Qualidade de vida e satisfação de estudantes com auriculoterapia na pandemia de covid-19: estudo quase experimental

RESUMO

Objetivos:

avaliar a qualidade de vida antes e depois da aplicação da auriculoterapia e a satisfação de estudantes universitários com o tratamento durante a pandemia de covid-19.

Métodos:

estudo quase experimental, realizado com 44 estudantes em um centro de saúde de uma universidade. A intervenção consistiu em dez sessões de auriculoterapia, com foco nas alterações emocionais, e a avaliação da qualidade de vida ocorreu antes e depois do tratamento. A satisfação com a intervenção também foi investigada.

Resultados:

predominaram entre os estudantes: mulheres, de cursos da área da saúde, em uso de psicotrópicos e com queixa de alterações emocionais. Houve aumento estatisticamente significativo em todos os domínios da qualidade de vida, e os estudantes ficaram satisfeitos com o tratamento.

Conclusões:

a auriculoterapia foi capaz de melhorar a qualidade de vida de estudantes universitários durante a pandemia de covid-19, e o nível de satisfação com o tratamento foi alto.

Descritores:
Estudantes; Universidades; COVID-19; Qualidade de Vida; Auriculoterapia.

ABSTRACT

Objectives:

to evaluate the quality of life before and after the application of auriculotherapy and the satisfaction of university students with the treatment during the covid-19 pandemic.

Methods:

quasi-experimental study conducted with 44 students in a University Health Center. The intervention consisted of ten sessions of auriculotherapy focusing on emotional changes with quality of life assessment before and after treatment. The study also investigated the satisfaction concerning the intervention.

Results:

predominated among the students: women, from health courses, in use of psychotropic drugs and complaining of emotional changes. There was a statistically significant increase in all domains of quality of life, and students were satisfied with the treatment.

Conclusions:

auriculotherapy improved the quality of life of university students during the covid-19 pandemic, and the level of satisfaction with the treatment was high.

Descriptors:
Students; Universities; COVID-19; Quality of Life; Auriculotherapy.

RESUMEN

Objetivos:

evaluar la calidad de vida antes y después de la aplicación de auriculoterapia y satisfacción de estudiantes universitarios con el tratamiento durante la pandemia de covid-19.

Métodos:

estudio cuasi experimental, realizado con 44 estudiantes en centro de salud de una universidad. La intervención constituyó en diez sesiones de auriculoterapia, enfocado en las altercaciones emocionales, y la evaluación de la calidad de vida pasó antes y después del tratamiento. La satisfacción con la intervención también fue investigada.

Resultados:

predominaron entre los estudiantes: mujeres, de cursos del área de la salud, en uso de psicotrópicos y con queja de alteraciones emocionales. Hubo aumento estadísticamente significante en todos los dominios de la calidad de vida, y los estudiantes quedaron satisfechos con el tratamiento.

Conclusiones:

la auriculoterapia fue capaz de mejorar la calidad de vida de estudiantes universitarios durante la pandemia de covid-19, y el nivel de satisfacción con el tratamiento fue alto.

Descriptores:
Estudiantes; Universidades; COVID-19; Calidad de Vida; Auriculoterapia.

INTRODUÇÃO

Os anos de 2020 a 2022 foram marcados pela pandemia de covid-19, uma doença de grande transmissibilidade e gravidade clínica(¹). Dentre as inúmeras consequências da pandemia, destaca-se a necessidade do distanciamento social como uma das principais condutas para evitar a propagação do vírus(²). Essa necessidade levou à suspensão das atividades acadêmicas nas universidades em todo o mundo. Embora necessário, o distanciamento social prolongado ocasionou problemas físicos, psicológicos, sociais e econômicos nos estudantes universitários, o que lhes impactou sobremaneira a qualidade de vida.

A qualidade de vida pode ser definida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e de sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações(³). Trata-se de um conceito amplo, que abrange a inter-relação com o meio ambiente, aspectos físicos e psicológicos, nível de independência, relações sociais e crenças pessoais(⁴).

