Ensino de empreendedorismo na graduação de Enfermagem: avaliação de proposta educacional

RESUMO

Objetivo:

Avaliar proposta de ensino de empreendedorismo em curso de graduação em Enfermagem que utiliza metodologias ativas e atividades fundamentadas na Teoria de Aprendizagem Significativa.

Métodos:

Estudo intervencional, prospectivo, com perspectiva quantitativa, com 102 estudantes participantes, realizado de julho de 2017 a dezembro de 2019, em universidade pública do Estado de São Paulo. Análise estatística realizada por testes não paramétricos Qui-quadrado ou Exato de Fisher, com diferenças consideradas estatisticamente significativas se p < 0,05.

Resultados:

Observou-se melhoria em quase todos os itens avaliados, revelando que a aprendizagem significativa tornou-se mais eficaz com utilização de metodologias ativas de ensino; a maioria dos alunos necessita de adaptação e esforço a ser empreendido nesses métodos.

Conclusões.

A proposta oferece adaptação pedagógica de conteúdos específica para estudantes de Enfermagem. Novas pesquisas devem ampliar técnicas de ensino-aprendizagem para desenvolvimento dos futuros enfermeiros, preparando-os adequadamente para o mercado de trabalho.

Descritores:
Educação em Enfermagem; Aprendizagem; Contrato de Risco; Estudantes de Enfermagem; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To evaluate a proposal for teaching entrepreneurship in an undergraduate Nursing course that uses active methodologies and activities based on the theory of meaningful learning.

Methods:

Interventional, prospective study, with a quantitative perspective, with a total of 102 participating students, carried out from July 2017 to December 2019 at a public university in the state of Sao Paulo. Statistical analysis were performed by non-parametric Chi-square or Fisher’s exact tests, with differences considered statistically significant if p < 0.05.

Results:

Improvements were observed in almost all items evaluated, revealing that meaningful learning became more effective with the use of active teaching methodologies. Most students need adaptation and effort to be put into these methods.

Conclusions:

The proposal offers pedagogical content adaptation, specifically for nursing students. New research should expand teaching-learning techniques for the development of future nurses, preparing them adequately for the job market.

Descriptors:
Education, Nursing; Learning; Entrepreneurship; Students, Nursing; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar una propuesta de enseñanza sobre emprendimiento en cursos de graduación de Enfermería con metodologías activas y actividades basadas en la Teoría del Aprendizaje Significative

Métodos:

Es un estudio de intervención, prospectivo, cuantitativo, con 102 estudiantes participantes realizado entre julio de 2017 y diciembre de 2019, en una universidad pública del Estado de São Paulo, mediante análisis estadístico con testes no paramétricos Xi-cuadrado o Exacto de Fisher, con diferencias consideradas estadísticamente significativas si p < 0,05.

Resultados:

Hubo una mejora en casi todos los items evaluados, demostrando que el aprendizaje significativo es más efectivo con el uso de metodologías activas; la mayoría de los estudiantes necesita adaptarse y esforzarse en estos métodos.

Conclusiones:

La propuesta ofrece una adaptación pedagógica específica de contenidos para estudiantes de Enfermería. Las investigaciones futuras deberían ampliar las técnicas de enseñanza-aprendizaje para el desarrollo de futuros enfermeras, preparándolos adecuadamente para el mercado laboral.

Descriptores:
Educación en Enfermeira; Aprendizaje; Contrato de Riesgo; Estudiantes de Enfermería; Enfermería

INTRODUÇÃO

O estudo sobre empreendedorismo vem avançando no sentido de superar o conceito baseado na criação de novos negócios e exploração de novas oportunidades empresariais, cabendo ainda ao empreendedor a responsabilidade pelas transformações nos ambientes organizacional e social, possibilitando o progresso de novas tecnologias, novos procedimentos gerenciais, novas ações sociais e educacionais(¹).

Dadas essas novas atribuições e a importância do tema, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) recomenda o empoderamento dos jovens como agentes econômicos, sociais e políticos, por meio de políticas que podem favorecer suas competências e promover o seu empreendedorismo. Para isso, são necessários o fortalecimento do sistema educativo, a promoção da formação e capacitação contínuas, além da inserção no ensino da capacitação no emprego, a fim de preparar os jovens para o mundo do trabalho, criando-se programas de competências que respondam melhor às necessidades do mercado(¹). Nesse mesmo sentido, leis e diretrizes curriculares brasileiras já estabelecem competências pertinentes para as quais os profissionais enfermeiros devem estar aptos a serem gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde(²).

