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Atuação de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família na atenção à saúde LGBT+

RESUMO

Objetivo:

Analisar a atuação de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família na atenção à saúde de pessoas LGBT+.

Métodos:

Estudo qualitativo baseado na Análise Institucional. Os dados foram coletados em agosto de 2021 por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com 14 enfermeiras da Estratégia Saúde da Família em municípios do Estado de São Paulo. Foram processados pelo software IRaMuTeQ® e analisados lexicalmente.

Resultados:

O corpus textual gerou três temas, que abordam a prática das enfermeiras, as dificuldades e desafios enfrentados por elas no atendimento às pessoas LGBT+ e a associação direta de pessoas LGBT+ às infecções sexualmente transmissíveis.

Considerações finais:

O despreparo, o acesso à informação e o desenvolvimento de uma escuta ampliada ainda são lacunas na atuação de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família no cuidado com pessoas LGBT+, mas o acolhimento e a criação de vínculos têm sido estratégias adotadas para aproximar a assistência de enfermagem das pessoas LGBT+.

Descritores:
Enfermagem; Atenção Primária à; Saúde; Saúde Pública; Minorias Sexuais e de Gênero; Sexualidade.

ABSTRACT

Objective:

To analyze the role of Family Health Strategy (FHS) nurses in the health care of LGBT+ individuals.

Methods:

This qualitative study is based on Institutional Analysis. Data was collected in August 2021 through semi-structured interviews with 14 Family Health Strategy nurses from municipalities in the state of São Paulo. The data was processed using the IRaMuTeQ® software and analyzed lexically.

Results:

The textual corpus gave rise to three themes, which addressed the nurses’ practice, the difficulties and challenges they face in providing care to LGBT+ individuals, and the direct association of LGBT+ individuals with sexually transmitted infections.

Conclusion:

Lack of preparedness, access to information, and the need for expanded listening skills are still gaps in the performance of FHS nurses in caring for LGBT+ individuals. However, fostering acceptance and building strong relationships have been effective strategies in bridging the gap in nursing care for the LGBT+ community.

Descriptors:
Nursing; Primary Health Care; Public Health; Sexual and Gender Minorities; Sexuality.

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la actuación de enfermeras de la Estrategia Salud de la Familia en la atención a la salud de personas LGBT+.

Métodos:

Estudio cualitativo basado en el Análisis Institucional. Los datos fueron recolectados en agosto de 2021 a través de entrevistas semiestructuradas realizadas con 14 enfermeras de la Estrategia Salud de la Familia en municipios del Estado de São Paulo. Fueron procesados por el software IRaMuTeQ® y analizados lexicalmente.

Resultados:

El corpus textual generó tres temas, que abordan la práctica de las enfermeras, las dificultades y desafíos enfrentados por ellas en la atención a las personas LGBT+ y la asociación directa de personas LGBT+ con las infecciones de transmisión sexual.

Conclusiones:

La falta de preparación, el acceso a la información y el desarrollo de una escucha ampliada aún son lagunas en la actuación de enfermeras de la Estrategia Salud de la Familia en el cuidado con personas LGBT+, pero el acogimiento y la creación de vínculos han sido estrategias adoptadas para acercar la asistencia de enfermería a las personas LGBT+.

Descriptores:
Enfermería; Primeros Auxilios; Salud Publica; Minorías Sexuales y de Género; Sexualidad.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada a porta preferencial de entrada ao sistema público de saúde e contempla um conjunto de ações de saúde individuais e coletivas/comunitárias, que envolvem a promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilâncias em saúde, desenvolvidas por uma equipe multiprofissional, incluindo a enfermeira(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436 de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da atenção básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília; 2017 [cited 2022 Sep 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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).

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é compreendida como o modelo de desenvolvimento da APS no país(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436 de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da atenção básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília; 2017 [cited 2022 Sep 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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) e, de acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), a equipe mínima da ESF deve ser composta por um médico, preferencialmente especialista em medicina de família e comunidade; uma enfermeira, preferencialmente especialista em saúde da família; dois auxiliares e/ou técnicas de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Além desses profissionais, também podem fazer parte da equipe um cirurgião-dentista, preferencialmente especialista em saúde da família; uma auxiliar ou técnica em saúde bucal; e agentes de combate às endemias (ACE)(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436 de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da atenção básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde[Internet]. Brasília; 2017 [cited 2022 Sep 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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).

À enfermeira da ESF compete a realização e supervisão do acolhimento dos usuários, sendo quase sempre a primeira profissional de nível superior que os usuários têm contato quando chegam à Unidade de Saúde da Família (USF). Ademais, esses profissionais deveriam pautar suas funções nas políticas públicas de saúde e nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), os quais não admitem exclusões de qualquer natureza, além da obrigação de promover a equidade na atenção à saúde(22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
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).

Na busca pela garantia desses princípios, em 2011 foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSLGBT) com o intuito de reforçar o supra citado, tendo como objetivo promover a saúde integral dessa população, eliminando a discriminação, o preconceito institucional, a redução das desigualdades e a consolidação do SUS como sistema universal, integral e equitativo(33 Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.836 de 1 de dezembro de 2011. Institui, no âmbito do SUS, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. [Internet]. Brasília; 2011 [cited 2022 Oct 26]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html
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).

Diante desse contexto, identifica-se a relevância da atenção à saúde de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e demais orientações sexuais e identidades de gênero dissidentes do modelo hétero-cis-normativo e binário (LGBT+). A título de esclarecimento, este estudo utiliza a sigla LGBT+ respaldando-se na própria PNSLGBT, que explicita apenas a população LGBT. Contudo, compreende-se tratar de uma sigla que carrega consigo a diversidade e que se encontra em um contínuo processo de transformação, consequentemente, novas composições e modificações.

