Acessibilidade / Reportar erro

Tradução, adaptação transcultural e estudo de validação do “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook”

RESUMO

Objetivo:

desenvolver o processo de tradução, adaptação transcultural e validação do “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” para uso no Brasil.

Métodos:

estudo metodológico, seguindo as etapas de tradução, retrotradução, avaliação do comitê de juízes e pré-teste. Foi calculado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) tanto para a população de juízes quanto para a população do pré-teste. População do estudo: quatro tradutores, sete juízes especialistas na área de saúde da criança e trinta participantes no pré-teste com pais, professores e profissionais da saúde.

Resultados:

na análise dos especialistas (98,4%), obteve-se valor de 100% de avaliações adequadas e, na análise da população-alvo (89,5%), totalizaram-se 100% de avaliações adequadas. Em ambas análises, foram realizadas adaptações sugeridas.

Conclusão:

a adaptação transcultural e a validação de conteúdo para o português do Brasil do “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” foram consideradas adequadas para a aplicação na população-alvo.

Descritores:
Estudo de Validação; Tradução; Violência Infantil; Profissionais de Saúde; Promoção da Saúde

ABSTRACT

Objective:

to describe the translation, cross-cultural adaptation and validity process of the “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” for use in Brazil.

Methods:

a methodological study that followed the translation, back-translation, expert committee assessment, and pre-test steps. The Content Validity Index (CVI) was calculated for both the judge population and the pre-test population. Four translators, seven expert judges in the field of child health and thirty participants in the pre-test, including parents, teachers and healthcare professionals, participated in the study.

Results:

in experts’ analysis (98.4%), a value of 100% of adequate assessments was obtained, and in the target population’s analysis (89.5%), there were 100% of adequate assessments. In both analyses, suggested adaptations were made.

Conclusios:

cross-cultural adaptation and content validity into Brazilian Portuguese of the “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” were considered adequate for application in the target population.

Descriptors:
Validation Study; Translating; Child Abuse; Health Personnel; Health Promotion

RESUMEN

Objetivo:

desarrollar el proceso de traducción, adaptación transcultural y validación del “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” para uso en Brasil.

Métodos:

estudio metodológico, siguiendo las etapas de traducción, retrotraducción, evaluación por el comité de jueces y preprueba. Se calculó el Índice de Validez de Contenido (IVC) tanto para la población de jueces como para la población previa a la prueba. Población de estudio: cuatro traductores, siete jueces expertos en el área de salud infantil y treinta participantes en la preprueba con padres, docentes y profesionales de la salud.

Resultados:

en el análisis de los especialistas (98,4%), se obtuvo un valor de 100% de valoraciones adecuadas y, en el análisis de la población objetivo (89,5%), Se totalizó el 100% de las evaluaciones adecuadas. En ambos análisis, se realizaron adaptaciones sugeridas.

Conclusiones:

la adaptación transcultural y la validación de contenido para el portugués brasileño del “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” se consideraron adecuadas para su aplicación en la población objetivo.

Descriptores:
Estudio de Validación; Traducción; Maltrato a los Niños; Salud Pública; Promoción de la Salud

INTRODUÇÃO

A violência infantil é um problema de saúde pública mundial e tem causado impacto significativo na sociedade contemporânea, embora seja um problema remoto(11 Egry EY, Apostolico MR, Morais TCP. Notificação da violência infantil, fluxos de atenção e processo de trabalho dos profissionais da Atenção Primária em Saúde. Cienc Saúde Colet. 2018;23(1):83-92. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.22062017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
). As consequências podem ser de curto a longo prazo, afetando o desenvolvimento físico, psicológico e emocional da criança(22 Lippard ETC, Nemeroff CB. The devastating clinical consequences of child abuse and neglect: increased disease vulnerability and poor treatment response in mood disorders. Am J Psychiatry. 2020;177(1):20-36. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2019.19010020
https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2019.19...
).

Aproximadamente 25% de todas as crianças enfrentam alguma forma de abuso ou negligência durante sua vida. Qualquer violação de uma criança ou adolescente por um adulto, resultando em dano ou lesão, é considerada abuso infantil(33 Kerna NA, Molets HM, Hafid A, Pruitt KD, Nwokorie U. SCAN: A succinct and practical guide for recognizing and reporting suspected child abuse and neglect. EC Paedriatrics [Internet]. 2021 [cited 2022 Jan 21];10(7):63-74. Available from: https://www.researchgate.net/publication/352897628_SCAN_A_Succinct_and_Practical_Guide_for_Recognizing_and_Reporting_Suspected_Child_Abuse_and_Neglect
https://www.researchgate.net/publication...
-44 Presidência da República (BR). Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União; 26 de junho de 2014.).

Estudo sobre violência infantil e suas consequências psicológicas, realizado no Brasil, evidenciou diversos transtornos psicológicos a longo prazo, como depressão, ansiedade, transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), hiperatividade, déficit de atenção, sequelas emocionais, afetivas, psicológicas, sociais e comportamentais, sendo necessários mais estudos da temática no país, a fim de destacar a necessidade de ações mais efetivas na proteção e prevenção da violência infantil(55 Nunes ACP, Silva CC, Carvalho CTC, Silva FG, Fonseca PCSB. Child violence in Brazil and its psychological consequences: a systematic review. Braz J Dev. 2020;6(10):79408-41. https://doi.org/10.34117/bjd.v6i10.18453.g14870
https://doi.org/10.34117/bjd.v6i10.18453...
).