Durante epidemias, os acometimentos na saúde mental das pessoas geralmente são maiores do que a quantidade de infectados; e isso pode ser potencializado em caso de uma infecção de características pandêmicas(⁵). Dessa forma, sintomas mentais podem ser desencadeados em pessoas saudáveis; intensificados naquelas com comorbidades mentais precedentes; e levar ao aumento da taxa de suicídio(⁶). Ao considerar, então, que a qualidade de vida foi negativamente afetada no contexto pandêmico, ressalta-se a importância da implementação de ações que possam auxiliar no manejo psíquico e emocional dos estudantes universitários, a fim de que eles possam desempenhar as atribuições acadêmicas, sociais e pessoais de forma satisfatória e saudável.

Um recurso terapêutico que tem sido utilizado para melhorar a qualidade de vida é a auriculoterapia; exemplo de seu uso é em pessoas com dor crônica(⁷) e em profissionais de enfermagem com níveis elevados de estresse(⁸). Esta é uma intervenção utilizada para aliviar disfunções psicossomáticas e físicas, por meio da estimulação de pontos específicos da orelha; a estimulação desses pontos desencadeia a liberação de biomoléculas, como neurotransmissores e peptídeos endógenos em nível central, contribuindo para a ação da técnica(⁹). Devido ao baixo custo, possibilidade de tratamento em massa e efeitos colaterais mínimos ou ausentes, são inegáveis o grande interesse, a aceitação e a projeção alcançados por essa intervenção em âmbito mundial.

No contexto universitário, estudo aponta que a auriculoterapia, associada ou não a outros tratamentos, pode contribuir para melhora na qualidade de vida dos estudantes, melhora do desempenho acadêmico e redução da evasão escolar, por isso deve ser considerada pelas instituições formadoras para promoção da saúde mental(¹⁰). Ressalta-se, todavia, que estudos relacionados ao contexto pandêmico são escassos, apontando uma realidade científica pouco explorada. Ademais, com o retorno das atividades acadêmicas presenciais, após dois anos de afastamento, observou-se aumento exponencial das queixas de desordens emocionais vivenciadas pelos estudantes, principalmente ansiedade, estresse e depressão, o que reafirma a necessidade de implementação de estratégias de prevenção e remediação de episódios traumáticos decorrentes da pandemia de covid 19(¹¹).

A fim de subsidiar a implementação dessa terapêutica nos serviços de assistência à saúde psicossocial dos estudantes universitários, torna-se necessário avaliar, também, seu grau de satisfação, no tocante aos sentimentos acerca do tratamento (se as características positivas superam as negativas)(¹²). O resultado dessa avaliação, além de tornar o participante protagonista do seu plano de cuidados, pode gerar indicadores que favorecerão estratégias de promoção do bem-estar e de qualidade de vida da comunidade universitária.

OBJETIVOS

Avaliar a qualidade de vida antes e depois da aplicação da auriculoterapia e a satisfação de estudantes universitários com o tratamento durante a pandemia de covid-19.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma universidade pública. Por se tratar de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido on-line, os estudantes que concordaram em participar foram orientados a clicarem no botão “Li e concordo em participar da pesquisa”. Caso não concordassem com a participação, eram orientados a fechar a página no navegador.

Desenho, local do estudo e período

Estudo quase experimental, com avaliação de um grupo único antes e depois da intervenção. Foi realizado em um centro de saúde de uma universidade pública federal da Zona da Mata Mineira, no período de setembro de 2021 a agosto de 2022. Nesse delineamento, os pesquisadores aplicaram a intervenção “auriculoterapia” e observaram seu efeito sobre o desfecho “qualidade de vida”.

O centro de saúde onde ocorreu a intervenção é um ambulatório que presta atendimento na área médica, nutricional, odontológica, além de fisioterapia, enfermagem, exames laboratoriais e radiográficos para estudantes, professores e servidores técnico-administrativos.

População e amostra; critérios de inclusão e exclusão

Os estudantes atendidos em um projeto de extensão, que oferece práticas integrativas e complementares em saúde para a comunidade universitária, constituíram a população do presente estudo. O projeto atende cerca de 60 pessoas por semestre.

