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Gestão da qualidade na pandemia de COVID-19: plano de ação da enfermagem

RESUMO

Objetivos:

descrever a implementação de um plano de ação da enfermagem para enfrentamento da pandemia de COVID-19 em um hospital universitário do estado do Rio de Janeiro.

Métodos:

trata se de um relato de experiência, no qual foram utilizadas duas ferramentas de gestão: o Diagrama de Ishikawa, para o levantamento dos problemas; e a planilha 5W2H, para traçar as ações de acordo com as situações apresentadas.

Resultados:

foram elencadas quatro categorias em dois grupos: 1) Atuação do enfermeiro gestor na organização de logística, infraestrutura e assistência: materiais e meio ambiente; e 2) Gerenciamento dos recursos humanos de enfermagem e educação permanente: método e recursos humanos.

Considerações Finais:

o plano elaborado evidenciou o protagonismo da gestão de enfermagem, com busca pelas melhores práticas assistenciais, elaboração de protocolos, realização de treinamentos multiprofissionais e gestão de insumos.

Descritores:
Gestão da Qualidade; Enfermagem; COVID-19; Pandemia; Atenção Terciária à; Saúde.

ABSTRACT

Objectives:

to describe the implementation of a nursing action plan to face the pandemic of COVID 19 in a University Hospital in the state of Rio de Janeiro. Methods: this is an experience report, in which two management tools were used: the Ishikawa Diagram to identify problems and the 5W2H spreadsheet to outline the actions according to the situations presented.

Results:

four categories were listed in two groups: 1- Actions of the Nurse Manager in the Organization of Logistics, Infrastructure and Care: materials and environment; and 2- Nursing Human Resources Management and Continuing Education: method and human resources.

Final Considerations:

the plan developed showed the role of nursing management, with the search for best care practices, development of protocols, carrying out multi-professional training and management of supplies.

Descriptors:
Quality Management; Nursing; COVID-19; Pandemic; Tertiary Health Care.

RESUMEN

Objetivos:

describir la implementación de un plan de acción de enfermería para enfrentamiento de la pandemia de COVID-19 en un hospital universitario del estado de Rio de Janeiro.

Métodos:

tratase de un relato de experiencia, en lo cual fueron utilizadas dos herramientas de gestión: el Diagrama de Ishikawa, para el levantamiento de los problemas; y la hoja de cálculo 5W2H, para seguir las acciones de acuerdo con las situaciones presentadas.

Resultados:

fueron enumeradas cuatro categorías en dos grupos: 1) Actuación del enfermero gestor en la organización de logística, infraestructura y asistencia: materiales y medio ambiente; y 2) Gestión de los recursos humanos de enfermería y educación permanente: método y recursos humanos.

Consideraciones Finales:

el plan elaborado evidenció el protagonismo de la gestión de enfermería, con búsqueda por las mejores prácticas asistenciales, elaboración de protocolos, realización de entrenamientos multiprofesionales y gestión de insumos.

Descriptores:
Gestión de la Calidad; Enfermería; COVID-19; Pandemia; Atención Terciaria de Salud.

INTRODUÇÃO

Em 2020, a enfermagem moderna completou 200 anos. O seu protagonismo se fez presente não apenas nas celebrações, mas também nas ações de controle e combate à doença causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2), que coloca em risco a saúde pública mundial(1). O cenário global é de luta e enfrentamento da doença, que se alastrou e desorganizou o sistema de saúde e a economia, exigindo tomada de decisões imediatas e adaptações hospitalares diversas a fim de conter a disseminação.

Portanto, utilizar estratégias para atender o usuário de forma oportuna e adequada foi imperativo para a gestão hospitalar. O uso de dados epidemiológicos atualizados foi fundamental para a organização dos serviços, de acordo com os picos de COVID-19 identificados no país e na região do estado do Rio de Janeiro (RJ). Tais dados subsidiam o enfrentamento dos desafios impostos à gestão local com tomada de decisões rápidas para equipar as instituições com insumos, equipamentos, recursos humanos capacitados, criação de intervenções e planos de contingência em diversos cenários.