Sabe-se que existe um ciclo intergeracional de maus-tratos infantis, ou seja, aqueles que foram maltratados quando crianças têm maior probabilidade de maltratar seus próprios filhos(66 Afifi TO, Mota N, Sareen J, MacMillan H. The relationships between harsh physical punishment and child maltreatment in childhood and intimate partner violence in adulthood. BMC Public Health. 2017;17(1):1-10. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4359-8
https://doi.org/10.1186/s12889-017-4359-...
). Além disso, a violência pode se perpetrar ao longo da vida, como violência juvenil, violência por parceiro íntimo e maus-tratos a idosos(77 Herrenkohl TI, Fedina L, Roberto KA, Raquet K, Hu RX, Rousson AN, et al. Child maltreatment, youth violence, intimate partner violence, and elder mistreatment: a review and theoretical analysis of research on violence across the life course. Trauma Violence Abuse. 2020;23(1):314-28. https://doi.org/10.1177/1524838020939119
https://doi.org/10.1177/1524838020939119...
). Uma das sete estratégias propostas para a redução da violência infantil, mundialmente, é criar meios para redução do castigo físico ou humilhante e ajudar os pais na compreensão da importância da disciplina positiva e não violenta com seus filhos(88 World Health Organization (WHO). INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2022 Apr 22]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

Embora o Brasil tenha avançado na produção de políticas públicas para a infância, a exemplo da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), que prevê atenção integral à criança em situação de violências e um conjunto de ações e estratégias para sua prevenção(99 Presidência da República (BR). Portaria nº 1.130, de 5 de Agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 5 de agosto de 2015.), não são todas as crianças que conseguem desfrutar dos seus benefícios(1010 Waquim BB, Coelho IM, Moraes-Godoy AS. The constitutional history of childhood in Brazil under the Bernardino boy case. Rev Bras Direito. 2018;14(1):88-110. https://doi.org/10.18256/2238-0604.2018.v14i1.1680
https://doi.org/10.18256/2238-0604.2018....
), seja por dificuldade de acesso ou pela desarticulação da rede de proteção(1111 Melo RA, Carlos DM, Freitas LA, Roque EMST, Aragão AS, Ferriani MGC. Rede de proteção na assistência às crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190380. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190380
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.2...
). São parte dessa rede os profissionais de saúde e educação e, dessa forma, podem contribuir para a aplicabilidade da lei de proteção às crianças que possuem seus direitos violados(1212 Santos LF, Javaé ACRS, Costa MM, Silva MVFB, Mutti CF, Pacheco LR. The experiences of health professionals with the management of violence against children. Rev Baiana Enferm. 2019;33:e33282. https://doi.org/10.18471/rbe.v33.33282
https://doi.org/10.18471/rbe.v33.33282...
).

Os pioneiros no desenvolvimento de programas para prevenção primária da violência infantil, com pesquisas de intervenções promissoras, foram os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos da América, Canadá e Europa Ocidental(1313 United Nations International Children’s Emergency Fund. A Familiar Face: violence in the lives of children and adolescents [Internet]. New York: UNICEF; 2017 [cited 2022 Apr 22]. Available from: https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
https://data.unicef.org/resources/a-fami...
). No entanto, pesquisas mostram que as crianças que vivem nas comunidades de países mais pobres têm maior probabilidade de sofrer abusos e negligência, e a exposição à violência é mais prevalente em bairros e comunidades empobrecidos ou isolados(1414 Coore-Desai C, Reece J, Shakespeare-Pellington S. The prevention of violence in childhood through parenting programmes: a global review. Psychol Health Med. 2017;22(sup1):166-86. https://doi.org/10.1080/13548506.2016.1271952
https://doi.org/10.1080/13548506.2016.12...
).

Os obstáculos para a implantação dos programas universais de prevenção à violência infantil são o alto custo, a necessidade de treinamento e o tempo longo de execução, resultando, portanto, na dificuldade de adesão e recrutamento da população, tornando-se um desafio, quando incorporados na prática, em especial no ambiente da atenção primária(1515 Burkhart K, Knox M, Hunter K, Pennewitt D, Schrouder K. Decreasing Caregivers' Positive Attitudes Toward Spanking. J Pediatr Health Care. 2018;32(4):333-9. https://doi.org/10.1016/j.pedhc.2017.11.007
https://doi.org/10.1016/j.pedhc.2017.11....
). Uma das ações estratégicas da PNAISC, na prevenção de violências, é promover a articulação de ações intrassetoriais e intersetoriais dos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), o que implica o apoio à implementação de medidas no enfrentamento às violações dos direitos da criança, na qual se incluem os programas(99 Presidência da República (BR). Portaria nº 1.130, de 5 de Agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 5 de agosto de 2015.).

O “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” (http://playnicely.vueinnovations.com/) foi desenvolvido com o objetivo de prevenir a violência infantil e mitigar o estresse tóxico. É um programa universal, de intervenção breve, e não necessita de treinamento anterior à sua aplicação(1616 Hudnut-Beumler J, Smith A, Scholer SJ. How to convince parents to stop spanking their children. Clin Pediatr. 2018;57(2):129-36. https://doi.org/10.1177/0009922817693298
https://doi.org/10.1177/0009922817693298...
). A estrutura do programa foca-se na abordagem das adverse childhood experiences (ACEs), na qual o abuso infantil está incluso(1717 Hunt TKA, Berger LM, Slack KS. Adverse childhood experiences and behavioral problems in middle childhood. Child Abuse Negl. 2017;67:391-402. https://doi.org/10.1016%2Fj.chiabu.2016.11.005
https://doi.org/10.1016%2Fj.chiabu.2016....
). Consiste em um material impresso que oferece 20 estratégias de disciplina que podem ser usadas com crianças de um a 10 anos para lidar com a agressão na infância, com base na seguinte pergunta: suponha que você veja uma criança batendo em outra: o que você faria? Possui 39 páginas, e pode ser utilizado por pais, professores e profissionais de saúde(1818 Monroe-Carell Jr. Children’s Hospital at Vanderbilt. Play nicely: the healthy discipline program [Internet]. Nashville: Vanderbilt University Medical Center; 2021 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.childrenshospitalvanderbilt.org/information/play-nicely-healthy-discipline-program
https://www.childrenshospitalvanderbilt....
).

Quanto à lacuna do conhecimento, destaca-se que estudos sobre programas de prevenção relacionados à violência infantil, sobretudo de adaptação transcultural, são escassos no país. Assim, este estudo justifica-se pela necessidade e importância de validação de um instrumento para a língua portuguesa capaz de prevenir a violência infantil, presente na população, contribuindo para mudanças de comportamentos e a conscientização de profissionais da saúde, educação e familiares e, ainda, ampliar as bases para pesquisas nessa área.

