Evidências de validade interna de um questionário de conhecimento sobre o uso, abuso e dependência de álcool e questões associadas

RESUMO

Objetivos:

realizar a validação de conteúdo e verificar as qualidades psicométricas da versão adaptada do questionário de conhecimentos frente ao álcool e questões associadas.

Métodos:

estudo do tipo metodológico, em que um comitê de juízes analisou a representatividade, clareza e pertinência dos itens do questionário. Utilizou-se a teoria da resposta ao item para avaliar as qualidades psicométricas do instrumento aplicado em uma amostra de 240 profissionais de saúde.

Resultados:

as questões foram ajustadas conforme avaliação dos juízes, obtendo um Índice de Validade de Conteúdo satisfatório (0,98). Observou-se alta capacidade de discriminação e níveis de dificuldade adequados em 75% das questões de múltipla escolha e em 25% das afirmativas.

Conclusões:

o instrumento apresentou validade de conteúdo com índices satisfatórios. Entretanto, recomenda-se que o questionário adaptado neste estudo seja utilizado em amostras diversas de profissionais de saúde, de outros locais do país, com o intuito de oferecer maior robustez à sua confiabilidade.

Descritores:
Conhecimento; Profissionais de Saúde; Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool; Consumo de Bebidas Alcoólicas; Estudo de Validação

ABSTRACT

Objectives:

to perform content validity and verify the psychometric properties of the adapted version of an alcohol knowledge questionnaire and associated questions.

Methods:

a methodological study, in which a committee of judges analyzed the questionnaire item representativeness, clarity and relevance. Item response theory was used to assess the instrument psychometric properties applied to a sample of 240 health professionals.

Results:

the questions were adjusted according to judges’ assessment, obtaining a satisfactory Content Validity Index (0.98). High discrimination ability and adequate difficulty levels were observed in 75% of multiple-choice questions and in 25% of statements.

Conclusions:

the instrument presented content validity with satisfactory indices. However, it is recommended that the questionnaire adapted in this study be used in different samples of health professionals from other parts of Brazil, in order to provide greater robustness to its reliability.

Descriptors:
Knowledge; Health Personnel; Alcohol-Related Disorders; Alcohol Drinking; Validation Study

RESUMEN

Objetivos:

realizar la validación de contenido y verificar las cualidades psicométricas de la versión adaptada del cuestionario de conocimientos sobre alcohol y preguntas asociadas.

Métodos:

estudio metodológico, en el que un comité de jueces analizó la representatividad, claridad y pertinencia de los ítems del cuestionario. Se utilizó la teoría de respuesta al ítem para evaluar las cualidades psicométricas del instrumento aplicado a una muestra de 240 profesionales de la salud.

Resultados:

las preguntas fueron ajustadas de acuerdo a la evaluación de los jueces, obteniendo un Índice de Validez de Contenido satisfactorio (0,98). Se observó una alta capacidad de discriminación y niveles de dificultad adecuados en el 75% de las preguntas de opción múltiple y en el 25% de las afirmativas.

Conclusiones:

el instrumento presentó validez de contenido con índices satisfactorios. Sin embargo, se recomienda que el cuestionario adaptado en este estudio sea utilizado en diferentes muestras de profesionales de la salud de otras partes del país, con el fin de darle mayor robustez a su confiabilidad.

Descriptores:
Conocimiento; Personal de Salud; Trastornos Relacionados con Alcohol; Consumo de Bebidas Alcohólicas; Estudio de Validación

INTRODUÇÃO

A carência de conhecimento dos profissionais de saúde tem sido apontada como um dos principais impasses relacionados ao rastreamento para o diagnóstico ou encaminhamento de indivíduos que fazem uso problemático de álcool para os serviços especializados no Brasil. Comumente, os trabalhadores de saúde que atuam nesses espaços de cuidado apresentam debilidades no que tange à assistência à pessoa que apresenta efeitos deletérios provocados pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas, assim como as estratégias que facilitam a identificação dos transtornos decorrentes(¹). Iniciativas para enfrentar essa situação vêm sendo desenvolvidas pontualmente, entretanto pouco tem se investido na avaliação formal do conhecimento dos profissionais em relação à temática, inclusive para verificar o impacto das escassas intervenções no conhecimento desses indivíduos(²).

Consistente com esses apontamentos, uma revisão da literatura, que investigou o conhecimento dos profissionais de saúde no manejo à pessoa com transtornos relacionados ao uso abusivo e dependência de álcool e o comprometimento nos aspectos biopsicossocial referente ao uso prejudicial dessa substância(³), constatou que, na prática assistencial dos trabalhadores, existem barreiras e dificuldades em cuidar dessa população, principalmente devido à insuficiência de conhecimento em abordar o problema, realizar a identificação prévia, oferecer intervenções para a mudança de comportamento de beber e encaminhamento para a instituição de saúde no âmbito do álcool e drogas. Ademais, os autores apontaram que a falta de conhecimento específico impede a adesão e o interesse desses profissionais para promover as intervenções face à questão do uso problemático de álcool de maneira adequada.

Estudos que avaliaram o conhecimento e as habilidades na assistência aos indivíduos com transtornos relacionados ao uso abusivo e dependência de álcool corroboram essas constatações, apontando que há dificuldades na identificação dos padrões de uso e na abordagem dessa população(⁴,⁵). Além disso, investigações realizadas com profissionais de saúde(⁶,⁷) indicam que há falta de conhecimento sobre a implementação de intervenções que minimizem os principais impactos na saúde de pessoas que fazem uso problemático de bebidas alcoólicas. Entretanto(⁵), salienta-se que, com treinamento e experiência na área, o profissional apresenta melhores habilidades nesses aspectos.

