Estresse percebido por mototaxistas e sua relação com características sociodemográficas e ocupacionais

RESUMO

Objetivo:

Investigar associação de características sociodemográficas e ocupacionais com alto nível de estresse percebido em mototaxistas.

Método:

Estudo transversal realizado com mototaxistas que responderam a instrumentos sobre variáveis sociodemográficas e ocupacionais - Perceived Stress Scale, Job Content Questionnaire e Effort-Reward Imbalance. Empregou-se a estatística descritiva, teste qui-quadrado de Pearson e regressão de Poisson com variância robusta. A significância estatística foi 5%.

Resultados:

Dos 800 mototaxistas, 46,8% apresentaram alto nível de estresse percebido. Na análise multivariada, o alto nível de estresse foi associado com baixo controle sobre o trabalho (RP=7,76; IC95%=5,19-11,61), baixo suporte social no trabalho (RP=3,87; IC95%=2,95 5,08), jornada de trabalho maior que oito horas por dia (RP=1,47; IC95%=1,21-1,78) e renda mensal menor ou igual a dois salários mínimos (RP=1,34; IC95%=1,13-2,58).

Conclusão:

Extensa jornada de trabalho, estressores ocupacionais e baixa renda foram associados ao alto nível de estresse percebido. Políticas públicas e intervenções para minimizar estressores ocupacionais são imprescindíveis.

Descritores:
Motocicletas; Estresse; Saúde do Trabalhador; Condições de Trabalho; Saúde do Homem

ABSTRACT

Objective:

To investigate the association of sociodemographic and occupational characteristics with a high level of perceived stress in motorcycle taxi drivers.

Method:

Cross-sectional study carried out with motorcycle taxi drivers who answered instruments on sociodemographic and occupational variables - Perceived Stress Scale, Job Content Questionnaire and Effort-Reward Imbalance. Descriptive statistics, Pearson’s chi-square test and Poisson regression with robust variance were used. Statistical significance was 5%.

Results:

Of the 800 motorcycle taxi drivers, 46.8% had a high level of perceived stress. In the multivariate analysis, a high level of stress was associated with low control over work (PR=7.76; 95%CI=5.19-11.61), low social support at work (PR=3.87; 95%CI =2.95 5.08), working hours longer than eight hours a day (RP=1.47; 95%CI=1.21-1.78) and monthly income less than or equal to two minimum wages (PR=1.34;95%CI=1.13-2.58).

Conclusion:

Long working hours, occupational stressors and low income were associated with a high level of perceived stress. Public policies and interventions to minimize occupational stressors are essential.

Descriptors:
Motorcycles; Stress; Occupational Health; Working Conditions; Men’s Health

RESUMEN

Objetivo:

Investigar relación de características sociodemográficas y ocupacionales con alto nivel de estrés percibido en mototaxistas.

Método:

Estudio transversal realizado con mototaxistas que respondieron a instrumentos sobre variables sociodemográficas y ocupacionales - Perceived Stress Scale, Job Content Questionnaire y Effort-Reward Imbalance. Empleado la estadística descriptiva, prueba chi-cuadrado de Pearson y regresión de Poisson con varianza robusta. La relevancia estadística fue 5%.

Resultados:

De los 800 mototaxistas, 46,8% presentaron alto nivel de estrés percibido. En el análisis multivariado, el alto nivel de estrés fue relacionado con bajo control sobre el trabajo (RP=7,76; IC95%=5,19-11,61), bajo soporte social en el trabajo (RP=3,87; IC95%=2,95 5,08), jornada laboral mayor que ocho horas al día (RP=1,47; IC95%=1,21-1,78) y renta mensual menor o igual a dos salarios mínimos (RP=1,34; IC95%=1,13-2,58).

Conclusión:

Extensa jornada laboral, estresores ocupacionales y baja renta fueron relacionados al alto nivel de estrés percibido. Políticas públicas e intervenciones para minimizar estresores ocupacionales son imprescindibles.

Descriptores:
Motocicletas; Estrés; Salud del Empleado; Condiciones de Trabajo; Salud del Hombre

INTRODUÇÃO

O mototaxismo é uma ocupação regulamentada desde 2009 no Brasil, existente na maior parte das cidades, especialmente nas pequenas e de médio porte(¹). Esse trabalho é realizado predominantemente por homens e tornou-se vantajoso e atrativo por permitir a gestão do próprio negócio, dar a opção de os trabalhadores serem facilmente localizados em diversos pontos espalhados na cidade e oferecer uma fonte de renda para o sustento pessoal e da família(²).