OBJETIVO

Desenvolver o processo de tradução, adaptação transcultural e validação do “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” para uso no Brasil.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Para a realização do estudo, solicitou-se ao autor do programa a permissão para a tradução do material, com parecer favorável. Foi disponibilizado atendimento psicológico para os participantes, caso necessário, devido à possibilidade de desconforto ou constrangimento ao analisar o material. O desenvolvimento do estudo atendeu às normas de ética em pesquisa nacionais e internacionais.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo metodológico de abordagem quantitativa, proposto por Beaton et al. (2000). Seguiram-se as etapas de tradução, retrotradução, comitê de juízes e pré-teste(1919 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/10.1097/00007632-2000121...
-2020 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Institute for Work & Health; 2007.), bem como observação dos critérios do protocolo COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments (COSMIN)(2121 Amsterdam Public Health Research Institute. The COSMIN Checklist [Internet]. Amsterdam: The Netherlands; 2018 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.cosmin.nl
https://www.cosmin.nl...
). A coleta de dados ocorreu no período de março de 2020 a setembro de 2021. O estudo foi realizado em um município de pequeno porte no norte do Paraná, em duas escolas municipais com ensino Fundamental I e três Unidades Básicas de Saúde (UBS).

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população do estudo foi composta por quatro tradutores, sendo dois tradutores participantes da primeira etapa (tradução) e dois na etapa de retrotradução, e sete juízes avaliadores. A população-alvo foi composta por 30 participantes, sendo 10 pais/cuidadores de crianças de um a 10 anos, 10 professores do ensino infantil e fundamental I e 10 profissionais de saúde das UBS. Os critérios de inclusão para os juízes avaliadores foram ser especialista na área de saúde da criança, docente, com escolaridade em nível de mestrado ou doutorado e ter mais de cinco anos de profissão. Para a população-alvo, os critérios de inclusão foram atender crianças na faixa etária de um a 10 anos, ter filhos e/ou alunos também nessa faixa etária; e os critérios de exclusão foram não ser alfabetizado (no caso dos pais/cuidadores) ou ter deficiência visual.

Protocolo do estudo

A primeira etapa consistiu na tradução do material original para a língua portuguesa por dois tradutores fluentes na língua inglesa, que tinham como língua materna a língua-alvo. Um tradutor possuía formação na área da saúde e estava ciente dos objetivos da tradução, enquanto o outro não possuía formação na área da saúde, denominado tradutor ingênuo, com a intenção de que esse último fosse capaz de detectar um significado diferente do original identificado pelo primeiro tradutor, por estar menos influenciado por um objetivo acadêmico, oferecendo uma tradução que refletisse a linguagem usada por aquela população, muitas vezes destacando significados ambíguos no material original. Os critérios de inclusão dos tradutores foram ter experiência no idioma inglês por pelo menos cinco anos, mais de 18 anos de idade e ser brasileiro nato.

Com a versão do tradutor 1 (T1) e a versão do tradutor 2 (T2) em mãos, foram realizadas análises de discrepâncias entre as versões pelo pesquisador e tradutores e, após a análise, deu-se origem à síntese dessas versões, denominada versão T12. Posteriormente, fez-se a retrotradução (R) do material por dois tradutores diferentes dos da primeira etapa. Com as versões do retrotradutor 1 (R1) e do retrotradutor 2 (R2) em mãos, foram realizadas análises entre as versões pelos tradutores, com o objetivo de garantir que a versão traduzida refletisse o mesmo conteúdo da versão original(1717 Hunt TKA, Berger LM, Slack KS. Adverse childhood experiences and behavioral problems in middle childhood. Child Abuse Negl. 2017;67:391-402. https://doi.org/10.1016%2Fj.chiabu.2016.11.005
https://doi.org/10.1016%2Fj.chiabu.2016....
). Após a análise, deu-se origem à síntese dessas versões, denominada versão R12. Os critérios de inclusão desses tradutores incluíram ser nato em país cujo idioma fosse o inglês, maior de 18 anos, morar no Brasil há pelo menos dois anos e ser fluente no idioma português.

Os tradutores de ambas as etapas foram captados de um banco de dados de tradutores, indicados por outros pesquisadores pertencentes a grupos de pesquisa que realizam com frequência o processo de adaptação transcultural. Em seguida, essa versão foi enviada para análise e avaliação pelo autor do programa, não havendo sugestões de alteração.

A terceira etapa foi composta pela avaliação de um comitê de sete juízes, especialistas na área de saúde da criança e com formação acadêmica em nível de doutorado. Os juízes responderam uma escala Likert de 1 a 4, avaliando as equivalências: semântica - cujo objetivo é avaliar se as palavras possuem o mesmo significado, bem como as dificuldades gramaticais na tradução; idiomática - no caso de coloquialismos ou expressões idiomáticas difíceis de traduzir; conceitual - refere-se à validade do conceito explorado e aos eventos vividos pelas pessoas na cultura-alvo, uma vez que os itens podem ser equivalentes no significado semântico, mas não conceitualmente; cultural - o cotidiano diário geralmente varia em diferentes países e culturas, dessa forma, determinada tarefa pode simplesmente não ser experimentada na cultura de destino, mesmo que seja traduzível, sendo necessária a adaptação(1919 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/10.1097/00007632-2000121...
). O guia foi enviado por meio da plataforma Google Forms, sendo dividido de acordo com o capítulo abordado e subdividido em parágrafos, para facilitar a análise. Caso a pontuação fosse inferior a 4, era solicitado um comentário ou sugestão. Os especialistas tiveram o prazo de 30 dias para a avaliação.

A última etapa consistiu na realização da versão pré-final, com a população-alvo denominada pré-teste, com 30 participantes, sendo 10 pais/cuidadores, 10 professores e 10 profissionais de saúde.

Nas escolas de Ensino Fundamental I, selecionaram-se os pais e os professores mediante contato com a diretora. Em seguida, a pesquisadora foi adicionada no grupo do aplicativo WhatsApp da escola, para que fosse realizado o convite de participação na pesquisa. Aos que aceitaram participar, agendou-se um encontro presencial com a pesquisadora para que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e respondessem a um questionário de caracterização sociodemográfica. Após o aceite de participação, os professores e os pais receberam uma cópia do programa.