De maneira geral, a maioria dos estudos que investigaram, principalmente, atitudes frente ao uso abusivo e dependência de álcool e questões associadas(⁸,⁹,¹⁰,¹¹), formação e habilidades dos profissionais no cuidado aos indivíduos com uso problemático dessa substância(⁸,¹⁰), traz como desfecho o conhecimento de profissionais de saúde. Tais estudos evidenciam a importância de capacitação e mensuração do conhecimento durante o processo formativo, com vistas à implementação de estratégias motivacionais para a mudança de comportamento, devido ao uso abusivo de álcool, que podem melhorar a atitude do profissional(¹²,¹³), a qualidade do cuidado prestado e o trabalho interprofissional no cuidado a essa população(³,¹²,¹³).

A medição do conhecimento dos profissionais de saúde sobre os transtornos relacionados ao uso abusivo e dependência de álcool pode ser realizada utilizando métodos qualitativos, tais como observação, grupos focais ou entrevistas individuais. No entanto, essas abordagens requerem habilidades específicas, são demoradas e não podem ser implementadas em grande escala. Em contraste, métodos quantitativos, como a utilização de questionários de pesquisa ou instrumentos padronizados, parecem ser mais apropriados para avaliações em grande escala ou avaliações repetidas.

Em um levantamento que buscou identificar e avaliar as qualidades psicométricas de instrumentos desenvolvidos para avaliar o conhecimento frente às questões relacionadas ao álcool e questões associadas(¹⁴), identificaram-se 21 questionários disponíveis que apresentavam a capacidade de aferir o conhecimento de profissionais de saúde com relação às questões do uso abusivo de álcool, com bons resultados de validade e confiabilidade. Desses instrumentos, 20 encontravam-se na língua inglesa e um no idioma francês, e não foi relatada a existência de instrumento na língua portuguesa. Diante do resultado do estudo anterior(¹⁴), uma nova busca foi realizada nas bases eletrônicas de dados PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde, Scopus, Web of Science, LILACS, CINAHL, Embase, PsycINFO, que confirmou a ausência de instrumentos confiáveis para mensurar o conhecimento sobre as questões relacionadas ao uso abusivo de álcool publicados na língua Portuguesa. Diante dessa lacuna, realizou-se uma busca nas bases de literatura cinzenta, open grey e MedNar, no Google Scholar, bem como em repositórios de dissertações e teses.

Nessa busca, foi encontrada uma tese desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo(¹⁵), que se ocupou de avaliar o impacto de um curso em diagnóstico e tratamento do uso abusivo e dependência do álcool sobre o conhecimento de profissionais da Rede de Atenção Primária à Saúde, propondo, para isso, o “questionário de conhecimentos frente ao álcool, ao alcoolismo e questões associadas”, o qual foi submetido à validação aparente no mesmo estudo por juízes especialistas. Considerou-se que esse instrumento(¹⁵) foi o único encontrado publicado que tenha sido desenvolvido e validado no idioma português brasileiro e, portanto, mais adequado para aplicação no país quando comparado aos questionários identificados em estudo prévio(¹⁴), e que esse não teve suas qualidades psicométricas exploradas. Considera-se oportuno produzir evidências da estrutura interna do instrumento desenvolvido, as quais podem respaldar a utilização do mesmo entre profissionais de enfermagem e saúde brasileiros.

Tendo em vista a grande magnitude da problemática relacionada ao uso abusivo de álcool na saúde da população e a escassez de educação formal dos enfermeiros nessa área, a disposição de um instrumento confiável tem potencial para contribuir tanto para a prática quanto para o ensino e pesquisa nessa área pelos enfermeiros. Assim, a disponibilização de um questionário padronizado e válido para identificar o conhecimento de profissionais de saúde frente ao álcool e questões associadas é desejável, e pode ser de grande importância para avaliar a eficácia de programas de educação continuada na área de álcool e outras drogas, além de identificar os conhecimentos dos profissionais em formação após estratégias de ensino.

OBJETIVOS

Realizar a validação de conteúdo e verificar as qualidades psicométricas da versão adaptada do questionário de conhecimentos frente ao álcool e questões associadas em uma amostra de profissionais de saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo (CEP-EEUSP). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

Desenho do estudo

Estudo do tipo metodológico, realizado conforme as diretrizes apontadas na literatura e conduzido em duas etapas: validação de conteúdo(¹⁶) e avaliação preliminar das qualidades psicométricas do questionário(¹⁷).

Questionário de conhecimento sobre álcool e transtornos relacionados ao seu uso

O questionário de conhecimentos sobre álcool e transtornos relacionados ao seu uso(¹⁵) originalmente é composto por três questões de múltipla escolha e 15 afirmativas para assinalar “verdadeiro” ou “falso”, distribuídas em 5 categorias, a saber: 1) diagnóstico de uso nocivo e dependência(¹⁵); 2) quantidade de uso de baixo risco(¹⁵); 3) diagnóstico das doenças mentais ou complicações comumente associadas ao uso abusivo de álcool (intoxicação aguda, síndrome de abstinência, alucinose alcoólica, deficiências cognitivas e Síndrome de Wernicke-Korsakoff(¹⁵); 4) tratamento farmacológico da dependência e das complicações(¹⁵); e 5) intervenção breve(¹⁵). O questionário original foi utilizado para avaliar mudanças no conhecimento após intervenção educativa entre profissionais de saúde que atuavam na rede de Atenção Primária à Saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos e agentes de saúde)(¹⁵).

