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Estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos frente à pandemia de COVID-19

RESUMO

Objetivo:

compreender as vivências e estratégias de enfrentamento das crianças e adolescentes com doenças crônicas durante a pandemia de COVID-19.

Métodos:

estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado com seis crianças e adolescentes em acompanhamento ambulatorial de um hospital pediátrico do estado do Ceará. A coleta de dados foi realizada de abril a setembro de 2021, utilizando-se desenho-estória, analisada à luz dos critérios de Coutinho.

Resultados:

emergiram duas categorias temáticas: Situações vivenciadas por crianças e adolescentes em tempos de COVID-19; Estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes em seu processo de adoecimento crônico durante a pandemia de COVID-19.

Considerações finais:

a compreensão das vivências e estratégias de enfrentamento das crianças e adolescentes com adoecimento crônico demonstrou a expressão da imaginação criadora, incorporada por componentes subjetivos, que traz à tona aproximação com a realidade percebida e interpretada em um contexto de pandemia pela COVID-19.

Descritores:
Doença Crônica; Criança; Adolescente; Adaptação Psicológica; COVID-19

ABSTRACT

Objective:

to understand the experiences and coping strategies of children and adolescents with chronic illnesses during the COVID-19 pandemic.

Methods:

a descriptive study, with a qualitative approach, carried out with six children and adolescents at the reception of an outpatient clinic of a pediatric hospital in the state of Ceará. Data collection took place from April to September 2021, using story-drawing, analyzed in light of Coutinho’s criteria.

Results:

two thematic categories emerged: Situations experienced by children and adolescents in times of COVID-19; Coping strategies for children and adolescents in their chronic illness process during the COVID-19 pandemic.

Final considerations:

understanding the experiences and coping strategies of children and adolescents with chronic illness demonstrated the expression of creative imagination, incorporated by subjective components, which brings to light an approximation with the reality perceived and interpreted in a context of the COVID-19 pandemic.

Descriptors:
Chronic Illness; Children; Adolescent; Psychological Adaptation; COVID-19

RESUMEN

Objetivo:

comprender las experiencias y estrategias de afrontamiento de niños y adolescentes con enfermedades crónicas durante la pandemia de COVID-19.

Métodos:

estudio descriptivo, de enfoque cualitativo, realizado con seis niños y adolescentes en la recepción de un ambulatorio de un hospital pediátrico del estado de Ceará. La recolección de datos se realizó de abril a septiembre de 2021, mediante dibujo-cuento, analizados a la luz del criterio de Coutinho.

Resultados:

surgieron dos categorías temáticas: Situaciones que viven niños y adolescentes en tiempos de COVID-19; Estrategias de afrontamiento de niños y adolescentes en su proceso de enfermedad crónica durante la pandemia de COVID-19.

Consideraciones finales:

comprender las experiencias y estrategias de afrontamiento de niños y adolescentes con enfermedades crónicas demostró la expresión de la imaginación creativa, incorporado por componentes subjetivos, que pone de manifiesto una aproximación con la realidad percibida e interpretada en un contexto de pandemia de COVID-19.

Descriptores:
Enfermedad Crónica; Niño; Adolescente; Adaptación Psicológica; COVID-19

INTRODUÇÃO

A COVID-19, doença causada pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), acarretou diversos desafios sanitários, ocasionando o decreto de situação de pandemia, a partir do dia 11 de março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde(11 World Health Organization (WHO). Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 11 March 2020 [Internet]. World Health Organization; 2020 [cited 2020 Mar 11]. Available from: https://https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020
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). Tal ameaça constante e de amplo avanço global ocasionou um elevado número de mortes.

A situação da pandemia de COVID-19 até o encerramento da Semana Epidemiológica (SE) 50, em 17 de dezembro de 2022, registrou globalmente 652.754.818 de casos confirmados, com 6.664.842 óbitos. No Brasil, durante o mesmo período, o país ocupou a segunda posição em número de mortes, totalizando 691.863. No cenário local, o estado do Ceará apresentou a maior taxa de mortalidade (305,3 óbitos/100 mil habitantes) entre os estados da Federação(22 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial: doença pelo novo coronavírus -COVID-19 nº144, Semana Epidemiológica 50 [Internet]. 2022 [cited 2023 Jun 11]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2022/boletim-epidemiologico-no-144-boletim-coe-coronavirus
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).

Além disso, no Brasil, foram registrados 699 casos de óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave em crianças e adolescentes com idades entre seis e 19 anos. Entre esses casos, 329 foram confirmados como decorrentes da infecção por COVID-19. O adoecimento nessa faixa etária totalizou 30.234 casos, dos quais 5910 foram conformados como COVID-19 na SE 50 de 2022(22 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial: doença pelo novo coronavírus -COVID-19 nº144, Semana Epidemiológica 50 [Internet]. 2022 [cited 2023 Jun 11]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2022/boletim-epidemiologico-no-144-boletim-coe-coronavirus
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).