O contato com os profissionais de saúde foi realizado por intermédio das enfermeiras coordenadoras das UBS, que indicaram os profissionais disponíveis no momento. Após o aceite de participação, agendou-se um encontro presencial com a pesquisadora para que assinassem o TCLE e respondessem a um questionário de caracterização sociodemográfica; em seguida, receberam uma cópia do programa. Os participantes foram orientados quanto ao preenchimento de uma escala Likert de 0 a 4 (0: não entendi nada; 1: entendi um pouco; 2: entendi mais ou menos; 3: entendi quase tudo, mas tive algumas dúvidas; e 4: entendi perfeitamente e não tenho dúvidas), contendo também espaço disponível para sugestões ou dúvidas, caso a pontuação fosse inferior a 4. Para facilitar o manuseio e o não esquecimento do que foi lido, as páginas com a escala foram acrescentadas por seção, ou seja, após cada seção ou assunto abordado, era solicitado o preenchimento da mesma. A Figura 1 apresenta o percurso de tradução e adaptação transcultural.

Figura 1
Síntese do processo de tradução e adaptação transcultural do “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram estruturados em banco de dados em planilha do software Microsoft Excel for Windows® e, posteriormente, exportados para o IBM SPSS versão 23 para análise estatística. Calculou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) tanto para a população de juízes quanto para a população do pré-teste. O IVC foi calculado pela soma da concordância de itens no material que alcançaram uma escala de clareza com pontuação de “3” ou “4” por todos que avaliaram(2222 Alexandre NMC, Coluci MZO. Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments. Cienc Saude Colet. 2011;16(7):3061-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
-2323 Polit DF, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what's being reported? critique and recommendations. Res Nurs Health. 2006;29(5):489-497. https://doi.org/10.1002/nur.20147
https://doi.org/10.1002/nur.20147...
). Os itens que receberam pontuação abaixo de “4” foram revisados, analisados e adaptados, conforme sugestões pertinentes. A fórmula utilizada para o cálculo do IVC de cada item foi obtida pelo número de respostas “3” ou “4” dividido pelo total de respostas que, no caso dos especialistas, totalizaram sete, e na população-alvo, 30 participantes. O índice de concordância aceitável foi de no mínimo 0,80 e, preferencialmente, maior que 0,90(2222 Alexandre NMC, Coluci MZO. Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments. Cienc Saude Colet. 2011;16(7):3061-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201100...
).

Foram analisados 428 campos na etapa do comitê de especialistas e 38 campos com a população do pré-teste. A diferença no número de campos se deu pela forma de divisão das seções para avaliação, sendo que, para a avaliação do comitê de especialistas, por ser um material extenso, houve necessidade de maior fragmentação.

RESULTADOS

O “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” foi adaptado para a cultura brasileira. A versão brasileira do material recebeu o título de “Brincar Legal: O Guia de Disciplina Saudável”, e está estruturado em três capítulos: 1) Introdução; 2) Os cinco passos; e 3) Quando procurar ajuda profissional. Na subseção do segundo capítulo, são abordadas cinco recomendações do que fazer diante de atos de agressão: Ensine seu filho a não ser uma vítima; Aprenda formas de agir frente a comportamentos desafiadores como a agressão, não ouvir, comportamento desrespeitoso, mentir e maus hábitos, com 20 opções de disciplina; Diminua a exposição à violência e à mídia excessiva; Demonstre amor; Seja firme.

Da primeira etapa das traduções (T1 e T2), foi obtida a síntese, T12. Para o consenso entre as traduções, foram necessários ajustes pelos pesquisadores, que aconteceram em duas rodadas. As traduções possuíam discrepâncias semânticas, e foram acordadas para que se pudesse seguir para a próxima etapa. Na retrotradução, as versões R1 e R2 resultaram na síntese da R12. As traduções nessa etapa foram muito semelhantes à versão original e, quando analisadas pelos pesquisadores, destacaram alguns termos distintos, mas sem comprometimento em relação ao contexto. A R12 foi enviada ao autor do programa, tendo parecer favorável, sem alterações. Da terceira e quarta etapa, originou-se o processo de validação de conteúdo.

A etapa seguinte contou com a análise dos especialistas. Os sete juízes eram do sexo feminino, enfermeiras, possuíam pós-graduação em nível de doutorado, e ministravam aulas na graduação do curso de enfermagem na área de saúde da criança. Os valores obtidos por meio do IVC foram: dos 428 campos analisados, sete (1,6%) obtiveram valor de 85,7%, e 421 (98,4%) obtiveram valor de 100,0% na validação de conteúdo. Foi sugerida pelos juízes a mudança no título da palavra “legal” por “saudável” ou “gentil”, no entanto os pesquisadores optaram por manter a palavra “legal”, por refletir melhor o conteúdo do material. Em relação à alteração da palavra “livro” para “guia”, de equivalência conceitual, os pesquisadores decidiram por acatar a sugestão, pois a palavra “guia” mostra a intenção de orientar, que corresponde melhor aos objetivos do material. Os itens modificados encontram-se no Quadro 1.

Quadro 1
Modificações sugeridas pelos juízes. Brasil, 2021

Das alterações ajustadas, 99,7% foram indicadas como equivalência semântica e 0,3% eram de equivalência idiomática. As características sociodemográficas predominantes na população-alvo foram: 29 participantes do sexo feminino (99%), e a idade variou entre 20 e 62 anos, com 40% na faixa de 30 a 40 anos. Em relação à escolaridade, a maioria possuía 3º grau completo (76,6%); e tinha dois filhos (53,3%). O tempo de profissão dos profissionais de saúde e dos professores variou entre 10 e 30 anos (70%). Da avaliação da população-alvo, obtiveram-se os seguintes resultados: dos 38 campos analisados, 34 (89,5%) totalizaram 100% de avaliações adequadas, três (7,9%) totalizaram 96,7% de avaliações adequadas e um (2,6%) obteve 93,3% de avaliação adequada. Diante dos resultados, optou-se pelas modificações expostas no Quadro 2.