A versão utilizada neste estudo foi adaptada com a prévia autorização do autor do questionário(¹⁵), com o intuito de adequar o questionário para uso em profissionais de saúde em geral sem formação específica na temática, mas que podem prestar assistência e cuidados aos indivíduos que fazem uso abusivo de álcool. Na adaptação do instrumento, foram excluídas 7 afirmativas da seção “falso” ou “verdadeiro”, afirmativas 1, 4, 11, 12, 13, 14 e 15, referentes à categoria tratamento farmacológico da dependência e das complicações. Essas afirmativas foram excluídas, uma vez que envolviam em essência aspectos relacionados à prescrição medicamentosa, o que é prerrogativa dos profissionais médicos. Além desses itens excluídos, a opção de resposta da pergunta 1, “Está fazendo uso de 35 UI de bebida alcoólica, quantidade suficiente para fazer diagnóstico de dependência”, também foi excluída, visto que o diagnóstico também é prerrogativa médica.

Visando torná-la mais abrangente do ponto de vista do escopo das profissões no âmbito da saúde, também foi eliminada a 3ª opção de resposta da questão 3, “Trata-se de intoxicação patológica e o tratamento é glicose intravenosa, mas sempre com tiamina para evitar Síndrome de Wernicke-Korsakoff”, por se tratar de um tratamento que requer prescrição médica. As outras três opções de resposta para essa questão foram mantidas, conservando apenas o trecho que faz menção aos tipos de intoxicação (patológica, aguda e crônica). Acrescentou-se uma questão de múltipla escolha que apresenta quatro alternativas como resposta, sendo apenas uma verdadeira (questão 4), relacionada à tolerância, “processo de adaptação do organismo ao uso de uma substância psicoativa”, caracterizada pela diminuição da resposta à administração de determinada dose, o que tipifica que o indivíduo precisa aumentar de modo progressivo o consumo de substâncias psicoativas, a fim de obter o efeito desejado. É considerado um dos sinais presentes no uso abusivo de álcool(¹⁸) e que deve ser considerado pelo profissional na avaliação do padrão de uso (“Quando a pessoa diz que precisa de mais e mais álcool ou outra droga para “ficar alto”, isso pode demonstrar”)(¹⁹). Finalizadas as alterações de adaptação, o questionário resultou em uma configuração de quatro perguntas com apenas uma resposta correta e oito afirmativas para demarcar “verdadeiro” ou “falso”(¹⁹), totalizando 12 itens, distribuídas nas seguintes categorias:

Padrão de uso (diagnóstico de uso nocivo e dependência e quantidade de uso de baixo risco)(¹⁵): o padrão de uso de álcool é definido pela OMS como a relação entre a quantidade de bebidas alcóolicas ingerida e a frequência com que o indivíduo consome álcool. O padrão de uso é classificado em consumo sem riscos à saúde, consumo de risco, uso prejudicial de álcool e pessoas com possível transtorno relacionado ao uso abusivo e dependência de álcool⁽¹⁸⁾. Detecção de complicações: compreende o diagnóstico dos transtornos mentais ou complicações decorrentes do uso abusivo de bebidas alcoólicas, como a intoxicação alcoólica, definida como a alteração das funções cognitivas e do comportamento pelo consumo abusivo de álcool. Dependendo da intensidade do quadro clínico, pode resultar em coma, levando o indivíduo a óbito(¹⁸). Abordagens psicossociais (intervenção breve): dentre as abordagens psicossociais evidenciadas na literatura, destaca-se a intervenção breve (IB), definida como uma estratégia capaz de promover mudanças no comportamento de beber, auxiliando no desenvolvimento de habilidades para a minimização de efeitos deletérios na saúde das pessoas(²⁰,²¹).

Estágios de prontidão para mudança: Prochaska e Diclemente(²²) descreveram quatro estágios motivacionais pelos quais as pessoas precisam percorrer para atingirem a mudança de comportamento de beber como: pré-contemplação, fase na qual o indivíduo ainda não refletiu ou não há interesse sobre a mudança de comportamento; contemplação, fase em que a pessoa pensa na possibilidade de mudar o seu comportamento, porém ainda falta determinação para mudar os hábitos não saudáveis; preparação, fase em que o sujeito admite que os hábitos prejudiciais estão ocasionando implicações negativas e deseja a mudança; ação, fase em que a pessoa realiza a implementação do que planejou, porém ainda não alcançou estabilidade sobre o seu comportamento de risco; e manutenção, fase em que o indivíduo assume um novo comportamento, procurando se manter nesse propósito de prontidão para a mudança. Vale destacar que a pessoa, após passar pelos referidos estágios de mudança, corre ter risco de recaída(²²).

Coleta de dados

Este processo se constituiu em duas fases, processo de validação de conteúdo e avaliação preliminar das qualidades psicométricas do questionário de conhecimento sobre álcool e questões associadas.