Apesar das oportunidades de trabalho geradas pelo mototaxismo, esses trabalhadores estão submetidos a precárias condições laborais(³-⁵), que podem predispor ao surgimento e sustentação de níveis elevados de estresse. Entre essas condições de trabalho, incluem-se a violência urbana e as adversidades ambientais, como trânsito, ruídos, variações climáticas, poluição, entre outras(⁶). Trabalhar no trânsito é, por si só, um fator de estresse e pode causar fadiga, ansiedade, depressão, fobias, doenças cardiovasculares, agressividade, problemas gastrointestinais e musculoesqueléticos, dores nas costas e pescoço, entre outros problemas(⁷).

Dentre as condições precárias de trabalho que podem estar relacionadas ao estresse, destacam-se as características da jornada de trabalho dos mototaxistas, como o ritmo intenso, de seis a sete dias por semana e de oito horas ou mais por dia, muitas vezes com emendas de turnos e sem pausa ou local apropriado para descanso(⁶-⁷). A intensa e repetitiva rotina diária de trabalho e em ambiente precário, além de ser fonte geradora de estresse, pode afetar a saúde de modo geral, a produtividade e a satisfação no trabalho(⁶). A persistência do trabalho nessa rotina pode elevar o nível de estresse percebido e causar alterações físicas e/ou psíquicas, que determinam o declínio progressivo das condições de saúde e da qualidade de vida(²-⁵,⁷) e o afastamento temporário ou permanente das atividades laborais(³-⁴).

Os mototaxistas estão expostos também aos aspectos psicossociais do trabalho, conhecidos como estressores ocupacionais, que incluem o controle sobre as tarefas desenvolvidas, a demanda psicológica, o suporte social no trabalho(⁸-⁹) e o comprometimento excessivo (¹⁰-¹³), dentre outros. Esses estressores podem ser considerados potenciais fatores de risco para o aparecimento de patologias psicológicas e/ou físicas no trabalhador(⁶). Dessa perspectiva, existem evidências de que o trabalho do mototaxista é desenvolvido em situação de alta exigência, a qual conjuga alta demanda psicológica e baixo controle sobre as atividades desenvolvidas e têm impactos negativos sobre a percepção de qualidade de vida desses trabalhadores (⁴-⁶).

As características da jornada de trabalho dos mototaxistas e os estressores ocupacionais, também podem favorecer a adoção de estilos de vida pouco saudáveis como a falta de horários específicos para refeições, sono e repouso; a realização de refeições na rua propiciando o consumo de alimentos hipercalóricos e ultraprocessados; a falta de tempo ou de vontade para a atividade física no lazer; a permanência por tempo excessivo em comportamento sedentário, a exposição ao tabagismo(¹⁴); e o consumo excessivo de bebida alcoólica(¹⁵). Assim, a atividade ocupacional e sua interação com os fatores ambientais, comportamentais e genéticos podem implicar maior nível de estresse e se constituírem em preditores de risco cardiovascular(³,¹⁴,¹⁶).

Persiste na literatura a lacuna de conhecimento acerca do nível de estresse percebido em mototaxistas e da sua relação com características sociodemográficas e ocupacionais, incluindo, nestas últimas, as variáveis da jornada de trabalho e os estressores ocupacionais. Os poucos estudos envolvendo essa classe de trabalhadores exploraram a ocorrência de acidentes de trânsito(¹⁴,¹⁷-¹⁹) ou focalizaram os estressores ocupacionais como exposição principal para desfechos como qualidade de vida, capacidade para o trabalho e nível de atividade física(³-⁵).

É válido destacar que esse grupo de trabalhadores é, majoritariamente, formado por homens. Eles, pelas construções sociais do ser homem, têm dificuldades para verbalizar o que sentem, demonstrar fraqueza e se dedicar ao cuidado de si. Persiste, ainda, na sociedade brasileira, a cultura de que devem ser fortes, invulneráveis e desempenhar o papel de provedor da família(²⁰). A cultura da masculinidade evidencia a necessidade de ações de promoção à saúde, prevenção e controle dos fatores de risco cardiovascular em mototaxistas, com foco nas questões de gênero, no planejamento do cuidado e redução de incapacidades e da mortalidade por doenças cardiovasculares.

A identificação de fatores associados a elevados níveis de estresse percebido em mototaxistas pode orientar a implementação de políticas públicas e práticas do cuidado em saúde e enfermagem voltadas à promoção da saúde e proteção dessa classe trabalhadora. Convém destacar que o resultado positivo do planejamento de ações de prestação de serviços de saúde e de segurança nos locais de trabalho desenvolvidas pela enfermagem do trabalho é fundamental para oferecer maior segurança no trabalho, melhor desempenho e minimização do absenteísmo e melhora da qualidade de vida do trabalhador. O estudo fomenta a discussão dos riscos ocupacionais a que estão expostos os mototaxistas e que podem afetar a qualidade de vida e capacidade para o trabalho desses trabalhadores, assim como do direito de terem asseguradas condições dignas de trabalho.