Quadro 2
Modificações sugeridas pela população-alvo. Brasil, 2021

DISCUSSÃO

Disciplinas inadequadas e agressão na infância são preditores para a manutenção da violência intergeracional, além do aumento do risco no desenvolvimento de problemas de saúde de ordem física e mental. Nesse sentido, o programa traz ao conhecimento da população estratégias saudáveis de disciplinar as crianças, o que pode favorecer a interrupção desse ciclo(1818 Monroe-Carell Jr. Children’s Hospital at Vanderbilt. Play nicely: the healthy discipline program [Internet]. Nashville: Vanderbilt University Medical Center; 2021 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.childrenshospitalvanderbilt.org/information/play-nicely-healthy-discipline-program
https://www.childrenshospitalvanderbilt....
).

Reações negativas dos pais em relação à criança, por não obedecer aos comandos inapropriados, ineficazes e/ou pouco claros dados por eles, podem contribuir para a ativação inicial dos comportamentos problemáticos da criança. Além disso, o fato de o programa ser universal, de intervenção breve e oferecido em âmbito da atenção primária favorece a desestigmatização dos pais com necessidades identificadas. Programas de intervenção parentais com durabilidade longa têm sido consistentemente relacionados à baixa adesão e a conflitos de prioridades, horários e problemas de transporte dos pais(2424 Moon DJ, Damman JL, Romero A. The effects of primary care-based parenting interventions on parenting and child behavioral outcomes: a systematic review. Trauma Violence Abuse. 2020;21(4):706-24. https://doi.org/10.1177/1524838018774424
https://doi.org/10.1177/1524838018774424...
).

O processo de tradução, adaptação transcultural e validação do programa ocorreu de forma sistemática, seguindo os estágios de referencial metodológico de credibilidade internacional e critérios para assegurar o rigor e a transparência do processo(2525 Oliveira FD, Kuznier TP, Souza CC, Chianca TC. Theoretical and methodological aspects for cultural adaptation and validation of instruments in nursing. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2). https://doi.org/10.1590/0104-070720180004900016
https://doi.org/10.1590/0104-07072018000...
-2626 Mokkink LB, Prinsen CA, Patrick DL, Alonso J, Bouter LM, Vet HC, et al. COSMIN Study Design checklist for Patient-reported outcome measurement instruments [Internet]. Amsterdam: The Netherlands; 2019 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.cosmin.nl/wp-content/uploads/COSMIN-study-designing-checklist_final.pdf
https://www.cosmin.nl/wp-content/uploads...
). A síntese da primeira etapa de validação implicou a observação de disparidades entre T1 e T2, e obteve grande êxito pelos pesquisadores, sendo confirmada na etapa da retrotradução. Assim, quando enviada para o autor do programa para refinamento da R12, não recebeu indicações de correções ou adaptações. O envio para o autor do programa evidenciou bons resultados nas etapas anteriores.

A análise dos especialistas apontou sugestões que consolidaram o material para uso na versão pré-teste. O fato de atuarem na docência contribuiu de maneira positiva para um rigor de correção mais acurado, por ser parte da sua função acadêmica. A validação de conteúdo realizada mostrou, em sua maioria, correções de origem semântica, preservando o significado das palavras contidas no instrumento original(1919 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/10.1097/00007632-2000121...
-2020 Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Institute for Work & Health; 2007.). De forma geral, houve poucos apontamentos, considerando a extensão do material e o número de campos a serem avaliados.

Os apontamentos de equivalência idiomática foram fundamentais, como na recomendação 5 do guia, referente à alteração da palavra “consistente” para a palavra “firme”, que aborda a importância de os pais/cuidadores serem firmes ao determinarem uma regra à criança e jamais ignorarem um comportamento agressivo.

Estabelecer regras na criação dos filhos está implícito nas necessidades emocionais comuns a todas as crianças, que é o de estabelecer limites realistas e não atender a essa necessidade, que, aliado ao não suprimento de outras necessidades essenciais, pode desencadear repercussões negativas ao longo do desenvolvimento psicológico da personalidade infantil(2727 Basso LA, Fortes AB, Maia CP, Steinhorst E, Wainer R. The effects of parental rearing styles and early maladaptive schemas in the development of personality: a systematic review. Trends Psychiatry Psychother. 2019;41(3):301-13. https://doi.org/10.1590/2237-6089-2017-0118
https://doi.org/10.1590/2237-6089-2017-0...
-2828 Granja MB, Mota CP. Parenting styles, academic adaptation and psychological well-being in young adults. An Psicol. 2018;36(3):311-26. https://doi.org/10.14417/ap.1415
https://doi.org/10.14417/ap.1415...
).

Ser firme é diferente da punição severa. Parentalidade com imposição de poder, parentalidade negligente, métodos parentais de rejeição e abuso infantil estão relacionados a comportamentos antissociais, agressivos e violentos em adolescentes(2929 Johnson S. Parenting styles and raising delinquent children: responsibility of parents in encouraging violent behavior. Forensic Res Criminol Int J. 2016;3(1):243-7. https://doi.org/10.15406/frcij.2016.03.00081
https://doi.org/10.15406/frcij.2016.03.0...
). Em contrapartida, estudos evidenciam que o estilo parental participativo está relacionado a níveis mais elevados de autoestima e níveis mais baixos para os estilos autoritários e negligentes(3030 Pinquart M, Gerke D. Associations of parenting styles with self-esteem in children and adolescents: a meta-analysis. J Child Fam Stud. 2019;28:2017-35. https://doi.org/10.1007/s10826-019-01417-5
https://doi.org/10.1007/s10826-019-01417...
).

Outra indicação de mudança na equivalência idiomática, evidenciada pelos especialistas, foi da palavra “hábitos”, acrescida da palavra “maus”, tendo como resultado o termo “maus hábitos”. Além de trabalhar a agressão na infância, o programa traz algumas recomendações para outros comportamentos desafiadores, como os maus hábitos. Entre eles, encontram-se chupar o dedo, comer com a boca aberta, mentir, roer unhas, enrolar o cabelo e deixar as pessoas esperando demasiadamente. O mau hábito de mentir pode se apresentar como um comportamento externalizante. Problemas de externalização de comportamento em crianças pequenas são comuns e, quando deixados sem solução, estão associados à angústia familiar, a problemas de relacionamento entre pais e filhos e ao funcionamento social prejudicado. A longo prazo, estão associados a prejuízo acadêmico, psicopatologia, além de custos econômicos significativos(3131 Wolcott CS, Frankel KA, Goodwin RE, Harrison JN. Approaches to the Management of Young Children’s Externalizing Behavior Problems in the Primary Care Setting. Curr Treat Options Pediatr. 2018;4(1):37-48. https://doi.org/10.1007/s40746-018-0113-4
https://doi.org/10.1007/s40746-018-0113-...
).