As pessoas LGBT+ atravessam barreiras discriminatórias no ambiente familiar, de trabalho, escolar e, não obstante, nos serviços de saúde (44 Ferreira BO, Pereira EO, Rocha MB, Nascimento EF, Albuquerque ARS, Almeira MMS. “There are no such special people in my field of working”: health and invisibility of LGBT people from the perspective of community health agents. Rev Eletron Comum Inf Inov Saúde. 2019;13(3):496-508. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1703
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). De acordo com o escritório da National Alliance on Mental Illness (55 National Alliance on Mental Ilness (NAMI). LGBTQ [Internet]. Arlington: NAMI; 2016 [cited 2022 Sep 15]. Available from: https://www.nami.org/Find-Support/LGBTQ
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), uma em cada cinco pessoas LGBT+ não revela sua orientação sexual ao profissional de saúde durante o atendimento. Em decorrência do medo de sofrer discriminação pelos profissionais de saúde, pessoas transexuais tendem a evitar a procura dos serviços de saúde, mesmo estando doentes, ou abandonam o tratamento proposto (66 Rocon PC, Wandekoken KD, Barros MEBB, Duarte MJO, Sodré F. Access to health by the transsexual population in Brazil: between the lines of the integrative review. Trab Educ Saúde. 2020;18(1):e0023469. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00234
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).

Estudos(77 Santana ADS, Lima MS, Moura JWS, Vanderley ICS, Araújo EC. Difficulties in access to health services by lesbian, gays, bisexuals and transgender people. Rev Enferm UFPE. 2020;13:e243211. https://doi.org/10.5205/1981-8963.2020.243211
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-88 Cabral KTF, Pereira IL, Almeida RL, Nogueira WBAG, Silva FV, Costa LFP, Jales RD, Almeida SA. Nursing care for lesbian and bissexual women. Rev Enferm UFPE. 2019;13(1):79-85. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i01a237896p79-85-2018
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) apontaram que o acesso aos serviços de saúde pela população LGBT+ é permeado por constrangimentos e preconceitos, ressaltando a exclusão, o desamparo, a omissão e a indiferença como os principais sentimentos expressos por essas pessoas, além de quanto suas questões de saúde são negligenciadas no contexto de trabalho das equipes da ESF (44 Ferreira BO, Pereira EO, Rocha MB, Nascimento EF, Albuquerque ARS, Almeira MMS. “There are no such special people in my field of working”: health and invisibility of LGBT people from the perspective of community health agents. Rev Eletron Comum Inf Inov Saúde. 2019;13(3):496-508. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1703
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). Sabe-se das inúmeras adversidades enfrentadas pelos profissionais no atendimento às especificidades de cuidado às pessoas LGBT+, como dificuldades para realizar escuta ampliada e reconhecer as reais demandas dessa população(44 Ferreira BO, Pereira EO, Rocha MB, Nascimento EF, Albuquerque ARS, Almeira MMS. “There are no such special people in my field of working”: health and invisibility of LGBT people from the perspective of community health agents. Rev Eletron Comum Inf Inov Saúde. 2019;13(3):496-508. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1703
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,66 Rocon PC, Wandekoken KD, Barros MEBB, Duarte MJO, Sodré F. Access to health by the transsexual population in Brazil: between the lines of the integrative review. Trab Educ Saúde. 2020;18(1):e0023469. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00234
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); desarticulação da rede de atenção à saúde em prol do atendimento da pessoa LGBT+ (99 Gomes SM, Sousa LMP, Vasconcelos TM, Nagashima MAS. SUS out of the closet: conceptions of municipal health managers on the LGBT population. Saúde Soc. 2018;27(4):1120-33. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018180393
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-1010 Silva ALR, Finkle M, Moretti-Pires O. Social representation of primary health care workers about LGBT people. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0019730. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00197
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); déficit de formação para o atendimento das necessidades dessa população(22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
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), além da falta de espaços de educação permanente em saúde para esses profissionais(1010 Silva ALR, Finkle M, Moretti-Pires O. Social representation of primary health care workers about LGBT people. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0019730. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00197
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-1111 Mandarino ACS, Queirós JS, Borges WC, Gomberg E. (In)visibility of the health concerning the LGBT population in the Research Program of the SUS (PPSUS), Brazil. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2019;13(3):482-95. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1722
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).

Percebe-se que a situação vivida pela população LGBT+ sob a determinação social do processo de saúde, onde as necessidades de saúde requeridas não são atendidas, conduz ao aumento de riscos e perdas, o que coloca essas pessoas em uma condição de vulnerabilidade(44 Ferreira BO, Pereira EO, Rocha MB, Nascimento EF, Albuquerque ARS, Almeira MMS. “There are no such special people in my field of working”: health and invisibility of LGBT people from the perspective of community health agents. Rev Eletron Comum Inf Inov Saúde. 2019;13(3):496-508. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1703
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). Dessa forma, considera-se relevante a visibilidade e legitimidade do espaço de acolhimento e atendimento à população LGBT+ pelas enfermeiras que atuam na ESF.

Nesse âmbito, a presente produção é fruto de uma pesquisa locorregional, que possibilitou um alcance mais amplo de territórios de um estado brasileiro, o que confere um avanço no conhecimento da área e oportuniza o direcionamento de caminhos em prol do desenvolvimento de políticas públicas que mitiguem os déficits apresentados por enfermeiras na garantia dos princípios do SUS em suas práticas diárias. Somado a isso, fundamenta o desenvolvimento de um diagnóstico preciso, capaz de embasar novas pesquisas interventivas, que busquem transformar as práticas cotidianas das enfermeiras a partir do desenvolvimento da Educação Permanente em Saúde (EPS) em ato.