Fase 1 - Processo de validação de conteúdo

Trata-se de uma análise criteriosa de instrumentos de avaliação, realizada por um comitê de profissionais com experiência na área de adições em álcool e outras drogas(¹⁶,¹⁷). A validação de conteúdo do questionário de conhecimento sobre álcool e transtornos relacionados ao seu uso foi conduzida por meio de consulta na Plataforma Curriculum Lattes, disponível no portal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para o cumprimento da fase, selecionou-se um comitê de juízes, composto por seis profissionais de saúde oriundos de diferentes regiões do país, com formação acadêmica a nível de doutorado, escolhidos por sua expertise na área de saúde mental, com ênfase sobre os transtornos relacionados ao uso abusivo e dependência de álcool. Os juízes avaliaram o questionário por meio de um instrumento elaborado no software REDCap, entre janeiro e março de 2021. A mensagem enviada continha instruções de preenchimento e pontuação da representatividade, clareza das questões e afirmativas, além de apontar a pertinência de cada item nas quatro categorias do questionário: padrão de uso, detecção de complicações, abordagens psicossociais e estágios de prontidão para mudança. Ao final do instrumento de avaliação, também foi disponibilizado um espaço para que os juízes pudessem fazer observações que julgassem necessárias sobre os itens.

Fase 2 - Avaliação preliminar de propriedades psicométricas

Com vistas a realizar essa análise, foram utilizados dados secundários de um estudo longitudinal, desenvolvido entre 2010 e 2016, que envolveu uma amostra de 1.400 profissionais de saúde(²³). Desses, n=240 (17%) dos participantes responderam ao questionário de conhecimentos (Quadro 1), compondo a amostra deste estudo. Para a garantia de uma amostra heterogênea, os participantes atuavam em diferentes níveis de atenção à saúde, tais como hospitais públicos, Centros de Atenção Psicossocial e Unidades Básicas de Saúde da Zona Oeste do município de São Paulo.

Quadro 1
Itens que sofreram modificações, conforme sugestões realizadas pelo comitê de juízes, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

Item	Antes da avaliação dos juízes	Após avaliação dos juízes
1	Paciente de 50 anos de idade faz uso de bebida alcoólica desde os 20 anos. Usa bebida destilada (uísque) todos os dias: uma dose (50 ml) no almoço e outra (50ml) no jantar. É casado e a sua esposa se irrita frequentemente com a quantidade que bebe. Nos últimos 5 meses vem apresentando sintomas depressivos, como desânimo, perda de apetite e insônia (__) Paciente é dependente porque faz uso de bebida alcoólica a longo tempo e apresenta problemas conjugais devido a isso. (__) Paciente preenche critérios para diagnóstico de uso nocivo. (__) O Diagnóstico é Dependência porque o paciente já apresenta problemas relacionados ao uso do álcool. (__) Não sei.	Paciente de 50 anos de idade faz uso de bebida alcoólica desde os 20 anos. Bebe cerveja todos os dias: duas doses (700 ml) no almoço e outra (350ml) no jantar. É casado e a sua esposa se irrita frequentemente com a quantidade que bebe. Nos últimos 5 meses vem apresentando sintomas depressivos, como desânimo, perda de apetite e insônia (__) Paciente é dependente porque faz uso de bebida alcoólica a longo tempo e apresenta problemas conjugais devido a isso. (__) Paciente preenche critérios para diagnóstico de uso nocivo. (__) O paciente faz uso de baixo risco porque já apresenta problemas relacionados ao uso do álcool. (__) Não sei.
5	Um homem adulto pode beber até no máximo 2 doses de uísque (total de 100 ml) por dia.	Um homem adulto pode beber até no máximo 2 doses de cerveja (total de 700 ml) por dia.
9	A meta do beber seguro (socialmente) deve ser evitada para pacientes que fazem uso nocivo de bebidas alcoólicas	A meta do beber de baixo risco deve ser evitada para pacientes que fazem uso nocivo de bebidas alcoólicas
10	Para pacientes não motivados ao tratamento, o médico deve respeitar a sua opinião e aguardar até que ele se sinta motivado para iniciar o tratamento.	Para pacientes não motivados ao tratamento, o profissional de saúde deve respeitar a sua opinião e aguardar até que ele se sinta motivado para iniciar o tratamento.
11	Pacientes em pré-contemplação consideram a hipótese de parar de beber, mas não conseguem mudar de comportamento em relação à bebida.	Pacientes em pré-contemplação consideram a hipótese de parar de beber, mas ainda não conseguem mudar o comportamento em relação ao uso da bebida
12	Uma vez identificada a dependência do álcool deve-se fazer as primeiras orientações e encaminhar o paciente ao especialista.	Uma vez identificada a dependência do álcool, o profissional de saúde deve fazer as primeiras orientações e encaminhar o paciente ao especialista

• Fonte: Silva, 2005; Soares 2010.

A avaliação das qualidades psicométricas foi realizada utilizando a teoria da resposta ao item (TRI). Essa teoria tem o propósito de avaliar item por item e o comportamento dos indivíduos em relação aos itens, buscando identificar os fatores que podem afetar cada item individual, determinando a probabilidade de acerto ou escolha pelos indivíduos. De acordo com essa teoria, os itens são qualificados conforme os seguintes parâmetros: i) discriminação do item; ii) grau de dificuldade do item(²⁴,²⁵).

A interpretação dos parâmetros da TRI é obtida pela observação da Curva Característica do Item (CCI)(²⁵). Na análise da discriminação, quanto mais a curva se assemelha a um formato de “S”, mais discriminativa é a questão. Os valores podem variar entre 0 (discriminação muito baixa) e 3 (discriminação alta). Para determinar o nível de dificuldade do item, deve-se observar o ponto de intersecção entre o eixo x (habilidade do indivíduo) e o eixo y (probabilidade), para que a ocorrência do acerto seja de 50%, e os valores obtidos devem se comportar entre -3 (itens fáceis) e + 3 (itens difíceis).