A amostra foi por conveniência, já que todos os estudantes foram convidados a colaborar com a pesquisa. Adotou-se essa estratégia de recrutamento uma vez que, devido ao contexto pandêmico vivenciado à época da coleta de dados, as atividades acadêmicas foram retomadas de forma gradativa. Também, em razão do número reduzido de estudantes realizando atividades presenciais na universidade, optou-se por envolver todos aqueles que manifestassem interesse.

Os critérios de inclusão adotados foram: estudantes com 18 anos ou mais e com disponibilidade de horário para submissão às sessões de tratamento bem como para responder aos instrumentos e escalas do estudo. Os critérios de exclusão da participação na intervenção de auriculoterapia foram: infecção, inflamação, ferimento ou deformidade na orelha; uso de piercing na orelha (salvo brinco normal); uso de aparelho auditivo; e ser gestante. Foram descontinuados do tratamento aqueles estudantes que perderam duas sessões consecutivas ou excederam intervalo maior que dez dias entre elas; que relataram desconforto intenso no local de aplicação das sementes e, por isso, decidiram não continuar o tratamento; e que não preencheram os instrumentos de coleta de dados adequadamente.

Apesar de 70 estudantes atenderem aos critérios de elegibilidade e participarem da avaliação inicial, 44 concluíram o protocolo de intervenção (37,14% de perda).

Protocolo do estudo

No recrutamento dos estudantes, as vagas para o tratamento de auriculoterapia foram divulgadas nas redes sociais do projeto de extensão. Os participantes que atenderam aos critérios de elegibilidade e aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em formato digital. Em seguida, responderam ao instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica e foram avaliados quanto à qualidade de vida (avaliação inicial), por meio de um formulário online. Tal estratégia foi adotada a fim de reduzir a manipulação de papéis, o que poderia contribuir para a disseminação do vírus. Foi agendado, então, horário para comparecerem ao centro de saúde para realização da auriculoterapia. Ao final do tratamento, foram avaliados novamente quanto à qualidade de vida e foram solicitados a informar sobre a satisfação com o tratamento recebido.

A auriculoterapia foi realizada com sementes de mostarda, em dez sessões, uma vez por semana, com alternância da orelha a cada sessão, durante dois meses. Os acupontos aplicados foram

Shenmen, Rim, Sistema Nervoso Autônomo, Coração, Tronco Cerebral, Yangs Fígado 1 e 2(¹³), Fígado, Baço e Pulmão 1 e 2. Esse protocolo tem foco no controle do estresse, da ansiedade e da depressão(¹³) e foi selecionado devido às queixas frequentes de alterações emocionais dos estudantes universitários no contexto pandêmico.

Antes de iniciar a aplicação das sementes, foi realizada antissepsia da orelha com algodão e álcool etílico 70%. Em seguida, elas foram aderidas na orelha com fita microporosa, com o participante em posição sentada. Estes foram orientados a realizar pressão manual nos pontos auriculares, pelo menos cinco vezes ao dia(¹⁴) e a não retirarem as sementes até a próxima sessão. A intervenção foi realizada por um enfermeiro especialista em acupuntura, com mais de dez anos de experiência na área.

A qualidade de vida, verificada por meio do World Health Organization Quality of Life-Bref (WHOQOL-Bref)(³), foi determinada como desfecho primário do presente estudo. Ademais, foram consideradas covariáveis: caracterização sociodemográfica e clínica, satisfação, necessidade da intervenção e estado geral de saúde após o tratamento.