Diante disso, os órgãos de vigilância sanitária foram urgentes em adotar orientações e aplicar medidas como isolamento dos casos suspeitos e distanciamento físico e social, na tentativa de minimizar a disseminação da doença e a sobrecarga nos serviços de saúde com os casos positivos(33 World Health Organization (WHO). Director-General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 16 March 2020 [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 11]. Available from: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---16-march-2020
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). No pico da primeira onda da pandemia, buscando conter a pandemia, que ocorreu na SE 30 (19- 25/julho de 2020)(44 Conselho Nacional de Secretários (CONASS). Painel CONASS COVID-19 [Internet]. 2022 [cited 2023 Jun 11]. Available from: https://www.conass.org.br/painelconasscovid19/
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), foram instituídas medidas com a paralisação de atividades não essenciais e fechamento de algumas instituições (escolas, lojas, academias e igrejas), evitando a circulação de pessoas em espaços públicos.

Tais medidas trouxeram repercussões na vida das pessoas, alterando suas rotinas, enclausurando-as e afastando-as do convívio social, pela impossibilidade da convivência presencial e pela limitação do contato físico. Isso afetou o dia a dia da população no mundo, fazendo-se necessário encontrar estratégias de enfrentamento diário para se adaptar às condições impostas a esse momento.

Para este estudo, optou-se pela definição de Folkman e Moskowitz(55 Folkman S, Moskowitz J T. Positive affect and the other side of coping. Am Psychol. 2000;55(6):647–54. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.6.647
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), sob a perspectiva do modo como as pessoas lidam ou de quais recursos se utilizam, ou qual a capacidade de controle para se adaptar às circunstâncias adversas. Essas estratégias funcionam como um processo dinâmico e, dependendo do contexto, podem ser consideradas com diferentes focos. Os enfrentamentos podem ser classificados em dois focos: no problema (esforço para tentar alterar a origem do estresse, com objetivo de modificar) e na emoção (uma resposta gerada pelo cognitivo para diminuir o transtorno emocional diante de uma situação de estresse).

Entre os mais afetados, crianças e adolescentes deixaram de frequentar o ambiente escolar, e a convivência com seus pares e familiares ficou restrita em virtude do confinamento obrigatório (lockdown), o que acarretou agravos à saúde relacionados a questões emocionais e psicológicas, como ansiedade, depressão, fobias, alterações comportamentais e aumento do sedentarismo(66 Panda PK, Gupta J, Chowdhury SR, Kumar R, Meena AK, Madaan P, et al. Psychological and behavioral impact of lockdown and quarantine measures for covid-19 pandemic on children, adolescents and caregivers: a systematic review and meta-analysis. J Trop Pediatr. 2021;67(1):fmaa122. https://doi.org/10.1093/tropej/fmaa122
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). Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, na pandemia, essa população sofreu impactos severos tanto na saúde física quanto mental, como piora na crise educacional e aumento das vulnerabilidades, especialmente entre meninas(77 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Crianças e adolescentes estão sendo profundamente impactados pela pandemia de COVID-19, afirma diretora da OPAS. Washington, D.C., 15 de setembro de 2021 (OPAS) [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 11]. Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/15-9-2021-criancas-e-adolescentes-estao-sendo-profundamente-impactados-pela-pandemia-covid
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).

Frente a isso, e devido ao contexto novo e específico no qual esse público estava inserido, as estratégias de enfrentamento precisaram ser definidas e acontecer de formas diferenciadas, tornando-se necessárias conforme a situação e o agente estressor. Quando avaliadas as estratégias adotadas por crianças e adolescentes belgas (9-13 anos), identificou-se apoio social por meio de redes sociais, busca por distração, criação de uma atmosfera reconfortante e busca de informações sobre a doença(88 Cauberghe V, Jans S, Hudders L, Van I. Children's resilience during Covid-19 confinement: a child's perspective which general and media coping strategies are useful? J Community Psychol. 2022;50(3):1503– 20. https://doi.org/10.1002/jcop.22729
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). Ainda, uma das maneiras de observar as emoções das crianças e adolescentes é por meio da técnica de desenhos livres, a exemplo do desenho-estória de Trinca, utilizado nesta pesquisa(99 Trinca W. Formas compreensivas de investigação psicológica: procedimento de desenhos-estórias e procedimento de desenhos de família com estórias. São Paulo: Vetor; 2013. p. 268.).

