Estratégias de supervisão clínica, aprendizagem e pensamento crítico dos estudantes de Enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Identificar as estratégias supervisivas que os estudantes de Enfermagem consideram facilitadoras do desenvolvimento das capacidades de pensamento crítico no contexto de ensino clínico.

Métodos:

Estudo de natureza qualitativa, inserido no paradigma interpretativo, com recurso à metodologia focus group. Participaram do estudo oito estudantes do curso de licenciatura em Enfermagem.

Resultados:

Os participantes reconheceram a imprescindibilidade do pensamento crítico para a responsabilidade profissional e qualidade na assistência; e destacaram a importância da utilização de estratégias supervisivas adequadas às suas necessidades, aos objetivos de aprendizagem e ao contexto da prática clínica.

Considerações finais:

Este estudo sobreleva a premência em se estabelecer, dentro dos currículos do curso de Enfermagem, estratégias de supervisão clínica promotoras do pensamento crítico, que favoreçam o desenvolvimento de capacidades para o bom julgamento clínico, resolução de problemas e tomada de decisão segura, eficaz e ética.

Descritores:
Pensamento; Tomada de Decisão Clínica; Estudantes de Enfermagem; Aprendizagem; Educação em Enfermagem.

ABSTRACT

Objective:

To identify the supervisory strategies that Nursing students consider facilitators of the development of critical thinking skills in clinical teaching.

Methods:

This is a qualitative study, within the interpretative paradigm, using the focus group methodology. Eight undergraduate nursing students participated in the study.

Results:

Participants recognized the indispensability of critical thinking for professional responsibility and quality of care and highlighted the importance of using supervisory strategies adapted to their needs, learning objectives, and the context of clinical practice.

Final considerations:

This study highlights the urgent need to establish, within the Nursing curricula, clinical supervision strategies that promote critical thinking and favor the development of skills for good clinical judgment, problem solving, and safe, effective, and ethical decision-making.

Descriptors:
Thinking; Clinical Decision Making; Nursing Students; Learning; Nursing Education.

RESUMEN

Objetivo:

Identificar las estrategias de supervisión que los estudiantes de Enfermería consideran facilitadoras del desarrollo de las capacidades de pensamiento crítico en el contexto de enseñanza clínica.

Métodos:

Estudio de naturaleza cualitativa, inserido en el paradigma interpretativo, con recurso a la metodología focus group. Participaron del estudio ocho estudiantes del curso de licenciatura en Enfermería.

Resultados:

Los participantes reconocieron la imprescindibilidad del pensamiento crítico para la responsabilidad profesional y calidad en la asistencia; y destacaron la importancia de la utilización de estrategias de supervisión adecuadas a sus necesidades, a los objetivos de aprendizaje y al contexto de la práctica clínica.

Consideraciones finales:

Este estudio sobrepasa la urgencia en establecerse, dentro de los currículos del curso de Enfermería, estrategias de supervisión clínica promotoras del pensamiento crítico, que favorezcan el desarrollo de capacidades para el bueno juicio clínico, resolución de problemas y toma de decisión segura, eficaz y ética.

Descriptores:
Pensamiento; Toma de Decisiones Clínicas; Estudiantes de Enfermería; Aprendizaje; Educación en Enfermería.

INTRODUÇÃO

Os complexos desafios que a globalização impõe incorporam a necessidade de estabelecer o pensamento crítico (PC) como pilar na sociedade atual. Cabe às instituições de ensino o dever de preparar os seus estudantes de forma adequada para que possam fornecer respostas atempadas e adequadas aos diversos e emergentes problemas que a sociedade e os pacientes lhe impõem(¹). O PC, como conjunto de capacidades e disposições, tem despertado o interesse da comunidade científica e de organismos nacionais e internacionais(²-³). Nos últimos anos, têm-se somado esforços para incorporá-lo nos currículos em diferentes instituições de ensino.

Estudado amplamente nas últimas décadas, o PC pode ser definido como o pensamento intencional, racional e reflexivo, focado naquilo em que se deve acreditar e fazer(⁴), que resulta na interpretação, análise, avaliação, inferência, explicação e autorregulação(⁵). Ele é considerado essencial para o desenvolvimento da capacidade de processar informações e avaliar a sua plausibilidade, argumentar e defender claramente a sua posição, prever consequências, examinar os prós e contras no processo de tomada de decisão(⁶-⁷). Ser capaz de pensar criticamente evidencia-se como um importante preditor do bom desempenho acadêmico(⁸). Estudantes com altas habilidades de PC são capazes de organizar a sua aprendizagem, monitorar e avaliar o seu desempenho(⁹), sendo que tais competências favorecem o êxito na tomada de decisões(⁸).