Diante desse contexto, com base em uma gestão voltada para a qualidade, é imprescindível manter elevado padrão de assistência, no qual todos os envolvidos nos atos de saúde estejam preocupados e intimamente vinculados ao aperfeiçoamento constante da prática, além de focados na satisfação do usuário do serviço. Esse padrão de atendimento é um dos conceitos definidores de gestão da qualidade(22 Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Quality tools in management of health services: literature review integrative. Rev Gest Saúde [Internet]. 2016 [cited 2022 Apr 11];7(suppl 1):1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3569/3252
https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/...
).

Para alcançar o padrão assistencial de qualidade pretendido, no contexto epidemiológico de vários casos de COVID-19 e com as dificuldades administrativas e estruturais que o hospital vivencia, foi necessário utilizar técnicas para definir, mensurar, analisar e propor soluções para os problemas que interferem no desempenho dos processos de trabalho - técnicas, estas, chamadas de “ferramentas da qualidade”(22 Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Quality tools in management of health services: literature review integrative. Rev Gest Saúde [Internet]. 2016 [cited 2022 Apr 11];7(suppl 1):1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3569/3252
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).

São várias as ferramentas empregadas pela gestão da qualidade. No entanto, para construção de planos de ação, duas delas são muito utilizadas: o Diagrama de Ishikawa e o 5W2H.

O Diagrama de Ishikawa, também conhecido como espinha de peixe, consiste em um gráfico cuja finalidade é organizar o raciocínio em discussões de processos para chegar a um problema prioritário. Nele, consegue-se identificar possíveis causas de determinado problema, facilitando a análise mais crítica, a visualização e interpretação(22 Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Quality tools in management of health services: literature review integrative. Rev Gest Saúde [Internet]. 2016 [cited 2022 Apr 11];7(suppl 1):1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3569/3252
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).

Já a ferramenta 5W2H estabelece etapas simples e bem definidas de um plano de ação qualificado e estruturado, o qual faz o mapeamento e padroniza processos mediante perguntas que norteiam o planejamento de ações, tais como: O que será realizado? Onde será realizado? Quando será realizado? Quem irá realizar? Por que será realizada a ação? Como será a realização?(22 Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Quality tools in management of health services: literature review integrative. Rev Gest Saúde [Internet]. 2016 [cited 2022 Apr 11];7(suppl 1):1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3569/3252
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).

Nesse contexto, o presente relato de experiência teve como objeto de estudo o desenvolvimento de um plano de ação com aplicação de ferramentas gerenciais de modo a propiciar à Divisão de Enfermagem subsídios para estruturação das ações organizacionais e dos processos de trabalho para enfrentamento da pandemia.

O presente estudo apresenta, como lacuna do conhecimento, a incapacidade da gestão em solucionar a problemática da comunicação, diante da impossibilidade de encontros presenciais, pois a pandemia adentrou o cotidiano hospitalar sem facultar qualquer tipo de planejamento estruturado. Identificou-se uma vulnerabilidade administrativa, por isso outros estudos são necessários para mapear as ações estratégico-organizacionais que possibilitaram mudanças comportamentais e administrativas decorrentes do evento pandêmico.

OBJETIVOS

Descrever a implementação de um plano de ação para enfrentamento da pandemia de COVID 19 em um hospital universitário do estado do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Para elaboração do plano de ação, utilizou-se o Diagrama de Ishikawa e a 5W2H. Esta foi a escolha porque tais ferramentas da qualidade estão entre as cinco mais utilizadas no Brasil e fazem parte do contexto de trabalho dos profissionais da gestão de enfermagem(33 Barbosa PP, Luz S, Penteado FC, Angeli Neto G, Martins, HM, editors. Ferramentas da qualidade no gerenciamento de processos. Proceedings of the 7th Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar (EPCC); 2011 Oct 25-28; Maringá, Brasil. Maringá (PR): CESUMAR; 2011. Available from: http://www.cesumar.br/prppge/pesquisa/epcc2011/anais/sheila_luz2.pdf
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).

O organograma institucional do hospital investigado é composto por Superintendência e, abaixo dela, pela Gerência de Atenção à Saúde, Gerência Administrativa e Gerência de Ensino e Pesquisa. Logo abaixo, estão a Divisão de Enfermagem, Divisão Médica e Divisão de Apoio Diagnóstico. Em seguida, estão os gerentes de enfermagem de cinco grandes áreas: Cirúrgica; Clínica; Alta Complexidade; Materno-Infantil; e Emergência. Por fim, abaixo desses gerentes, existem os coordenadores da assistência, responsáveis por cada unidade de atendimento.