No entanto, baixos níveis na tendência empreendedora são observados entre os futuros profissionais de Enfermagem(³), incluindo aqueles do mesmo campo de conhecimento – saúde(⁴). Esse cenário é explicado por muitas barreiras, como o modelo de cuidado hospitalar, a cultura médico-centrada(⁵), questões legais e regulatórias(⁶), além daquelas relacionadas aos valores éticos e culturais(⁵, ⁷). Pesquisa recente aponta, no entanto, que a maior barreira percebida pelos estudantes é a ausência da educação empreendedora na graduação em Enfermagem(³). Além disso, o ambiente institucional e suas próprias estruturas impediriam o talento empresarial em disciplinas menos tradicionalmente empreendedoras, como a Enfermagem(⁸), não respondendo plenamente às necessidades futuras da profissão quanto à expansão do mercado de trabalho.

Estudo realizado na América Latina e no Caribe revelou, pela análise dos currículos, a heterogeneidade na educação em Enfermagem e o foco na atenção à saúde em nível hospitalar(⁹). No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Enfermagem abordam competências para a administração e o gerenciamento, incluindo aptidão dos profissionais para serem empreendedores(²). No entanto, mesmo com princípios atrelados ao sistema público de saúde, a proposta divide espaço com as tendências de formação orientadas pelo mercado e pela competição(¹⁰). Ainda assim, pouco se sabe sobre a real inclusão do empreendedorismo na grade curricular nos cursos oferecidos.

Nesse sentido, a inclusão do empreendedorismo no ensino de graduação de Enfermagem é apontada como essencial no desenvolvimento dos futuros profissionais, permitindo refletir sobre atitudes criativas e inovadoras, com autonomia e determinação, para a excelência do cuidado de enfermagem e saúde(¹¹, ¹²).

Por muito tempo, foram consideradas teorias sobre a necessidade de se ter uma personalidade empreendedora para empreender. Hoje, no entanto, pesquisas em neurociência afirmam que, mesmo na inexistência de predisposição biológica, esta pode ser modificada pelas experiências vivenciadas, já que o cérebro seria capaz de se adaptar ao ambiente(¹³). Assim, o desenvolvimento do perfil empreendedor na graduação torna-se possível, principalmente se realizado de forma transversal, com a adequada estrutura e a utilização de métodos e projetos pedagógicos apropriados aos estudantes(¹², ¹⁴). Além disso, a participação em atividades educacionais de empreendedorismo, os conhecimentos empresariais adquiridos e o próprio ambiente institucional contribuiriam positivamente nas intenções empreendedoras de alunos(¹⁵).

Uma revisão de literatura recente apontou que metodologias ativas de aprendizagem são capazes de colocar os estudantes no cerne do processo de aprendizagem, favorecendo o pensamento crítico e a habilidade de tomar decisões, características essas essenciais a enfermeiros e empreendedores. Abordando a utilização de estratégias variadas como simulação, aprendizagem baseada em problemas e classe invertida, entre outros, o estudo aponta ainda seu emprego em currículos integrados ou disciplinas específicas. Além de promover a integração da teoria e prática, as atividades realizadas em grupos poderiam contribuir para a formação do enfermeiro, preparando-o para o trabalho em equipe, qualidade inerente a qualquer bom gestor(¹⁶).

Apesar da importância e das características inerentes à profissão, observa-se a escassez de relatos acerca de métodos e conteúdos de ensino de empreendedorismo que sejam próprios para a graduação de Enfermagem. Considerando que o uso das metodologias ativas de aprendizagem na formação do enfermeiro vem sendo adotado no mundo todo(¹⁶), relatos e experiências de propostas educacionais para o ensino de empreendedorismo com tais adaptações pedagógicas podem incentivar a utilização dessas abordagens nos cursos de graduação, justificando o presente estudo.

OBJETIVO

Avaliar uma proposta de ensino de empreendedorismo em curso de graduação de Enfermagem que utiliza metodologias ativas e atividades fundamentadas na Teoria de Aprendizagem Significativa.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP, de acordo com a Resolução Nº 510/2016 e 466/2012 – CNS. Todos os participantes do estudo leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo preservado o anonimato dos participantes.

Desenho, período e local de estudo

Trata-se de um estudo intervencional, prospectivo, com adoção de perspectiva quantitativa, com caráter empírico analítico, norteado pela ferramenta STROBE, realizado no curso de graduação em Enfermagem de uma universidade pública do estado de São Paulo, no período de julho de 2017 a dezembro de 2019.