Análise dos dados

Os dados da fase 1, originados durante o processo de validação de conteúdo, foram armazenados no software REDCap e, posteriormente, analisados no software R (versão 3.6), para verificação da concordância entre os juízes, utilizando como teste estatístico o Índice de Validade de Conteúdo (IVC). Os dados correspondentes à fase de avaliação preliminar das qualidades psicométricas foram agrupados em banco de dados (SPSS), sendo analisados no programa R (versão 3.6), utilizando o modelo logístico de dois parâmetros, dificuldade das questões e das afirmativas para assinalar “verdadeiro” ou “falso” e capacidade de discriminação.

Para o cálculo do IVC, foi utilizada uma escala Likert, de quatro pontos, para avaliação da clareza e da representatividade, utilizando a seguinte fórmula: IVC = Número de respostas “3” ou “4”

Número total de respostas

A pertinência dos itens foi avaliada qualitativamente. Cada juiz indicou a concordância ou discordância acerca de cada pergunta proposta no questionário, assinalando uma dimensão que considerou adequada para a classificação das questões analisadas.

Características da amostra

Dos 240 profissionais de saúde que preencheram o questionário, 47% (112) eram profissionais de enfermagem (enfermeiro, técnico e auxiliar de enfermagem), 21% (50) eram psicólogos e 32% (78) eram outros profissionais de saúde (médicos, terapeuta ocupacional, assistente social e outros). A média de idade dos respondentes foi de 37,6 anos, sendo mínima de 20 e máxima de 65 anos. 86% (207) eram do sexo feminino e, desses, metade se declarou casada (50%; 119).

RESULTADOS

Validação de conteúdo

Como resultado da validação de conteúdo, os seis juízes realizaram algumas sugestões de mudança, de acordo com a representatividade, clareza e pertinência das questões e das afirmativas (Quadro 1), que foram analisadas detalhadamente pelos autores.

Dentre as observações apontadas pelos juízes, 50% deles indicaram que a questão 1, “Paciente de 50 anos de idade faz uso de bebida alcoólica desde os 20 anos. Usa bebida destilada (uísque) todos os dias: uma dose (50 ml) no almoço e outra (50ml) no jantar. É casado e a sua esposa se irrita frequentemente com a quantidade que bebe. Nos últimos 5 meses vem apresentando sintomas depressivos, como desânimo, perda de apetite e insônia”, precisaria de revisão menor quanto às opções de resposta: “Paciente é dependente porque faz uso de bebida alcoólica a longo tempo e apresenta problemas conjugais devido a isso”, “Paciente preenche critérios para diagnóstico de uso nocivo”, “O diagnóstico é dependência, porque o paciente já apresenta problemas relacionados ao uso do álcool”, devido à similaridade entre as opções de resposta 1 e 3. Todas as sugestões realizadas pelo comitê de juízes e as mudanças efetivadas nos itens do questionário se encontram descritas no Quadro 1.

Embora os juízes não tenham sugerido alterações com relação à questão 2, “Paciente com diagnóstico de dependência do álcool, diminuiu a ingestão há 3 dias e apresenta alucinações auditivas (vozes de homens que chamam pelo seu nome). Não apresenta alterações no nível de consciência”, e suas opções de resposta, “1) O diagnóstico é SAA (Síndrome de Abstinência do Álcool) e o tratamento é internação com benzodiazepínicos e hidratação”, “2) O diagnóstico é Alucinose Alcoólica” e “3) O diagnóstico é Delirium Tremens”, a metade deles (50%) considerou, no campo disponibilizado para observações, que a questão e suas opções de resposta possuíam alto grau de dificuldade para profissionais de saúde sem formação específica na área de saúde mental. Os juízes (33.3%) também sugeriram alterações em todas as questões que incluíssem “uísque” como tipo de bebida, sugerindo substitui-lo por cerveja, por considerarem que essa é a bebida mais consumidas no contexto brasileiro (Quadro 1). Além de descreverem a definição de dose padrão, especificam esse tipo de bebida, justificando que um profissional de saúde sem especialização nessa área pode não ter conhecimento sobre esse conceito. Os demais itens que compõem o questionário foram avaliados por 100% dos juízes como claras, representativas e pertinentes, sem sugestões de ajustes.

Com o intuito de estabelecer uma medida quantificável e confiável da avaliação do comitê de juízes em relação à representatividade, clareza e pertinência dos itens do instrumento, utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que apresentou um IVC total para representatividade de 0,98 e total para clareza de 0,98. Os valores detalhados para cada item estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Resultados do teste estatístico aplicado na validação de conteúdo do questionário de conhecimento sobre álcool e transtornos relacionados ao seu uso, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2017

Item	Clareza		Representatividade
	Média (%)	IVC (%)	Média (%)	IVC (%)
1	94,4	100,0	94,4	100,0
2	83,3	83,3	88,9	83,3
3	100,0	100,0	100,0	100,0
4	94,4	100,0	94,4	100,0
5	100,0	100,0	100,0	100,0
6	100,0	100,0	100,0	100,0
7	100,0	100,0	100,0	100,0
8	100,0	100,0	100,0	100,0
9	100,0	100,0	100,0	100,0
10	94,4	100,0	88,9	100,0
11	100,0	100,0	100,0	100,0
12	83,3	100,0	88,9	100,0

• IVC – Índice de Validade de Conteúdo.