Tal como a globalização, a assistência em saúde tornou-se também complexa e exigente; a enfermagem evoluiu como profissão, fato que gerou a necessidade de os profissionais demonstrarem características crítico-reflexivas na sua prática diária(¹⁰). A enfermagem como profissão configura-se como a maior força de trabalho na área da saúde, tanto pela quantidade de profissionais quanto pelo seu caráter de proximidade com os pacientes e suas famílias, pois são os profissionais de enfermagem que garantem 24 horas de cuidados aos pacientes. Essa proximidade e toda a complexidade envolvida na assistência de enfermagem, juntamente com os avanços tecnológicos, exigem do enfermeiro competências que lhe permitam prestar cuidados seguros e de qualidade(¹¹-¹⁵).

No contexto dos cuidados em saúde, o PC pode ser definido como o raciocínio rigoroso, intencional e focado nos resultados, fundamentado nas necessidades do paciente(¹⁶). Para a promoção de cuidados seguros e de qualidade, os estudantes de Enfermagem devem ser treinados de forma reflexiva para conseguirem agir e responder assertivamente ao complexo emaranhado de questões que emergem do contexto clínico diante de situações dinâmicas, incertas, imprevisíveis e inconstantes(¹⁵,¹⁷). Assim, as capacidades de PC são consideradas componentes essenciais para a responsabilidade profissional e qualidade na assistência em enfermagem(¹¹-¹²,¹⁴,¹⁶,¹⁸-¹⁹).

Pensar criticamente não é algo nato, por isso requer esforço e integração de contextos e propostas de ensino e aprendizagem que favoreçam sua evolução(²⁰). Para o desenvolvimento das capacidades de PC, importa garantir ambientes de aprendizagem que possibilitem o envolvimento ativo dos estudantes(²¹), uma vez que metodologias de ensino ativas são capazes de estimular o desenvolvimento de processos cognitivos de ordem superior(¹²,¹⁵,²²-²³). As metodologias ativas de ensino são tidas como a chave de sucesso que garante aos estudantes a capacidade de analisar evidências e propostas, realizar julgamentos justos, propor soluções(²²,²⁴-²⁵), avaliar as suas decisões e, se necessário, voltar ao início e reconstruir todo o processo(²⁶).

Dessa forma, o contexto de ensino clínico (EC) constitui o espaço de eleição para o desenvolvimento das capacidades de PC, devido ao seu caráter dinâmico, interativo, imprevisível, mediador, facilitador e potencializador da aprendizagem prática(²⁷-²⁸). O EC, realizado em instituições de saúde, caracteriza-se pela aprendizagem em contexto real, onde o estudante aplica o conhecimento teórico na prática, ou seja, integra o saber com o fazer, resultando num processo reflexivo, crítico e no aperfeiçoamento das habilidades e competências clínicas que, quando conduzido corretamente, culmina numa ação consciente, crítica e criativa do estudante(¹¹,²⁹-³⁰). O EC mediante o processo supervisivo tem como objetivo garantir ao estudante a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades e atitudes para a realização de intervenções autônomas, conscientes e fundamentadas(²⁹-³¹).

É possível afirmar que o PC, enquanto conjunto de capacidades, é passível de ser ensinado, e quanto mais treinadas forem essas capacidades, maior será a probabilidade de resultados favoráveis, o que contribui para a formação de estudantes capazes de fornecer respostas assertivas aos complexos problemas apresentados(⁵,²²,³²). O EC, devido ao seu caráter real, favorece o desenvolvimento dessas capacidades (competências profissionais), já que torna possível a articulação entre a teoria e a prática, potenciada pela adoção de uma atitude proativa de aprendizagem(²⁹). As estratégias de supervisão clínica (ESC) podem influenciar o desenvolvimento das capacidades de PC nos estudantes de Enfermagem, sendo, essas capacidades, essenciais para a sua atuação na prática assistencial.