População; critérios de inclusão e exclusão

Os estudantes do segundo e terceiro anos compuseram a população do estudo, compreendendo homens e mulheres que aceitaram participar da pesquisa de forma voluntária.

Protocolo de estudo

As etapas desenvolvidas do estudo foram iniciadas com a identificação do processo ensino-aprendizagem de empreendedorismo e com a seleção de estratégias pedagógicas diferenciadas, levando-se em consideração a revisão da literatura, das pesquisas desenvolvidas no tema, do reconhecimento do campo, das estruturas organizacional e física da universidade, assim como dos documentos curriculares como Projeto Pedagógico do Curso e da ementa curricular das disciplinas de Introdução à Administração em Enfermagem e de Administração em Enfermagem.

O referencial teórico utilizado foi a Teoria da Aprendizagem Significativa, proposta pelo psicólogo David Ausubel. Essa teoria considera que, para o processo de ensino, é preciso fazer algum sentido para o aprendiz, sendo que nesse processo a informação deverá interagir e basear-se nos conceitos relevantes preexistentes na estrutura do aluno, isto é, no conjunto de conhecimentos que ele traz consigo(¹⁷).

Para a avaliação, o instrumento de coleta de dados foi desenvolvido pelas pesquisadoras e consta de três partes: a) dados sociodemográficos; b) avaliação do conteúdo de empreendedorismo ministrado ao aluno, possibilitando a manifestação de críticas e sugestões para o aperfeiçoamento do ensino, além da autoavaliação da participação dos alunos nas aulas; c) planilha a ser preenchida com a citação do máximo de possibilidades de áreas de atuação em relação ao mercado de trabalho do enfermeiro.

Os alunos foram convidados, ao final da última aula do respectivo semestre, explicitando-se a participação voluntária no estudo. Após o preenchimento dos formulários, que levou cerca de 20 minutos, os formulários foram recolhidos.

Análise dos dados e estatística

Os dados coletados foram tabulados e organizados em banco de dados, em programa Microsoft® Excel, para o cálculo da distribuição da frequência simples e relativa das variáveis. Para avaliar o impacto das alterações do método de ensino, os segundos e terceiros anos do curso do ano de 2019 foram comparados com os segundos e terceiros anos do ano de 2018 por meio dos testes não paramétricos Qui-quadrado ou Exato de Fisher. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas se p < 0,05. Análises feitas com o software SPSS 21.

RESULTADOS

Na instituição estudada, o conteúdo de empreendedorismo vem sendo inserido na graduação de Enfermagem desde 2017, nas disciplinas de Introdução à Administração em Enfermagem e de Administração em Enfermagem, respectivamente nos segundo e terceiros anos. As aulas, inicialmente distribuídas em dois módulos de quatro horas cada, tiveram por objetivo introduzir noções básicas de empreendedorismo, proporcionar a reflexão sobre perfil do enfermeiro empreendedor e despertar o futuro enfermeiro para mercados de trabalho diversificados.

Com cerca de 30 alunos matriculados em cada turma, as aulas foram realizadas presencialmente em salas com cadeiras universitárias, projetor multimídia, lousa branca e acesso wi-fi gratuito à internet. As atividades práticas, como entrevistas, foram desenvolvidas a distância pelos alunos e apresentadas em formato de grupos de discussão.

O desenvolvimento da proposta ocorreu de forma gradativa, observando-se as melhores alternativas e adequando-se o conteúdo a essa população (estudantes de Enfermagem, principalmente mulheres), num processo contínuo e permanente. Tal fato leva à prerrogativa de que o estudante continua em construção e deve ser frequentemente avaliado. Aulas expositivas foram sendo substituídas por diálogos e discussões reflexivas, além de atividades fundamentadas em métodos ativos. Seguem algumas das atividades realizadas, cujos resultados foram mais significativos:

1. Reflexões filosóficas sobre os papéis sociais de emprego e empresa, partindo de imagens relacionadas às necessidades humanas, ao sujeito feminino e outras relacionadas ao desejo de cuidar e a satisfação no trabalho, incentivando a participação dos alunos na busca por correlações entre o desejo de conseguir estabelecer um objetivo social além do contrato de trabalho. Assim, proporcionando-se ambiente amplo de discussão entre os participantes e evitando-se a censura de pensamentos diferentes daqueles normalmente relacionados aos cuidados, ao apelo social e ao voluntariado, a visão da enfermagem pode ser ampliada como profissão, ultrapassando conflitos, nos quais é possível obter sustento (salário e lucro) bem como satisfação pessoal (prazer). Nessa atividade, foram consideradas as barreiras encontradas junto às turmas que, em sua maioria, apresentam resistência em dialogar sobre lucros e recursos financeiros. De acordo com alguns autores, isso ocorre devido à presença de conflitos éticos, frequentemente reforçados nas instituições de ensino, já que os serviços de enfermagem estariam mais relacionados ao voluntariado que ao lucro, uma visão distorcida da enfermagem como profissão(⁵).

2. Reflexões acerca do atual mercado de trabalho, fundamentadas em novos paradigmas acerca de gestão pública e terceirização de serviços públicos, além do aumento da concorrência por emprego público. Além das novas dinâmicas sociais, globalização e tecnologias como possibilidades a serem exploradas pelos futuros enfermeiros, são discutidas e explicadas noções de administração pública, responsabilidade fiscal, terceirização e contratos de gestão através de Organizações Sociais de Saúde (OSS), as quais alteram as relações trabalhistas do enfermeiro. São prestados esclarecimentos de dúvidas dos alunos sobre o futuro da carreira, haja vista as pretensões encontradas junto a eles que almejam o concurso público e o serviço hospitalar como único futuro possível ao término de sua formação(³), além do frequente reforço nas instituições por exigência legal(¹⁸); o trabalho em instituições públicas também estaria relacionado ao desejo de segurança de emprego, devido à instabilidade financeira dos países(¹⁹).

3. Aplicação de autoavaliação dos alunos de predomínio do uso de capacidades relacionadas aos hemisférios direito e esquerdo do cérebro utilizando o teste proposto por Marquis & Huston(²⁰). Discussões são realizadas ao final do teste, com a participação ativa dos estudantes voltadas à melhor compreensão das diferenças entre perfis pessoais e possíveis implicações sobre o trabalho em equipe, que podem ser úteis nos processos organizacionais, como a comunicação, tomada de decisão e solução de problemas(²⁰).

4. Aula dialogada sobre conceitos de empreendedorismo na enfermagem, fundamentando-se ainda nas características do enfermeiro, que são as mesmas do empreendedor, isto é, ultrapassa a noção de responsáveis por abertura de novos negócios, mas serpenteia pelo intraempreendedorismo, empreendedorismo social ou ainda o empreendedorismo acadêmico, sendo apresentados dados de pesquisas atuais(³, ⁴, ¹², ¹⁹).

5. A discussão sobre perfil empreendedor é realizada a partir da apresentação de parte do filme “Central do Brasil”, de Walter Salles(²¹), no qual as personagens principais são levadas a pensar em estratégias para sobrevivência e criam um serviço à comunidade local. Nessa atividade, os alunos são convidados a interagirem sugerindo outros filmes e comentando sobre características de perfil empreendedor, a buscarem soluções e o aproveitamento de oportunidades, reforçando suas capacidades de observação e conhecimento prévio.

6. Consulta de dados disponibilizados na internet de atividade/ empresa/negócio gerida por enfermeiro(a), com o propósito de reflexão sobre a variedade de áreas de atuação. Realizada pelos próprios alunos durante a aula, as descobertas trazem riqueza à discussão. A atividade busca ampliar a visão de mercado de trabalho dos futuros enfermeiros, bem como superar barreiras como o modelo médico centrado e de cuidado hospitalar que direcionam os alunos ao serviço hospitalar como único futuro possível ao término de sua formação(⁵, ¹⁹).

7. Elaborada a partir da pesquisa realizada entre estudantes que revelou a necessidade do ensino de noções de empreendedorismo(³) e confirmada pela falta de conhecimento de noções básicas sobre os temas pelos próprios alunos, a aula dialogada sobre formação de empresas aborda conhecimentos básicos, como tipos de empresas e sistemas brasileiros de cadastro, bem como o planejamento e a coordenação necessária para o sucesso de negócios, reduzindo-se riscos inerentes ao empreendedorismo; as informações discutidas fundamentam a atividade 8.