No que se refere à avaliação da pertinência de cada item para cada uma das quatro categorias que compõem o questionário, observou-se que, dos 12 itens, somente a afirmativa 9, para assinalar “verdadeiro” ou “falso”, apresenta divergência entre os juízes com relação à classificação apresentando indicação para três categorias sendo, 33,3% padrão de uso, 16,7% como estágio de prontidão, e 50% em abordagens psicossociais. Os outros itens foram classificados maioritariamente nas seguintes categorias: padrão de consumo (itens 1 e 4 e afirmativas de verdadeiro ou falso 5 e 6), estágio de prontidão (afirmativas 10 e 11); complicações (itens 2 e 3); e abordagens psicossociais (afirmativas 7,8 e 12).

Avaliação preliminar das qualidades psicométricas

Quanto à avaliação preliminar das qualidades psicométricas do questionário sobre conhecimento de profissionais de saúde face ao álcool e Transtornos Relacionados ao seu Uso, os resultados são apresentados conforme as características analisadas pela TRI, quais sejam, distribuição do número de acertos entre os 12 itens. Observando que nenhum participante obteve mais de nove acertos, 66% dos participantes acertaram até seis questões, sendo os itens 1, 2, 5 e 10, os que apresentaram maior dificuldade, evidenciando maiores porcentagens de erro.

Capacidade de discriminação dos itens

A análise da capacidade de discriminação dos itens de múltipla escolha demonstrou ser alta para os itens 1 (1,45), 3 (0,92) e 4 (0,79), e moderada no item 2 (0,19). Nas afirmativas 5 (0,87) e 8 (0,89), observou-se capacidade de discriminação moderada, e nos itens 7 (0,12), 9 (0,25) e 10 (0,08), a análise evidenciou capacidade de discriminação baixa. No que diz respeito às afirmativas 6, 11 e 12, apresentaram coeficientes de discriminação negativos.

Nível de dificuldade dos itens

Com relação ao nível de dificuldade, os itens de múltipla escolha 1 (0,62), 3 (0,46) e 4 (-0,20) apontaram níveis de dificuldade adequados; entretanto, o item 2 (4,17) se apresentou fora do intervalo esperado de [-3; +3], indicando que a probabilidade de acerto varia pouco, dependendo da habilidade do indivíduo. Essa situação também foi observada nas afirmativas para assinalar “verdadeiro” ou “falso” 7 (-10,99), 9 (-6,60), 10 (7,16), 11 (3,13) e 12 (8,71), sendo as afirmativas 5 e 6 as únicas da categoria que apresentaram níveis de dificuldade adequados, (1,86) e (-0,14), respectivamente. A Figura 1 apresenta as curvas características relacionadas ao nível de dificuldade de cada item de múltipla escolha (1 a 4) e de cada afirmativa (5 a 12).

Figura 1
Curvas características do nível de dificuldade itens de múltipla escolha 1 a 4 e curvas características do nível de dificuldade das afirmativas “verdadeiro” ou “falso” 5 a 12, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2017

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo realizar a validação de conteúdo e verificar as qualidades psicométricas da versão adaptada do questionário de conhecimentos frente ao álcool e questões associadas proposto por Silva(¹⁵), para aplicação entre profissionais da saúde. Conforme recomendam os especialistas da área, foram consultados seis juízes. Houve uma variação de concordância nas avaliações realizadas, entre 80% e 100%, quanto à representatividade, clareza e pertinência dos itens, o que é considerado suficiente para a manutenção das questões e afirmativas para assinalar “verdadeiro” ou “falso” para próximas análises, uma vez que valores inferiores a 70% seriam considerados para alteração ou exclusão(¹⁶).

A questão 1 e a afirmativa 5 foram consideradas com nível de dificuldade e discriminação adequados para avaliar o padrão de uso. No entanto, conforme a avaliação dos juízes, as questões e as afirmativas foram readequadas e passaram a ser apresentadas, conforme ilustrado na Figura 1.

Quadro 2 Versão final do questionário de conhecimento sobre álcool e questões associadas, obtida da validação de conteúdo e avaliação preliminar das suas qualidades psicométricas em profissionais de saúde, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2017