OBJETIVO

Analisar a atuação de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família na atenção à saúde de pessoas LGBT+.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto que deu origem a este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com parecer nº 4.647.705, no ano de 2021. A pesquisa foi desenvolvida respeitando a Resolução 466/12(1212 Ministério da Saúde (BR). Resolução n. 466 de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2022 Oct 31]. Available from: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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), com a utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por todas as participantes da pesquisa, conforme regem as leis vigentes no país. Para preservar o anonimato e em respeito às resoluções éticas que respaldam o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos no país, as profissionais entrevistadas foram identificadas pela sigla “ENF”, seguida do numeral cardinal correspondente.

Referencial teórico-metodológico

Utilizou-se o referencial teórico da Análise Institucional (AI), advindo do movimento institucionalista de 1960, na França, inserido no Brasil na década de 1970. A AI pretende apreender uma realidade social e organizacional determinada, sendo epistemologicamente centrada na teoria dialética e na crítica à psicanálise freudiana e a outros constructos teóricos(1313 Borges FA, Rézio LA, L’Abbate S, Fortuna CM. The entry in the field and the creation of devices in socioclinical research. Psicol Estud. 2018;23:e40373. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.40373
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-1414 Borges FA, Fortuna CM, Feliciano AB, Ogata MN, Kasper M, Silva MV. Analysis of professional implication as tool of permanent education in health. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3189. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3114.3189
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). Trata-se de um referencial teórico interdisciplinar que tem sua aplicabilidade a partir da compreensão da prática profissional como cenário de construção do trabalhador, que também se reconhece ao olhar e estando com o outro, ao mesmo tempo em que também vai se constituindo a partir do outro(1313 Borges FA, Rézio LA, L’Abbate S, Fortuna CM. The entry in the field and the creation of devices in socioclinical research. Psicol Estud. 2018;23:e40373. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.40373
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). Dessa forma, compreende-se que esse arcabouço teórico contribuiu com a análise dos dados da presente pesquisa por se fundamentar em princípios que se articulam na perspectiva de encontrar respostas a partir daquilo que, nem sempre, é dito ou se encontra explicitado e óbvio nas falas, gestos e explicitações feitas pelas pessoas.

Para isso, foram utilizados alguns conceitos da AI para analisar a atenção à saúde de pessoas LGBT+ no contexto da atuação de enfermeiras da ESF. Vale frisar que esses conceitos se articulam no direcionamento de pistas analíticas aos processos interventivos em AI e não como um checklist a ser percorrido por toda pesquisa que utiliza desse referencial teórico-metodológico. Tais conceitos foram: instituição (normas e regras estabelecidas socialmente), instituído (aquilo que é visível da instituição), instituinte (aquilo que movimenta e provoca o instituído), institucionalização (relação dialética entre instituído e instituinte) e analisador (o que revela e torna a instituição evidente)(1313 Borges FA, Rézio LA, L’Abbate S, Fortuna CM. The entry in the field and the creation of devices in socioclinical research. Psicol Estud. 2018;23:e40373. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.40373
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-1414 Borges FA, Fortuna CM, Feliciano AB, Ogata MN, Kasper M, Silva MV. Analysis of professional implication as tool of permanent education in health. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3189. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3114.3189
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).

Tipo de estudo

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, calcado nos constructos teóricos da Análise Institucional. Foram adotados os critérios do Consolidated criteria for Reporting Qualitative research (COREQ)(1515 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Fonte de dados

A amostra foi composta por 14 enfermeiras que atuam em unidades da ESF de municípios do estado de São Paulo, Brasil. Os critérios de inclusão estabelecidos foram: ser enfermeira, atuando na ESF de qualquer município do Estado de São Paulo. O critério de exclusão foi não ter atendido pessoas LGBT+ em sua prática profissional como enfermeira da ESF.

O recrutamento das participantes ocorreu de forma não intencional, a partir da divulgação da pesquisa e de um link de acesso a um formulário pelas mídias digitais (Facebook, grupos de WhatsApp, Twitter, etc.). As profissionais que aceitassem participar voluntariamente da pesquisa deveriam preencher um formulário para viabilizar o contato posterior por parte das pesquisadoras. Esse processo foi dificultado pelo cenário de trabalho intenso causado pela pandemia da COVID-19, porém não comprometeu a obtenção dos dados.

A divulgação da pesquisa e o aceite de respostas ao formulário ocorreu até que fosse alcançada a saturação da amostra, ou seja, até que as falas das próximas enfermeiras não gerassem novas informações para o contexto analítico(1616 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Sampling in qualitative research: a proposal for procedures to detect theoretical saturation. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):389-94. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000200020
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), refletindo, em quantidade e intensidade, as dimensões do fenômeno estudado e a qualidade das ações e interações desenvolvidas no decorrer da pesquisa(1717 Minayo MCS. Sampling and saturation in qualitative research: consensuses and controversies. Rev Pesqui Qualit [Internet]. 2017[cited 2022 Dec 23];5(7):1-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82/59
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). Dessa forma, as pesquisadoras adotaram os seguintes passos para constatação da saturação da amostra: a) transcrição das entrevistas; b) imersão em cada entrevista realizada; c) compilação das análises individuais de cada entrevista; d) reunião dos pré-temas surgidos na etapa precedente; e) constatação da saturação teórica para cada pré-tema; f) rodagem do corpus textual geral e elaboração dos temas; g) visualização da saturação na confluência dos pré-temas com os temas(1616 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Sampling in qualitative research: a proposal for procedures to detect theoretical saturation. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):389-94. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000200020
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).