8. A entrevista com um(a) enfermeiro(a) empreendedor(a) de negócios, escolhido pelo próprio aluno, amplia os conceitos abordados em aula, possibilita o entendimento da importância de um plano de negócios e o contato com outras possibilidades de mercado de trabalho além do âmbito hospitalar e das unidades de saúde básica, direcionando ainda suas perguntas para compreender as experiências do entrevistado, sejam elas positivas, sejam elas negativas. Foi elaborada a partir da solicitação dos próprios alunos, durante discussão sobre as barreiras do empreendedorismo na enfermagem, sendo relatada a falta de contato dos estudantes com profissionais empreendedores durante sua formação(¹⁹).

9. As aulas são intercaladas por dinâmicas e jogos grupais, além de desafios individuais, sempre voltadas ao desenvolvimento da criatividade. Além do caráter lúdico, essas atividades foram inseridas a partir dos estudos realizados entre os estudantes de Enfermagem que revelaram a baixa tendência à criatividade, item que compõe a Tendência Empreendedora Global, corroborado por pesquisas nacionais e internacionais(¹²).

10. A avaliação das aulas de empreendedorismo é realizada pelo aluno, possibilitando a manifestação de críticas e sugestões para o aperfeiçoamento do ensino, além da autoavaliação da participação deles nas aulas. A atividade teve por objetivos principais avaliar se as metodologias estavam apropriadas aos objetivos educacionais propostos e observar se os alunos passaram a incluir a possibilidade de empreender como futuro mercado de trabalho. Participaram da avaliação 102 estudantes, com maioria composta por mulheres (90%) e idade até 21 anos (69%).

Pela Figura 1, é possível constatar que a maioria dos alunos do segundo ano não possuía conhecimento prévio sobre o tema, considerava o conteúdo aplicável em sua vida profissional, teve suas expectativas atingidas e gostaria de que o assunto fosse abordado novamente no decorrer do curso. Os itens relacionados às docentes, aos métodos, aos recursos didáticos e à clareza de abordagem foram bem avaliados pelos estudantes de modo geral. No entanto, verificou-se indicador com menor grau de satisfação aquele em relação à carga horária e ao cansaço nas aulas. Foram observados indicadores reduzidos no terceiro ano de 2018 em quase todos os quesitos e o aumento dos valores consideravelmente no ano seguinte (2019-3. ano).

Figura 1
Distribuição das variáveis avaliadas pelos alunos com relação às aulas, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2018/2019

Figura 2
Distribuição das variáveis da autoavaliação dos alunos, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2018/2019

No desempenho dos alunos, observaram-se problemas com a leitura de bibliografia e ausência nas aulas. Além disso, parte dos alunos reconhece a falta de interesse pelo tema e sua não participação ativa nas atividades e discussões em sala. No entanto, após alterações nos métodos, foi constatado o aumento acentuado nesses dois indicadores na turma 2019-3, em relação à turma 2018-3.

Com relação às possibilidades de mercado de trabalho citadas pelos alunos, verificou-se que há consenso em relação aos cuidados domiciliares pelo uso do termo homecare, em todas as turmas, conforme Figura 3. Novos campos surgiram em 2019, com citação de atividades de prática individual relacionadas às terapias florais e aromaterapia, acupuntura, desenvolvimento de produtos e de sistemas tecnológicos, doulas, estética, curativos, oferecimento de cursos ou ainda ao cuidado com idosos, com abertura de instituições de longa permanência de idosos (ILPI’s).

Figura 3
Distribuição das palavras relacionadas ao empreendedorismo citadas pelos alunos, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2018/2019

A análise demonstrada na Tabela 1 revela que, com a amostra se mantendo com as mesmas características demográficas, houve diferenças estatisticamente significativas positivas com a adoção de novos métodos e melhoria em quase todos os itens avaliados.

Tabela 1
Comparação do impacto dos métodos pela avaliação dos estudantes, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2018/2019 (N=102)