No caso de crianças e adolescentes com doenças crônicas, a identificação dessas estratégias se torna ainda mais valiosas, uma vez que elas já apresentam alterações, desafios e adversidades em seu cotidiano por conta da doença. Tal vivência, referente à condição de saúde, pode implicar alguns riscos ou proporcionar condições de deficiências físicas ou incapacidades estruturais, de desenvolvimento, comportamentais ou emocionais, com distúrbios mentais a longo prazo, a depender da complexidade, gravidade da doença e das estruturas disponíveis para cada pessoa(1010 Mendes EV. Entrevista: a abordagem das condições crônicas pelo Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2018:23(2). https://doi.org/10.1590/1413-81232018232.16152017
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).

Frente ao exposto, buscou-se responder à seguinte questão norteadora: como as crianças e adolescentes com adoecimento crônico vivenciaram o momento de isolamento e distanciamento social e quais as estratégias de enfrentamento utilizadas por elas diante do cenário da pandemia de COVID-19?

Assim, perceber a criança ou o adolescente como uma pessoa adoecida cronicamente inclui a oportunidade de proporcionar a expressão de seus significados ou sentidos atribuídos frente à situação vivida em tempos de pandemia. Portanto, este estudo é necessário para compreensão da realidade atual, e acredita-se que os dados evidenciados contribuirão para favorecer reflexão sobre como fomentar estratégias de adaptação e suporte adequado ao cuidado que possa favorecer ações promocionais, preventivas e assistenciais ao bem-estar psicológico, físico, além da saúde mental no enfrentamento dessas ou de outras pandemias.

OBJETIVO

Compreender as vivências e estratégias de enfrentamento das crianças e adolescentes com doenças crônicas durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo atendeu à Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012(1111 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 [Internet]. 2012[cited 2022 Mar 11]. Available from: https://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2013/06_jun_14_publicada_resolucao.html
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), que trata das questões éticas envolvendo seres humanos. Todos os participantes assinaram os Termos de Consentimento e Assentimento Livre e Esclarecido, e tiveram seu anonimato preservado, sendo identificados com a letra C, para criança, e A, para adolescente, seguido de uma ordem numérica (C1/C2/C3/C4, A1/A2).

Tipo de estudo

Estudo descritivo com abordagem qualitativa. Com vistas à garantia da validade dos aspectos metodológicos, esta pesquisa seguiu o cheklist COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ)(1212 Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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).

Procedimentos metodológicos

Utilizou-se como referencial teórico metodológico o procedimento dos desenhos-estória, proposto por Trinca(99 Trinca W. Formas compreensivas de investigação psicológica: procedimento de desenhos-estórias e procedimento de desenhos de família com estórias. São Paulo: Vetor; 2013. p. 268.), como possibilidade de acolhimento e melhor compreensão da subjetividade das crianças, podendo abranger a sua vida, sua história, seu modo de ver e de pensar a realidade.

Levou-se em consideração, neste estudo, o desenho, por ser uma representação simbólica que ajuda esse público infanto-juvenil no desempenho e na expressão de sentimentos, pensamentos e percepções, além de ser facilitador para a comunicação em vistas da coleta de dados em uma pesquisa.

Cenário do estudo

O estudo foi realizado no ambulatório especializado no atendimento de crianças e adolescentes com doenças crônicas, em um hospital público pediátrico, localizado em Fortaleza, Ceará, Brasil.

Participantes do estudo

Foi abordado um total de oito crianças e adolescentes, das quais seis concordaram em participar - quatro crianças e dois adolescentes (acompanhados por um responsável) - e duas recusaram (justificado por indisposição). Foram incluídas crianças e adolescentes com idade de 6 a 13 anos (conforme faixa etária acompanhada no local de estudo), de ambos os sexos, com diagnóstico de pelo menos uma doença crônica, em tratamento/acompanhamento ambulatorial no hospital infantil (no momento da coleta de dados), que sabem comunicar verbalmente suas ideias e apresentar desenvolvimento psicomotor para realização do desenho. Excluíram-se aqueles que apresentaram dificuldade em compreender as instruções e/ou expressar suas ideias para desenvolver um estilo de representação consistente entre a produção gráfica e a palavra falada.

Coleta e organização dos dados

O estudo ocorreu no período de abril a agosto de 2021, sendo utilizado teste piloto com três participantes, cujos dados foram descartados. A amostra se deu por conveniência, não probabilística. Os participantes foram abordados de forma presencial, após a aceitação e aprovação do responsável legal, bem como as crianças ou adolescentes em participar da pesquisa. A seleção para coleta de dados ocorreu até o alcance das informações referentes aos objetivos traçados.