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados no mês de agosto de 2021, por meio do preenchimento do formulário contendo dados sociodemográficos como: sexo, idade, município de atuação profissional, tempo de formação como enfermeira, se possuía especialização em ESF ou APS e o tempo de trabalho nessa instância de atenção à saúde, além do nome e número de telefone para contato para posterior agendamento de entrevista semiestruturada individual, realizadas virtualmente, pela plataforma digital Google Meet®. As questões norteadoras foram apresentadas e discutidas previamente entre as pesquisadoras, buscando qualificá-las antes de serem implementadas.

O estudo contou com as seguintes questões norteadoras: a) Você já realizou algum atendimento a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais ou outras pessoas que não se declaram heterossexuais? b) O que você considera como importante de ser abordado em um atendimento à saúde da população LGBT+? c) Quais as facilidades e dificuldades enfrentadas por você na prestação de cuidados à saúde da população LGBT+? O tempo de duração de cada entrevista foi de, aproximadamente, 30 minutos. As entrevistas foram gravadas em MP4, com autorização das participantes e, posteriormente, transcritas e analisadas.

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio de análise lexical, que buscou identificar temas de significação a partir de unidades de codificação presentes nos relatos das entrevistadas(1818 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.). Para isso, as transcrições das entrevistas compuseram corpus textuais, que foram processados por meio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ®) e posteriormente analisados.

O IRAMUTEQ® realiza análise estatística, a partir do agrupamento de vocábulos com similaridade semântica presentes no corpus textual. Esse corpus é dividido pelo software em segmentos de textos (ST), que consistem em fragmentos textuais que preservam uma aproximação semântica entre si(1919 Tomicic A, Berardi F. Between past and present: the sociopsychological constructs of colonialism, coloniality and postcolonialism. Integr Psychol Behav Sci. 2018;52(1):152-75. https://doi.org/10.1007/s12124-017-9407-5
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).

Dessa forma, o corpus textual foi preparado e revisado com o intuito de eliminar equívocos de digitação e padronizar siglas e expressões (preservando os mesmos significados). Foram incluídos adjetivos, advérbios, substantivos, verbos e formas não reconhecidas como categorias de palavras para o processo de análise pelo software. Em seguida, realizou-se a análise por Estatística Textual Clássica e Classificação Hierárquica Descendente (CHD) das palavras presentes nos segmentos de texto, ordenadas de acordo com o valor do teste Qui-Quadrado (x2 > 3,80), de forma a contemplar aquelas que apresentassem valores estatisticamente significativos (p < 0,05).

Após a análise lexical, os achados foram confrontados com o arcabouço teórico da Análise Institucional, compreendida como uma abordagem que utiliza conceitos reveladores das instituições a partir de intervenções fundamentadas na análise das práticas e dos discursos dos sujeitos(1313 Borges FA, Rézio LA, L’Abbate S, Fortuna CM. The entry in the field and the creation of devices in socioclinical research. Psicol Estud. 2018;23:e40373. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.40373
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-1414 Borges FA, Fortuna CM, Feliciano AB, Ogata MN, Kasper M, Silva MV. Analysis of professional implication as tool of permanent education in health. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3189. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3114.3189
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).

RESULTADOS

O formulário de recrutamento foi preenchido por 22 enfermeiras da ESF, dos quais oito foram excluídas por não terem retornado às tentativas de agendamento da entrevista. Portanto, participaram do estudo 14 enfermeiras da ESF de 10 municípios diferentes do estado de São Paulo, todas do sexo feminino (motivo pelo qual os autores optaram por se referir às participantes do estudo no gênero feminino), com faixa etária entre 20 e 40 anos, mais de 1 ano de formação como enfermeiras, todas com especialização em saúde da família e tempo de atuação na ESF superior a um ano, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas e profissionais das enfermeiras entrevistadas, São Paulo, Brasil, 2021

O corpus geral das transcrições das entrevistas foi constituído por 14 textos, separados em 215 ST, com aproveitamento de 170 ST (79,06%). Emergiram 6.203 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 802 palavras distintas e 691 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado foi categorizado em três temas, a saber: Tema 1, com 69 ST (41,0%); Tema 2, com 67 ST (40,0%); e Tema 3, com 31 ST (19,0%).

Vale ressaltar que os três temas estavam divididos em duas ramificações (A e B) do corpus geral de análise (Figura 1). O subcorpus A, “Experiências no atendimento às pessoas LGBT+”, continha os segmentos correspondentes aos Temas 1 (“Dificuldades e desafios no atendimento às pessoas LGBT+”) e 2 (“Práticas profissionais utilizadas no atendimento às pessoas LGBT+”). O subcorpus B, “Enfoque Clínico”, foi composto pelo Tema 3 (“Pessoas LGBT+ e as infecções sexualmente transmissíveis”).

Figura 1
Dendograma de análise do corpus textual das entrevistas, São Paulo, Brasil, 2021

Dificuldades e desafios no atendimento às pessoas LGBT+

Este tema compreende 69 ST (41%) do corpus total analisado, constituído por palavras como “situação” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 12,1), “respeito” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 10,8), “dificuldade” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 9,1), “saber” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 7,5) e “pergunta” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
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= 4,8).

Conforme demonstrado pelos fragmentos de fala, é possível identificar a percepção das enfermeiras sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas LGBT+. O despreparo das profissionais para lidarem com esse público, tanto no acesso à informação quanto em sua própria formação universitária, bem como a dificuldade em desenvolver uma escuta atenta, sensível e capaz de identificar as reais necessidades de saúde apresentadas pelas pessoas LGBT+, são alguns dos aspectos abordados.