OBJETIVO

Investigar a associação de características sociodemográficas e ocupacionais com o alto nível de estresse percebido em mototaxistas.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e atendeu às recomendações de pesquisas nacionais e internacionais com seres humanos.

Desenho, período e local do estudo

Estudo de corte transversal, integrante do projeto-matriz intitulado “Fatores associados ao excesso de peso e ao risco cardiovascular em mototaxistas”, que foi realizado com mototaxistas do município de Jequié, estado da Bahia (BA), Brasil, no período de janeiro a outubro de 2017. O presente estudo foi construído de acordo com a ferramenta Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE).

Amostra

A amostra foi constituída por 800 mototaxistas escolhidos por conveniência devido à natureza informal do trabalho que realizam. Os critérios de inclusão foram trabalhar como mototaxista há um ano no mínimo, ter idade mínima de 21 anos e ser do sexo masculino. Foram excluídos mototaxistas com outro trabalho ou ocupação, em uso de medicamentos para perder peso e submetidos a cirurgia bariátrica no ano anterior à coleta de dados. No cálculo amostral, adotou-se a prevalência esperada de 50% para o desfecho, precisão de 5%, nível de confiança de 95% e poder de 80%, adicional de 20% para perdas, chegando-se a uma amostra de 398 mototaxistas. O cálculo visou identificar se a amostra obtida para o projeto-matriz tinha o poder de detecção das associações pretendidas neste estudo.

Protocolo do estudo

Os dados foram coletados por dois acadêmicos de doutorado em Enfermagem e uma enfermeira, devidamente treinados. Os mototaxistas foram abordados nos pontos de mototáxi, localizados nas ruas do município de Jequié - BA, quando aguardavam a solicitação de serviço. Verificou-se o atendimento aos critérios de inclusão e exclusão e solicitou-se a participação no estudo. A leitura, esclarecimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram realizados. Os dados foram obtidos por meio de quatro instrumentos do projeto-matriz, incluídos em plataforma digital de acesso gratuito (Google Forms) e instalados em tablet para aplicação durante a entrevista.

A variável dependente foi o nível de estresse percebido, mensurado pela Perceived Stress Scale (PSS-10), desenvolvida por Cohen(²¹). Originalmente com 14 itens, a versão reduzida de dez itens foi adaptada transculturalmente(²²) e validada no Brasil para diversos grupos etários(²³). Os itens são constituídos por escala Likert de resposta de cinco pontos: 0 = nunca; 1 = quase nunca; 2 = às vezes; 3 = quase sempre; a 4 = sempre. As questões possuem conotação positiva ou negativa, sendo que as positivas devem ter a pontuação invertida. O escore é estimado pela soma das pontuações, com variação de 0 a 40(²¹-²²). Os níveis de estresse percebido inicialmente foram categorizados em: baixo (0 a 13 pontos); moderado (14 a 26 pontos); e alto (27 pontos ou mais). Para as análises, essa variável foi dicotomizada em: 0 - Baixo/Moderado; e 1 - Alto nível de estresse(²⁴).

As variáveis independentes foram as características sociodemográficas (idade, situação conjugal, escolaridade, raça/cor da pele autorreferida e renda mensal do mototaxista em salários mínimos) e as características ocupacionais relacionadas ao tempo de trabalho como mototaxista (em anos), a jornada de trabalho (n° de dias de trabalho por semana, n° de horas de trabalho por dia, n° de turnos de trabalho por dia e pausa para descanso) e aos estressores ocupacionais (controle sobre o trabalho, demanda psicológica, suporte social no trabalho e comprometimento excessivo com o trabalho). Essas variáveis foram levantadas por um inquérito sociodemográfico e ocupacional formado por perguntas fechadas e semiestruturadas. Os estressores ocupacionais foram investigados pelos instrumentos descritos a seguir.

Job Content Questionnaire (JCQ): aplicou-se a versão validada para trabalhadores formais e informais do Brasil(⁹). Dentre as dimensões do JCQ, foram avaliadas: demanda psicológica (8 itens), controle sobre o trabalho (9 itens) e suporte social no trabalho (5 itens). As questões são constituídas por escala Likert de quatro pontos, com escores que variam de 1 (discordo fortemente) a 4 (concordo fortemente). O escore de cada dimensão foi estimado pela soma da pontuação recebida nas questões e dicotomizado em nível baixo (menor ou igual à mediana) e nível alto (maior que a mediana).