Atualmente, verifica-se a existência de várias pesquisas que abordam as questões do PC(^{1 6},⁸,¹⁹,³²) de forma geral e outras mais direcionadas para a enfermagem(¹⁸,²¹-²²,²⁶), contudo ainda não existem estudos relacionando as estratégias de supervisão com o desenvolvimento do PC nos estudantes de Enfermagem. Partindo da premissa de que o PC é um aspecto basilar durante o EC desses estudantes, deve ser incentivada a adoção de estratégias de ensino construtivistas que lhes permitam melhorar a aprendizagem do PC. Nesse sentido, é essencial identificar sob a ótica dos estudantes as capacidades de PC e as ESCs que mais promovem o seu desenvolvimento.

OBJETIVO

Identificar as estratégias supervisivas consideradas pelos estudantes de Enfermagem como facilitadoras do desenvolvimento das capacidades de PC no contexto de EC.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi submetido ao parecer do Comitê de Ética de uma Escola Superior de Enfermagem do norte de Portugal, tendo sido aprovado quanto a seus aspectos éticos e metodológicos. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual se garante o direito à privacidade, ao anonimato e à confidencialidade da informação.

Referencial teórico-metodológico

O referencial teórico-metodológico baseia-se na abordagem qualitativa. Esta busca interpretar e compreender uma realidade sob a perspectiva dos atores intervenientes no processo(³³).

A natureza qualitativa, na qualidade de alicerce teórico e metodológico, possibilita desvendar os referenciais de pensamento dos estudantes de graduação em Enfermagem sobre a sua vivência no contexto de EC, nomeadamente identificar as estratégias de supervisão clínica consideradas por eles como facilitadoras do desenvolvimento das suas capacidades de PC.

Tipo de estudo

Trata-se de estudo de natureza qualitativa, inserido no paradigma interpretativo, uma vez que busca interpretar e compreender os significados da ação humana sob a ótica de quem a vive(³³), nominalmente os estudantes de graduação em Enfermagem no contexto de EC. É um estudo exploratório e transversal, com recurso à metodologia focus group. Para a preparação do manuscrito, no sentido de assegurar o rigor e transparência na redação da síntese dos resultados, este trabalho foi conduzido e estruturado com base no Standards for Reporting Qualitative Research (SRQR), cujo objetivo é estabelecer padrões para o relato de pesquisas qualitativas.

A natureza qualitativa de coleta de dados focus group proporciona um ambiente rico em discussão entre vários participantes, uma vez que permite ao investigador obter uma visão aprofundada de diferentes opiniões, conhecimentos, percepções, sentimentos e experiências sobre determinado tema, que poderão ser analisados posteriormente(³⁴). O seu objetivo é compreender o ser humano e suas relações com a temática da investigação, por meio da observação dos discursos, comportamentos e reações dos participantes(³³). Dentre os benefícios dessa metodologia, destacam se a sua rápida execução, a facilidade de ser realizada atualmente, mediante videoconferência, o seu caráter dinâmico devido à flexibilidade na condução e contato entre os participantes e moderador(³⁴).

Cenário do estudo

Estudo realizado em uma Escola Superior de Enfermagem do norte de Portugal, durante os meses de maio a julho de 2021. A pesquisa foi efetuada com estudantes matriculados no ano letivo 2020/2021 do curso de licenciatura em Enfermagem (CLE).

Fonte de dados

Fizeram parte da amostra deste estudo, estudantes do CLE. Os critérios de elegibilidade foram: ter matrícula ativa no ano de 2020/2021 e ter, pelo menos, uma experiência de EC, devido à familiaridade com o contexto de EC e das ESCs. Participaram na sessão focus group oito estudantes do 4º ano do CLE.

Durante a fase de planejamento da coleta de dados, foi preocupação a forma de recrutamento dos estudantes. Sendo assim, foi permitido à pesquisadora principal entrar em contato com os coordenadores das unidades curriculares (UC) de Práticas Clínicas, e estes, por sua vez, contataram os estudantes e explicitaram a natureza e objetivos da pesquisa. Aos que manifestaram interesse em participar do estudo, o coordenador solicitou autorização para cederem o endereço eletrônico, sendo, por esse meio, efetuado convite formal a cada um dos estudantes. Após aceito o convite, foi enviado, também por e-mail, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para assinarem e reencaminharem à pesquisadora principal. Foi então agendada data e hora para a realização da sessão focus group e enviado o respectivo link de acesso à sessão a todos os participantes.