O decreto da pandemia obrigou que a governança do hospital e seus gestores instituíssem um grupo de trabalho para elaboração de um macroplano de contingência. No entanto, este relato de experiência se atém a descrever as ações de competência da Divisão de Enfermagem e o modo como ela se estruturou para que as decisões pudessem chegar aos enfermeiros coordenadores, responsáveis pela prestação de cuidados aos usuários.

Inicialmente, foram realizadas reuniões semanais entre a chefia da Divisão de Enfermagem e os gerentes de enfermagem. Nessas oportunidades, o plano de ação da enfermagem era discutido para construção, adequação e alinhamento das ações. Ele tinha uma utilidade bidirecional de fornecer suporte às decisões do plano de contingência da governança, bem como de chegar até os coordenadores de enfermagem para conhecimento e execução das ações que lhes coubessem.

Entre 16 de março e 31 de maio de 2020, foram realizadas seis reuniões com duração média de quatro horas cada. Com a discussão dos processos e utilização do Diagrama de Ishikawa, chegou se ao problema prioritário oriundo de dois grupos de problemas correlacionados. Na sequência, o plano de ação da enfermagem foi elaborado utilizando a ferramenta 5W2H, com todas as ações discutidas e definidas por consenso entre os participantes dos encontros.

A fim de executar as ações propostas, estas eram disseminadas entre as equipes de saúde do hospital, principalmente entre as coordenações assistenciais, utilizando a divulgação nos plantões diurnos e noturnos, por meio de canais eletrônicos de comunicação.

RESULTADOS

O problema prioritário levantado nas reuniões e oriundo da aplicação do Diagrama de Ishikawa foi: barreiras para a organização administrativa e assistencial do hospital durante a pandemia de COVID-19. As duas primeiras categorias discutidas pelo grupo foram “Materiais” e “Meio ambiente”, gerando o “Grupo 1 - Atuação do enfermeiro gestor na organização de logística, infraestrutura e Assistência”; as outras duas foram “Métodos” e “Recursos humanos”, que geraram o “Grupo 2 - Gerenciamento dos recursos humanos de enfermagem e educação permanente” (Figura 1).

Figura 1
Levantamento de problemas utilizando o Diagrama de Ishikawa, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

A Figura 1 foi dividida em quatro categorias já sugeridas pela ferramenta: 1) Método - foram inseridos os problemas relativos à forma de trabalho e aos fluxos existentes; 2) Materiais - nesta categoria, foram incluídos os problemas relativos aos equipamentos e insumos médico-hospitalares; 3) Meio ambiente - foram levantadas as questões de estrutura física e suas inadequações para o atendimento aos pacientes COVID-19; e 4) Recursos humanos: estão os problemas relativos às pessoas, aos profissionais do hospital.

Após o levantamento dos problemas elencados na Figura 1, utilizou-se uma nova ferramenta para resolução, o 5W2H, representado no Quadro 1.

Quadro 1
Plano de ação utilizando a ferramenta 5W2H, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

O Quadro 1 representa uma estratégia de atuação para ordenar quais atividades serão desenvolvidas, o motivo pelo qual estão elencadas, quem as irá realizar, quando deverão ser feitas, como serão realizadas e qual será o custo da ação. Dessa forma, é possível ter um controle do que foi realizado, de qual profissional deve fazê-lo e de como as ações estão caminhando dentro do planejamento.

DISCUSSÃO

O plano de ação do hospital teve como parâmetro evidências científicas globais e locais e, principalmente, as diretrizes do Ministério da Saúde, como o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana do Novo Coronavírus (COVID-19), de fevereiro de 2020(44 Ministério da Economia (BR). Portaria nº 65, de 16 de março de 2020. Estabelecimento de orientações, no âmbito da FUNDACENTRO, quanto às medidas de proteção para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19) [Internet]. Brasília: Ministério da Economia; 2020[cited 2021 Feb. 18]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%2065-20-me-fjdfsmt.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Por...
). Dessa forma, compilaram se, em grupos, as ações desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia.