Effort-Reward Imbalance: idealizado por Siegrist(¹⁰) e adaptado ao português brasileiro para o público de trabalhadores(¹¹), o instrumento avalia três dimensões: esforço (6 itens), recompensa (11 itens) e excesso de comprometimento com o trabalho (6 itens). Neste estudo, analisou-se apenas o comprometimento excessivo com o trabalho, que reflete um investimento de maior esforço pelo trabalhador com o objetivo de aprovação e melhor estima(¹¹-¹²). Os itens são compostos por escala Likert de quatro pontos (concordo totalmente a discordo totalmente). O comprometimento excessivo foi dicotomizado em “ausente” e “presente”, tendo como ponto de corte a mediana(²⁵).

Análise dos resultados e estatística

O banco de dados foi organizado no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0; e as análises foram processadas no Stata, versão 15. Na análise bivariada, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson, com estimativa da prevalência e da razão de prevalência bruta (RP), com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. As variáveis que apresentaram p ≤ 0,20 na análise bivariada entraram na análise múltipla, realizada pelo modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Adotou-se o procedimento backward e, para escolha do melhor modelo, o Critério de Informação de Akaike. A significância estatística foi de 5%. A multicolinearidade foi descartada pela análise do VIF médio e das variáveis individualmente menores que 10.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída por 800 mototaxistas, dos quais quase a metade apresentou alto nível de estresse percebido (46,8%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos mototaxistas (N = 800) segundo o nível de estresse percebido, características sociodemográficas e ocupacionais, Jequié, Bahia, Brasil, 2017

Variáveis	n	%
Nível de estresse percebido
Baixo	188	23,5
Moderado	238	29,7
Alto	374	46,8
Características sociodemográficas
Faixa etária
Até 35 anos	462	57,8
≥ 36 anos	338	42,2
Escolaridade
Ensino fundamental	272	34,0
Ensino médio/superior	528	66,0
Situação conjugal
Sem companheiro(a)	297	37,1
Com companheiro(a)	503	62,9
Raça/cor da pele autorreferida
Negros	472	59,0
Não negros	328	41,0
Renda mensal do mototaxista*
> 2 Salários	672	84,0
≤ 2 Salários	128	16,0
Características ocupacionais
Jornada de trabalho
Tempo de trabalho em anos
≤ 7 anos	461	57,6
> 7 anos	339	42,4
Dias de trabalho/semana
≤ 5 dias	267	33,38
6-7 dias	533	66,63
Horas de trabalho/dia
≤ 8 horas	218	27,3
> 8 horas	582	72,7
Turnos de trabalho/dia
Diurno	482	60,3
Noturno	318	39,7
Pausa para descanso
Sim	365	45,6
Não	435	54,4
Estressores ocupacionais
Controle sobre o trabalho
Alto	327	40,9
Baixo	473	59,1
Demanda psicológica
Alta	505	63,1
Baixa	295	36,9
Suporte social no trabalho
Alto	342	42,8
Baixo	458	57,2
Comprometimento excessivo com o trabalho
Ausente	391	48,9
Presente	409	51,1

• ^*
  Valor do salário mínimo na ocasião da coleta de dados: R$ 937,00.

Quanto às variáveis sociodemográficas, 57,8% tinham até 35 anos, 66,0% possuíam ensino médio ou superior, 62,9% viviam com companheiro(a), 59,0% autodeclaram-se da raça/cor negra e 84,0% recebiam mais de dois salários mínimos por mês (Tabela 1).

Referente às características ocupacionais, quanto à jornada de trabalho, a maioria exercia a atividade de mototaxista há sete anos ou menos (57,6%), tinha jornada de trabalho de seis a sete dias por semana (66,6%), carga horária diária de oito horas ou mais (72,7%), trabalhava no turno diurno (60,3%) e sem pausa para o descanso (54,4%).

Relacionado aos estressores ocupacionais, observou-se que 59,1% dos mototaxistas tinha baixo controle sobre o trabalho (mediana = 57,9); 63,1% apresentavam alta demanda psicológica (mediana = 34,9); 57,2%, baixo suporte social no trabalho (mediana = 7,4); e 51,1%, comprometimento excessivo com o trabalho (mediana =17,0) (Tabela 1).