A coleta das informações foi realizada por uma pesquisadora, psicóloga, doutoranda em saúde coletiva e que, treinada em estudos qualitativos, desvelou como interesse investigar as emoções vividas em tempos adversos da pandemia. Inicialmente, o contato direto com os responsáveis da criança e/ou do adolescente ocorreu na sala de espera antes da consulta, sendo realizada uma breve apresentação do seu currículo e do objetivo do presente estudo.

Em seguida, os participantes foram direcionados para uma sala específica para entrevistas no ambulatório, que ocorreram em momento único. Nela foi aplicado um formulário de construção própria, junto ao adulto responsável pelo participante para caracterização da amostra quanto às variáveis idade, procedência, tipo de adoecimento crônico e escolaridade. O segundo instrumento utilizado foi o desenho-estória de Trinca(99 Trinca W. Formas compreensivas de investigação psicológica: procedimento de desenhos-estórias e procedimento de desenhos de família com estórias. São Paulo: Vetor; 2013. p. 268.). Para a atividade do desenho-estória, foram dispostos materiais às crianças e adolescentes, tais como lápis preto, folhas de papel A4, prancheta, caixa de lápis de cor com doze unidades e canetas coloridas.

Foi solicitado aos participantes a confecção de um desenho a partir da seguinte instrução: “Desenhe sobre como é para você conviver com uma doença crônica em tempos de pandemia do novo coronavírus”. Após a finalização da produção, eles foram convidados a contar sobre o que haviam desenhado, seja em forma de estória ou de explicação, de modo a atribuir o seu sentido ou significado de maneira verbal. Nesse momento, a pesquisadora registrou, de forma escrita, as informações verbalizadas pelos participantes. Essa aplicação aconteceu em um momento único, sem necessidade de repetir entrevistas, de maneira livre, individual, com duração média de 30 minutos.

Os dados (produções escritas e/ou verbalizadas) foram transcritos para a Microsoft Word, observando os depoimentos obtidos durante os registros no diário de campo, sem gravações (áudio ou visual). O desenho foi utilizado como um instrumento de comunicação, com foco na verificação de elementos simbólicos que fossem significativos durante a coleta de dados.

Análise dos dados

Utilizou-se a análise de conteúdo para desenhos baseada nos critérios descritos por Coutinho(1313 Coutinho MP, Saraiva ER. Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa: UFPB/Editora Universitária, 2011.), em suas cinco etapas, a saber: observação sistemática dos desenhos e temas; leitura flutuante dos conteúdos das estórias; seleção dos desenhos por semelhanças gráficas e/ou aproximação dos temas; exploração do material; e identificação dos núcleos de sentido, categorização e tratamento dos resultados.

As produções escritas e verbalizadas foram mantidas a uma análise de conteúdo utilizando o software webQDA(1414 Costa A, Moreira A, Souza F. WebQDA - Qualitative Data Analysis [Internet]. Aveiro- Portugal: Aveiro University and MicroIO; 2021[cited 2021 Jul 28]. Available from: https://www.webqda.net/
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). Os dados, que foram previamente transcritos para o Word, foram inseridos no sistema de fontes internas por meio de importação automática. No processo de concentração, os dados relacionados às crianças e adolescentes com doenças crônicas e suas experiências durante a pandemia de COVID-19 foram codificados automaticamente (casa, não brincar, foco no problema, foco na espiritualidade, foco na emoção) usando descritores, o que viabilizou a construção de categorias empíricas por meio da árvore de codificação.

Levou-se em consideração o desenho como um instrumento de comunicação, com foco na verificação de elementos simbólicos que fossem significativos, bem como a possível complementação das narrativas pós-desenho. Foram considerados as formas, o conteúdo e a harmonia como elementos que pudessem contemplar a análise de conteúdo veiculado.

RESULTADOS

Caracterização dos participantes

Compuseram a amostra quatro crianças e dois adolescentes com idades entre seis e 13 anos. Entre os participantes, cinco eram do sexo feminino e um do sexo masculino, residentes nas cidades cearenses de Itapipoca, Granja, Pacatuba, Quixeramobim e Fortaleza. Quanto às doenças crônicas, foram identificadas câncer (C1), mielomeningocele (C2), doença cardíaca, doença urológica e tumor (C3), pneumonia e asma (C4) anemia falciforme (A1) e doença renal (A2).

Durante a aplicação do instrumento desenho-estória de Trinca(99 Trinca W. Formas compreensivas de investigação psicológica: procedimento de desenhos-estórias e procedimento de desenhos de família com estórias. São Paulo: Vetor; 2013. p. 268.), percebeu-se no feedback (depoimentos) que a proposta resultou em movimentos positivos pelos participantes no desenvolvimento e na expressão de sua atividade.