Porque até hoje a gente vê que existe o problema da dificuldade do acolhimento desse grupo populacional. A enfermagem geralmente não é treinada. Eu não estou generalizando, mas a equipe de enfermagem não é treinada pra fazer esse atendimento. (Enf1)

Eu acho que muita informação ainda não é muito divulgada”. (Enf5)

Ainda existe o tabu, a discriminação. Então, existe esse despreparo da enfermagem para as questões específicas de saúde das pessoas LGBT”. (Enf9)

Então, eu acho que, às vezes, os profissionais de enfermagem não são formados para reconhecer a multidimensionalidade dos indivíduos, das pessoas LGBT. (Enf4)

Práticas profissionais utilizadas no atendimento às pessoas LGBT+

O tema compreende 67 ST (40%) do corpus total analisado, constituído por palavras como “atender” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 18,8), “tabu” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 14,9), “preconceito” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 12,1), “vínculo” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 10,9) e “transexual” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 7,4).

A análise revelou que as enfermeiras percebem alguns aspectos que interferem no atendimento às pessoas LGBT+ e que podem comprometer a efetividade da atenção à saúde. A influência da visão da profissional na prestação do cuidado e a necessidade de um acolhimento adequado são fundamentais para o atendimento da população LGBT+, uma vez que essas pessoas já chegam aos serviços de saúde estigmatizadas em decorrência de situações preconceituosas que vivenciam cotidianamente. Além disso, foram apontadas algumas estratégias pelas enfermeiras que têm sido utilizadas na prestação de cuidados às pessoas LGBT+, como refletir sobre o acolhimento e buscar o estabelecimento de vínculo, respeito e adoção de estratégias que gerem segurança no usuário LGBT+, favorecendo sua adesão ao cuidado prestado.

Pessoas que são homofóbicas acabam levando as vivências delas e as crenças delas para o atendimento e aí acabam agredindo, violentando outras pessoas, mesmo que de forma não intencional, diretamente. E sim, acho que é uma falta de respeito mesmo no atendimento. (Enf2)

É uma população que, normalmente, não procura o serviço de saúde, principalmente, pessoas transexuais. (Enf3)

Se você foi uma pessoa que acolheu ele na hora que ele entrou, ele, com certeza, não vai ter uma barreira tão grande para falar com você. Para mim, pesa demais a postura profissional. (Enf10)

Acho que quando você tem vínculo com a pessoa, você conhecê-la, isso tudo ajuda no atendimento não só dessa população, mas de todo mundo. Acho que o respeito também é importante. (Enf7)

Pessoas LGBT+ e as infecções sexualmente transmissíveis

Este tema compreende 31 ST (19%) do corpus total analisado, constituído por palavras como “reprodutivo” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 27,7), “casal” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 25,4), “infecção sexualmente transmissível” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 21,4), “Papanicolau” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 20,1) e “sexual” (x22 Santos JS, Silva RN, Ferreira MA. Health of the LGBTI+ population in primary health care and the insertion of nursing. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190162. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
= 19,3).

Foi possível identificar que as enfermeiras ainda vinculam as pessoas LGBT+ às infecções sexualmente transmissíveis (IST) e, por isso, consideram relevante abordar essa temática durante o atendimento clínico. Além disso, há um enfoque específico na população feminina, ou seja, nas lésbicas.

Muitos ainda, eu percebo, que em relação às infecções sexualmente transmissíveis não se previnem. A maioria dos gays, que procuram atendimento, é, na maioria das vezes, para fazer teste rápido. (Enf13)

Referente à saúde sexual e reprodutiva temos, como exemplo, a consulta para coleta do Papanicolau. (Enf6)

Questões biológicas acho que sempre cai, mas volta a ser importante a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. (Enf11)

Em relação às lésbicas eu percebo, nas consultas, que sempre um casal de lésbicas, sempre aquela que se identifica como feminina procura atendimento para a sua vida, a saúde sexual e reprodutiva. Já aquela que se vê mais masculina, não. (Enf14)

Mulheres, por exemplo, menstruam, engravidam, têm filhos e precisam fazer o Papanicolau anualmente, independente do que for. (Enf8)

DISCUSSÃO

O acesso à informação é um fator sensível no processo de formação de qualquer profissional. Para a enfermagem e demais profissões da área da saúde, o desenvolvimento de aulas e vivências práticas que proporcionem um encontro efetivo de estudantes com docentes, profissionais de saúde e comunidade é algo essencial para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes(2020 Ximenes Neto FRG, Lopes Neto D, Cunha ICKO, Ribeiro MA, Freire NP, Kalinowski CE, et al. Reflections on Brazilian Nursing Education from the regulation of the Unified Health System. Cienc Saúde Col. 2020;25(1):37-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
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).

Com relação à formação de enfermeiras para a atenção à saúde de pessoas LGBT+ e tendo a sexualidade como uma instituição (por possuir normas e regras construídas socialmente), é notória a perspectiva instituída do caráter heterossexual compulsório e binário no direcionamento do que se pauta em relação a essa instituição, naturalizando esse processo. Um exemplo disso consiste no fato de que a abordagem do cuidado à saúde de homens gays ainda está relacionada às IST e de mulheres lésbicas às questões sexuais e reprodutivas(2121 Moscheta MS, Fébole DS, Anzolin B. Selective visibility: the influence of compulsory heterosexuality in the healthcare of gay men and lesbian and bisexual women. Saúde Transform Soc [Internet]. 2016 [cited 2022 Sep 15];7(3):71-83. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/4318/4649
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), sem considerar o direito que pessoas LGBT+ possuem no acompanhamento e tratamento de questões reprodutivas e de fecundidade, não restando dúvidas dos constantes estigmas vividos e enfrentados por elas quando da necessidade de realizarem esses processos.