Na análise bivariada, quanto às variáveis sociodemográficas, mototaxistas com idade até 35 anos tiveram prevalência de alto nível de estresse 34,0% menor que aqueles com 36 ou mais anos de idade (RP = 0,66; IC95% = 0,57-0,76); e aqueles com ensino fundamental tiveram prevalência 69,0% maior em comparação aos com ensino médio/superior (RP = 1,69; IC95% = 1,46-1,94). Além disso, mototaxistas sem companheiro(a) tiveram prevalência 24,0% maior para alto nível de estresse comparados aos que não tinham (RP = 1,24; IC95% = 1,06-1,47), e os da raça/cor negra tiveram prevalência 43,0% maior em relação aos não negros (RP = 1,43; IC95% = 1,21-1,69) (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência do alto nível de estresse em mototaxistas (N = 800) de acordo com características sociodemográficas e ocupacionais, Jequié, Bahia, Brasil, 2017

Variáveis	n	P (%)	p *	RP	IC95%
Características sociodemográficas
Faixa etária
≥ 36 anos (n = 338)	196	58,0	< 0,001	1,00	-
Até 35 anos (n = 462)	178	38,5		0,66	0,57-0,76
Escolaridade
Ensino médio/superior (n = 528)	200	37,8	< 0,001	1,00	-
Ensino fundamental (n = 272)	174	63,9		1,69	1,46-1,94
Situação conjugal
Com companheiro(a) (n = 503)	254	50,5	< 0,007	1,00	-
Sem companheiro(a) (n = 297)	120	40,4		1,24	1,06-1,47
Raça/cor da pele autorreferida
Não Negros (n = 328)	122	37,2	< 0,001	1,00	-
Negros (n = 472)	252	53,4		1,43	1,21-1,69
Renda mensal do mototaxista
> 2 salários (n = 672)	322	47,9	< 0,001	1,00	-
≤ 2 salários (n = 128)	52	40,6		0,84	0,67-1,06
Características ocupacionais
Jornada de trabalho
Tempo de trabalho em anos
≤ 7 anos (n = 461)	153	33,2	< 0,001	1,00	-
> 7 anos (n = 339)	221	65,1		1,96	1,68-2,28
N° de horas de trabalho por dia
≤ 8 horas (n = 218)	44	20,1	< 0,001	1,00	-
> 8 horas (n = 582)	330	56,7		2,80	2,13-3,69
Pausa para descanso
Sim (n = 365)	88	24,1	< 0,001	1,00	-
Não (n = 435)	286	65,7		2,72	2,24-3,31
Estressores ocupacionais
Controle sobre o trabalho
Alto (n = 327)	22	6,7	< 0,001	1,00	-
Baixo (n = 473)	352	74,4		11,06	7,36-16,62
Demanda psicológica
Baixa (n = 295)	130	44,7	0,251	1,00	-
Alta (n = 505)	244	48,3		1,09	0,93-1,28
Suporte social no trabalho
Alto apoio social (n = 342)	41	11,9	< 0,001	1,00	-
Baixo apoio social (n = 458)	333	72,7		6,06	4,52-8,12
Comprometimento excessivo com o trabalho
Ausente (n = 391)	157	40,1	< 0,001	1,00	-
Presente (n = 409)	217	53,0		1,32	1,13-1,53

^*

Quanto às características ocupacionais, observou-se 96,0% maior prevalência de alto nível de estresse em mototaxistas com mais de sete anos de trabalho em comparação àqueles com sete ou menos anos (RP = 1,96; IC95% = 1,68-2,28). Mototaxistas com jornada de trabalho acima de oito horas por dia tiveram prevalência 2,8 vezes maior para alto nível de estresse em comparação àqueles que trabalhavam oito horas ou menos (RP = 2,80; IC95% = 2,13-3,69), e os que não tinham pausa para o descanso durante a jornada de trabalho tiveram prevalência quase três vezes maior em comparação aos que a faziam (RP = 2,72; IC95% = 2,24-3,31) (Tabela 2).

No tocante aos estressores ocupacionais, a prevalência de alto nível de estresse foi 11 vezes maior em mototaxistas com baixo controle no trabalho do que com alto controle (RP = 11,06; IC95% = 7,36-16,62), seis vezes maior em mototaxistas com baixo suporte social do que com alto suporte social no trabalho (RP = 6,06; IC95% = 4,52-8,12) e 32% maior para os que possuíam comprometimento excessivo com o trabalho em relação aos que não o tinham (RP = 1,32; IC95% = 1,13-1,53).

Nas análises bivariadas, apenas a demanda psicológica não apresentou associação estatisticamente significante com o alto nível de estresse (p = 0,251), (Tabela 2).