Dessa forma, os temas foram derivados das produções inerentes da coleta de dados, que emergiram em duas categorias temáticas: Situações vivenciadas por crianças e adolescentes em tempos de COVID-19; e Estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes em seu processo de adoecimento crônico durante a pandemia de COVID-19.

Situações vivenciadas por crianças e adolescentes em tempos de COVID-19

A leitura dos desenhos possibilitou à pesquisadora compreensão psicológica da realidade dos participantes, que esboçaram suas angústias, medos e percepções da realidade no momento pandêmico, elencada na primeira categoria. O Quadro 1 apresenta o relato dos sentimentos de alguns participantes e desenhos em relação às situações vivenciadas pelos participantes durante a pandemia de COVID-19.

Quadro 1
Situações vivenciadas pelos participantes durante a pandemia de COVID-19. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2022

Estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes em seu processo de adoecimento crônico durante a pandemia de COVID-19

Sobre as estratégias de enfrentamento, percebeu-se que elas foram diferentes para cada participante. Enquanto um expressou que recorreu à espiritualidade, com a exposição de um anjo (foco na espiritualidade, emoção), outra trouxe o uso de suas habilidades para enfrentar situações durante a COVID-19 (foco no problema), e outra ainda apresentou a sua família (foco na emoção) como forma de recorrência, conforme se encontra exposto nos desenhos. Por outro lado, outros participantes (C1, C2 e A1) não evidenciaram estratégias de enfrentamento, seja em suas falas ou nos desenhos.

O Quadro 2 apresenta a materialização dos sentimentos de alguns participantes por meio do desenho em relação às estratégias de enfrentamento nas situações de crise nas crianças e adolescentes em seu processo de adoecimento crônico durante a pandemia de COVID-19.

Quadro 2
Estratégias de enfrentamento nas situações de crise nas crianças e adolescentes em seu processo de adoecimento crônico durante a pandemia de COVID-19. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2022

DISCUSSÃO

A exigência de ficar dentro de casa como parte das recomendações de isolamento social foi imposta pelos órgãos de vigilância sanitária para prevenir, controlar e minimizar a disseminação da COVID-19 a níveis local e global(33 World Health Organization (WHO). Director-General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 16 March 2020 [Internet]. 2020 [cited 2020 Mar 11]. Available from: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---16-march-2020
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,1515 Anderson RM, Heesterbeek H, Klinkenberg D, Hollingsworth TD. How will country-based mitigation measures influence the course of the COVID-19 epidemic. Lancet. 2020;395(10228):931-4. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30567-5
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). Essa tornou-se uma das intervenções não farmacológicas mais eficientes, uma vez que à época, período de alta mortalidade (início do ano de 2020), ainda não existiam vacinas específicas para a doença(1616 Souza ASR, Amorim MMR, Melo AS, Delgado AM, Florêncio ACMC, Oliveira TV, et al. General aspects of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021;21(suppl 1). https://doi.org/10.1590/1806-9304202100S100003
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).

Nesse cenário, o presente estudo observou que as vivências e estratégias de enfrentamento, nas situações de crise das crianças e adolescentes com doenças crônicas durante a pandemia de COVID-19, foram expressas por meio de relatos orais e desenhos. Foi possível perceber similaridade em relação às vivências dos participantes durante a pandemia pela COVID-19, como se observa na primeira categoria, descrita no Quadro 1.

As representações dos participantes foram posições vividas semelhantes à realidade encontrada por grande parte da população no mundo, quando existiu a necessidade de estar dentro de casa durante o período de pico da primeira onda de pandemia. Essas posições foram observadas, principalmente, nos desenhos de C1 e C2, em que foi expressa uma representação em formato de X na porta e nas janelas, lembrando uma placa de “proibido sair ou entrar”. Ficar em casa gerou uma sensação de clausura, de prisão ou confinamento entre esses dois participantes.

A emoção negativa associada ao confinamento generalizado pela quarentena foi algo demonstrado com a mesma semelhança em outro estudo, realizado em Wuhan, que apontou para perda de controle e sensação de estar preso em virtude de vários fatores, tais como um número crescente de novos casos, a gravidade da situação e a imposição de medidas(1717 Rubin GJ, Wessely S. The psychological effects of quarantining a city. BMJ. 2020;368:m313. https://doi.org/10.1136/bmj.m313
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).

Para além da questão de ter que ficar em casa, aliado à necessidade de cumprir medidas de isolamento social, esta pesquisa também alcançou outro aspecto importante na vida dos participantes: a perspectiva do não poder mais brincar, lembrada a partir das amostras dos desenhos e da complementação dos extratos das falas, que foram bastante expressivas por A1, C1 e C2.