O WHOQOL-Bref, que foi desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde(⁴), é um dos instrumentos de campo mais utilizados para avaliar a qualidade de vida, além da saúde física e mental dos indivíduos(¹⁵). Consta de 26 questões, sendo duas questões gerais de qualidade de vida (Percepção da Qualidade de Vida e Satisfação com a Saúde) e as demais (24 questões) representam cada uma das 24 facetas, divididas em quatro domínios(⁴): Domínio Físico (dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividade de vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamento e capacidade de trabalho); Domínio Psicológico (sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos e espiritualidade/religião/crenças pessoais); Domínio Relações Sociais (relações pessoais, suporte (apoio) social e atividade sexual); e Domínio Meio Ambiente (segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais [disponibilidade e qualidade], oportunidade de adquirir novas informações e habilidades, participação e oportunidades de recreação/lazer, ambiente físico (poluição, ruído, trânsito, clima e transporte).

Cada questão possui um escore de 1 a 5, em escala tipo Likert, que é transformada em uma escala linear de 0 (qualidade de vida menos favorável) a 100 pontos (qualidade de vida mais favorável)(⁴,¹⁶). O WHOQOL-Bref foi traduzido e validado para a versão brasileira e possui adequadas propriedades psicométricas(⁴).

O instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica, elaborado pelos pesquisadores do estudo, continha as seguintes variáveis: sexo; idade; curso; doenças crônicas; medicamentos de uso contínuo; e motivo de procura pela auriculoterapia.

Os participantes foram solicitados a avaliar como foi a intervenção ao final do tratamento. Para isso, apontaram, em uma escala de 1 a 5, o grau de satisfação com a realização da intervenção (“extremamente insatisfeito”; “insatisfeito”; “não tem certeza”; “satisfeito”; “extremamente satisfeito”), a necessidade de realização da intervenção (“totalmente desnecessária”; “desnecessária”; “não tem certeza”; “necessária”; “totalmente necessária”) e o estado geral de saúde após o término do tratamento (“muito melhor”; “melhor”; “nenhuma mudança”; “pior”; “muito pior”). Avaliaram, também, a presença de reações adversas decorrentes da auriculoterapia e a sua intensidade, em uma escala de 0 (nenhum desconforto) a 10 (desconforto intenso).

Esses instrumentos passaram por refinamento por cinco enfermeiros especialistas antes da coleta de dados, que os julgaram adequados.

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram analisados por meio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.0. As variáveis contínuas foram descritas por meio de média, desvio padrão, mediana, distância interquartílica e valores mínimo e máximo. As frequências absoluta e relativa foram utilizadas para a descrição das variáveis categóricas. Visando verificar a distribuição dos dados, empregou-se o teste de Shapiro-Wilk, o qual evidenciou a distribuição não normal das variáveis escalares. A fim de observar o efeito da intervenção na qualidade de vida, empregou-se o teste de Wilcoxon para amostras pareadas, considerando 5% de significância.

RESULTADOS

Dos 44 estudantes que participaram do estudo, a maioria eram mulheres (88,64%), de cursos da área da saúde (90,90%) e não trabalhavam (79,50%). Do total, 36,40% possuíam alguma doença crônica e 81,90% faziam uso de medicação contínua. A mediana de idade foi de 22 anos (22-24), e o principal motivo para procura pelo tratamento foram alterações emocionais (90,90%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e clínica e motivo de procura pelo tratamento (N=44), Viçosa, Minas Gerais, Brasil, 2022

Características sociodemográficas e clínicas	n*	%†
Sexo
Feminino	39	88,64
Masculino	5	11,36
Área do curso de graduação
Saúde	40	90,90
Exatas	2	4,55
Humanas	2	4,55
Doença crônica‡
Não	28	63,63
Respiratória	9	20,45
Emocional	3	6,80
Musculoesquelética	2	4,55
Visual	1	2,30
Gastrointestinal	1	2,30
Uso de medicação contínua‡
Não	8	18,18
Hormonal	9	20,40
Psicotrópico	22	50,00
Broncodilatador	1	2,30
Corticoide	1	2,30
Anticonvulsivante	1	2,30
Anti-hipertensivo	1	2,30
Ferritina	1	2,30
Motivo de procura pelo tratamento‡
Alterações emocionais	40	90,90
Dor musculoesquelética/reumática	5	11,36
Enxaqueca/Cefaleia	4	9,10
Melhora no rendimento acadêmico (concentração, foco, energia)	3	6,80
Melhora da qualidade de vida	3	6,80
Alterações no sono	2	4,55
Alterações respiratórias	1	2,30

• ^*
  n - Frequência absoluta;
• ^†
  % - Frequência relativa;
• ^‡
  O participante podia marcar mais de uma opção de resposta.