Coleta e organização dos dados

Em razão do contexto pandêmico causado pela covid-19 e das restrições por ela impostas aos estabelecimentos de ensino e serviços de saúde, a coleta de dados foi realizada por meio de videoconferência, pela plataforma Zoom, no formato de uma sessão focus group.

Para a condução do focus group, foi construído um roteiro, composto por um conjunto de questões abertas. Na elaboração, foram consideradas a fidelidade e validade - características essenciais que determinam a qualidade de qualquer instrumento de medida. A fidelidade é uma condição que mostra se o instrumento de medida dá valores constantes de uma vez para a outra; nesse sentido, foi efetuado um pré-teste do roteiro com um focus group composto por quatro estudantes que preencheram os critérios de elegibilidade para a pesquisa e que não fizeram parte do grupo de participantes. Após análise, não houve necessidade de reformulação. A verificação da validade foi efetuada por meio da avaliação do roteiro por um perito externo ao estudo: um professor e pesquisador em enfermagem com experiência de 20 anos em supervisão clínica, que deu parecer favorável acerca do instrumento.

A execução ou moderação do focus group foi realizada pela pesquisadora principal e assessorada por outra pesquisadora da equipe, sendo esta experiente na utilização da metodologia. A duração da sessão foi de cerca de duas horas. A sessão foi gravada em imagem e áudio, sendo destruída após a sua transcrição.

Análise dos dados

Utilizou-se, globalmente, a análise de conteúdo segundo a metodologia proposta por Bardin. Tal análise permite verificar a ordem, intensidade e frequência de um discurso(³³), com o objetivo de aprimorar os resultados, ampliar sua validade e, consequentemente, possibilitar uma interpretação final fidedigna(³⁵).

A análise dos dados foi efetuada por dois pesquisadores independentes, sendo envolvido um terceiro no caso de divergência; e seguiu três fases: organização, codificação e categorização. A primeira fase compreendeu a transcrição integral dos discursos dos participantes no focus group segundo a sua sequência. De modo a garantir o anonimato no focus group, cada participante foi classificado com a letra P (Participante) acrescida de um número correspondente à ordem de sua intervenção (P1, P2, …P8). Na sequência, realizou-se a leitura flutuante de todo o documento que compunha o corpus de análise, seguida da leitura exaustiva. Na segunda fase, procedeu-se à codificação, baseada no recorte quanto ao tema e enumerada de acordo com a frequência e intensidade nos discursos. Por fim, efetuou-se a categorização semântica e léxica, tendo em conta os significados e sentidos dos discursos, com base nos quais emergiram as categorias e respectivas subcategorias(³⁵).

RESULTADOS

Participaram da sessão focus group oito estudantes do CLE, seis do sexo feminino e dois do sexo masculino. Todos frequentavam a UC Práticas Clínicas, do 4º ano do curso; e as idades variaram entre os 21 e os 24 anos, situando-se a média de idades nos 22 anos.

A análise de conteúdo do discurso dos participantes possibilitou organizar a informação em categorias e subcategorias conforme se apresenta no Quadro 1. As categorias encontradas foram “Capacidades de pensamento crítico”, “Fatores facilitadores do desenvolvimento do pensamento crítico”, “Fatores dificultadores do desenvolvimento do pensamento crítico” e “Estratégias de supervisão clínica”.

Quadro 1
Categorias e subcategorias da análise de conteúdo do discurso dos participantes do focus group

CATEGORIA	SUBCATEGORIA
Capacidades de pensamento crítico	Interpretação
	Análise
	Avaliação
	Inferência
	Explicação
	Autorregulação
Fatores facilitadores do desenvolvimento do pensamento crítico	Ter um supervisor
	Ter vários supervisores
	Relação supervisiva
	Experiência em supervisão clínica
	Características do estudante
	Papel do supervisor
	Integração na equipe
Fatores dificultadores do desenvolvimento do pensamento crítico	Atitude do enfermeiro
	Falta de feedback
	Problemas de comunicação
	Não querer ser supervisor
	Não ter supervisor
	Sentir-se humilhado
	Falta de apoio
	Experiências negativas
Estratégias de supervisão clínica	Perguntas pedagógicas
	Orientar
	Reflexão
	Estudo individualizado
	Apoio
	Encorajar
	Feedback
	Discussão de casos clínicos
	Definição de objetivos individuais
	Observação
	Estimular a comunicação com a equipe