As falas mostram o impedimento de fazer atividades ao ar livre, não dentro de casa, demonstrando o desejo de ter um estilo de vida mais ativo e aparentemente mais dinâmico, com a necessidade de explorar o que está fora, tocar em objetos, na natureza e interagir com outras crianças. O contrário foi percebido por Souza et al.(1616 Souza ASR, Amorim MMR, Melo AS, Delgado AM, Florêncio ACMC, Oliveira TV, et al. General aspects of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021;21(suppl 1). https://doi.org/10.1590/1806-9304202100S100003
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), em que as crianças narraram que, mesmo em tempos de medidas de quarentena, continuaram brincando, seja dentro de casa e/ou no contexto familiar.

Ainda conforme descrito na literatura, em algumas brincadeiras, os participantes incluíram o vírus e as mudanças pelas quais passaram em suas vidas nesse período, por exemplo: vivências de brincadeiras como higienizar as mãos de boneca para evitar que elas fossem contaminadas; brincar de médico para realizar diagnósticos nos irmãos, se era ou não COVID-19; em outros tipos de brincadeiras, o vírus funcionava sempre como um vilão maligno(1717 Rubin GJ, Wessely S. The psychological effects of quarantining a city. BMJ. 2020;368:m313. https://doi.org/10.1136/bmj.m313
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,1818 Ogueji IA, Okoloba MM, Ceccaldi BMD. Coping strategies of individuals in the United Kingdom during the COVID-19 pandemic. Curr Psychol. 2021;41:7493-9. https://doi.org/10.1007/s12144-020-01318-7
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).

O isolamento social possivelmente não impediu as crianças de brincarem, mas as desafiou a modificar os hábitos utilizados no brincar, incluindo o imaginário e o “faz de conta”. Tais experiências ou reações demonstram que as crianças reencenaram o evento traumático incluindo o personagem coronavírus em suas brincadeiras, relacionando-o com o que ocorreu ou como foi absorvido em suas experiências de vida.

Ainda sob a perspectiva do brincar, verifica-se que a criança constrói seus significados sociais e históricos, explora o ambiente, estabelece relações sociais e estimula a sua imaginação e o intelecto. Por meio da brincadeira, há um processo de construção do conhecimento que pode auxiliar no equilíbrio das tensões provenientes de seu mundo cultural para posterior construção de sua individualidade, marca pessoal e sua personalidade(1919 Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes; 1984.).

Por se tratar de uma temática abrangente e nova, esta pesquisa possibilitou impetrar outra perspectiva, proveniente das experiências pessoais dos participantes, a qual contempla as estratégias de enfrentamento frente às situações de crise em seu processo de adoecimento crônico durante a pandemia de COVID-19, descrita na segunda categoria.

Tais estratégias de enfrentamento são semelhantes às evidenciadas em estudo realizado no Reino Unido com jovens e adultos durante a pandemia de COVID-19, em que os participantes revelaram formas de enfrentamento com foco na socialização e apoio entre os familiares, sendo facilitado não por vivências de aproximação física, mas por meio de videochamadas. Outra estratégia incluiu a participação em atividades de meditação, com um foco mais na espiritualidade, e teve ainda a prática de exercícios e alimentação saudável(1818 Ogueji IA, Okoloba MM, Ceccaldi BMD. Coping strategies of individuals in the United Kingdom during the COVID-19 pandemic. Curr Psychol. 2021;41:7493-9. https://doi.org/10.1007/s12144-020-01318-7
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).

Por outro lado, pesquisa que analisou as repercussões emocionais da pandemia para adolescentes em São Paulo (Brasil) observou que o principal recurso adaptativo utilizado pelos participantes foi a distração com atividades por meio da internet e das redes sociais, a partir de iniciativas próprias do adolescente(2020 Gadagnoto TC, Mendes LMC, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA, Barbosa NG. Emotional consequences of the COVID-19 pandemic in adolescents: challenges to public health. Rev Esc Enferm USP. 2022;56:e20210424. https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0424
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). Esses aspectos diferiram da presente pesquisa, na qual a utilização da internet não foi mencionada pelos adolescentes e pelas crianças, o que pode estar relacionado ao nível socioeconômico dos participantes e acesso a tecnologias digitais.

Nesse sentido, outro estudo na República da Coreia e nos Estados Unidos também destacou a importância da utilização de atividades online como estratégia para o enfrentamento com foco no problema, por meio de buscas por ações criativas e culturais durante a pandemia em museus, galerias e outras entidades educativas de forma virtual. É válido notar que eram os pais que procuravam essas atividades artísticas e artesanais de eventos virtuais para o aprendizado, fazendo investimento no tempo gasto com seus filhos, ocupando-os e fornecendo algum valor educacional(2121 Choi M, Tessler H, Kao, G. Arts and crafts as an educational strategy and coping mechanism for Republic of Korea and United States parents during the COVID-19 pandemic. Int Rev Educ. 2020;66(5):715-35. https://doi.org/10.1007/s11159-020-09865-8
https://doi.org/10.1007/s11159-020-09865...
).