Foi encontrada melhora estatisticamente significativa em todos os domínios da qualidade de vida após o tratamento com auriculoterapia (Tabela 2).

Tabela 2
Qualidade de vida antes e depois da realização da auriculoterapia (N=44), Viçosa, Minas Gerais, Brasil, 2022

Domínios	Pré-intervenção (avaliação inicial)			Pós-intervenção (avaliação final)			Valor de p||
	Média (DP*)	Mediana (DI†)	Mín.‡; Máx.§	Média (DP*)	Mediana (DI†)	Mín.‡; Máx.§
Percepção da Qualidade de Vida	61,93 (20,52)	75,00 (50,00-75,00)	0,00; 100,00	76,70 (13,63)	75,00 (75,00-75,00)	50,00; 100,00	<0,001
Satisfação com a Saúde	44,89 (21,95)	50,00 (25,00-75,00)	0,00; 75,00	61,93 (21,22)	75,00 (50,00-75,00)	0,00; 100,00	<0,001
Físico	55,76 (16,41)	57,14 (46,43-67,86)	25,00; 89,00	71,51 (11,92)	71,43 (65,18-81,25)	39,00; 89,00	<0,001
Psicológico	49,05 (14,92)	50,00 (41,67-62,50)	8,00; 79,00	64,49 (10,76)	62,50 (58,33-75,00)	42,00; 83,00	<0,001
Relações Sociais	60,98 (16,05)	58,33 (50,00-75,00)	25,00; 92,00	74,05 (15,69)	75,00 (66,67-83,33)	42,00; 100,00	<0,001
Ambiente	59,09 (11,19)	59,38 (53,13-65,63)	28,00; 88,00	70,17 (9,32)	68,75 (65,63-77,34)	53,00; 91,00	<0,001

• ^*
  DP - Desvio padrão;
• ^†
  DI - Distância interquartílica;
• ^‡
  Mín - Valor mínimo;
• ^§
  Máx - Valor máximo; ^||Teste de Wilcoxon para amostras pareadas.

A maior parte dos estudantes (93,20%) ficaram satisfeitos ou extremamente satisfeitos com o tratamento realizado, consideraram a intervenção necessária ou totalmente necessária (90,90%); e o estado geral de saúde após o término do tratamento foi relatado como melhor ou muito melhor (88,60%), conforme evidenciado na Tabela 3.

Tabela 3
Satisfação, necessidade da intervenção e estado geral de saúde (N=44), Viçosa, Minas Gerais, Brasil, 2022

Variáveis	n*	%†
Satisfação com a intervenção
Extremamente insatisfeito	2	4,45
Insatisfeito	0	0,00
Não tenho certeza	1	2,30
Satisfeito	15	34,10
Extremamente satisfeito	26	59,10
Necessidade da intervenção
Totalmente desnecessária	0	0,00
Desnecessária	0	0,00
Não tenho certeza	4	9,10
Necessária	17	38,63
Totalmente necessária	23	52,27
Estado geral de saúde após conclusão da intervenção
Muito pior	1	2,30
Pior	1	2,30
Nenhuma mudança	3	6,80
Melhor	25	56,80
Muito melhor	14	31,80

• ^*
  n - Frequência absoluta;
• ^†
  % - Frequência relativa.

Por fim, 9,10% (n=4) dos estudantes relataram reações adversas decorrentes da auriculoterapia, como dor ou desconforto no local de aplicação das sementes (6,80%; n=2; média da intensidade = 4/10; desvio-padrão=1,41); cefaleia (2,30%; n=1; intensidade = 10/10) e tontura no momento da aplicação (2,30%; n=1; intensidade = 3/10). Os pesquisadores acompanharam esses participantes, e os sintomas foram relatados como pontuais, transitórios e toleráveis.