Item	Versão final com adequações
1	Paciente de 50 anos de idade faz uso de bebida alcoólica desde os 20 anos. Bebe cerveja todos os dias: duas doses (700 ml) no almoço e outra (350ml) no jantar. É casado e a sua esposa se irrita frequentemente com a quantidade que bebe. Nos últimos 5 meses vem apresentando sintomas depressivos, como desânimo, perda de apetite e insônia (__) Paciente é dependente porque faz uso de bebida alcoólica a longo tempo e apresenta problemas conjugais devido a isso. (__) Paciente preenche critérios para diagnóstico de uso nocivo. (__) O paciente faz uso de baixo risco porque já apresenta problemas relacionados ao uso do álcool. (__) Não sei.
2	Paciente com diagnóstico de dependência do álcool, diminuiu a ingestão há 3 dias e apresenta alucinações auditivas (vozes de homens que chamam pelo seu nome). Não apresenta alterações no nível de consciência. (__) O diagnóstico é SAA (Síndrome de Abstinência do Álcool) e o tratamento é internação com benzodiazepínicos e hidratação. (__) O diagnóstico é Alucinose Alcoólica. (__) O diagnóstico é Delirium Tremens. (__) Não sei.
3	Paciente com diagnóstico de dependência do álcool, deu entrada no pronto socorro com quadro de agitação intensa após ter usado grande quantidade de bebida alcoólica. (__) Trata-se de intoxicação patológica. (__) Trata-se de intoxicação aguda (__) Trata-se de intoxicação crônica. (__) Não sei.
4	Quando a pessoa diz que precisa de mais e mais álcool ou outra droga para “ficar alto” isso pode demonstrar: (__) Tolerância. (__) Intoxicação. (__) Dependência. (__) Uso nocivo e ou prejudicial.
5	( ) Um homem adulto pode beber até no máximo 2 doses de cerveja (total de 700 ml) por dia.
6	( ) A mulher pode beber menos do que o homem, porque possui proporcionalmente, maior quantidade de gordura corporal, o que aumenta a biodisponibilidade do álcool.
7	( ) A Intervenção Breve (IB) é um tipo de tratamento não farmacológico que é eficaz para dependências leves e usuários nocivos.
8	( ) A IB pode ser aplicada em consultas de 10 a 15 minutos por médicos, enfermeiros, psicólogos, e outros profissionais treinados.
9	( ) A meta do beber de baixo risco deve ser evitada para pacientes que fazem uso nocivo de bebidas alcoólicas
10	( ) Para pacientes não motivados ao tratamento, o profissional de saúde deve respeitar a sua opinião e aguardar até que ele se sinta motivado para iniciar o tratamento.
11	( ) Pacientes em pré-contemplação consideram a hipótese de parar de beber, mas ainda não conseguem mudar o comportamento em relação ao uso da bebida
12	( ) Uma vez identificada a dependência do álcool, o profissional de saúde deve fazer as primeiras orientações e encaminhar o paciente ao especialista

Fonte: Silva, 2005; Soares 2010.

Tendo em vista que esta versão foi adaptada com o intuito adequar o questionário para uso, abuso e dependência de álcool em profissionais de saúde em geral, foi substituída a palavra “médico” por “profissionais de saúde” em todas as questões e afirmativas que fazem referência específica a essa categoria profissional, o que também foi sugerido pelo comitê de juízes.

A análise dos juízes quanto à pertinência das afirmativas para as dimensões/categorias definidas previamente mostrou que o item 9, “A meta do beber seguro (socialmente) deve ser evitada para pacientes que fazem uso nocivo de bebidas alcoólicas”, foi classificado maioritariamente por eles nas categorias de abordagens psicossociais. Entretanto, considerando a definição padrão de uso de baixo risco, conforme a OMS(²⁰), os autores concordaram em manter esse item na categoria padrão de uso, mesmo estando diretamente relacionada com as abordagens psicossociais. Além disso, substituiu-se “beber seguro” por “beber de baixo risco”, de acordo com a evidência científica disponível(²⁶).

O conhecimento dos profissionais de saúde sobre os padrões de uso e de técnicas para identificação precoce do uso problemático de substâncias em diversos âmbitos de cuidado à saúde é importante. Estudos internacionais corroboram essa perspectiva, ao apontarem que a promoção e a prevenção da saúde podem melhorar a atitude do profissional(¹²,¹³), a qualidade do cuidado prestado e o trabalho interprofissional nessa área assistencial(³,¹²,¹³). Apesar dos níveis baixos de dificuldade e discriminação para o item 9, “A meta do beber seguro (socialmente) deve ser evitada para pacientes que fazem uso nocivo de bebidas alcoólicas”, optou-se por mantê-lo no questionário, uma vez que seu conteúdo atende aos desafios na sensibilização dos profissionais para a temática de redução de danos como um cuidado, conforme tem sido apontado por alguns autores(²⁷).

A avaliação do conhecimento sobre o álcool e os transtornos relacionados ao seu uso é fundamental, além da identificação de habilidades para a realização do cuidado aos usuários com transtornos relacionados ao uso abusivo e dependência de álcool. Para isso, deve-se analisar a capacidade dos itens utilizados na descriminação de tais habilidades, identificando quais questões/ afirmativas seriam as mais difíceis e quais as mais discriminantes, ou seja, que exigiriam maior nível de conhecimento e quais teriam maior capacidade de discriminar se um participante de fato tem domínio do assunto ou não.

Nesse sentido, a questão 2 foi apontada nas observações realizadas por 50% dos juízes como uma questão com alto grau de dificuldade para profissionais de saúde sem formação específica na área, o que foi corroborado pelas altas porcentagens de erro dos respondentes, por apresentar um índice nulo de discriminação da habilidade. Portanto, sugeriu-se realizar uma avaliação mais aprofundada antes de considerar eliminação ou substituição desta questão, pois trata-se de um item que aborda a importância do conhecimento das sintomatologias psicopatológicas no cuidado dos indivíduos que fazem uso abusivo do álcool(²⁸). As sintomatologias psíquicas e orgânicas podem gerar confusão durante o diagnóstico, principalmente entre os profissionais que não tiveram acesso adequado ou sedimentado ao conhecimento corretamente, para poder realizar a diferenciação e prestar o cuidado adequadamente(²⁹). Por outro lado, a suposição de que o item apresenta alta dificuldade para profissionais generalistas pode se constituir em um item com potencial para estudos que visem comparar os conhecimentos entre amostras de diferentes extratos de profissionais da saúde, por exemplo, profissionais generalistas versus especialistas.