Logo, é importante salientar o valioso papel dos familiares, profissionais de saúde, bem como da rede de apoio das crianças e dos adolescentes, no sentido de auxiliá-los nesse processo de enfrentamento das dificuldades evidenciadas em uma situação de crise mundial por meio do direcionamento, apoio e estímulo a ações que contribuam para o alívio do seu sofrimento, principalmente no contexto de isolamento social. Contar com o apoio familiar foi também uma das formas de enfrentamento evidenciada na presente pesquisa, por meio da fala de A2, na qual a genitora, ao perceber o despertar da leitura, forneceu livros em estímulo à filha.

A ausência de tais direcionamentos e atitudes que acolham esses indivíduos, fornecendo-lhes condições para a implementação de medidas adaptativas que façam eles se sentiram melhor, pode funcionar como um obstáculo na elaboração e no desenvolvimento de estratégias efetivas para a melhoria do seu bem-estar, contribuindo para a manutenção do seu sofrimento(2020 Gadagnoto TC, Mendes LMC, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA, Barbosa NG. Emotional consequences of the COVID-19 pandemic in adolescents: challenges to public health. Rev Esc Enferm USP. 2022;56:e20210424. https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0424
https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP...
).

Em concordância com outros estudos(2222 Forti S, Serbena CA, Scaduto AA. Mensuração da espiritualidade/religiosidade em saúde no Brasil: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(4). https://doi.org/10.1590/1413-81232020254.21672018
https://doi.org/10.1590/1413-81232020254...
,2323 Cunha VF, Rossato L, Scorsolini-Comin F. Religião, religiosidade, espiritualidade, ancestralidade: tensões e potencialidades no campo da saúde. Rev R Thréske. 2021;10(1):143-70. https://doi.org/10.5380/rt.v10i1.79730
https://doi.org/10.5380/rt.v10i1.79730...
,2424 Venkatesh V. Impacts of COVID-19: a research agenda to support people in their fight. Int J Inf Manage. 2020;55:102197. https://doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2020.102197
https://doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2020...
), foi observado que as crianças e adolescentes utilizaram estratégias com foco na espiritualidade, modo expressivo para o encontro com a sensação de amor, conforto, apoio e proteção de Deus, cooperando para o enfrentamento e a adaptação de situações estressantes, inclusive quando se trata de saúde, cuidado e humanização. O foco da espiritualidade foi evidenciado de maneira positiva e adaptativa neste estudo, funcionando como recurso ativo e significativo associado ao bem-estar psicológico em diversas circunstâncias difíceis e até em diferentes países, mediante a capacidade de lidar com a situação estressante.

Não obstante, ressalta-se que, de modo geral, não existe uma ordem ou enquadramento de classificação em relação às estratégias de enfrentamento, na tentativa simplista de afirmá-las como boas ou más adaptativas ou desadaptativas, visto que elas podem ser alteradas de acordo com o tempo e a situação de estresse(2525 Chaves BL, Mendes TN. Estratégias de enfrentamento utilizadas para parar de fumar após diagnóstico de câncer: dois estudos de caso. Psicol Hosp (São Paulo) [Internet]. 2013[cited 2021 Jul 28];11(1):25-51. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ph/v11n1/v11n1a03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ph/v11n1/v...
). O modo de se enfrentar uma situação estressante, em qualquer fase da vida de uma pessoa, envolve questões de cunho subjetivo, disponibilidade de recursos e esforço, na tentativa de administrar ou lidar com um estressor.

Ademais, os efeitos da pandemia junto à situação de isolamento, mudanças drásticas nas rotinas das pessoas e à ameaça do acometimento pela doença, podem ocasionar impacto psicológico(2626 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395:912-20. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
). Reações emocionais e alterações comportamentais foram evidenciadas solidamente pela literatura, de forma direta ou indireta, tais como medo, insegurança, preocupação, tristeza, irritabilidade, tédio, sensação de solidão, falta de ânimo, sentimentos de desesperança, ansiedade, sedentarismo, estresse, além de impaciência(2727 Sallis JF, Pratt M. Multiple benefits of physical activity during the Coronavirus pandemic. Rev Bras Ativ Fís Saúde [Internet]. 2020 [cited 2023 Jul 28];25:1-5. Available from: https://rbafs.emnuvens.com.br/RBAFS/article/view/14268
https://rbafs.emnuvens.com.br/RBAFS/arti...
,2828 Golberstein E, Wen H, Miller BF. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and mental health for children and adolescents. JAMA Pediatr. 2020;174 (9):819-20. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2020.1456
https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2...
).