Capacidades de pensamento crítico

Os participantes reconheceram a importância do PC na formação inicial do enfermeiro, enunciando-o como um fator que favorece a responsabilidade profissional e a qualidade na assistência em enfermagem, uma vez que promove o pensamento reflexivo, o envolvimento significativo e autônomo no complexo contexto dos cuidados de saúde, o julgamento clínico e o desenvolvimento de habilidades para a tomada de decisão.

Acho que é bastante importante nós desenvolvermos o nosso pensamento crítico, porque acho que isso é uma das bases da prática de enfermagem; e acho que nós enquanto estudantes termos, quanto mais precocemente o desenvolvermos, mais fácil será para nós quando formos enfermeiros. (P1)

[...] acho que é uma parte fundamental para sermos bons enfermeiros [...]. (P5)

No entanto, apesar da extensa divulgação da necessidade do PC na formação do enfermeiro, percebe-se que muitas vezes os estudantes não são estimulados ou são até mesmo impossibilitados de colocar em prática as suas competências. Tal dificuldade é evidenciada no discurso:

[...] é verdade, às vezes nós temos o nosso pensamento crítico e até o conseguimos sustentar, mas nem sempre é utilizado, porque muitas vezes até nos dizem “O protocolo aqui é este”, e realmente acabamos por realizar a intervenção de acordo com o protocolo, e não de acordo com aquilo que nós achamos, que até é o que é mais baseado na evidência mais atual [...]. (P7)

Para além de reconhecerem a sua importância, os participantes evidenciaram que as capacidades de PC (avaliação, interpretação, análise, inferência, explicação e autorregulação) são fundamentais para o seu bom desempenho no EC, nomeadamente para o julgamento clínico, tomada de decisões e resolução de problemas.

É basicamente ter a tendência de não dizer assim, ah é assim, é dessa forma, porque aquela pessoa está-me a dizer que é daquela forma; é termos a capacidade de nós próprios tomarmos a decisão, tendo em conta os dados que nós temos e as informações que conseguimos recolher daquele problema. (P7)

Mesmo que existam protocolos a nível de serviço, seja o que for, não olharmos para eles como uma norma ou uma regra. Devemos, sim, respeitá-los, mas ter em consideração que princípios ou em que tipo de bibliografia que aquilo está fundamentado… devemos sempre procurar evidências que justifiquem e sustentem as práticas [...]. (P8)

Fatores facilitadores do desenvolvimento do pensamento crítico

No contexto de EC, o relacionamento entre supervisores, estudantes e equipe multiprofissional é a chave para facilitar a aprendizagem dos estudantes. O espírito de cooperação favorece a autonomia, o bom julgamento clínico e o processo de tomada decisão. Relativamente aos fatores facilitadores do desenvolvimento do PC, os participantes destacam a importância de ter um supervisor, ter vários supervisores, a relação supervisiva, a experiência em SC, as características do estudante, o papel do supervisor e a integração na equipe.

O estabelecimento de uma boa relação supervisiva acho que é a chave, porque a partir de uma boa relação supervisiva vem todo o resto, vem o questionamento, a autonomia, a confiança e também a disponibilidade, o que depois nos vai encorajar a procurar mais informação, a questionar mais e aprender mais sobre aquele serviço em que estamos. (P4)

[...] muito mais importante que as estratégias utilizadas, é também saber o papel que tem o supervisor [...] saber de facto onde realmente pode contribuir para o nosso pensamento crítico. (P6)

Fatores dificultadores do desenvolvimento do pensamento crítico

Ao passo que os supervisores se afastam das características anteriormente descritas, estabelecem um ambiente autoritário, opressivo, hostil, apático, com pouca comunicação e impossibilitam a criação de uma boa relação supervisiva, além de provocar nos estudantes experiências negativas. A ausência de uma boa relação entre supervisor e supervisado mostra-se como um dificultador para o desenvolvimento do PC.