	Segundo ano							Terceiro ano
	2018 - 2º ano			2019 - 2º ano			Valor de p	2018 - 3º ano			2019 - 3º ano			Valor de p
	Total	n	%	Total	n	%		Total	n	%	Total	n	%
Aspectos demográficos
Sexo masculino	27	3	11,1	26	3	11,5	1.000	28	2	7,1	21	2	9,5	1.000
Idade
16 a 19 anos		7	25,9		10	38,5			0	0,0		0	0,0
20 a 25 anos		17	63,0		16	61,5	0,170		27	96,4		19	90,5	0,569
> 25 anos		3	11,1		0	0,0			1	3,6		2	9,5
Questões avaliadas – aulas
Q1	27	10	37,0	26	11	42,3	0,695	28	20	71,4	21	15	71,4	1,000
Q2	27	26	96,3	26	26	100,0	1,000	28	27	96,4	21	20	95,2	1,000
Q3	27	25	92,6	25	22	88,0	0,662	28	12	42,9	21	20	95,2	< 0,001
Q4	27	27	100,0	26	25	96,2	0,491	28	15	53,6	21	21	100,0	< 0,001
Q5	27	25	92,6	25	24	96,0	1,000	28	17	60,7	21	21	100,0	0,001
Q6	27	27	100,0	26	25	96,2	0,491	28	16	57,1	21	21	100,0	< 0,001
Q7	27	11	40,7	26	16	61,5	0,173	28	26	92,9	20	7	35,0	< 0,001
Q8	27	22	81,5	26	14	53,8	0,042	28	20	71,4	21	17	81,0	0,517
Q9	27	27	100,0	26	26	100,0	1,000	28	28	100,0	21	21	100,0	1,000
Q10	27	26	96,3	26	23	88,5	0,351	27	23	85,2	21	21	100,0	0,121
Q11	27	20	74,1	25	15	60,0	0,280	28	19	67,9	21	18	85,7	0,192
Q12	27	21	77,8	26	18	69,2	0,544	28	19	67,9	21	17	81,0	0,348
Q13	27	1	3,7	26	4	15,4	0,192	28	10	35,7	21	3	14,3	0,114
Q14	27	14	51,9	26	7	26,9	0,064	28	6	21,4	21	7	33,3	0,350
Q15	27	24	88,9	26	24	92,3	1,000	27	19	70,4	21	20	95,2	0,058
IND_EMP	27	12	44,4	26	3	11,5	0,014	28	6	21,4	21	10	47,6	0,070
IND_HOME	27	15	55,6	26	18	69,2	0,398	28	10	35,7	21	13	61,9	0,088
IND_IDOSOS	27	8	29,6	26	5	19,2	0,379	28	15	53,6	21	11	52,4	0,934
IND_OUTROS	27	6	22,2	26	7	26,9	0,691	27	1	3,7	21	11	52,4	< 0,001

Considerando as avaliações, as sugestões e críticas, além da busca incessante por propostas educacionais que correspondessem adequadamente às necessidades dos alunos, ao final do período estudado, foi possível esquematizar as estratégias e os conteúdos abordados, conforme demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1
Esquema do conteúdo das aulas ao final do período estudado, Botucatu, São Paulo, Brasil, 2018/2019

Módulo 1 (introdução – 12h/a)

Módulo 2 (aprofundamento - 12h/a)

Apresentação e discussão filosófica sobre papéis sociais (contrato de trabalho + contrato social) Conceitos de empreendedorismo Contextualização da profissão de enfermagem nos novos modelos de gestão do Estado Apresentação de pesquisas sobre a baixa TEG nos estudantes de Enfermagem na região; Comparativo entre profissões da saúde, ILPI’s Atividades intercaladas de dinâmica de grupo (abertura a novos desafios, criatividade, diferenças pessoais, etc.) Apresentação do filme “Central do Brasil” e discussão; Consulta na internet de atividade/ empresa/ negócio gerida por enfermeiro(a) e apresentação pelos grupos Entrevista de empreendedor e apresentação em grupos – perfil empreendedor Leitura de artigo (revisão integrativa sobre empreendedorismo na enfermagem) e discussão em grupo Avaliação das aulas e autoavaliação

Revisão de conceitos de empreendedorismo Síndrome de Burnout e possibilidades de carreira de enfermagem Tipos de empresas, cadastros de empresas Introdução ao plano de negócios: análise de ambiente; nichos de negócio; planejamento financeiro, estrutura, etc. Economia da longevidade (temas sobre envelhecimento populacional e ILPI’s) Atividades intercaladas de dinâmica de grupo (abertura a novos desafios, criatividade, diferenças pessoais, concentração, etc.). Busca de alternativas às barreiras ao empreendedorismo (com base em artigos referenciados) – discussão e apresentação em grupo Entrevista de enfermeiro empreendedor e apresentação à sala – apresentação em grupo. Avaliação das aulas e autoavaliação

DISCUSSÃO

Nossa experiência apresentou uma proposta educacional para o ensino de empreendedorismo, oferecendo adaptação pedagógica de conteúdos e atividades específicas aos estudantes de Enfermagem, população que enfrenta frequentemente barreiras estruturais, governamentais e principalmente culturais e éticas para empreender. A avaliação demonstrou que a aprendizagem significativa torna-se mais eficaz com a utilização de metodologias ativas de ensino; no entanto, a maioria dos alunos necessita de adaptação e esforço que deve ser empreendido nesses métodos. Além disso, todo o processo de ensino-aprendizagem deve ser acompanhado de avaliação permanente, sendo um processo de melhoria constante.