Trata-se do não atendimento da integralidade como princípio doutrinário do SUS, que requer um olhar ampliado, para além das condições agudas ou daquilo que se encontra instituído e que opera direcionando as práticas em saúde. Nessa direção, os profissionais da APS ainda encaram a integralidade do cuidado como algo de grande complexidade em se operacionalizar, devido à própria diversidade de valores, desejos e expectativas construídos nas distintas condições de vida dos territórios(2222 Souza AP, Rezende K, Marin MJ, Tonhom S. Family health strategy and care integrality: professional`s perceptions. Rev Baiana Enferm. 2020;34:e34935. https://doi.org/10.18471/rbe.v34.34935
https://doi.org/10.18471/rbe.v34.34935...
).

Pela instituição sexualidade possuir um caráter interdisciplinar em sua composição, abrangendo aspectos biológicos, psicossociais e culturais, ela requer abordagens formativas que despertem a articulação entre os saberes, tal como ocorre no desenvolvimento do trabalho multiprofissional, em equipe e na educação interprofissional e colaborativa(2323 Costa MV, Azevedo GD, Vilar MJP. Institutional aspects of the adoption of interprofessional education in nursing and medical training. Saúde Debate. 2019;43(Esp1):64-76. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S105
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).

Vários trabalhos nacionais e internacionais vêm apontando para a escassez de currículos de cursos da área da saúde que abordem, de maneira efetiva, a temática de atenção à saúde de pessoas LGBT+(2424 Paranhos WR, Willerding IAV, Lapolli ÉM. Training of health professionals to care for LGBTQI+. Interface Com Saúde Educ. 2021;25:e200684. https://doi.org/10.1590/interface.200684
https://doi.org/10.1590/interface.200684...

25 Braun HM, Ramirez D, Zahner GJ, Gillis-Buck EM, Sheriff H, Ferrone M. The LGBTQI Health Forum: an innovative interprofessional initiative to support curriculum reform. Med Educ [Internet]. 2017 [cited 2022 Sep 15];22(1):1-8. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10872981.2017.1306419
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....

26 Silva ACA, Alcântara AM, Oliveira DC, Signorelli MC. Implementation of the national policy for the comprehensive healthcare of lesbian, gays, bisexuals, transvestites and transsexuals (PNSI LGBT) in Paraná, Brazil]. Interface Com Saúde Educ[Internet]. 2020 [cited 2022 Sep 15];24:1-15. Available from: https://www.scielo.br/j/icse/a/FFrYJnPRddNv6s69ZbLJgCt/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/icse/a/FFrYJnPRd...
-2727 Aslan F, Sahin NE, Emiroğlu ON. Turkish nurse educators knowledge regarding LGBT health and their level of homophobia: a descriptive-cross sectional study. Nurse Educ Today[Internet]. 2019 [cited 2022 Dec 24];76:216-221. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0260691719303090?via%3Dihub
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
). O que se sabe é que quando essa temática aparece no âmbito da formação em saúde, ela costuma se concentrar nas atividades extracurriculares, como aquelas propostas pelos movimentos estudantis, atividades de extensão ou projetos de pesquisa(2525 Braun HM, Ramirez D, Zahner GJ, Gillis-Buck EM, Sheriff H, Ferrone M. The LGBTQI Health Forum: an innovative interprofessional initiative to support curriculum reform. Med Educ [Internet]. 2017 [cited 2022 Sep 15];22(1):1-8. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10872981.2017.1306419
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). Tal fato consiste em um processo de institucionalização da sexualidade no âmbito da formação dos profissionais de saúde, localizada entre abordagens instituídas ainda centradas em perspectivas obsoletas e de ensino da sexualidade no padrão cis-hetero-normativo-binário e forças instituintes, que buscam desterritorializar os currículos, provocando movimentos em prol de uma perspectiva mais diversa, fluida e próxima do contexto de mundo atual.

Assim, é necessário desencadear forças instituintes capazes de provocar processos de reestruturação e reformulação curricular nos cursos de graduação em Enfermagem, buscando garantir espaços que discutam gênero (além da perspectiva binária: masculino e feminino), orientação sexual (expandindo para além do padrão heteronormativo instituído) e sexualidade, de maneira geral. Tais forças atuariam na perspectiva de ampliar o olhar da profissional para o cuidado das diversidades, mitigando as desigualdades sociais e, especialmente, atribuindo maior atenção à saúde de pessoas LGBT+(2828 Alvarenga JOP, Leandro SS, Soares NS, Guimarães DMS, Silva BES, Soares AMT, Mendonça AVM, Sousa MF. Training models for primary health care: evidence in the context of nursing education. Enferm Foco[Internet]. 2021 [cited 2022 Sep 15];12(Supl1):42-8. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/5205/1157
http://revista.cofen.gov.br/index.php/en...
).

A formação em saúde precisa estar diretamente articulada ao cotidiano que, por sua vez, induz à produção do conhecimento técnico-científico(2323 Costa MV, Azevedo GD, Vilar MJP. Institutional aspects of the adoption of interprofessional education in nursing and medical training. Saúde Debate. 2019;43(Esp1):64-76. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S105
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). Assim, garantir espaços que favoreçam a troca de informações entre os profissionais de saúde, o compartilhamento de experiências e a EPS são condições necessárias ao desenvolvimento de uma prática de cuidado com qualidade(2323 Costa MV, Azevedo GD, Vilar MJP. Institutional aspects of the adoption of interprofessional education in nursing and medical training. Saúde Debate. 2019;43(Esp1):64-76. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S105
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,2929 Cucolo DF, Souza PG, Miranda FM, Mininel VA, Silva JAM. Teamwork climate and quality in primary health care. Braz J Health Rev [Internet]. 2021 [cited 2022 Sep 15];4(3):12618-35. Available from: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/viewFile/31053/pdf
https://www.brazilianjournals.com/index....
). Além disso, são agendas capazes de gerar forças instituintes em prol da transformação do trabalho em saúde.