Em relação à população-alvo, houve prevalência do sexo feminino, refletindo a mãe como principal cuidadora dos filhos. Embora o cenário esteja em evolução no sentido da mudança de um olhar coletivo sobre a quem compete o papel de cuidar, e o papel do pai venha se destacando(3232 Santos CVM, Antunez AEA. Fatherhood affectively imprinted: modalities of interaction in father-baby relations. Arq Bras Psicol [Internet]. 2018 [cited 2021 Feb 22];70(1):224-38. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n1/16.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n1...
), a sociedade ainda possui em seu imaginário coletivo a visão intergeracional da mulher como protagonista no cuidado dos filhos(3333 Assis NDP, Visintin CDN, Borges AAR, Aiello-Vaisberg TMJ. Woman, mother and daughter caregiver: collective imaginary about intergenerational relations. Psicol Clin. 2020;32(2):213-30. https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n02A01
https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v003...
).

O grau de escolaridade e o tipo e tempo de profissão evidenciam a busca da mulher por diferentes espaços, além da manutenção do seu papel de cuidadora(3232 Santos CVM, Antunez AEA. Fatherhood affectively imprinted: modalities of interaction in father-baby relations. Arq Bras Psicol [Internet]. 2018 [cited 2021 Feb 22];70(1):224-38. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n1/16.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n1...
). Na validação de conteúdo, surgiram poucas sugestões, sendo todas de origem semântica, levando os pesquisadores a acatarem todos os termos sugeridos, para melhor compreensão do texto. Uma das palavras sugeridas foi na abordagem da disciplina: trocar “disciplina apropriada” e “disciplina inapropriada” por “disciplina adequada” e disciplina inadequada”. Disciplinas inadequadas, como o castigo físico, não são permitidas por lei em diversos países, incluindo o Brasil, que, no ano de 2014, promulgou a Lei nº 13010/2014, proibindo expressamente o castigo físico em crianças e adolescentes(44 Presidência da República (BR). Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União; 26 de junho de 2014.,3434 Figueiredo DD. O castigo físico em crianças. Cad Defensoria Pública Est São Paulo [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 21];5(26):175-96. Available from: https://www.tjpb.jus.br/sites/default/files/anexos/2021/01/infancia_e_juventude_a_prioridade_absoluta_de_criancas_e_adolescentes_na_defensoria_publica.pdf
https://www.tjpb.jus.br/sites/default/fi...
); no entanto, embora a lei esteja em vigor, o país possui índices altíssimos de violência física infantil.

O castigo corporal é definido como o uso de força física para fazer com que uma criança sinta dor ou desconforto, mesmo que leve, incluindo palmadas(3535 Cuartas J, Weissman DG, Sheridan MA, Lengua L, McLaughlin KA. Corporal punishment and elevated neural response to threat in children. Child Development. 2021;92(3):821-32. https://doi.org/10.1111/cdev.13565
https://doi.org/10.1111/cdev.13565...
). O castigo físico não prevê melhorias no comportamento pró-social das crianças ou competência social ao longo do tempo, contribuindo para o aumento do risco de maus-tratos infantis, ou seja, em um ambiente onde se usa a punição como forma de educar, pode-se evoluir para outros tipos de maus-tratos(3636 Heilmann A, Mehay A, Watt RG, Kelly Y, Durrant JE, Turnhout JV, et al. Physical punishment and child outcomes: a narrative review of prospective studies. Lancet. 2021;398(10297):355-64. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00582-1
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00...
).

Outra sugestão de alteração foi da palavra “retaliação” por “revidar”. Uma das recomendações que o programa aborda é a importância de os cuidadores ensinarem precocemente a criança a não ser uma vítima de agressão e a não revidar, caso isso aconteça. O comportamento agressivo na criança pequena é comum de ser observado, como bater, empurrar, chutar, cutucar, beliscar, morder, puxar o cabelo e pegar objetos de outras crianças. Nesse sentido, a maneira como o cuidador vai lidar nessa circunstância pode atenuar ou agravar a situação. O primeiro modelo de interação social que a criança tem é sua família, e é nesse ambiente que serão estabelecidos sua formação, conceitos e crença no mundo(3737 Costa KA, Laport TJ. Family and society: an analysis of the human development process. Rev Mosaico. 2019;10(1):49-55. https://doi.org/10.21727/rm.v10i1.1784
https://doi.org/10.21727/rm.v10i1.1784...
).

A base do programa está nas ACEs, que compreendem cinco subtipos de maus-tratos na infância, como a violência física. Nos últimos anos, o objetivo das pesquisas relacionadas com as ACEs mudou seu delineamento de como afetam negativamente a saúde na idade adulta para o desenvolvimento de estratégias para prevenção na infância. Nesse sentido, o programa se destaca por abordar estratégias de práticas parentais que podem contribuir para interromper a transmissão intergeracional da violência(3838 Narayan AJ, Lieberman AF, Masten AS. Intergenerational transmission and prevention of adverse childhood experiences (ACEs). Clin Psychol Rev. 2021;85:101997. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2021.101997
https://doi.org/10.1016/j.cpr.2021.10199...
). Aliado a isso, a aplicabilidade do programa em realidades como a do Brasil pode favorecer o conhecimento e a prática sobre o tema.

Limitações do estudo

A ausência de outros profissionais de saúde, tanto na etapa de análise dos especialistas, como no pré-teste, por dificuldade no recrutamento desses profissionais.