A análise do discurso dos participantes permitiu identificar como aspectos dificultadores para o desenvolvimento do PC: atitude do enfermeiro, ausência de feedback, problemas na comunicação, não querer ser supervisor, não ter supervisor, falta de apoio e experiência negativa.

[...] fiz bastantes turnos com essa supervisora, e ela tinha uma postura muito autoritária e muito hostil [...] penso podia ter aprendido muito mais e não aprendi exatamente por esta postura de hostilidade e de desleixo. (P3)

[...] houve assim um bocadinho uma postura de gozo comigo por eu não saber, e “como é possível tu não sabes isto?” (P3)

[...] a minha família estava ao rubro mesmo, estava tudo a correr mal, e a supervisora [...] nunca se mostrou preocupada, nem a nível de conhecimento, nem a nível pessoal, nada. Foi mesmo que estava com ela, fazia as coisas com ela, e pronto, se não tivesse com ela era igual, era mesmo isso. (P4)

Ter ficado com um supervisor que não queria ter alunos, eu sei que é um bocadinho contraditório, mas ela disse-me, neste caso diretamente, que não queria ter alunos; e acho que isso dificulta um bocadinho o ensino clínico, porque a pessoa em questão não me fazia questões, quando eu fazia questões respondia-me de uma forma menos simpática, ou às vezes nem me respondia. E depois, durante todo o ensino clínico, eu senti que estava um bocadinho como se fosse um favor que a pessoa me estivesse a fazer, e não me senti segura e confiante para conseguir desenvolver aquilo que eu queria, vá, e acho que dificultou um bocadinho a minha aprendizagem. (P1)

Estratégias de supervisão clínica

A estratégia adotada pelo supervisor estabelece-se como o eixo estruturante do processo de ensino e aprendizagem dentro do EC, uma vez que possibilita ao estudante o desenvolvimento das capacidades clínicas essenciais com vista ao sucesso em seu desempenho. No que concerne às ESCs, os participantes destacam as perguntas pedagógicas, a reflexão, o estudo individualizado, a orientação, o apoio, o encorajamento, o feedback, a discussão de casos clínicos, a definição de objetivos individuais, a observação e estímulo e a comunicação com a equipe.

[...] o facto de os supervisores nos fazerem questões ajuda-nos a refletir sobre certos assuntos que são importantes e que, se calhar, aos quais não daríamos tanta importância. (P2)

[...] o facto daquelas questões, que são aquelas questões de outro patamar, que no fundo nos levam mais longe, são aquelas questões não básicas, mas que temos que estudar a fundo e perceber diferentes relações para responder a essas mesmas questões [...]. (P8)

[...] as questões, eu acho importante, mas eu acho que o momento, ou seja, quando eles nos fazem questões é fundamental; eu só não acho que deveria ser um momento estressante [...]. (P5)

Eu realmente refletia e pensava [...]. (P1)

[...] ou seja, com uma questão, eu acho que conseguia abranger grande conhecimento e que, depois, isso teria repercussões no meu pensamento crítico a curto ou longo prazo. (P7)

[...] mas também, ao mesmo tempo, orientava o meu estudo no momento inicial; ajudava, por exemplo: “Olha, neste momento, acho que faz sentido estudares isto”. (P3)

[...] era uma supervisora que se preocupava comigo enquanto pessoa. Por exemplo, se havia uma troca, ela era primeira a dizer: “Se tu não conseguires, vens fazer no outro dia; não há problema”. (P3)

[...] em situações de maior estresse, era a primeira a dizer: “Tem calma, eu a ajudo, estou aqui e tu consegues”. (P3)

Eu considero que o feedback é fulcral, ou seja, percebermos até que ponto é que nos estamos a sair no ensino clínico, porque muitas vezes temos uma percepção errada [...]. Acho que nós devemos sempre perceber de que forma é que nos estamos a comportar e naquilo que podemos melhorar. (P8)

[...] e considero que, no terceiro ano, em alguns ensinos clínicos iniciais foi fulcral o estabelecimento de objetivos [...], até porque, quando iniciamos os ensinos clínicos, nós de certa forma nos sentimos perdidos, porque há toda uma quantidade de coisas que nós temos que saber, portanto a definição de objetivos acaba por nos orientar de alguma forma. (P8)