Na análise multivariada, variáveis como pausa para descanso (p = 0,593), comprometimento excessivo com o trabalho (p = 0,069) e tempo de trabalho (p = 0,053) foram excluídas da modelagem por não satisfazerem ao critério de significância estatística e em razão de a exclusão não ter resultado em diminuição do valor do AIC.

No modelo ajustado, os fatores que mais contribuíram para o alto nível de estresse foram: baixo controle sobre o trabalho (RP = 7,76; IC95% = 5,19-11,61), baixo suporte social no trabalho (RP = 3,87; IC95% = 2,95-5,08), jornada de trabalho maior que oito horas por dia (RP = 1,47; IC95% = 1,21-1,78) e renda mensal menor ou igual a dois salários mínimos (RP = 1,34; IC95% = 1,13-2,58) (Tabela 3). O maior valor de VIF foi observado para a variável horas de trabalho por dia (3,98); e o menor, para renda mensal (1,25) (dados não apresentados em tabelas). A análise do VIF individual e médio (2,45) (Tabela 3) descartou a presença de multicolinearidade.

Tabela 3
Razões de prevalências e intervalos de confiança (95%) da associação das características sociodemográficas e ocupacionais com o nível alto de estresse percebido em mototaxistas (N = 800), Jequié, Bahia, Brasil, 2017

Variáveis	RP	IC 95%
Características sociodemográficas
Faixa etária
36 anos ou mais	1,00	-
Até 35 anos	1,13	1,05-1,22
Escolaridade
Ensino médio/superior	1,00	-
Ensino fundamental	1,09	1,00-1,18
Raça/cor da pele autorreferida
Não Negros	1,00	-
Negros	1,10	1,01-1,19
Renda mensal do mototaxista
> 2 Salários	1,00	-
≤ 2 Salários	1,34	1,13-1,58
Características ocupacionais
Jornada de trabalho
Quantidade de horas de trabalho por dia
≤ 8 horas	1,00	-
> 8 horas	1,47	1,21-1,78
Estressores ocupacionais
Controle sobre o trabalho
Alto	1,00	-
Baixo	7,76	5,19-11,61
Suporte social no trabalho
Alto	1,00	-
Baixo	3,87	2,95-5,08
AIC	1,23
VIF médio	2,45

RP - razão de prevalência; IC 95% - intervalo de confiança de 95%.

DISCUSSÃO

Evidenciou-se prevalência de 46,8% para alto nível de estresse percebido entre os mototaxistas, estimativa elevada em comparação a motoristas não profissionais (22,3%) e inferior à observada entre taxistas (63,3%), ambos do Marrocos(²⁵). Estudos brasileiros e internacionais sobre o estresse percebido em mototaxistas não foram identificados, o que dificultou comparações com os achados do presente estudo.

O alto nível de estresse percebido entre mototaxistas é achado relevante e deve ser priorizado no âmbito das políticas públicas de atenção à saúde do trabalhador, pois o estresse é um fator de risco cardiovascular(²⁶) associado à ocorrência de infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, obesidade, hipertensão arterial, diabetes mellitus e tabagismo (²⁷). Esse achado endossa a necessidade de modificações na organização do trabalho e no ambiente psicossocial dos mototaxistas visando à promoção da saúde. Modificações no ambiente físico de trabalho também são relevantes, mas é recomendação quase inviável, porque o trabalho é desempenhado no trânsito; e, quando os mototaxistas não estão transportando passageiros, ficam nos pontos de mototáxi, locais com estrutura precária, ao ar livre, sem proteção das variações climáticas e espaço adequado para descanso (⁵).

O trânsito é um local de trabalho potencialmente estressor e expõe o mototaxista a estressores físicos (clima; más condições das vias públicas; engarrafamentos) e sociais (horários de pico; ruas lotadas de pedestres, vendedores ambulantes e veículos estacionados; motoristas imprudentes). Dada a contínua exposição a esses estressores, é frequente a exaustão emocional e fácil irritabilidade no trânsito, o que contribui para a elevação dos níveis de estresse. Com a dificuldade de erradicação desses estressores, abordagens de enfrentamento focadas na emoção e no problema são recomendadas para se desenvolver e/ou fortalecer reforços positivos para controlar a alta carga de estresse (²⁸).