Contribuições para as áreas da enfermagem, saúde e políticas públicas

A tradução do material “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” para a língua brasileira pode ser utilizada como ferramenta para auxiliar profissionais de saúde da atenção primária no atendimento a pais de crianças de 1 a 10 anos, educadores em sala de aula e pais/cuidadores em seus lares. O programa apresenta um conjunto de ações para diferentes populações que poderão ser multiplicadas no ambiente de trabalho e no convívio familiar/ em comunidade, o que pode favorecer, ao aprofundar o conhecimento de disciplinas saudáveis, uma parentalidade mais positiva no que tange à educação de crianças.

CONCLUSÕES

A adaptação transcultural e a validação do “Play Nicely Program: The Healthy Discipline Handbook” foram consideradas satisfatórias, por apresentarem fácil leitura e compreensão demonstrados pelo IVC tanto de especialistas quanto da população-alvo, e pode ser útil para profissionais de saúde, professores e pais que lidam com a faixa etária de crianças de 1 a 10 anos. Aos profissionais, é útil como ferramenta no atendimento infantil, e aos professores em sala de aula e aos pais/cuidadores, dentro de seus lares. Recomendam-se novos estudos de aplicabilidade do material na população para a qual se destine, para verificar a usabilidade no país.

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Rosane Cardoso

REFERENCES

  • 1
    Egry EY, Apostolico MR, Morais TCP. Notificação da violência infantil, fluxos de atenção e processo de trabalho dos profissionais da Atenção Primária em Saúde. Cienc Saúde Colet. 2018;23(1):83-92. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.22062017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.22062017
  • 2
    Lippard ETC, Nemeroff CB. The devastating clinical consequences of child abuse and neglect: increased disease vulnerability and poor treatment response in mood disorders. Am J Psychiatry. 2020;177(1):20-36. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2019.19010020
    » https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2019.19010020
  • 3
    Kerna NA, Molets HM, Hafid A, Pruitt KD, Nwokorie U. SCAN: A succinct and practical guide for recognizing and reporting suspected child abuse and neglect. EC Paedriatrics [Internet]. 2021 [cited 2022 Jan 21];10(7):63-74. Available from: https://www.researchgate.net/publication/352897628_SCAN_A_Succinct_and_Practical_Guide_for_Recognizing_and_Reporting_Suspected_Child_Abuse_and_Neglect
    » https://www.researchgate.net/publication/352897628_SCAN_A_Succinct_and_Practical_Guide_for_Recognizing_and_Reporting_Suspected_Child_Abuse_and_Neglect
  • 4
    Presidência da República (BR). Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União; 26 de junho de 2014.
  • 5
    Nunes ACP, Silva CC, Carvalho CTC, Silva FG, Fonseca PCSB. Child violence in Brazil and its psychological consequences: a systematic review. Braz J Dev. 2020;6(10):79408-41. https://doi.org/10.34117/bjd.v6i10.18453.g14870
    » https://doi.org/10.34117/bjd.v6i10.18453.g14870
  • 6
    Afifi TO, Mota N, Sareen J, MacMillan H. The relationships between harsh physical punishment and child maltreatment in childhood and intimate partner violence in adulthood. BMC Public Health. 2017;17(1):1-10. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4359-8
    » https://doi.org/10.1186/s12889-017-4359-8
  • 7
    Herrenkohl TI, Fedina L, Roberto KA, Raquet K, Hu RX, Rousson AN, et al. Child maltreatment, youth violence, intimate partner violence, and elder mistreatment: a review and theoretical analysis of research on violence across the life course. Trauma Violence Abuse. 2020;23(1):314-28. https://doi.org/10.1177/1524838020939119
    » https://doi.org/10.1177/1524838020939119
  • 8
    World Health Organization (WHO). INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2022 Apr 22]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356
    » https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356
  • 9
    Presidência da República (BR). Portaria nº 1.130, de 5 de Agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 5 de agosto de 2015.
  • 10
    Waquim BB, Coelho IM, Moraes-Godoy AS. The constitutional history of childhood in Brazil under the Bernardino boy case. Rev Bras Direito. 2018;14(1):88-110. https://doi.org/10.18256/2238-0604.2018.v14i1.1680
    » https://doi.org/10.18256/2238-0604.2018.v14i1.1680
  • 11
    Melo RA, Carlos DM, Freitas LA, Roque EMST, Aragão AS, Ferriani MGC. Rede de proteção na assistência às crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190380. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190380
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190380
  • 12
    Santos LF, Javaé ACRS, Costa MM, Silva MVFB, Mutti CF, Pacheco LR. The experiences of health professionals with the management of violence against children. Rev Baiana Enferm. 2019;33:e33282. https://doi.org/10.18471/rbe.v33.33282
    » https://doi.org/10.18471/rbe.v33.33282
  • 13
    United Nations International Children’s Emergency Fund. A Familiar Face: violence in the lives of children and adolescents [Internet]. New York: UNICEF; 2017 [cited 2022 Apr 22]. Available from: https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
    » https://data.unicef.org/resources/a-familiar-face/
  • 14
    Coore-Desai C, Reece J, Shakespeare-Pellington S. The prevention of violence in childhood through parenting programmes: a global review. Psychol Health Med. 2017;22(sup1):166-86. https://doi.org/10.1080/13548506.2016.1271952
    » https://doi.org/10.1080/13548506.2016.1271952
  • 15
    Burkhart K, Knox M, Hunter K, Pennewitt D, Schrouder K. Decreasing Caregivers' Positive Attitudes Toward Spanking. J Pediatr Health Care. 2018;32(4):333-9. https://doi.org/10.1016/j.pedhc.2017.11.007
    » https://doi.org/10.1016/j.pedhc.2017.11.007
  • 16
    Hudnut-Beumler J, Smith A, Scholer SJ. How to convince parents to stop spanking their children. Clin Pediatr. 2018;57(2):129-36. https://doi.org/10.1177/0009922817693298
    » https://doi.org/10.1177/0009922817693298
  • 17
    Hunt TKA, Berger LM, Slack KS. Adverse childhood experiences and behavioral problems in middle childhood. Child Abuse Negl. 2017;67:391-402. https://doi.org/10.1016%2Fj.chiabu.2016.11.005