Os participantes reconheceram a imprescindibilidade do PC para a prática clínica, descrevendo-o como essencial para a responsabilidade profissional e qualidade na assistência de enfermagem, em virtude de ser um fator possibilitador do pensamento reflexivo, da autonomia, do bom julgamento clínico, da aquisição de habilidades para a resolução de problemas e para a tomada de decisão segura, eficaz e ética. Além disso, destacaram a importância do estabelecimento de uma boa relação supervisiva, a necessidade do supervisor conhecer o estudante dentro do seu percurso pessoal e acadêmico. Essa relação de proximidade foi considerada essencial para a determinação da estratégia supervisiva mais adequada às necessidades dos estudantes, aos objetivos de aprendizagem e ao contexto de EC.

DISCUSSÃO

Peter Facione, por meio do memorável The Delphi Report, ressalta a imprescindibilidade do desenvolvimento das capacidades de PC para a execução de julgamentos sensatos e decisões acertadas. As capacidades, também reconhecidas como competências ou habilidades cognitivas, são classificadas em seis esferas: interpretação, análise, avaliação, inferência, explicação e autorregulação(⁵-⁶,³⁶). Essas competências são consideradas primordiais para o bom desempenho acadêmico, pessoal e profissional do estudante(³⁶), visto que lhe permitem aprimorar as habilidades de resolução de problemas e, por sua vez, tomar decisões assertivas(⁹).

O discurso dos participantes possibilita identificar o pensador crítico como atualizado em conhecimentos, diligente na procura de uma razão válida, ponderado, flexível em seus julgamentos, capaz de julgar a credibilidade das informações. No entanto, pode inferir-se que a ausência de um relacionamento cordial entre supervisor e supervisado bem como a impossibilidade de colocar em prática o conhecimento científico atual constituem grandes dificultadores para o desenvolvimento do PC dos estudantes. Similarmente, o pensador crítico é descrito como curioso, bem informado, criativo, aberto a diferentes possibilidades, possuidor de pensamento reflexivo, portanto é capaz de julgar a credibilidade das informações(¹⁷). Em razão de o contexto dos cuidados em saúde exigir do estudante de Enfermagem prudência na procura e seleção das informações(¹⁰), torna-se premente desenvolver o hábito de questionar e procurar evidências científicas para sustentar cuidados seguros e de qualidade.

O EC permite ao estudante momentos ricos de observação e interação, à medida que favorece o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais ao exercício profissional, proporciona recursos de autorregulação, para além de facilitar a apropriação, mobilização e materialização de conhecimentos(²⁹). Nesse ambiente, o processo supervisivo configura-se como dinâmico, interativo, facilitador e potencializador da aprendizagem, uma vez que se baseia num relacionamento de confiança e ajuda mútua, no qual o supervisor adota as estratégias para o desenvolvimento pessoal e profissional do supervisado(³⁷).

O supervisor clínico, conforme exerce o papel de mediador da aprendizagem e do desenvolvimento profissional dos seus estudantes, assegura a transição do ser estudante para o ser profissional(²⁹). Nesse enquadramento, a estratégia supervisiva constitui-se uma fase importante no processo de formação, já que proporciona o planejamento de ações e a organização de atividades favorecedoras do desenvolvimento pessoal e profissional dos estudantes(³⁷).

Ancorando-se no princípio da equidade, os supervisores não devem tratar os estudantes de maneira exatamente igual relativamente à aprendizagem, fato justificado pelas necessidades individuais inerentes a cada supervisado(³⁸). Não existe uma estratégia única e incontestável que se adapte a todos os contextos e a todos os estudantes; pelo contrário, há diferentes estratégias que podem ser utilizadas em diferentes combinações. Para a seleção da estratégia ser bem-sucedida, importa considerar o contexto clínico, os estudantes, os objetivos de aprendizagem e os recursos disponíveis, motivo pelo qual é indispensável a individualização do ensino(³⁷).