No Grupo 1 (Atuação do enfermeiro gestor na organização de logística, infraestrutura e assistência), especificamente na categoria “Material”, no diagrama Ishikawa, houve um déficit de EPI e ausência de medicações e insumos. O Ministério da Saúde estabelece como medida de controle a garantia de insumos para diagnóstico e tratamento da infecção humana pelo novo coronavírus e outros vírus respiratórios para a rede laboratorial e assistencial, entretanto os insumos tiveram uma alta no seu valor e se escassearam em 2020(22 Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Quality tools in management of health services: literature review integrative. Rev Gest Saúde [Internet]. 2016 [cited 2022 Apr 11];7(suppl 1):1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3569/3252
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,44 Ministério da Economia (BR). Portaria nº 65, de 16 de março de 2020. Estabelecimento de orientações, no âmbito da FUNDACENTRO, quanto às medidas de proteção para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19) [Internet]. Brasília: Ministério da Economia; 2020[cited 2021 Feb. 18]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%2065-20-me-fjdfsmt.htm
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). Assim, o quantitativo utilizado nos setores e a avaliação dos picos de utilização era monitorado pela gestão durante 24 horas, tendo a participação do enfermeiro supervisor na fiscalização e orientação de uso.

A Nota Técnica 4/2020 recomenda o uso estendido de EPI(55 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 04/2020. Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2) [Internet]. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2021 [cited 2021 Jun 16]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/nota-tecnica-gvims_ggtes_anvisa-04_2020-25-02-para-o-site.pdf/view
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centrais...
). Já a Nota Técnica 2/2020 orienta que as indústrias de medicamentos, insumos farmacêuticos, produtos para a saúde, cosméticos e saneantes façam uso racional de respiradores descartáveis (máscaras N95) para, quando possível, doarem as unidades excedentes aos serviços de saúde(66 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Máscaras N95 ou equivalentes: uso racional e doação. [Internet]. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2020[cited 2021 Aug 18]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/mascaras-n95-ou-equivalentes-uso-racional-e-doacao
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). Isso possibilitou que a gestão evitasse o desabastecimento, dentro de uma reorganização de compra e uso desses insumos.

O aumento no consumo de medicamentos, consequentemente, gerou aumento do gasto mensal, com destaque para os medicamentos que mais impactaram o IPM-H (Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais) na pandemia: norepinefrina; fentalina; propofol; midazolam; omeprazol; e pantoprazol. Entre as principais razões do aumento desse índice, está a desvalorização e/ou variação cambial, que afeta drasticamente o preço dos medicamentos, principalmente dos importados(22 Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Quality tools in management of health services: literature review integrative. Rev Gest Saúde [Internet]. 2016 [cited 2022 Apr 11];7(suppl 1):1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3569/3252
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). Outro insumo muito utilizado, de grande importância e que também apresentou desabastecimento, foi a máscara N95. Para solucionar o problema, foi realizada a permuta de itens ou empréstimos e contingenciamento dos tratamentos eletivos.

Organizar a distribuição e a avaliação da qualidade dos produtos se fez urgente naquele momento, sendo necessário escalar enfermeiros para atender à padronização e distribuição dos materiais. Com esse fim, foram levadas em consideração as diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19; e as demandas setoriais. Dessa forma, realizou-se uma listagem dos profissionais que usariam as máscaras N95, as máscaras cirúrgicas e os aventais. Os insumos descartáveis (máscaras cirúrgicas, aventais) eram distribuídos diariamente, levando em conta o movimento do setor para dispensação. A enfermeira da padronização e do almoxarifado era responsável por avaliar a qualidade dos materiais que estavam sendo entregues e monitorar, com os almoxarifes, a demanda de cada serviço.

Ainda no Grupo 1, categoria “Meio ambiente”, no Diagrama de Ishikawa, foi identificada a inadequação da estrutura física, causada pelo surgimento da pandemia. Com o evento, foi preciso adaptar as unidades hospitalares às implicações da COVID-19, em razão da necessidade de isolamento de algumas áreas (coortes) e da crescente demanda por leitos hospitalares.

O Brasil conta com 270.880 leitos gerais (clínicos e cirúrgicos) e 34.464 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto, sendo 66% e 48% disponíveis para o Sistema Único de Saúde (SUS), respectivamente. O elevado número de hospitais de pequeno porte, 5.345 (66%), chama a atenção, dos quais 70% têm até 29 leitos. Somente 10% dos estabelecimentos hospitalares são de grande porte (acima de 150 leitos). Embora em menor número, esses hospitais concentram 42% dos leitos, seguidos dos de médio porte (51 a 150 leitos), com 35%. A taxa de ocupação dos leitos gerais no SUS é relativamente baixa para os hospitais de pequeno porte, 24% (até 29 leitos) e 32% (entre 30 e 50 leitos), se comparada a 75% nos hospitais de grande porte. Para leitos de UTI, há um esgotamento maior do SUS, principalmente nos hospitais de grande porte, com taxa de ocupação média de 60% (médio porte) e 77% (grande porte)(77 Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios. Cad Saúde Pública. 2020;36(6):e00115320. https://doi.org/10.1590/0102-311X00115320
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). As ações elencadas para esse problema estão descritas a seguir.