DISCUSSÃO

Evidenciou-se, com a realização do presente estudo, que o protocolo de auriculoterapia adotado foi capaz de melhorar a qualidade de vida de estudantes universitários no contexto da pandemia de covid-19, durante o período de tratamento estabelecido. Especificamente, houve aumento de 19,65% na percepção da qualidade de vida após o tratamento; e grande parte dos estudantes ficaram satisfeitos com a intervenção realizada, acharam-na necessária e relataram estado geral de saúde melhor após o tratamento.

Esses achados são inovadores, uma vez que, até onde se sabe, esta é a primeira investigação que avaliou a ação da auriculoterapia em estudantes universitários no contexto pandêmico. Destaca-se que estudos como este são relevantes, pois tal população sofreu grandes impactos mentais nesse período, traduzindo-se sob a forma de piora dos quadros psicológicos existentes, surgimento de novos casos e aumento de automedicação e de ideação/tentativa de suicídio(¹⁷). Nesse contexto, a auriculoterapia pode se configurar como uma intervenção de suporte aos estudantes em sofrimento mental, além de atuar na prevenção de novos agravos.

De fato, alguns estudos já reportaram efeitos benéficos da auriculoterapia na saúde mental, principalmente nos níveis de ansiedade e depressão em estudantes universitários, fora de contextos pandêmicos(¹⁸). Seus efeitos na qualidade de vida também foram investigados em outras populações, como em profissionais de enfermagem, sobretudo no aspecto mental(¹⁹). Entretanto, as vias neurofisiológicas para explicar o desencadeamento dos efeitos são as mesmas. Acredita-se que eles ocorram pela modulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal(²⁰). Com o estímulo auricular, ocorre a ativação de regiões corticais límbicas(²¹) e a liberação de endorfinas e encefalinas(⁸), que irão contribuir com a redução dos níveis de ansiedade, de estresse e de depressão, por exemplo.

O protocolo de auriculoterapia adotado neste estudo foi baseado em revisão sistemática que recomendou a utilização dos acupontos auriculares Shenmen, Rim, Sistema Nervoso Autônomo, Coração, Tronco Cerebral e Yangs Fígado 1 e 2, para controle de ansiedade, de estresse e de depressão em adultos(¹³). O ponto Shenmen possui ação sedativa; o Rim, função energética e revigorante; o Sistema Nervoso Autônomo regula o funcionamento dos sistemas nervosos simpático e parassimpático, com efeito sobre a dor e relaxamento muscular; o Coração controla a circulação sanguínea e as atividades mentais e emocionais, é sedativo e relaxante; o Tronco Cerebral tem função calmante; e os Yangs do Fígado 1 e 2 controlam a subida do Yang do fígado, que é um padrão energético diante do estresse(¹³). Na presente investigação, acrescentou-se, ainda, os pontos Baço (que está relacionado com a preocupação excessiva e é responsável pelo pensamento aplicado, inteligência, estudo, memória, concentração e foco), Fígado (que controla sentimentos de irritabilidade e raiva e regula o sono) e Pulmão (que regula sentimentos de tristeza)(²²).

Utilizou-se, ainda, como dispositivo de estimulação, a semente de mostarda, por esta não ser invasiva e, consequentemente, aumentar a aceitabilidade por parte dos estudantes. As sementes e as agulhas auriculares foram os dispositivos mais utilizados em estudos incluídos numa revisão sistemática, cujo objetivo foi analisar os principais protocolos para a aplicação da intervenção no tratamento do estresse, da ansiedade e da depressão em adultos e idosos, com média de 11 sessões(¹³). Porém, no presente estudo, houve considerável desistência do tratamento (37,1%). Acredita-se que isso ocorreu devido ao tempo relativamente longo de acompanhamento (dez sessões realizadas em dois meses). Em razão disso e dos efeitos superiores das agulhas semipermanentes em relação às sementes(²³), sugere-se a realização de novos estudos utilizando dispositivos invasivos, a fim de verificar a possibilidade de um menor tempo de seguimento.