Tanto enfermeiras quanto os demais profissionais de saúde da ESF necessitam estar em contato contínuo com o conhecimento científico, buscando o aperfeiçoamento de técnicas, atualização de protocolos, modificação de abordagens e, não menos importante, a problematização da sua prática profissional. Foi pensando nisso que se criou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (EPS), com vistas a incorporar, nos cenários das práticas, a reflexão crítica pelos profissionais de saúde sobre seus processos de trabalho, visando descobrir soluções para os problemas cotidianos dos serviços(44 Ferreira BO, Pereira EO, Rocha MB, Nascimento EF, Albuquerque ARS, Almeira MMS. “There are no such special people in my field of working”: health and invisibility of LGBT people from the perspective of community health agents. Rev Eletron Comum Inf Inov Saúde. 2019;13(3):496-508. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i3.1703
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).

Contudo, ao aproximarmos essa discussão do contexto da APS, é possível identificar um certo esvaziamento e pouca participação de trabalhadores da saúde nos espaços protegidos e destinados à problematização da prática profissional cotidiana(3030 Silva LAA, Soder RM, Petry L, Oliveira IC. Permanent education in primary health care: perception of local health managers. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1);e58779. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.58779
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). Esse esvaziamento consiste em um analisador que coloca em evidência a práxis do trabalho em saúde, executado numa perspectiva tecnicista e pouco reflexiva. Consequentemente, tem-se a diminuição da qualidade do cuidado prestado à população. Um exemplo disso pôde ser identificado pela visão da enfermeira influenciando a prestação do cuidado, algo que poderia ser problematizado em determinados espaços garantidos dentro do cotidiano de trabalho.

Nesse caso, especificamente, consiste também no não cumprimento do princípio doutrinário da equidade, que propõe atender diferentemente as diversas necessidades de saúde apresentadas nos territórios. Os profissionais que atuam na APS também enfrentam dificuldades na efetivação deste princípio na prática cotidiana dos serviços de saúde em decorrência dos limites assistenciais (centrados na figura do médico, baixa escuta, etc.) e estruturais (morosidade dos sistemas operacionais, déficit de trabalhadores, etc.) vivenciados por eles(3131 Nascimento LC, Viegas SMF, Menezes C, Roquini GR, Santos TR. SUS in the lives of Brazilians: care, acessibility, and equity in the daily life of Primary Health Care users. Physis: Rev Saúde Col. 2020;30(3):e300330. https://doi.org/10.1590/s0103-73312020300330
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).

O esvaziamento dos espaços de discussão e problematização da prática profissional pode ocorrer devido à própria escassez de recursos humanos nos serviços de APS, o que dificulta a realização dos momentos formativos em decorrência da sobrecarga de trabalho depositada sobre os profissionais e à baixa valorização desses espaços de discussão, como as reuniões de equipe, pelas gestões municipais(3030 Silva LAA, Soder RM, Petry L, Oliveira IC. Permanent education in primary health care: perception of local health managers. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1);e58779. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.58779
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). Ou seja, colocar os analisadores “ausência” e “inexistência de espaços garantidos para o desenvolvimento de EPS” em evidência pode gerar forças instituintes capazes de transformar o instituído das práticas profissionais em saúde, levando-a a um processo de institucionalização que proporcione maior reflexão sobre o ato de fazer em saúde.

O próprio “acolhimento” e o “vínculo” são passíveis de discussão e construção, operando também como possíveis analisadores capazes de colocar em evidência a instituição das práticas profissionais em saúde. Como estratégias que vêm sendo adotadas pelas enfermeiras deste estudo, o acolhimento e o vínculo apontam para a busca do desenvolvimento de uma prática humanizada, que preserve, respeite e garanta o direito fundamental à saúde das pessoas LGBT+(3232 Pinto JM, Pedrosa MEF, Silva KMM, Gener MES. Nursing Attributions and the Importance of the Nurse's Reception in Primary Care: an integrative bibliographic review. Facit Business Technol J [Internet]. 2021 [cited 2022 Sep 15];26(1):200-211. Available from: https://jnt1.websiteseguro.com/index.php/JNT/article/view/997/676
https://jnt1.websiteseguro.com/index.php...
). Contudo, é necessária a compreensão das necessidades da população LGBT+ para a construção de saberes e práticas que fundamentem a assistência de enfermagem(3333 Rosa DF, Carvalho MVF, Pereira NR, Rocha NT, Neves VR, Rosa AS. Nursing Care for the transgender population: genders from the perspective of professional practice. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl1):299-306. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0644
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
-3434 Qhreshi R, Zha P, Porter S. An assessment of lesbian, gay, bisexual, and transgender health competencies among bachelors-prepared registered nurses in graduate-level study. Acad Med. [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 24];95(12):113-20. Available from: https://journals.lww.com/academicmedicine/Fulltext/2020/12001/An_Assessment_of_Lesbian,_Gay,_Bisexual,_and.19.aspx
https://journals.lww.com/academicmedicin...
) apontando, mais uma vez, para a relevância de um processo formativo em relação à saúde LGBT+.