Entre as medidas adotadas, realizou-se adequação do número de leitos, coortes em alguns setores, ampliação do número de leitos da terapia intensiva e divisão dos espaços em áreas “COVID” e “não COVID”, com possibilidade de adequação de acordo com os picos da doença. Também para atender ao distanciamento de leitos, algumas enfermarias precisaram ser fechadas. No serviço de emergência, criou-se um espaço exclusivo para atendimento de pacientes com sintomas gripais, um espaço para coleta de RT-PCR (Reverse Transcription - Polymerase Chain Reaction) e uma Unidade de Pacientes Graves com COVID-19(88 Branco A, Milanesi R, Sakamoto VTM, Araujo BR, Caregnato RCA. SUS hospital emergency service: service flows for suspected or confirmed patients for COVID-19. Enferm Foco. 2020;11(1-spe.):199-204. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3759
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).

No cenário apresentado, é premente lidar com as questões tratadas no Grupo 2 (Gerenciamento dos recursos humanos de enfermagem e educação permanente), na categoria “Recursos humanos”, no Diagrama de Ishikawa: medo do desconhecido, exaustão profissional, deficiência de recursos humanos. No contexto da pandemia, a gestão de pessoas assume expressiva grandeza dada a sobrecarga de trabalho, riscos ocupacionais, possibilidade de adoecimento, além das condições prévias de insuficiência e/ou limitação de recursos humanos.

Para o enfrentamento dessa realidade, foi organizada, com a reitoria da universidade, a disponibilização de transporte para servidores do hospital. Diante do lockdown de vários municípios do estado do Rio de Janeiro e da dificuldade de acesso ao trabalho, a Divisão de Enfermagem elaborou rotas em parceria com as equipes de transporte para permitir a locomoção de funcionários e viabilizar a continuidade da assistência(99 Silva L, Figueiredo Filho D, Fernandes A The effect of lockdown on the COVID-19 epidemic in Brazil: evidence from an interrupted time series design. Cad Saúde Pública. 2020;36(10):e00213920. https://doi.org/10.1590/0102-311X00213920
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). Além disso, os funcionários que não se sentissem seguros para retornar às suas casas poderiam permanecer em um hotel financiado pela universidade.

Quantitativos insuficientes de recursos humanos de várias categorias, expressivamente da equipe de enfermagem, em muitos momentos, dificultavam o serviço ou mesmo impediam sua continuidade. Com isso, foi necessário elaborar relatórios a fim de demonstrar a redução do número de profissionais de enfermagem devido ao afastamento por vulnerabilidade e por adoecimento, seja de familiares, seja do próprio profissional.

Obteve-se resposta do órgão competente de Brasília para contratação emergencial de aproximadamente 200 profissionais de enfermagem para prestação de assistência no hospital enquanto durasse a pandemia. Com as contratações, coube à gestão de enfermagem planejar o equilíbrio dos plantões por meio dos remanejamentos de dias e setores e equalizar a distribuição entre profissionais antigos e novos para atualização das rotinas e normas dos serviços.

Em relação à categoria “Método” no Diagrama de Ishikawa, no tocante às mudanças de conduta frequentes, fluxo de pacientes e profissionais inadequados, o Ministério da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, declarou emergência pública por meio da portaria nº 188. A instituição recomendou que as secretarias estaduais e municipais de saúde, serviços públicos e privados desenvolvessem planos de contingência com medidas de resposta proporcionais e específicas aos riscos atuais, para mitigar os riscos de transmissão sustentada e o aparecimento de casos graves com mortes subsequentes(1010 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020[cited 2021 Feb 18]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388
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).