Neste estudo, o alto nível de estresse percebido foi associado a mototaxistas mais jovens, em consonância com a literatura (⁴-⁶). Os mais jovens costumam lidar com as preocupações da vida e ansiedade com atitudes otimistas e percepção relativamente positiva sobre o futuro. Contudo, o estresse é comum entre eles, e a sustentação de níveis elevados pode resultar em dificuldade para evocar mecanismos compensatórios e gerar efeitos deletérios à saúde, em especial no âmbito mental e cardiovascular. Além disso, trabalhadores mais jovens costumam superestimar sua capacidade para o trabalho e habilidades para lidar com a extenuante jornada de trabalho, a fim de obter maior renda, realidade frequente em mototaxistas(⁴). Desse modo, o elevado nível de estresse entre os mais jovens pode estar associado à exposição prolongada na exaustiva jornada de trabalho, aos eventos estressantes da vida fora dele e à inabilidade de estabelecer mecanismos de autocontrole para lidar com os estressores.

Os achados deste estudo relacionaram o alto nível de estresse percebido a menor escolaridade nos mototaxistas. Pessoas com maior escolaridade podem compreender melhor os riscos e perigos e praticar estratégias saudáveis para lidar com os estressores(²⁹) e, em geral, são mais providas de recursos e bem-estar para lidar com o estresse(³⁰). Indivíduos mais instruídos podem estar mais propensos a se envolver em atividades cognitivamente estimulantes, ter melhores condições econômicas, comer de forma mais saudável e passar mais tempo em atividades físicas no lazer(²⁹), os quais são recursos contribuintes para a redução do estresse. Assim, destaca-se a importância de mototaxistas com menor escolaridade, percebendo níveis mais elevados de estresse, serem estimulados a desenvolver habilidades de enfrentamento, especialmente na ausência dos fatores de proteção supracitados. Para isto, estratégias de educação em saúde são essenciais e devem ser desenvolvidas por enfermeiras(os).

Nesta pesquisa, houve associação entre alto nível de estresse percebido e raça/cor da pele negra. O estudo foi realizado em região habitada predominantemente por pessoas afrodescendentes(³¹), e a população negra é, frequentemente, alvo de atos discriminatórios, além de ter renda familiar e desempenho educacional menores, vivenciar isolamento social e piores oportunidades de acesso ao mercado formal de trabalho(³²), os quais são fatores tradicionalmente associados ao elevado nível de estresse.

A associação identificada entre menor renda mensal e o alto nível de estresse corrobora estudo com outros grupos populacionais(³³). Pessoas com menor renda geralmente possuem baixo nível socioeconômico, o qual está conjugado com a situação de menor escolaridade e pior situação ocupacional, fatores apontados na literatura como determinantes do alto nível de estresse(³³). Devese considerar, também, que os mototaxistas com menor renda são mais vulnerabilizados, inclusive pela baixa percepção de risco proveniente do menor nível educacional, e podem não ter renda suficiente para aquisição dos recursos necessários para dirimir os efeitos deletérios do estresse.

O achado de alto nível de estresse nos mototaxistas associado ao maior número de horas trabalhadas é consoante com estudo de base populacional na Coreia do Sul(³⁴). As longas jornadas de trabalho estão associadas à elevação do risco de resultados adversos de saúde, como o diabetes mellitus tipo 2(³⁴). O predomínio delas e a ausência de pausas para descanso foram também documentados para mototaxistas, em investigação no estado de Goiás(³⁵). Na impossibilidade de diminuir as horas trabalhadas, já que impacta a renda, as pausas para descanso ao longo do dia devem ser incentivadas, pois podem contribuir para a redução dos níveis de estresse.

O alto nível de estresse percebido na presença de estresse ocupacional revelou o quanto o ambiente de trabalho do mototaxista gera estresse e pode afetar a qualidade de vida(⁴-⁶). Para além disso, tal associação destaca que o estresse ocupacional está relacionado à inabilidade ou diminuição das capacidades do trabalhador em lidar com demandas provenientes da interação entre o ambiente de trabalho, o seu conteúdo, as condições organizacionais e a própria capacidade do trabalho(³⁶), o que por sua vez influencia, sobremaneira, o estresse percebido. Estudo com motociclistas em Bogor identificou que as fontes de estresse no trabalho tinham relação positiva com sintomas de estresse, mostrando que, quanto maior o estresse ocupacional, mais sintomas de estresse são experimentados(³⁷).

Dentre os estressores ocupacionais, houve associação entre alto nível de estresse percebido e baixo nível de controle e suporte social no trabalho. O controle sobre o trabalho relaciona-se ao uso de habilidades (aprendizagem de coisas novas, repetitividade no trabalho, criatividade, variabilidade das tarefas e desenvolvimento de habilidades) e à autoridade decisória (tomada de decisões no trabalho, influência do grupo de trabalho e da política gerencial)(³⁸). O suporte social no trabalho protege o trabalhador dos efeitos adversos do estresse, ajudando-o a redefinir o problema e buscar uma solução(³⁹). O baixo nível de suporte social repercute negativamente na saúde e potencializa o efeito negativo da exposição a trabalhos que conjugam baixo nível de controle e alto nível de demanda psicológica - que configura a experiência de trabalho de alta exigência(⁴⁰).