A busca por estratégias capazes de deixar as pessoas LGBT+ confortáveis para se expressarem é algo bastante relevante e consiste em uma força instituinte na clínica em saúde, pois as reconhece como humanas, pessoas de direitos, que possuem demandas específicas e necessidades de saúde que só poderão ser ditas se elas forem acolhidas(3535 Paulino DB, Rasera EF, Teixeira FB. Discourses of the healthcare of lesbian, gay, bisexual and transgender (LGBT) people adopted by doctors working in Brazil’s Family Health Strategy. Interface Com Saúde Educ. 2019;23:e180279. https://doi.org/10.1590/Interface.180279
https://doi.org/10.1590/Interface.180279...
-3636 Bilgic D, Daglar G, Sabanciogullari S, Ozkan SA. Attitudes of midwifery and nursing students in a Turkish University toward lesbians and gay men and opinions about healthcare approaches. Nurse Educ Pract[Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 24];29:179-84. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S147159531630213X?via%3Dihub
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
). Contudo, sabe-se que as barreiras de acesso enfrentadas pela população LGBT+ aos serviços de saúde se iniciam na recepção, em decorrência de situações preconceituosas e violentas sofridas, por exemplo, pelo desrespeito ao nome social(3737 Sahin NE, Aslan F, Emiroglu ON. Health status, health behaviours and healthcare access of lesbian, gay, bisexual and transgender populations in Turkey. Scand J Caring Sci [Internet]. 2020 [cited 2022 Sep 15];34(1):239-246. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/scs.12759
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
-3838 Hafeez H, Zeshan M, Tahir MA, Jahan N, Naveed S. Health care disparities among lesbian, gay, bisexual, and transgender youth: a literature review. Cureus. 2017;9(4):e1184. https://doi.org/10.7759/cureus.1184
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).

Esse desrespeito extrapola a ambiência e o acolhimento nas Unidades de Saúde da Família, sendo também identificado na condução clínica dos casos pelos profissionais de saúde. O histórico de cuidado em saúde instituído às pessoas LGBT+ está diretamente vinculado à prevenção de IST, o que contribui com a associação direta entre atividade sexual LGBT+ e promiscuidade(3939 Prado EAJ, Sousa MF. Public policies and the health of the LGBT population: an integrative review. Tempus Acta Saúde Col. 2017;11(1):69-80. https://doi.org/10.18569/tempus.v11i1.1895
https://doi.org/10.18569/tempus.v11i1.18...
). Somado a isso, as representações sociais instituídas dessas pessoas por profissionais da ESF ainda carregam uma conotação anacrônica, que articula expressão e identidade de gênero à orientação sexual e vice-versa (homem gay com características afeminadas e mulher lésbica com características masculinizadas)(1010 Silva ALR, Finkle M, Moretti-Pires O. Social representation of primary health care workers about LGBT people. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0019730. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00197
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
). Consiste em um processo que necessita ser transformado em prol do alcance de um processo de institucionalização da clínica na ESF, capaz de considerar a diversidade de gênero nos diferentes contextos socioculturais, inclusive, incluindo a existência de pessoas agênero.

Os achados deste estudo evidenciam a assistência prestada pelas enfermeiras às pessoas LGBT+ no contexto da ESF, contribuindo para a identificação de práticas instituídas evidenciadas por meio da emersão das lacunas existentes tanto no processo de formação universitária quanto naquele ocorrido dentro do próprio contexto do trabalho em saúde.

Limitações do Estudo

Compreende-se como uma limitação deste estudo o fato de ter sido desenvolvido apenas com enfermeiras do sexo feminino. Apesar de consistir na maior parte da mão de obra na enfermagem, de certa forma, não favoreceu a diversidade de olhares para o assunto em questão.

Contribuições para a Área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

A presente produção contribui com o SUS ao apontar questões intimamente relacionadas ao processo de trabalho no contexto da APS, e para a área da enfermagem ao explicitar as dificuldades apresentadas pelas enfermeiras da ESF na atenção à saúde de pessoas LGBT+, direcionando para possíveis pistas capazes de transformar essa realidade e visando a diminuição das desigualdades e iniquidades de acesso à rede de atenção à saúde. Isso pode ser alcançado com investimentos na formação universitária e em saúde por meio da EPS, garantindo princípios básicos que regem a APS como serviço de primeiro contato e integralidade, centrado em uma escuta ampliada e acolhimento efetivos. Além disso, no que tange às políticas públicas, é uma produção que induz discussão sobre os direitos de pessoas LGBT+ ao acesso aos serviços de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação das enfermeiras da ESF na atenção à saúde de pessoas LGBT+ ainda é permeada por diversas dificuldades e desafios, como o despreparo, o acesso à informação e o desenvolvimento de uma escuta ampliada que abarque as necessidades de saúde LGBT+. Isso ocorre devido à associação direta de pessoas LGBT+ às IST e do gênero feminino à procriação, com oferta de serviços direcionados, estritamente, às condições ginecológicas. Entretanto, algumas apostas têm sido adotadas pelas enfermeiras da ESF com o intuito de aproximar a assistência de enfermagem à população LGBT+, tais como o acolhimento e o desenvolvimento de vínculo.

  • Errata
    No artigo “Atuação de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família na atenção à saúde LGBT+”, com número DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0514pt, publicado no periódico Revista Brasileira de Enfermagem, 2023;76(4): e20220514, na autoria:
    Onde se lê:
    Walkiria Jéssica de Araújo SilveiraI
    ORCID: 0000-0003-3144-8601
    Lê-se:
    Walkiria Jéssica Araújo SilveiraI
    ORCID: 0000-0003-3144-8601

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Rafael Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2022
  • Aceito
    27 Mar 2023
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