Após a auriculoterapia, a satisfação dos estudantes com a sua saúde aumentou em 27,51%, e esse aumento foi estatisticamente significativo. Quando a pessoa atinge níveis satisfatórios de conforto e de bem-estar, é capaz de adotar hábitos que melhoram sua saúde e a sua relação com o corpo e com a mente(²⁴). Diante disso, trata-se de uma intervenção que pode auxiliar na promoção da saúde física e mental dos estudantes.

Observou-se, também, aumento estatisticamente significativo de 22,02% no Domínio Físico da qualidade de vida, que está relacionado, entre outros fatores, à dor, fadiga, sono e dependência de medicamentos. De fato, estes foram alguns dos motivos relatados pelos estudantes para procura pelo tratamento. A literatura apresenta evidências positivas dessa intervenção em relação à dor(²⁵); ao sono(²⁶); e à dependência de medicação(²⁷). Destaca-se que esses estudos não foram realizados com mesma população da presente investigação, o que ressalta a relevância dos resultados aqui apresentados. É importante salientar, também, que não foi avaliado se houve redução no consumo de medicamentos. Como foi investigado somente o uso de medicações contínuas e o tempo de acompanhamento para verificar tal comportamento foi relativamente pequeno, essa variável não foi considerada. Portanto, sugere-se que estudos avaliem também o impacto da auriculoterapia no consumo de medicamentos psicotrópicos.

As queixas de alterações emocionais foram referidas por 90,90% dos estudantes para procura pelo tratamento; e o Domínio Psicológico da qualidade de vida foi o que apresentou maior aumento estatisticamente significativo dentre os investigados (23,94%). A auriculoterapia tem sido reportada por vários estudos para redução de sinais e sintomas psicológicos, como ansiedade(¹⁴,²⁸) e depressão(¹⁸) em estudantes universitários. No entanto, não foram encontrados estudos com a utilização dessa intervenção no contexto pandêmico. Além disso, devido aos resultados promissores aqui relatados, sugere-se a realização de ensaios clínicos randomizados de grande porte, para permitir a generalização dos achados e, consequentemente, implementar a auriculoterapia como terapêutica para a promoção e manutenção da saúde mental de estudantes universitários.

Associado ao Domínio Psicológico da qualidade de vida, as relações sociais também podem ser impactadas pelas desordens emocionais, principalmente no contexto da pandemia da covid-19(²⁹). Elas podem auxiliar na sobrecarga de estresse e de ansiedade gerada pela pandemia; entretanto, medidas restritivas e de distanciamento social impediram essas práticas(³⁰). Nessa perspectiva, este estudo mostra a importância da auriculoterapia como artifício eficaz no gerenciamento das relações sociais dos estudantes universitários. Os resultados obtidos evidenciaram aumento de 17,65% nesse domínio. Esse achado pode estar relacionado ao fato de que, ao ser atendido, o estudante se sentia acolhido e interagia com o terapeuta, o que pode ser caracterizado como suporte social.

Em relação ao Domínio Meio Ambiente, observou-se aumento estatisticamente significativo de 15,29%. As facetas que compõem esse domínio não são modificáveis por uma perspectiva interna e individual, pois estão sujeitas ao coletivo e à sociedade. Portanto, ao observar a melhora da pontuação desse domínio, pode-se inferir que, ao melhorar os níveis dos outros domínios (Percepção da Qualidade de Vida, Satisfação com a Saúde, Físico, Psicológico e Relações Sociais), é possível modular sentimentos de pessimismo, o que favorece a disposição das pessoas a uma perspectiva mais positiva sobre os aspectos que as cercam(³¹).

No que diz respeito à satisfação com a intervenção realizada, ressalta-se que a maioria dos estudantes relatou estarem extremamente satisfeitos; que ela é totalmente necessária; e que a percepção com seu estado geral de saúde é melhor após o tratamento. Em consonância, estudo realizado com veteranos de guerra com transtorno do estresse pós-traumático evidenciou que a auriculoterapia teve alta aceitabilidade(³²).