A dificuldade de sensibilização de que a administração e o empreendedorismo são tão fundamentais para o exercício profissional quanto aos procedimentos clínicos revela a importância de se abordar o tema na graduação de Enfermagem, o quanto antes possível(¹⁹). Além disso, para os estudantes de Enfermagem, observa-se a necessidade de busca de métodos próprios, diferentes do ensino tradicional(¹⁷). Nesse sentido, obteve-se maior adesão à disciplina quando precedida de discussão filosófica, buscando-se minimizar os conflitos éticos envolvidos numa profissão assistencial. Há a necessidade de esclarecer que ao empreender não é preciso afastar-se do cuidado, mas reforçar o exercício dessas atividades como profissão e, como tal, ter o direito de receber adequadamente por elas. A atividade proposta ultrapassa as dualidades ao refletir as dimensões da categoria trabalho discutidas por Karl Marx e nos avanços propostos por Hannah Arendt, para a melhor compreensão do labor como subsistência, bem como resultado de ações que objetivam ultrapassar a existência terrena do indivíduo(²²).

Mesmo que parte dos alunos reconheça a falta de interesse pelo tema, observou-se um aumento acentuado na participação ativa nas atividades e discussões em sala quando foram inseridos dados atualizados sobre o empreendedorismo na enfermagem, atividades adaptadas e o contato com profissionais de enfermagem empreendedores, trazendo significado ao aprendizado(¹⁷).

Exemplo claro foi observado no terceiro ano de 2018 durante a atividade de plano de negócios, que, apesar de ser considerada comum em cursos como administração e afins, não se revelou eficaz para esse público (alunos de Enfermagem), devido à sua complexidade e ao distanciamento ainda presente do tema na vida dos alunos. No entanto, ao substituir a atividade no ano seguinte pelo contato direto com enfermeiros empreendedores, por meio de entrevistas e visitas às respectivas empresas, abordando inclusive os planos de negócios empregados, o aprendizado ocorreu de forma mais efetiva, além de prazerosa, conforme relatado pelos próprios alunos.

Nesse sentido, a entrevista, como método ativo de aprendizagem, trouxe significado às experiências propostas. Para a escolha dos entrevistados, os estudantes levam em consideração as relações sociais, isto, é indicação ou pessoas de mérito reconhecido por elas, a admiração por áreas escolhidas pelo empreendedor ou ainda níveis de parentesco para contatar os profissionais a serem entrevistados. Além disso, ao compartilhar os conhecimentos decorrentes das entrevistas a enfermeiros de áreas pouco reconhecidas no curso de Enfermagem, percebe-se um aumento de novas possibilidades de mercado de trabalho individual, não mencionadas anteriormente.

Buscou-se a aplicação de metodologias ativas, baseada na construção do conhecimento coletivo, no qual o aluno é agente de seu próprio aprendizado, através de pesquisas, reflexão de práticas diárias, leitura de artigos, entrevistas, trabalhos em grupo, entre outros. O estudante passa a ser responsável pelo seu próprio desenvolvimento, além de atuar no aprendizado dos colegas, devendo explorar novas abordagens e conteúdos, ou ainda com novos olhares às situações cotidianas, visando compreender, vivenciar e atingir novos significados para seu pleno desenvolvimento(¹⁷). O professor passa a representar o papel de facilitador, permitindo e propiciando o desenvolvimento pelo próprio aluno, conduzindo-o, contextualizando e interagindo no processo educacional(¹⁷).

A variedade de áreas de atuação, constatadas pelas pesquisas na internet, entrevistas e demais atividades trouxe riqueza às discussões, já que as atitudes empreendedoras não se restringem à abertura de negócio, possibilitando aos alunos reconhecer o empreendedorismo em sua forma mais ampla e a reflexão sobre a possibilidade de aplicá-lo no cotidiano. Além disso, a necessidade de conhecimento gerencial que permite o desenvolvimento dos negócios reforçou os temas inerentes aos conteúdos de administração na enfermagem.