A reflexão possibilita ao estudante construir e apropriar-se do conhecimento por meio da sua prática profissional. Nesse processo, o supervisor tem um papel fundamental em conduzir o estudante no processo reflexivo, quer pela criação de oportunidades reais de aprendizagem, quer por provocá lo na procura de mais conhecimento. A partir de uma dúvida ou dificuldade, inicia-se o pensamento reflexivo, seguido de um processo mental de questionamento, o que motiva o estudante a pesquisar para então dirimir essa dúvida ou dificuldade(³⁹). A reflexão promove o aperfeiçoamento da capacidade de resolver problemas, possibilita revisitar e reformular a experiência vivenciada, com o objetivo de estabelecer alternativas e construir uma nova aprendizagem(³⁷). O processo reflexivo é enunciado como uma estratégia eficaz para a promoção do PC(¹⁷), visto que refletir sobre as prioridades nos cuidados promove o desenvolvimento da confiança, da autonomia e das habilidades de comunicação(²⁸).

Formular questões que despertem a inquietação dos estudantes e os motivem na procura de respostas é apontado como uma estratégia propulsora para o pensamento reflexivo e criativo(³⁷). À medida que as perguntas aumentam o interesse e a curiosidade dos estudantes, contribuem para a aprendizagem experiencial possibilitando a conexão entre o conhecimento e a prática(¹⁷). Ao mesmo tempo, o supervisor, em momentos oportunos, de forma amistosa e sem o caráter simplesmente avaliativo, realiza perguntas. Para além de facilitar a construção de um profissional competente, também incute no estudante o hábito de realizar questionamentos, permitindo avançar no potencial desenvolvimento das capacidades de PC.

Fornecer feedback permite aos estudantes tornarem-se sujeitos ativos no processo de ensino e aprendizagem, visto que facilita o processo de autoavaliação, o pensamento reflexivo, criativo e crítico(⁴⁰) e a autonomia(¹⁷), características indispensáveis ao enfermeiro. Assim, o supervisor deve encontrar o momento mais oportuno para fornecer feedback eficaz, claro e construtivo(⁴⁰).

Limitações do estudo

São duas as limitações. Primeiramente, os participantes são somente estudantes do 4º ano do CLE, ou seja, os concluintes; isso impossibilitou determinar as estratégias que promovem o PC de todos os estudantes do CLE em contexto de EC. A segunda limitação relaciona-se com o fato de que o estudo foi realizado num contexto pandêmico, portanto a coleta de dados on-line não permitiu estabelecer um lugar de encontro físico com os participantes, fato que pode ter condicionado as respostas devido à falta de familiaridade com esse formato. Nesse sentido, sugere-se a realização de estudos em contextos pós-pandêmicos, com estudantes em diferentes fases do EC, anos iniciais e finais, o que viabilizará demonstrar a relação causal entre as ESCs e as capacidades de PC nos estudantes ao longo do curso de Enfermagem.

Contribuições para a Área

O estudo destaca a necessidade da utilização das ESCs que favoreçam o processo reflexivo. Reitera, também, a urgência em se estabelecer dentro dos currículos dos cursos de graduação em Enfermagem estratégias de ensino construtivistas que permitam aos estudantes desenvolver o PC, capacidades essenciais para o bom julgamento clínico, para a resolução de problemas e para a tomada de decisão clínica segura, eficaz e ética.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudantes reconheceram a importância das capacidades de PC no contexto de EC, considerando-as fundamentais para o julgamento clínico, tomada de decisões e resolução de problemas. Visto que pensar criticamente demanda esforço e associação de contextos e estratégias que possibilitam o seu desenvolvimento, este estudo destaca a importância da utilização de diferentes ESCs. Assim, sobreleva-se a perspectiva de as estratégias atuarem de maneiras intercambiáveis e complementares. As perguntas pedagógicas, a reflexão, o estudo individualizado, a orientação, o apoio, o encorajamento, o feedback, a discussão de casos clínicos, a definição de objetivos individuais, a observação e o estímulo da comunicação com a equipe são as estratégias identificadas como as mais favorecedoras do PC. Em certos momentos, é oportuno utilizar várias estratégias ao mesmo tempo; em outros, apenas uma é suficiente para alcançar os objetivos de aprendizagem. Para o estabelecimento da estratégia supervisiva mais adequada ao estudante e ao contexto de aprendizagem, é imprescindível que o supervisor, para além de conhecer o percurso acadêmico do seu supervisado, reconheça a sua individualidade e necessidades.

DISPONIBILIDADE DE DADOS E MATERIAL

https://doi.org/10.48331/scielodata.PC3XOX

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa

EDITOR ASSOCIADO: Rafael Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  23 Nov 2022
• Aceito
  10 Mar 2023