No presente trabalho, nenhum participante apresentou eventos adversos graves. Os desconfortos mais relatados foram sensibilidade dolorosa na orelha, cefaleia e tontura. Revisão sistemática da literatura, que incluiu 18 ensaios clínicos randomizados de eventos adversos relacionados à auriculoterapia, com uma amostra de 1.753 pessoas, referiu que sintomas de irritação e desconforto local, sensibilidade ou dor leve e tontura foram comuns; contudo, foram transitórios, leves e toleráveis, e nenhum evento adverso grave foi identificado, fornecendo evidências de que a intervenção é relativamente segura(³³). Além disso, também é uma abordagem de baixo custo, com necessidade de pouco tempo para aplicação e minimamente invasiva(¹³).

Para estudos futuros, sugere-se, ainda, investigar o impacto que a auriculoterapia poderá ocasionar, em médio e longo prazo, no desempenho acadêmico e na taxa de evasão escolar; além de analisar a percepção e os sentimentos dos estudantes sobre a auriculoterapia, no contexto pandêmico ou pós-pandêmico, por meio de abordagens qualitativas.

Limitações do estudo

Como limitação do presente estudo, evidencia-se o recrutamento da amostra por conveniência, o que pode interferir na generalização dos achados. Entretanto, devido ao contexto pandêmico, essa estratégia foi pensada para recrutar o maior número de estudantes presentes na universidade naquele momento. Destaca-se, também, a alta taxa de desistência do tratamento (37,1%); acredita-se que isso tenha ocorrido devido a seu tempo prolongado (dois meses). Em estudos futuros, sugere-se utilizar dispositivos de aplicação mais efetivos, como agulhas auriculares, o que pode reduzir o tempo de seguimento. Além disso, a ausência de grupo-controle impossibilitou comparação com estudantes que não receberam a intervenção. Todavia, naquele momento, a amostra não foi suficiente para conduzir ensaio clínico de grande porte. Não obstante, resultados expressivos foram alcançados com esse delineamento e tamanho amostral.

Contribuições para a área da enfermagem

Os achados deste estudo contribuem com o avanço do conhecimento científico na área da saúde e da enfermagem, uma vez que a implementação da auriculoterapia nos serviços de assistência à saúde dos estudantes universitários poderá auxiliar na promoção do bem-estar, da qualidade de vida e da saúde mental, além de contribuir, no médio e longo prazo, para melhorar o desempenho acadêmico e reduzir a evasão universitária.

Esta é uma intervenção de fácil e rápida aplicação, desde que realizada por terapeutas capacitados; é de baixo custo, com efeitos colaterais mínimos e permite o tratamento em massa. Nesse sentido, recomenda-se que enfermeiros atuantes na assistência à saúde estudantil se apropriem dessa técnica como mais uma ferramenta de intervenção para apoiar a qualidade de vida de estudantes universitários.

CONCLUSÕES

A auriculoterapia, de acordo com o protocolo estabelecido, foi capaz de melhorar a Percepção da Qualidade de Vida, a Satisfação com a Saúde, bem como os Domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente do WHOQOL-Bref em estudantes universitários no contexto da pandemia de covid-19, durante o tempo de tratamento. A maior parte dos estudantes ficaram extremamente satisfeitos com o tratamento realizado, consideraram a intervenção totalmente necessária, e o estado geral de saúde após o término foi relatado como melhor.

Esses resultados apoiam a auriculoterapia como intervenção que pode favorecer a promoção do bem-estar, da qualidade de vida e da saúde mental dessa população. Recomenda-se que mais estudos sejam realizados, em especial ensaios clínicos randomizados, a fim de investigar a real efetividade da auriculoterapia nessas variáveis. Assim, será possível implementar, com segurança, essa intervenção em prol da promoção da qualidade de vida e da saúde mental da comunidade universitária.

MATERIAL SUPLEMENTAR

https://doi.org/10.48331/scielodata.E5UV58

• FOMENTO
  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Fev 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  14 Set 2022
• Aceito
  19 Out 2022