    » https://doi.org/10.1016%2Fj.chiabu.2016.11.005
  • 18
    Monroe-Carell Jr. Children’s Hospital at Vanderbilt. Play nicely: the healthy discipline program [Internet]. Nashville: Vanderbilt University Medical Center; 2021 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.childrenshospitalvanderbilt.org/information/play-nicely-healthy-discipline-program
    » https://www.childrenshospitalvanderbilt.org/information/play-nicely-healthy-discipline-program
  • 19
    Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
    » https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
  • 20
    Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the cross-cultural adaptation of the DASH & QuickDASH outcome measures. Institute for Work & Health; 2007.
  • 21
    Amsterdam Public Health Research Institute. The COSMIN Checklist [Internet]. Amsterdam: The Netherlands; 2018 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.cosmin.nl
    » https://www.cosmin.nl
  • 22
    Alexandre NMC, Coluci MZO. Content validity in the development and adaptation processes of measurement instruments. Cienc Saude Colet. 2011;16(7):3061-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
  • 23
    Polit DF, Beck CT. The content validity index: are you sure you know what's being reported? critique and recommendations. Res Nurs Health. 2006;29(5):489-497. https://doi.org/10.1002/nur.20147
    » https://doi.org/10.1002/nur.20147
  • 24
    Moon DJ, Damman JL, Romero A. The effects of primary care-based parenting interventions on parenting and child behavioral outcomes: a systematic review. Trauma Violence Abuse. 2020;21(4):706-24. https://doi.org/10.1177/1524838018774424
    » https://doi.org/10.1177/1524838018774424
  • 25
    Oliveira FD, Kuznier TP, Souza CC, Chianca TC. Theoretical and methodological aspects for cultural adaptation and validation of instruments in nursing. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2). https://doi.org/10.1590/0104-070720180004900016
    » https://doi.org/10.1590/0104-070720180004900016
  • 26
    Mokkink LB, Prinsen CA, Patrick DL, Alonso J, Bouter LM, Vet HC, et al. COSMIN Study Design checklist for Patient-reported outcome measurement instruments [Internet]. Amsterdam: The Netherlands; 2019 [cited 2021 Feb 16]. Available from: https://www.cosmin.nl/wp-content/uploads/COSMIN-study-designing-checklist_final.pdf
    » https://www.cosmin.nl/wp-content/uploads/COSMIN-study-designing-checklist_final.pdf
  • 27
    Basso LA, Fortes AB, Maia CP, Steinhorst E, Wainer R. The effects of parental rearing styles and early maladaptive schemas in the development of personality: a systematic review. Trends Psychiatry Psychother. 2019;41(3):301-13. https://doi.org/10.1590/2237-6089-2017-0118
    » https://doi.org/10.1590/2237-6089-2017-0118
  • 28
    Granja MB, Mota CP. Parenting styles, academic adaptation and psychological well-being in young adults. An Psicol. 2018;36(3):311-26. https://doi.org/10.14417/ap.1415
    » https://doi.org/10.14417/ap.1415
  • 29
    Johnson S. Parenting styles and raising delinquent children: responsibility of parents in encouraging violent behavior. Forensic Res Criminol Int J. 2016;3(1):243-7. https://doi.org/10.15406/frcij.2016.03.00081
    » https://doi.org/10.15406/frcij.2016.03.00081
  • 30
    Pinquart M, Gerke D. Associations of parenting styles with self-esteem in children and adolescents: a meta-analysis. J Child Fam Stud. 2019;28:2017-35. https://doi.org/10.1007/s10826-019-01417-5
    » https://doi.org/10.1007/s10826-019-01417-5
  • 31
    Wolcott CS, Frankel KA, Goodwin RE, Harrison JN. Approaches to the Management of Young Children’s Externalizing Behavior Problems in the Primary Care Setting. Curr Treat Options Pediatr. 2018;4(1):37-48. https://doi.org/10.1007/s40746-018-0113-4
    » https://doi.org/10.1007/s40746-018-0113-4
  • 32
    Santos CVM, Antunez AEA. Fatherhood affectively imprinted: modalities of interaction in father-baby relations. Arq Bras Psicol [Internet]. 2018 [cited 2021 Feb 22];70(1):224-38. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n1/16.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n1/16.pdf
  • 33
    Assis NDP, Visintin CDN, Borges AAR, Aiello-Vaisberg TMJ. Woman, mother and daughter caregiver: collective imaginary about intergenerational relations. Psicol Clin. 2020;32(2):213-30. https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n02A01
    » https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n02A01
  • 34
    Figueiredo DD. O castigo físico em crianças. Cad Defensoria Pública Est São Paulo [Internet]. 2020 [cited 2021 Feb 21];5(26):175-96. Available from: https://www.tjpb.jus.br/sites/default/files/anexos/2021/01/infancia_e_juventude_a_prioridade_absoluta_de_criancas_e_adolescentes_na_defensoria_publica.pdf
    » https://www.tjpb.jus.br/sites/default/files/anexos/2021/01/infancia_e_juventude_a_prioridade_absoluta_de_criancas_e_adolescentes_na_defensoria_publica.pdf
  • 35
    Cuartas J, Weissman DG, Sheridan MA, Lengua L, McLaughlin KA. Corporal punishment and elevated neural response to threat in children. Child Development. 2021;92(3):821-32. https://doi.org/10.1111/cdev.13565
    » https://doi.org/10.1111/cdev.13565
  • 36
    Heilmann A, Mehay A, Watt RG, Kelly Y, Durrant JE, Turnhout JV, et al. Physical punishment and child outcomes: a narrative review of prospective studies. Lancet. 2021;398(10297):355-64. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00582-1
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00582-1
  • 37
    Costa KA, Laport TJ. Family and society: an analysis of the human development process. Rev Mosaico. 2019;10(1):49-55. https://doi.org/10.21727/rm.v10i1.1784
    » https://doi.org/10.21727/rm.v10i1.1784
  • 38
    Narayan AJ, Lieberman AF, Masten AS. Intergenerational transmission and prevention of adverse childhood experiences (ACEs). Clin Psychol Rev. 2021;85:101997. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2021.101997
    » https://doi.org/10.1016/j.cpr.2021.101997

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2022
  • Aceito
    13 Jul 2023
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br