Certamente, as pessoas foram também impactadas negativamente em seu bem-estar psicológico, ocasionando problemas comportamentais e emocionais, sentimentos negativos, principalmente em períodos críticos da pandemia. Informações sobre essas reações indicam a seriedade e a gravidade da conjuntura vivenciada frente aos desdobramentos associados a esse novo vírus.

Limitações do estudo

Evidenciou-se como limitações neste estudo o contexto e o momento de crise pandêmica da COVID-19, tendo em vista que nem todas as pessoas estavam vacinadas no período de realização da pesquisa. Além disso, as restrições de isolamento social e outras medidas para prevenção da propagação do vírus geraram alguns entraves para o desenvolvimento do estudo. Esses aspectos limitaram o quantitativo de participantes e prolongaram o tempo de realização do estudo. Não foi possível a devolução das transcrições aos participantes e um momento de feedback sobre os resultados.

Contribuições para a saúde

Os resultados do estudo apresentam informações relevantes para o contexto de cuidados a crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, trazendo importantes aspectos que permeiam o seu cotidiano e sua experiência diante da pandemia de COVID-19.

As discussões apresentadas acerca dos sentimentos negativos evidenciados pelos participantes frente ao isolamento social, bem como das estratégias de enfrentamento e adaptação utilizadas para alívio do sofrimento nesse período, podem auxiliar os profissionais de saúde na fundamentação do seu processo de trabalho, visando um cuidado integral a crianças e adolescentes com doenças crônicas.

Isso é valioso, pois, para além das fragilidades impostas pelo adoecimento crônico, esses profissionais precisam vislumbrar um contexto que não envolve apenas o corpo físico, mas também as dimensões psicológicas, sociais e espirituais. Assim, a partir da percepção dessas vivências e estratégias, a equipe de saúde pôde reorganizar o planejamento de suas ações, incluindo orientações aos familiares acerca da sua importância junto à criança e ao adolescente em momentos de crise, fomento às práticas que aliviam o sofrimento e elaboração de uma assistência sensível à escuta das necessidades desse público infantil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vivências das crianças e adolescentes foram observadas por meio dos desenhos como uma marca de tempos da contemporaneidade, evidenciando, por meio de aspectos subjetivos, uma doença que atingiu o mundo e fez com que todos ficassem dentro de casa. Esse aspecto vivido refletiu entre os participantes, e pôs em pauta a ruptura abrupta das rotinas e, sobretudo, o impedimento de brincar.

Foi presumível ainda observar que a vida cotidiana, repleta de restrições, introduziu estratégias de enfrentamento percebidas de formas diferenciadas, mas vistas como positivas e de adaptação frente a uma experiência adversa, em que o agente estressor ocorreu em decorrência da pandemia. Assim, a compreensão das vivências e estratégias de enfrentamento das crianças e adolescentes com adoecimento crônico demonstrou a expressão da imaginação criadora, incorporada por componentes subjetivos, que traz à tona aproximação com a realidade percebida e interpretada em um contexto de pandemia pela COVID-19. Por fim, sugere-se a replicação deste estudo no momento pós-pandemia, a fim de perceber as repercussões mais duradouras entre os participantes.

DISPONIBILIDADE DE DADOS E MATERIAL

https://doi.org/10.48331/scielodata.8CGEIP

  • Errata
    No artigo “Estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos frente à pandemia de COVID-19”, com número DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2023-0045, publicado no periódico Revista Brasileira de Enfermagem, 2023;76(Suppl 2):e20230045, na autoria:
    Onde se lia:
    Edna Maria Campelo ChavesI
    ORCID: 0000-0001-9658-0377
    Como citar este artigo:
    Custódio LL, Costa DCCO, Menezes CPSR, Figueiredo SV, Maia JA, Jorge MSB. Coping strategies for chronically ill children and adolescents facing the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2023;76(Suppl 2):e20230045. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2023-0045
    Lê-se:
    Edna Maria Camelo ChavesI
    ORCID: 0000-0001-9658-0377
    Como citar este artigo:
    Custódio LL, Costa DCCO, Menezes CPSR, Figueiredo SV, Maia JA, Jorge MSB, et al. Coping strategies for chronically ill children and adolescents facing the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2023;76(Suppl 2):e20230045. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2023-0045
  • FOMENTO
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2023
  • Aceito
    25 Set 2023
  • Corrigido
    28 Dez 2023
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