Estudo que investigou associações entre estressores ocupacionais e estresse percebido em idosos da Dinamarca, com empregos fisicamente exigentes, mostrou que, quanto menor o nível de controle sobre o trabalho e de suporte social dos colegas de trabalho, maior foi o nível de estresse(⁴¹). Investigação com motociclistas da Indonésia identificou que o suporte social da família, amigos ou outras fontes reduziu o estresse na condução da motocicleta e as preocupações do trabalhador bem como favoreceu relacionamentos harmoniosos(⁴²). Outra pesquisa, que avaliou a percepção de qualidade de vida de mototaxistas no estado da Bahia, evidenciou que o alto controle no trabalho atenua os efeitos deletérios do trabalho sobre o domínio psicológico da qualidade de vida e diminui sentimentos negativos, ansiedade, depressão, estresse ocupacional e a probabilidade de adoecer(⁶).

O trabalho desenvolvido em situação de baixo controle e suporte social, sobretudo quando associado à alta demanda psicológica, é uma experiência mais danosa à saúde do trabalhador por gerar mais desgaste, sofrimento e insatisfação(⁸). Alguns fatores são evocados para explicar a associação entre baixo controle sobre o trabalho e alto nível de estresse percebido entre mototaxistas. O baixo nível de controle pode repercutir em menor nível de concentração na condução da motocicleta e em intercorrências no trânsito, gerando estresse. O trabalho monótono e repetitivo, que envolve pilotar no trânsito para transportar o passageiro ao destino e retornar ao local fixo de trabalho para aguardar novas viagens, pode acarretar insatisfação e desmotivação com o trabalho, que são duas reações ao estresse causado pelo contexto do trabalho(⁸). Por fim, o baixo controle pode ter como consequência a dificuldade ou incapacidade de criar reforços positivos para controlar a rotina estressante decorrente da repetitividade diária do serviço, sobrecarga de trabalho, pressão de tempo e produtividade (⁶).

O trabalho do mototaxista é extremamente competitivo, pois maior renda decorre de maior número de viagens realizadas(⁶). Assim, como ficam aglomerados no ponto, as demandas de viagens são distribuídas entre os mototaxistas, que se organizam numa espécie de fila, nem sempre respeitada pelos colegas de trabalho. Nesse caso, quanto mais viagens feitas por um mesmo mototaxista, menor será o número de viagens realizadas pelo colega. Disso, advém competitividade e conflito, o que reflete em menor suporte social entre eles e maior estresse percebido. Além disso, a ausência de um supervisor reflete em perda do efeito protetor proveniente da chefia, resultando em maior estresse para gerenciar o trabalho e as relações e tensões com passageiros e colegas de trabalho.

É válido destacar que a busca pelo bem-estar do trabalhador é meta do trabalho da(o) enfermeira(o). Cabe a essas(es) profissionais a elaboração de ações voltadas à segurança do trabalhador capazes de minimizar o nível de estresse percebido, por meio da promoção de campanhas de saúde, implantação de projetos, acompanhamento de doenças ocupacionais ou não ocupacionais e sua reabilitação para o trabalho, além de ações educativas e administrativas que envolvem a proteção contra agentes químicos, físicos e biológicos. O protagonismo da(o) enfermeira(o) é ainda mais relevante e desafiador ao se identificar que essa classe trabalhadora é destituída de direitos trabalhistas, os quais, se existentes, favoreceriam a implementação das ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. Isto posto, este estudo revela a urgência de políticas públicas voltadas à proteção da saúde desses trabalhadores.

Limitações do estudo

As limitações decorreram do efeito do trabalhador sadio, que exclui da força de trabalho aqueles afastados por adoecimento ou incapacidade, inviabilizando a inclusão na amostra.

Contribuições para a Área

O estudo orienta para o desenvolvimento de políticas públicas e intervenções para minimizar a precarização do trabalho e promover melhor qualidade de vida aos mototaxistas.

CONCLUSÃO

A maioria dos mototaxistas apresentou alto nível de estresse percebido associado ao baixo controle sobre o trabalho, baixo apoio social no trabalho, jornada de trabalho maior que oito horas por dia, renda mensal menor ou igual a dois salários mínimos, raça/cor da pele autorreferida negra, faixa etária até 35 anos e menor escolaridade.

• FOMENTO
  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa

EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  10 Jun 2022
• Aceito
  23 Mar 2023