineoplásico e a manutenção ou melhora do estilo de vida. Em suma, a proposta é que a equipe de enfermagem auxilie no aumento da sobrevida global do paciente oncológico. Por conseguinte, trata-se de um resultado que valoriza as ações de enfermagem, pois podem ter a finalidade de propor medidas profiláticas para dois eventos adversos bem frequentes em pacientes que fazem o uso de agentes citotóxicos de ampla indicação nos diferentes sítios de doença oncológica.

Neste cenário de toxicidade dos medicamentos antineoplásicos com eventos dermatoneurológicos adversos importantes e incapacitantes, o papel do enfermeiro é orientar ações que promovam o autocuidado. As diretrizes de prática clínica da American Society of Clinical Oncology (ASCO) afirmam que não há nenhum agente preventivo a ser recomendado, porém algumas medidas para promover a segurança podem ser adotadas na consulta de enfermagem(²³).

A educação ao paciente sobre sintomas relacionados à NPIC e à SMP deve ser contínua. Estabelecer uma rotina de consultas de enfermagem, a fim de avaliar o surgimento/acompanhamento dos sintomas, a cada ciclo do antineoplásico, além de benéfico ao paciente, auxilia o profissional a ter um controle rigoroso e científico dos sinais e sintomas apresentados, além do manejo de cada um deles(¹⁰). No entanto, atualmente, os instrumentos validados para avaliação da NPIC são, na maioria das vezes, não utilizados no monitoramento clínico de rotina(²⁴). Por causa disso, é necessária uma ferramenta simples, capaz de detectar precocemente os sintomas, para ser utilizada na prática clínica e nas consultas de enfermagem (²⁵), principalmente para aqueles com nível de escolaridade mais baixo, o qual foi observado que a chance desses pacientes relatarem espontaneamente os sintomas de NP é menor(²⁶).

Em relação às atividades educativas desenvolvidas pelo enfermeiro, e definidas no método da presente pesquisa, são orientações simples sobre os cuidados diários e as rotinas do paciente, que colaboram para a percepção do mesmo sobre seu tratamento e manejo dos eventos adversos. Através da consulta de enfermagem, o profissional tem facilidade de acesso às questões referentes ao processo saúde-doença do paciente, identificando possíveis fatores preditivos ao desenvolvimento de eventos dermatoneurológicos adversos. Dessa forma, tais informações aprimoram os achados de Cormican e colega, 2018(²⁷), que salientam os enfermeiros, dentro da equipe multidisciplinar, como responsáveis por manter a continuidade do atendimento, por conhecerem os processos relacionados à doença, os tipos de tratamentos e os possíveis eventos adversos(²⁸), além de serem elo entre o paciente, a família e equipe multidisciplinar, proporcionando, assim, a assistência de qualidade(²⁹).

No presente estudo, a prevalência do sexo masculino, a faixa etária e a presença de alguma comorbidade, corroboram com a pesquisa realizada no Instituto Nacional de Câncer (INCA), a qual descreve que, para o gênero masculino, há uma maior frequência de NP, porém de forma crônica. Em relação à idade, há uma prevalência de acometimento agudo em pacientes abaixo de 60 anos e, dentre as comorbidades, a diabetes está diretamente relacionada ao desenvolvimento e agravamento da NP. Ademais, alguns hábitos de vida, como o uso de álcool, também são preditores de NP aguda em pacientes em uso de oxaliplatina(³⁰). Neste estudo, embora a maioria dos participantes não seja etilista, o desenvolvimento de NP aguda não foi um fator preditor. Porém, sugere-se ao profissional da saúde a observação e coleta dessa informação, uma vez que a NP pode ser intensificada quando associada ao consumo de álcool.

Limitações do estudo

As limitações de nosso estudo estão relacionadas à mudança terapêutica por progressão da doença e à perda de seguimento. Nesse contexto, é importante destacar que são limitações bem frequentes nos estudos oncológicos. O uso de um questionário validado para análise de NPIC que não diferencie neuropatia periférica sensitiva e motora também pode ser considerada uma limitação do presente estudo.

Contribuições para a área da enfermagem

O presente estudo valoriza a assistência de enfermagem ao paciente oncológico pela adoção de ferramentas específicas que estimulam as ações de enfermagem e sua participação nos resultados do tratamento antineoplásico. Na prática clínica da enfermagem oncológica, observa-se que o uso de dessas ferramentas é capaz de direcionar e identificar os sinais e sintomas de NPIC e SMP, contribuindo assim para que esse profissional assista o paciente e evidencie os eventos adversos dermatoneurológicos durante o tratamento com agentes antineoplásicos, fornecendo orientações e propondo intervenções de enfermagem para melhoria contínua da assistência, contribuindo para o desenvolvimento da prática avançada em enfermagem oncológica.

CONCLUSÕES

Em relação aos eventos dermatoneurológicos, a SMP de grau 1 não tem associação com as interferências nas AVD, enquanto a presença de NP afeta negativamente as AVD. Com os ciclos de tratamento realizados pelo paciente, há o aumento da intensidade dos sintomas neuropáticos, os quais intensificam sua associação com as AVD. Ressalta-se a importância da identificação e acompanhamento da NP e SMP em pacientes oncológicos em tratamento e que tais eventos devem ser alvo da atuação do enfermeiro oncológico, uma vez que podem influenciar as AVD desses pacientes e, consequentemente, na resposta terapêutica. Tais resultados contribuem para a prática clínica da enfermagem oncológica, subsidiam o desenvolvimento da prática avançada de enfermagem e evidenciam a necessidade de novos estudos sobre a implementação de ferramentas e estratégias que possam minimizar eventos adversos relacionados à terapêutica da oncologia e que possam valorizar as intervenções de enfermagem.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Mellina Yamamura

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jan 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  20 Maio 2022
• Aceito
  26 Set 2022