Nas afirmativas 6, 7, 9 e 10, 11 e 12, os níveis observados nos parâmetros de dificuldade e discriminação não apresentaram capacidade de avaliação. Essa dificuldade de discriminação entre os sujeitos pode estar relacionada aos fatores inerentes à própria estrutura da questão. A esse respeito, estudo(³⁰) aponta que a presença de ambiguidade na redação da questão ou mesmo das alternativas de resposta, bem como a complexidade gramatical, podem aumentar o nível de dificuldade. Assim, em testes futuros, pode-se apresentar os itens redigidos de maneira diferente, a fim de que se possa ter evidências sobre essa possibilidade. Por outro lado, tais itens pertencem às categorias abordagens psicossociais e padrão de uso, temáticas que já têm sido evidenciadas na produção científica(⁴) como deficientes na formação dos profissionais de saúde.

É importante considerar que o questionário proposto não abrange todo o conhecimento disponível nessa área. Porém, contempla em suas dimensões o conhecimento geral esperado dos enfermeiros e demais profissionais de saúde que atuam em serviços não especializados. As dimensões contempladas neste questionário são consistentes com o que estabelece a International Nurses Society on Addictions, que preconiza que todo enfermeiro deve possuir habilidades mínimas para rastrear, identificar e desenvolver IB para o uso nocivo de álcool, independente da sua especialidade ou local de trabalho(³¹). Assim, o instrumento proposto tem potencial para acessar a formação desses profissionais para atuação eficiente no enfrentamento desse fenômeno em consonância com as abordagens contemporâneas de compreensão e enfrentamento da problemática.

Limitação do estudo

Não está disponível na literatura um instrumento padrão-ouro para validar os resultados encontrados neste estudo. Além disso, os dados utilizados para a análise são provenientes de observações realizadas em amostra de uma única região, o que pode ter exercido influência nos resultados, impedindo generalizações. Embora originais, os dados analisados foram extraídos de um banco de dados mais amplo resultante de estudo primário concluído em 2016. Entretanto, o objeto do estudo atual não sofreu alteração de alinhamento ao modelo teórico e cultural preconizado pelas diretrizes e guidelines internacionais nos últimos 10 anos(¹⁸,²⁰,²¹,³¹). Ainda assim, com vistas a garantir o alinhamento das variáveis latentes com os referenciais atuais e minimizar possíveis limitações, uma nova validação de conteúdo realizada por pesquisadores e profissionais atuantes na área do questionário foi realizada entre janeiro e março de 2021, permitindo constatar que de acordo com os especialistas o conteúdo do questionário permanecia atualizado e pertinente, portanto, com potencial de produzir evidências confiáveis de validez interna do instrumento proposto para a utilização entre enfermeiros e outros profissionais de saúde.

Contribuições para a área da saúde

A principal contribuição vislumbra fornecer uma ferramenta validada para avaliar o conhecimento em relação ao uso, abuso e dependência de álcool e às questões associadas pertinentes aos serviços de saúde, preenchendo, assim, uma lacuna na literatura nacional, uma vez que essas avaliações geralmente não são realizadas com instrumentos validados(³²), tampouco na língua Portuguesa⁽³³⁾.

O questionário pode ainda ser um instrumento para mensurar parte de conhecimentos dos profissionais de saúde, antes e após intervenções formativas e de educação continuada, caracterizando-se uma ferramenta útil para nortear o desenvolvimento dos conteúdos abordados nas mesmas, a partir das categorias capazes de aferir o conhecimento em um contínuo, que vai desde a detecção do uso problemático do álcool até as abordagens possíveis em qualquer espaço de cuidado, independentemente da categoria profissional.

O oferecimento de um questionário confiável tem potencial ainda de contribuir para a formulação de pesquisas robustas, com a utilização de instrumento, que apresenta capacidade de aferir e identificar as principais lacunas de conhecimento dos profissionais, possibilitando assim, a elaboração de propostas para melhorar a formação em diferentes instâncias de ensino. Por outro lado, a utilização do questionário padronizado poderá funcionar como uma ferramenta para seleção de indivíduos com maior habilidade para o cuidado a essa população em processos seletivos. O nível de conhecimento do profissional está diretamente associado às atitudes mais positivas relativas aos indivíduos com transtornos relacionados ao uso abusivo e dependência de álcool e que tais atitudes são consideradas precursoras do cuidado de qualidade a essa população.

CONCLUSÕES

A versão adaptada do questionário de conhecimento sobre o uso, abuso e dependência de álcool e transtornos relacionados ao seu uso apresentou evidências preliminares de validade satisfatórias para um instrumento em desenvolvimento, o que possibilita novas perspectivas a partir do aprimoramento e utilização desse questionário na avaliação de programas de educação continuada na área de álcool e outras drogas, além de identificar os conhecimentos dos profissionais em formação em situações de pré- e pós-estratégias de ensino. Sugere-se que investigações adicionais sejam desenvolvidas, no sentido de aprimorar esse instrumento de avaliação, com o intuito de disponibilizar uma ferramenta com propriedades de avaliação robustas e propícias para ser aplicado entre os profissionais de saúde nos diferentes níveis de atenção. Recomenda-se que o questionário adaptado neste estudo seja utilizado em amostras diversas de profissionais de saúde de outros locais do país, com o intuito de oferecer maior robustez à sua confiabilidade.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa

EDITOR ASSOCIADO: Mitzy Danski

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Fev 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  08 Jul 2021
• Aceito
  21 Ago 2022