Entretanto, muitos alunos ainda são acostumados aos métodos tradicionais, centrados no professor, representando certa resistência na realização de atividades mais ativas e gerando certo desgaste do docente na tentativa de estimulá-los ao autodesenvolvimento e à responsabilidade por seu próprio aprendizado(¹⁷). Nossos resultados corroboram outra pesquisa entre alunos de Enfermagem, que expressam dificuldades em adaptar-se às programações que exigem posicionamentos proativos para sua efetiva aprendizagem(²³). Por outro lado, a partir de respostas relacionadas às “aulas cansativas”, providenciou-se a inserção de momentos lúdicos entre as atividades, minimizando os efeitos dessas situações.

Apesar de demandarem habilidades de autogestão e comportamento empreendedor, atividades de atendimento domiciliar (homecare), relacionadas às práticas privadas, não são compreendidas pelos estudantes como negócios, denotando possíveis diferenças no significado de “empreender” entre essa população, corroborando os apontamentos do GEM(²⁴), devendo ser mais explorado nas aulas.

Elaborada de acordo com a sua função diagnóstica, a avaliação deve ser instrumento dialético do avanço, de reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação dos caminhos a serem perseguidos(²⁵). Também recomendado pela OECD, avaliar os programas de capacitação profissional e de empreendedorismo sistemática e rigorosamente torna-se importante para identificar o que dá resultado e o que deve ser aprimorado(¹). Além disso, torna-se necessário avançar na adoção da avaliação por competências, focadas no comportamento e nos resultados, capazes de desenvolver o pensamento crítico, abordando as capacidades e constituindo ainda avaliações emancipadoras(²⁶).

Diante do exposto, as aulas devem buscar conceitos ampliados de discussão que envolvam, além do empreendedorismo de negócios, o intraempreendedorismo, empreendedorismo social e o empreendedorismo acadêmico. Sugerimos o aumento de carga horária ou ainda a inclusão de disciplina específica de empreendedorismo, bem como estágios supervisionados em instituições privadas, preferencialmente constituídas ou geridas por enfermeiros empreendedores. Conteúdos sobre métodos de cálculos para precificação de serviços, análise de novos mercados e de custos também poderiam ser inseridos nos programas das disciplinas relacionadas à administração.

Além disso, o incentivo à pesquisa sobre empreendedorismo na enfermagem, com a adoção de linhas de pesquisa na área, tanto na iniciação científica e na pós-graduação, pode colaborar no aprofundamento do tema, que é atual e inovador, haja vista a escassez de literatura e de estudos principalmente no Brasil e na América Latina. Eventos acadêmicos podem servir de ambientes de divulgação das pesquisas realizadas e de novas possibilidades da carreira de enfermagem.

Limitações do estudo

Apontamos como limitações do estudo a coleta de dados em uma única instituição de ensino, a inviabilidade da adoção de grupos controle e a carência de estudos relacionados ao ensino de empreendedorismo para estudantes de Enfermagem, dificultando a comparação com outras pesquisas. Apesar das limitações impostas, o estudo incorpora métodos e novas perspectivas, abordando propostas possíveis para o ensino de empreendedorismo na Enfermagem, na busca por soluções para superar barreiras observadas na área.

Contribuições para a área de Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Além de ampliar a compreensão sobre o tema, este trabalho pode servir de base para projetos pedagógicos, já que aborda o ensino de empreendedorismo com adaptação pedagógica de conteúdos e métodos específicos para estudantes de Enfermagem, devidamente avaliados.

CONCLUSÃO

Os novos cenários no mercado de trabalho, com alterações na gestão pública da saúde, as atuais dinâmicas sociais, bem como as mais recentes relações trabalhistas do enfermeiro impõem a necessidade de incluir temas como o empreendedorismo para melhor preparar os futuros profissionais durante a graduação, ampliando suas possibilidades de carreira.

Nesse sentido, a proposta de ensino apresentada oferece adaptação pedagógica de conteúdos, contribuindo com métodos específicos para estudantes de Enfermagem, uma população que enfrenta barreiras estruturais, governamentais e culturais, além das questões éticas envolvidas.

A proposta fundamenta-se na aprendizagem significativa e torna-se mais eficaz com a utilização de metodologias ativas de ensino que os métodos passivos de aprendizagem, utilizando, inclusive, tecnologias como celulares e aplicativos. No entanto, a maioria dos alunos necessita de adaptação e esforço que devem ser empreendidos nesses métodos.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa

EDITOR ASSOCIADO: Dulce Barbosa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Fev 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  06 Set 2021
• Aceito
  10 Fev 2022