Mudanças frequentes de conduta surgiam, como melhores práticas assistenciais, tendo em vista as variações apresentadas pelo vírus e o aprendizado dos profissionais da saúde para manejar e lidar com a nova realidade. Assim, protocolos assistenciais e procedimentos operacionais padrão foram elaborados com a finalidade de unificar e disseminar condutas técnicas e seguras para o usuário e profissionais do hospital. Com o objetivo de dar conta desse processo de divulgação, utilizou-se a tecnologia aliada à educação, com base na produção de vídeos educativos e simulações no ambiente de trabalho pelos enfermeiros da educação permanente e segurança do paciente. Além disso, foram publicados, em meios eletrônicos e redes sociais, os protocolos e planos de contingência de como, quem e onde realizar os procedimentos assistenciais e administrativos.

Com a necessidade de criação de fluxos, a gestão de enfermagem, em parceria com a governança do hospital, unidade de gerenciamento de risco e Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), estabeleceu fluxos para evitar contaminação cruzada, com o desenvolvimento de meios de divulgação para todas as equipes de enfermagem, mediante correios eletrônicos e mensagens via rede social. Isso porque o cuidado com fluxo de doentes suspeitos ou confirmados com doenças respiratórias e o uso racional de equipamento de proteção individual configuram pontos importantes na cadeia de disseminação da doença, dentro e fora dos serviços de saúde(88 Branco A, Milanesi R, Sakamoto VTM, Araujo BR, Caregnato RCA. SUS hospital emergency service: service flows for suspected or confirmed patients for COVID-19. Enferm Foco. 2020;11(1-spe.):199-204. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3759
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).

Visando estabelecer o fluxo de pessoas dentro da instituição, o número de acessos ao hospital foi limitado a duas entradas: uma entrada de usuários pela porta principal e outra de funcionários pela porta lateral. Profissionais de enfermagem foram escalados estrategicamente para orientação quanto aos sintomas gripais, oferta de máscaras e higienização das mãos com álcool em gel, bem como direcionamento de fluxos em áreas verdes (áreas livres de passagem) e vermelhas (áreas restritas para pacientes suspeitos ou contaminados com COVID-19).

Limitações do estudo

O presente estudo apresenta, como limitação, a ausência de um arcabouço metodológico estruturado, já que se trata de um relato de experiência. Se houvesse tempo hábil, um plano de ação fomentado com base no referencial de Ciência da Implementação asseguraria maior robustez ao conteúdo apresentado, no entanto a pandemia adentrou a realidade hospitalar sem permitir qualquer tipo de planejamento prévio.

Contribuições para a área da Enfermagem

A contribuição que este estudo oferece é nortear as ações decisórias da equipe de enfermagem por meio de ferramentas gerenciais disponíveis e sabidamente eficientes, possibilitando um atendimento adequado e especializado para atendimento dos pacientes suspeitos ou confirmados com COVID-19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se uma atuação significativa das equipes gestoras de enfermagem nesse contexto de pandemia, operando na elaboração de protocolos, procedimentos operacionais padrão, treinamentos diários com as equipes, busca de conhecimento e evidências para uma melhor assistência aos usuários. A pandemia exigiu enorme esforço dos gestores hospitalares e de serviços de enfermagem. Desafiou-os a agirem e pensarem em fluxos de atendimento de maneira rápida para a aplicação de princípios científicos envolvendo mobilização de competência profissional, administrativa, social e emocional etc., tendo como alvo o acolhimento de maneira rápida e eficiente dessa nova demanda de atendimento.

O cenário atual, advindo da COVID-19, impôs revisões estruturais e de processos, protocolos e rotas instituídas nas unidades de internação. Fez com que o enfermeiro gestor, em conjunto com as equipes (criadas no plano de atuação da Divisão de Enfermagem), compreendesse amplamente a fragilidade à qual o serviço de enfermagem estava exposto e, então, revisasse, construísse e reconstruísse diretrizes para um processo de trabalho eficaz, identificável e aplicável.

Portanto, evidencia-se a importância da educação permanente em serviço e da descrição das etapas de treinamento e elaboração de protocolos, com vistas ao trabalho seguro da equipe e ao aprendizado contínuo das equipes de enfermagem, transformando saberes, construindo pesquisas científicas e elaborando novos conhecimentos. Ainda há muito para aprender com as mudanças impostas pelo contexto pandêmico, entretanto é preciso acreditar que, diante de um cenário adverso, a profissão do enfermeiro emerge como uma grande âncora do serviço de saúde, trazendo reflexão acerca da importância do seu papel perante a sociedade.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2022
  • Aceito
    15 Ago 2022
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